Chico Mendes – História
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A história de Chico Mendes já é parte da história da floresta amazônica e seus povos.
Ele tornou-se um marco na mobilização em favor da justiça social e da preservação da natureza. Como a poronga que ilumina as estradas de seringa na mata, Chico apontou novos caminhos para os movimentos populares.
Lutou com seus companheiros, seringueiros e índios, pela defesa da floresta que ocupavam e utilizavam de maneira não predatória, e empregou formas de luta que, por sua originalidade e representatividade, deram aos movimentos de seringueiros uma repercussão ampla.
Suas propostas entraram em conflito com os interesses que pressupunham a devastação das florestas e a expulsão daqueles que nela vivem em harmonia com a natureza. Esses interesses, representados pela UDR e estimulados pela política econômica e social do governo, foram os responsáveis últimos pelo assassinato de Chico Mendes.
Este caderno conta a vida, as lutas e as propostas desse seringueiro, através da sua fala e dos programas que defendeu, além de depoimentos daqueles que acompanharam sua trajetória.
O mandato da senadora Marina Silva, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, o Conselho Nacional dos Seringueiros e a Central Única dos Trabalhadores pretendem com esse registro contribuir para a continuidade da luta em defesa da floresta e da reforma agrária.
A Defesa da Vida
Francisco Alves Mendes Filho, seringueiro desde criança, dedicou praticamente toda a sua vida à defesa dos trabalhadores e povos da floresta. Participou da fundação dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e Xapuri, além da fundação do Partido dos Trabalhadores do Acre e do Conselho Nacional dos Seringueiros. Chico Mendes reuniu em sua luta o trabalho sindical, a defesa da floresta e a militância partidária. Chico Mendes teve o seu trabalho reconhecido internacionalmente, sendo várias vezes premiado, inclusive pela ONU, que o distinguiu como um dos mais importantes defensores da natureza no ano de 1987.
Através de sua luta pela implantação das reservas extrativistas, Chico combinava a defesa da floresta com a reforma agrária reivindicada pelos seringueiros, contrariando grandes interesses, principalmente os dos latifundiários e da UDR. Em 22 de dezembro de 1988, Chico foi assassinado.
Entrevista realizada durante o 3º Congresso Nacional da CUT ( 9/9/88 )
Como surgiu essa proposta de aliança entre os povos da floresta?
Chico – A aliança dos povos da floresta vem em função de uma história que começa a partir do desbravamento da Amazônia. Para você ter uma idéia, os índios eram os legítimos donos da Amazônia e quando em 1877 começou o seu desbravamento houve uma espécie de tráfico de escravos para lá: eram nordestinos, cujos patrões – os grandes seringalistas do início do ciclo da borracha – aproveitaram-se de sua miséria, usando-os nesse desbravamento. Essas pessoas foram preparadas para lutar contra os índios, formando um exército de brancos preparados pelos seringalistas, pelas empresas, grupos e banqueiros internacionais, como era o caso da Inglaterra e dos EUA interessados na borracha da Amazônia. Começa então o conflito entre índios e brancos.
Nessa época, mais de sessenta grupos tribais na Amazônia foram massacrados pela ganância dos patrões. E a cada grupo dizimado correspondia a formação de grandes áreas de seringais. Assim começa toda a história.
Essa história permaneceu na década de 70 quando o governo militar decidiu acabar com o monopólio estatal da borracha e os seringalistas caíram na falência. A situação piorou muito para o seringueiro que era tido até então como uma espécie de escravo, que tinha sua sobrevivência garantida. Após 1970, com a implantação dos sistema latifundiário, com a política de especulação da terra, a situação mudou muito, iniciando-se então os grandes desmatamentos e a expulsão em massa.
De 1970 a 1975 chegaram os fazendeiros do sul que, com o apoio dos incentivos fiscais da SUDAM, compraram mais de 6 milhões de hectares de terra, espalhando centenas de jagunços pela região, expulsando e matando posseiros e índios, queimando os seus barracos, matando, inclusive, mulheres e animais.
Naquele momento, todos viviam nas matas, ninguém tinha consciência de luta. Os filhos de seringueiros não tinham o direito de ir à escola, pois aprenderiam a fazer contas e descobririam que estavam sendo roubados; então os patrões não permitiam. Na minha região, em cinco anos foram expulsos mais de 10 mil famílias de seringueiros. Quatro mil delas tentaram a vida na cidade aumentando o cinturão de miséria das cidades. O resto foi para a Bolívia tentar a vida nos seringais de lá, onde até hoje, numa situação difícil pois não são considerados nem brasileiros nem bolivianos, vivendo na clandestinidade.
A partir de 1975 começa a nascer uma consciência, organizam-se os primeiros sindicatos rurais juntamente com um trabalho da Igreja Católica. Mas tudo ocorrendo muito lentamente até 1980, quando generalizou-se por toda região o movimento de resistência dos seringueiros para impedir os grandes desmatamentos. Foi criado o famoso “empate” , forma que encontramos de, em mutirão, nos colocarmos diante dos peões, das motosserras, iniciando um trabalho no sentido de impedir os desmatamentos. Esse movimento era de homens, mulheres e crianças. As mulheres tiveram um papel muito importante como linha de frente e as crianças eram usadas como uma forma de evitar que os pistoleiros atirassem. Tínhamos uma mensagem para os peões: nos reuníamos com eles e explicávamos que destruindo a floresta eles não teriam mais como sobreviver e assim, muitas vezes, contávamos com suas adesões. O inimigo maior era a polícia contratada pelos fazendeiros. Nesse período ocorreram muitas prisões e pancadarias.
Como isso mudou no contexto de defesa da Amazônia?
Chico – Mudou dentro dessa luta pela preservação dos recursos naturais, visto que a região de repente estava se tornando um enorme pasto. Só na minha região, de 1970 a 1975, forma destruídas pelo fogo e pelas motosseras, 180 mil castanheiras e mais de 1,2 milhões de árvores de madeira de lei, sem contar as várias espécies de árvores medicinais que foram devoradas e transformadas em pastagens.
O objetivo era a especulação: desmatavam 2 mil há de floresta virgem, plantavam 1 mil há de pastagem e assim não tinha mais como o seringueiro viver.
Toda essa situação, as políticas de desenvolvimento financiadas pelos bancos internacionais, como é o caso do Polonoroeste em Rondônia, começaram a afetar inclusive as grandes empresas madeireiras.
Criou-se, em 1985, o Conselho Nacional dos Seringueiros por iniciativa do sindicato, já que até aquele momento vivíamos uma luta isolada, sem respaldo até mesmo do movimento sindical, onde todos estavam mais preocupados com seus problemas regionais.
O que podíamos fazer? Tentar um encontro nacional de seringueiros em Brasília, a única forma de criar repercussão de toda a luta que havia na região. Surge a idéia de se realizar esse encontro e, finalmente, em outubro de 1985, ele aconteceu. Esse encontro determinou que a partir daquele momento seria realizada uma campanha no sentido de se tentar uma aliança com os índios, já que as lutas eram iguais e que muita coisa que aprendemos, nossos costumes na mata por exemplo, vêm dos índios. Tínhamos uma herança de índio.
Começamos então a nos reunir com as principais lideranças das nações indígenas. Em 1982, antes do encontro então, já havia uma possibilidade de aproximação com os índios. Fui candidato a deputado estadual pelo PT e a gente conseguiu lançar um índio candidato a deputado federal, fazendo uma proposta de aliança dos povos da floresta. Nessa eleição, nenhum dos dois teve resultado positivo, mas foi importante no sentido de estabelecer esse aliança.
No Encontro Nacional dos Seringueiros, que contou com observadores nacionais e estrangeiros, começou a crescer essa consciência de aliança. E até hoje já foram realizadas vários encontros com propostas conjuntas entre índios e seringueiros. E aí surge a bandeira de luta pelas reservas extrativistas da Amazônia, que é um área também indígena. O índio não quer ser colono, quer utilizar as áreas comunitariamente, e os seringueiros juntam-se a essa consciência também. Não queremos título de propriedade da terra, queremos que ela seja da União, com usufruto dos seringueiros. Essa coisa pegou e chamou a atenção dos índios que começaram a se articular.
Em nível de cúpula essa idéia já estava clara. Então, partimos para as bases, com a realização de encontros regionais em áreas vizinhas aos índios e esses índios começaram a participar, e criamos, assim, comissões conjuntas de índios e seringueiros. Recentemente, no Vale do Juruá, realizamos uma passeata ecológica com duzentos índios presentes.
Com o avanço da luta, o sindicato se fortaleceu e as mulheres começaram a participar mais exigindo a criação de uma departamento feminino. Realizaram seu primeiro congresso em 1º de maio de 1988, e a partir daí as mulheres índias também começaram a participar mais e, recentemente, elas fizeram parte da mesa de um congresso.
Essa força nova que nasceu serviu para deixar os grandes latifundiários cada vez mais preocupados. Hoje, a UDR se preocupa muito em tentar se estruturar na Amazônia.
Essa experiência teve condições de se reproduzir em outros Estados?
Chico – Este trabalho está sendo articulado para todos os estados da Amazônia. O único problema que existe, conforme informamos à direção do Conselho Nacional dos Seringueiros, são as poucas pessoas. Como a Amazônia é muito grande, encontramos dificuldades em estabelecer contatos em toda a região, devido à dificuldades financeiras.
Com o Calha Norte, esses projetos dos bancos internacionais, que têm por objetivo atingir os índios, fizeram com que estes se organizassem muito mais. No Acre, essa aliança se fortaleceu pois a área é o alvo principal da cobiça dos grandes latifundiários e empresas madeireiras por causa da estrada.
Conseguimos centralizar mais a nossa atuação em Rondônia e no Acre pois, além do resto da região amazônica ser de difícil acesso, esses dois estados são o centro da atração porque a estrada possibilita o acesso dos grandes latifundiários e dos grupos estrangeiros à região. É a BR-364, que tem sido uma polêmica.
Em janeiro de 1987, recebemos a visita de uma comissão da ONU que acompanhou de perto o nosso confronto com os fazendeiros contra o desmatamento.
Denunciamos que esse desmatamento era resultado dos projetos financiados pelos bancos internacionais. Com isso a ONU e as entidades ambientalistas americanas nos convidaram para participar de uma reunião do BID em Miami, em março de 1987. Eu fui, sabendo que estava em terreno inimigo. Denunciei a política e aquilo pegou em cheio o presidente do Banco Central, que estava presente e que tentou impedir a minha entrada. Consegui credenciamento com a imprensa internacional, entrei e denunciei para vários diretores executivos do BID o que estava sendo feito na Amazônia.
Tive uma audiência marcada com o chefe da comissão de Operação de Verbas do Senado Americano, para o dia 28, quando levei documentos comprovando todas as consequências que o desmatamento, com a abertura da estrada financiada pelo BID, estava causando. Assim, no dia 2 de abril de 1987, o banco resolveu suspender o resto do desembolso para o asfaltamento da estrada. Isso aconteceu porque as entidades ambientalistas tinham um poder muito grande junto ao banco e conseguiram sensibilizar o Congresso americano.
Esse foi um ponto político muito importante no avanço do Conselho Nacional dos Seringueiros e na proposta dos índios.
Você falou que durante praticamente um século os seringueiros foram escravizados. Como se deu esse processo, quais são as formas de trabalho na floresta.
Chico – Desde aquela época que ninguém era dono de terra na Amazônia, o seringalista que sabia que existia uma determinada região habitada por índios preparava os seringueiros e atacava a região, destruíam as malocas e implantavam a sede de barracão. Dali, contando com profissionais, desbravavam uma área de 30 a 40 mil há dentro da mata, abrindo picadas e estabelecendo as colocações dos seringueiros. Estes dividiam as colocações, que não são lotes, entre cem a duzentas famílias e cada um deles explorava aproximadamente 300 a 500 há, em vários blocos de seringueiras, o que denominamos estradas de seringa.
Por exemplo, o seringalista que tinha trinta, quarenta e cinquenta famílias com uma produção anual de 50 toneladas de borracha ia no banco, fazia um financiamento de 100 toneladas e o seringueiro se via forçado a cobrir aquela produção. Daí ele se transformava em escravo pois seu grupo não poderia vender o produto para outro seringalista. Se o fizesse, a polícia o reprimia ou os jagunços o matavam.
Começa então o tráfico de nordestinos para a Amazônia. Eram trazidos de navio até o porto de Belém, sendo a praça de Belém a sede principal dos seringalistas.
Quando o navio chegava, os patrões levavam um número de pessoas para a selva. Existia uma propaganda no Nordeste de que a borracha era uma mina, quando a realidade era totalmente outro. Quando o nordestino chegava à Amazônia não tinha mais como voltar. Estava preso pelo rio, caminhava horas na matas, havia índios que resistiam e que matavam, tudo isso além da malária e outras doenças. Os que conseguiam um saldo que concretizaria o seu sonho de voltar à terra natal, não eram reembolsados. Como eram vários grupos de seringalistas, financiados por entidades internacionais, cada um detinha o domínio sobre uma determinada área. Em um não podia entrar na área do outro. Se acontecesse de um seringueiro ir ao barracão de um seringalista diferente daquele ao qual ele pertencia, e esse seringalista descobrisse, mandava a polícia ao barracão, tomava a borracha do seringueiro e ateava fogo nele. Muita gente morreu assim.
O próprio banco facilitava toda essa ação criminosa porque a borracha era marcada – cada seringueiro tinha uma marca para marcar sua borracha – aí então o patrão sempre reconhecia uma borracha diferente no seu lote.
Ainda hoje, em algumas regiões da Amazônia, prevalece o sistema de seringueiro escravo.
O governo resolveu maneirar mais na ação da polícia contra os seringueiros. Mas continuou a exploração. Não matava mais, mas prendia e açoitava, o que prevalece até hoje em algumas regiões.
Na nossa região começamos a lutar pela autonomia do seringueiro e já existe a figura dos seringueiro autônomo. São poucos, temos no total cerca de 15 famílias de seringueiros, das quais 30% são autônomas. Portanto, para a grande maioria ainda existe a figura do patrão porque o Conselho Nacional dos Seringueiros ainda não conseguiu estabelecer suas bases nos locais mais distantes, mas pelo menos já houve uma grande avanço.
Entre 1975 e 1985, conseguimos evitar que mais de 1,2 milhão de há de florestas fossem devastadas. Conseguimos também reocupar todas as áreas onde os seringueiros haviam sido expulsos na região do vale do Acre.
Como foi esse processo de defesa?
Chico – Foi um trabalho difícil, tivemos que enfrentar jagunços e a polícia. Começamos a reocupar essas áreas criando comunidades. Na medida em que criávamos uma comunidade organizada, ela ia trazendo famílias e colocando nas áreas desocupadas. Quando havia uma ação policial de despejo a comunidade se organizava muito bem e reocupava. E conseguimos, com todas as limitações do Estatuto da Terra, defender as áreas, baseadas no decreto 4504 – que diz que o posseiro não poder ser despejado de sua terra. Conseguimos também eliminar o desconto do patrão fazia, até 1970, de 10% do peso da borracha do seringueiro, além de 30% de aluguel que era obrigado a pagar.
Fizemos um trabalho para evitar que o seringueiro pagasse renda, para que ele começasse a construir sua autonomia. O que fazíamos? Os atravessadores estavam interessados em comprar diretamente do seringueiro, só que ele não podia entrar no seringal pois o patrão mandava prendê-lo. Com o nosso apoio, ele começou a oferecer melhor negócio para o seringueiro, ou seja, melhor preço para a borracha e, inicialmente, venderia os produtos alimentícios mais barato.
Começamos então a dar apoio ao marreteiro como uma forma de levar o seringueiro à autonomia.
Só que esse mesmo marreteiro, depois que se viu livre para circular nos seringais, transformou-se numa figura autoritária e exploradora. Agora, lutamos para combatê-lo, nos foi útil no passado, hoje é nosso inimigo.
Assim, a única alternativa é criar cooperativas. Criamos a primeira cooperativa agroextrativista em 30 de junho desse ano. Antes da sua fundação, os patrões pagavam Cz$ 150,00 o quilo da borracha, depois de criada a cooperativa, com o objetivo de derrubá-la, passaram a pagar Cz$ 230,00 o quilo, e nós conseguimos pagar Cz$ 264,00. Três semanas depois chegaram a esse preço e nós passamos para Cz$ 285,00. Quando acreditaram que pararíamos, nós passamos para Cz$ 380,00.
Neste questão dos preços, os usineiros, interessados no aumento da produção da borracha e no lucro, aliam-se a nós. E nós os aceitamos como uma tática na questão da política de preços da borracha. Nessa briga, tiramos a figura do patrão e do marreteiro e deixamos o seringueiro livre. Hoje ele compra mercadoria mais barata, conseguida por nós, mas ainda tudo é muito precário, pois apesar de existir uma série de propostas de apoio de entidades, inclusive em nível internacional, nada saiu até hoje.
Como surgiu a idéia da cooperativa?
Chico – A cooperativa é uma forma nossa de lutar pela liberdade. Isso foi conseguido com cinco anos de articulação, pois houve cooperativas anteriores controladas pelo governo e que não vingaram, pois se tornaram mais um patrão do seringueiro. Para nós a cooperativa deveria ser um instrumento do próprio seringueiro, uma conquista dele. Para fazer isso, começamos a montar uma primeira escola de alfabetização dos seringueiros, onde adotamos uma política de ensino que ensinava o trabalhador a lutar por melhores condições de vida. Criamos uma cartilha, denominada Poronga, com o apoio tanto do Cedi como de vários outros grupos de universitários e professores. Poronga é a luz que o seringueiro usa e coloca na cabeça para caminhar na selva. Então ele seria a cartilha que nos ensinaria o caminho para lutarmos com mais força.
A primeira escola foi difícil porque os fazendeiros começaram a dizer que recebíamos dinheiro de Cuba. E então os órgãos de segurança baixaram várias vezes, até que se convenceram de que não era nada disso. Fomos crescendo e hoje temos mais de dezoito escolas na região. Isso possibilitou uma grande avanço, pois à medida em que o seringueiro começava a estudar, visualizava uma forma de se livrar do patrão. Os professores eram pessoas eleitas pela comunidade, comprometidas. O único problema é que se trata de um trabalho lento. A pessoa tem que estar comprometida com as lutas da comunidade, criando confiança mútua, tem que estar preparada para enfrentar a polícia etc.
Então, uma equipe iniciou o preparo dessas pessoas e elas conseguiram desenvolver um trabalho pela defesa da floresta.
Como tem sido a relação entre seringueiros autônomos e os que têm patrão?
Chico – É um processo muito lento. O seringueiro, com toda essa história passada, aprendeu, de geração a geração, a ser escravo, a ser denominada pelo patrão. Não adianta chegar em uma comunidade onde não exista nenhum trabalho anterior e resolver montar uma escola ou criar cooperativa. Não dá certo.
Para se atingir os 30% de autônomos levamos quinze anos. De 1980 para cá, as escolas avançaram, mas somos bem poucos e temos preocupação em preparar as pessoas. Além disso, como a Amazônia é muito grande, encontramos dificuldades de chegar a todos os lugares. Também não adianta você ir até as regiões mais distantes, fazer uma reunião com os seringueiros, falar de nossa experiência e não deixar ninguém preparado para continuar o trabalho. Portanto, vamos demorar para chegar em várias regiões, mais queremos fazê-lo preparando as pessoas.
Ainda continua o antigo esquema das multinacionais e dos seringalistas contratarem grupos de seringueiros numa relação de trabalho semi-escravizado?
Chico – Não. Aquele esquema de escravo do Nordeste permaneceu até 1955. O que tem acontecido muito é que as empresas agropecuárias pegam os bóia-frias do sul e os levam como escravos para trabalhar nas fazendas.
Temos tentado providências do Ministério do Trabalho, o que é feito depois de muito pressão, pois não existe preocupação com o trabalhador. São bóia-frias de várias regiões, levados de caminhão até lá e jogados em fazendas de várias regiões da Amazônia. Em troca do seu trabalho recebem comida e pinga.
Como é a sua história de vida e como você se tornou uma liderança nessa luta que se trava há quinze anos?
Chico – Talvez eu tenha acertado na loteria. É uma história que venho contando há pouco tempo. Antes passamos por uma fase muito difícil: a repressão desde 78, quando começamos a resistência contra o desmatamento. A polícia federal começou a pegar no meu pé, fui submetido a vários interrogatórios isolados, sem o acompanhamento de ninguém. Depois aquele julgamento em tribunal militar.
Em 1980, foi assassinado o Wilson Pinheiro, grande liderança de toda Amazônia. Naquela época ele encabeçava todos os movimentos. Os fazendeiros, compreendendo isso, mandaram matá-lo. Os trabalhadores, sete dias depois, deram o troco matando um fazendeiro. Aí a justiça funcionou.
Isso coincidiu com a época em que o Lula e eu estávamos organizado o PT na região. Terminamos um comício à meia-noite e viemos embora. No outro dia, ao amanhecer, fuzilaram o fazendeiro e atribuíram isso à influência do nosso discurso. Só que estavam a 85 km de onde aconteceu o ato público e não poderiam ter nenhuma influência do Lula, nem minha.
Meus pai, nordestino, trabalhava como seringueiro e eu, com nove anos de idade, fui ser seringueiro. Nasci em 1944 e em 1955 já tinha aprendido a cortar seringa. Em 1962, morávamos em uma região de seringal perto da fronteira com a Bolívia e não sei como descobrimos que morava perto de nós um exilado político do tempo da Intentona Comunista. Era um oficial do Exército que aderiu ao Prestes. Era super jovem, tinha vinte e poucos anos. Com a derrota do Prestes, foi preso na ilha de Fernando de Noronha. Como tinha parentes no lado oposto, a sua fuga foi mais ou menos liberada. Fugiu para a Bolívia e lá se engajou no Partido Comunista Boliviano, que naquela época tinha um trabalho muito bom, liderando o movimento operário. Foi também perseguido lá e voltou para a clandestinidade. Parece que se envolveu com operários e depois de alguns anos voltou a criar o movimento de resistência junto aos camponeses bolivianos. Aí houve uma outra ação reacionária da direita, e ele, não tendo como se esconder, veio para a fronteira. Optou pela selva, pois era perto da fronteira, atravessou e se entrosou com alguns seringueiros que o ensinaram a sangrar a seringueira, a fazer borracha. Ficou isolado para ninguém descobrir que morava ali.
Certo dia ele resolveu sair e passou na nossa casa. Não sei como ele conseguia jornais, com meses de atraso, mas conseguia. E numa conversa com meu pai que tinha ódio dos seringalistas, da exploração, ele se interessou em me levar para passar o final de semana na sua casa. Assim, de 1962 a 1965 eu saía todos os sábados da selva e ia para a casa dele, caminhando três horas pela mata.
Ele começou a me ensinar a ler aos sábados e domingos até de madrugada, pois segunda-feira tinha que voltar a trabalhar. Começamos com aquelas leituras de jornal, ele me explicando as notícias e então comecei a me interessar pelos trabalhadores. Pegávamos recortes de notícias de trabalhadores de países socialistas e de outros países da América Latina. Ele conseguiu um rádio a bateria que me emprestou, e comecei às 6h da tarde a ouvir os noticiários internacionais em português, da central de Moscou, da BBC de Londres e da Voz da América.
Finalmente, em 64, irrompe o golpe militar. Em maio e junho desse ano, a versão da Voz da América dizia que a democracia tinha sido vitoriosa, que os comunistas iam acabar com o país etc. No outro dia a gente ouvia a versão da central de Moscou que falava em prisões de sindicalistas, das torturas etc. Então eu tinha as duas versões: a dos americanos e a dos comunistas. Ele me explicava o que era aquela revolução, feita pela CIA com o apoio da ala reacionária. Dizia que João Goulart, apesar de ser um governo popular, tinha aberto uma exceção e os movimentos estavam se articulando para criar a reforma agrária no país e, exatamente preocupada com essa mobilização, foi que a CIA articulou e financiou o golpe militar.
Ele me dizia também: hoje os trabalhadores estão sendo rechaçados, mas por maior que seja o massacre sempre existirá uma semente que renascerá e aí você terá que entrar, mesmo que seja daqui a oito, dez anos.
O seu nome era Euclides Fernando Távora. Era muito inteligente, diziam que só sabia ler, mas descobri que queimava tudo o que anotava. Em julho de 1965, começou a emagrecer, achava que era úlcera. Disse que ia para cidade arranjar um médico, que não havia mais perigo. Foi e não voltou nunca mais. Não consegui localizá-lo, deve ter morrido.
Ai fiquei meio perdido, tinha uns dezenove anos. Não se falava em sindicato, na cidade só se falava em militar. Comecei a articular uma discussão com meus companheiros. Como sabia ler, comecei a descobrir o quanto a gente era roubado. Para os seringueiros, por mais que os patrões tivessem mudado suas formas de opressão, o que aconteceria? Você produzia durante um ano um monte de borracha, gastava metade na venda do seringalista e então tinha aquela base de que no final do ano você teria metade do lucro garantido. Mas, chegava lê e você estava devendo. Descobri que era um roubo absurdo. E comecei isoladamente um trabalho de autonomia do seringueiro através do marreteiro.
Até 1968 cansei de sair à noite levando companheiros que marcavam ponto com os marreteiros para vender borracha e comprar mais barato. Estava dando certo. Só que tinha seringueiro, coitado, sem consciência, que corria e dizia para o patão, e com isso passei por horas apertadas.
Até 1975 vivi essa vida isolada, tentando um trabalho quase inútil, mas consegui criar um grupo de alfabetização e alfabetizei quase cinquenta pessoas, mais tive que largar devido a uma pressão muito grande. O prefeito e o padre da cidade mandaram me chamar dizendo que eu estava criando um grupo de agitadores. E tive que passar quase dois anos e meio escondido, se não teria sido preso.
Em 1975, ouvi falar que estava chegando uma comissão da Contag para fazer um curso de sindicalismo em Brasiléia. Lembrei da recomendação do Euclides e fui para lá. E deu certo, pois como ele tinha me ensinado muita coisa durante três anos, acabei sendo eleito secretário geral do sindicato.
No início de seu trabalho sindical já existia alguma outra forma de organização dos seringueiros?
Chico – A coisa estava muito crua, principalmente entre os seringueiros, onde 95% nem votava. Era muito difícil. Começaram a perceber que eram explorados a partir da criação do sindicato. Como eu tinha que trabalhar na produção para ajudar em casa, aproveitava os finais de semana para me dedicar ao movimento.
Durante esse período passes muitas dificuldades. Com a criação de sindicato em 1975, tinha que passar muito tempo na cidade para ajudar a encaminhar propostas, pois de repente começaram a chegar questões de todos os lados. Em março de 1976, vivia mais na cidade, em Brasiléia, porque o movimento estava muito agitado e aí eu passava fome, não tinha dinheiro nem para comer.
Lembro que em 10 de março de 1976 aconteceu o primeiro movimento mais importante, quando chegaram três seringueiros de um seringal próximo à Brasiléia e denunciaram que a área deles estava sendo devastada por cem peões, com pistoleiros na região. Pela primeira vez reunimos setenta homens e mulheres e fizemos uma trincheira na selva para impedir o desmatamento. Este fato chamou a atenção de todos, inclusive do exército e da polícia. Mas a gente chegou a conclusão de que a luta era por ali mesmo.
O Sindicato de Xapuri é só de seringueiros ou envolve outras categorias também?
Chico – Principalmente seringueiros. Mas ele atua também com colonos, alguns peões de fazendas. Temos em Xapuri 3 mil filiados. Esse sindicato conseguiu passar por cima da Federação dos Trabalhadores, pelega, aliada à UDR. Nas eleições passadas a Federação apoiou a aliança PFL/PDS, os mais reacionários.
O que era a trincheira?
Chico – Era o seguinte: fazíamos um cordão de mãos dadas e cercávamos a área que estava sendo desmatada, não deixávamos os caras entrar e desmontávamos os seus acampamentos. Ninguém ia armado, quer dizer, tínhamos duas ou três pessoas armadas mas com a firme recomendação de só agir nas últimas consequências, no caso de estarem matando alguém.
Nosso objetivo era tentar convencer os peões a ficar do nosso lado. E sempre conseguíamos a adesão. Agora, quando a polícia chegava, esses mesmos peões eram obrigados a ficar contra nós. Lembro de umas quatro vezes em que a gente foi preso e ficamos lá deitados no chão e eles batendo na gente e depois, todos ensanguentados, nos jogavam no caminhão, com muita gente junta, começávamos a cantar os hinos da Igreja. Chegávamos na delegacia, mais de cento e tantos homens, não tinha lugar para alojar todo mundo e ficávamos pelos corredores. A polícia cercava o prédio e, por fim, tinham que nos liberar.
O senhor falou em cantar hinos da Igreja, o senhor participava de algum movimento ligado à Igreja?
Chico – A partir de 1973, comecei a me entrosar nos trabalhos das comunidades de base. Naquele momento o sindicato só podia funcionar nas dependências da Igreja devido a repressão. Ela teve um papel muito importante, apesar de que depois retrocedeu um pouco. Durante esse tempo militei ativamente nas comunidades de base e tinha aqueles padres progressistas que inventavam hinos ligados à nossa causa. Era uma vida sofrida, mas a gente se animava pois sabíamos que começávamos i incomodar o poder.
Em 1980, passei noventa noites dormindo em lugares diferentes. Até hoje sofri seis tentativas de emboscada, a última delas foi em abril desse ano. No dia 27 de maio, quando realizamos uma passeata pacífica pela defesa da floresta e acampamos no prédio do IBDF – éramos mais de quatrocentos homens – fomos atacados por pistoleiros a 1h30 da manhã, a trinta metros do quartel da polícia militar. Foi um tiroteio horrível.
Sorte que todos dormiam. Dois rapazes saíram baleados, mas escaparam. Eu nunca mais andei só. A partir das sete da noite não saio mais na cidade. Se vou a um seringal volto por outro. Tivemos que aprender a lutar pela nossa segurança.
Um mês depois que a UDR se instalou por lá, aconteceu este ataque em Xapuri, do grupo que é o seu braço armado. Como não se contentaram, em 18 de maio, pegaram o companheiro Ivair Higino, grande liderança de uma comunidade da Igreja e o acertaram na emboscada. Ele, além do seu trabalho na comunidade de base e no sindicato, começou a incomodar um vereador do PMDB que morava ao lado. Esse candidato é articulado com os fazendeiros mais reacionários da região e o seu nome é Chico Tenório Cavalcante. Foi ele que articulou a emboscada pois o Ivair, candidato a vereador pelo PT, ia seguramente derrubá-lo. E foi dito em praça pública que ele mandou matar o Ivair. O prefeito fez vistas grossas, ele recebeu o aval da justiça pois não teve nem a sua candidatura impugnada.
Como se dá a compatibilidade entre o trabalho extrativista e a defesa da floresta?
Chico – Os seringueiros e os índios habitam há muito tempo na região. Os seringueiros vivem do extrativismo, desmatam também para suas culturas de sobrevivência e nunca ameaçam a Amazônia. Por outro lado, a principal atividade econômica da região continua sendo a extrativista: borracha e castanha.
Durante muito tempo brigamos pela questão da Amazônia, mas não tínhamos proposta alternativa. Só a partir de 1985 é que começamos a articular propostas alternativas: queremos que a Amazônia seja preservada mas também queremos que seja economicamente viável.
Aí, partimos do ponto de que com a reserva extrativista garantimos a política de comercialização da borracha, pois sabemos que esta está ameaçada pelos plantios de seringueiras do sul. Mas a questão não é só essa. Temos a castanha que é um dos principais produtos da região e que está sendo devastada pelos fazendeiros e madeireiras. Temos a copaíba, a bacaba, o açai, o mel de abelhas, uma variedade de árvores medicinais que até hoje não foram pesquisadas, o babaçu, uma variedade de produtos vegetais cuja comercialização e industrialização garantiria que a Amazônia, em dez anos, se transformasse numa região economicamente viável, não só para o país mas para o mundo. O que precisamos hoje é que o governo dê prioridade à industrialização desses produtos.
Tem também a questão do cacau, do guaraná e de outras culturas que se pode usar sem devastar a floresta. O que a ameaça são os fazendeiros: no ano passado, queimaram 20 milhões há. Este ano, só o Acre, os técnicos do Inpe descobriram que foram queimados mais de 800 mil há.
Quais as causas das queimadas?
Chico – É a questão do incentivo à política de especulação da terra, a pecuária. Nas áreas onde os seringueiros não chegam os fazendeiros fazem queimadas, deixando a terra improdutiva. Nem estão plantando capim.
O objetivo deles é queimar porque o IBDF é tão incompetente que não tem nenhuma capacidade de frear. Agora não, porque a ONU fez uma denúncia, a Globo está mostrando, mais isso é balela. Não basta denunciar ou mostrar as queimadas. No ano passado a pista de pouso do Acre ficou interditada durante três dias, agora já está com mais de três semanas, isso devido às queimadas. Pilotos me contaram que as queimadas mais fortes estão em Rondônia e Mato Grosso.
Com a nossa resistência em Xapuri, este ano eles só conseguiram desmatar 50 há, ainda assim porque tiveram o aparato policial garantindo. Não pudemos nos aproximar pois não queríamos o confronto armado. Queremos criar fatos políticos no sentido de sensibilizar a opinião pública. Conseguimos mesmo assim, suspender esse desmatamento com o apoio de São Paulo e Rio de Janeiro, que enviaram telegramas de protestos e o governo se viu obrigado a me chamar para negociar a retirada da polícia da área. Mais aí, a Autobrás, numa região onde tem nenhuma ação enérgica, conseguiu, às escondidas, desmatar 15 mil há.
Essas queimadas têm deixado o seringueiro sem trabalho?
Chico – Sim. Na década de 70, quando foram muito fortes, contribuíram muito para o desemprego e a miséria. Esse seringueiros expulsos entre 1970 e 1975 ( calcula-se cerca de 10 mil famílias) foram para a cidade formar o cinturão de miséria naqueles bairros. Hoje, na capital do Acre, se você visita um bairro desses, só vê miséria, prostituição, tráfico de drogas, porque o pessoal foi levado ao desespero. Por que hoje nas cidades há tantos grupos marginais? Essas pessoas foram levadas a isso não por convicção, mas pelas circunstâncias.
Como o solo reage a essas queimadas que vêm sendo feitas de maneira sistemática na região?
Chico – O solo fica improdutivo. Por exemplo, em uma pastagem onde eles desmatam 2 ou 3 mil há, essa terra não tem potência para resistir, e então com dois anos a terra seca.
E porque os projetos pecuaristas se utilizam desse método se eles próprios vão ser prejudicados no futuro?
Chico – A ganância é enorme. Eles querem estabelecer o domínio por toda a região, principalmente com a possibilidade do asfaltamento da estrada. E lá, essa atividade não gera nem ICM. No ano passado a borracha, com todo o desgaste que tem sofrido, ainda foi a responsável por 45% da arrecadação do ICM enquanto que a pecuária chegou somente a 5%.
Além dos projetos pecuaristas, quais outros tem sido implantados?
movimentoAs madeireiras, que inclusive são financiadas em dólares por grandes empresas internacionais. O ano passado, entre junho, julho e agosto, saíram do Acre 300 metros do mogno por dia para exportação.
E o projeto Calha Norte?
Chico – É mais um outro desastre. Mais uma forma do governo expandir o seu domínio militar por toda a fronteira da Amazônia para, inclusive, evitar o fortalecimento dos trabalhadores.
Vocês, que moram na região da fronteira, vêem alguma situação delicada que justifique a implantação do projeto? Como contrabando, fronteira móvel etc.?
Chico – Não. Isso é uma invencionice. Nos seringais não existe isso. Durante toda essa década o seringueiro foi o verdadeiro guardião da fronteira Amazônica. O que vai ameaçar essa fronteira é exatamente a devastação, a expulsão dos seringueiros.
Como tem sido a relação dos trabalhadores com os militares que estão se implantando na região?
Chico – Não é boa. Eles nos vêem com maus olhos. As pessoas mais afetadas são os missionários que estão trabalhando com os índios. Eles são vistos como elementos perigosos, que estão preparando os índios para uma guerra ou os estão usando. É um argumento que eles estão criando para tentar entravar qualquer organização dos índios. E o pior é a questão da colônia indígena. Agora eles querem transformar o índio em colono, o que é o mesmo que acabar com ele.
Existiria a queimada com propósito premeditado de extinguir um objeto de defesa do trabalhador?
Chico – Também. Agora eles também estão alegando, para o Calha Norte, que há grupos de guerrilha, o Sendero Luminoso. São tudo argumentos falsos porque o que poderá criar a presença desses elementos do lado de cá é a situação criada pela própria devastação, gerando desespero nas pessoas, levando-as a se articularem e criando um foco de resistência. Mas se o seringueiro tem sua área garantida, não vai ser preciso ele se envolver com essas coisas.
E já aconteceu um conflito mais duro entre os militares e alguma comunidade indígena ou seringalista com a implantação do Projeto?
Chico – Até o momento, só houve um problema mais sério com índios de outras regiões que nós não atingimos, com os Ticunas. Lá houve um problema sério envolvendo os garimpeiros. Nós ainda não temos nenhum acesso aquela área, mas o Conselho de Segurança Nacional está lá encurralado pelos índios do Acre que não permitiram, em hipótese alguma, a implantação das colônias indígenas. Essa aliança se fortaleceu muito e eles foram agora ao Acre para tentar articular comigo e com outras lideranças, tentando nos fazer convencer os índios a aceitar as colônias.
São índios de que nações?
Chico – São os Kaxinawá, os Machineri, os Apurinã, aqueles com quem temos mais contatos.
São grupos contatados há muito tempo?
Chico – Há muito tempo. É um pessoal que já tem 54 cooperativas, tem vários escolas e habita o rio Envira, na região do vale do Juruá.
Quais as dificuldades que vocês tiveram para fazer os primeiros contatos com os índios?
Chico – Não foi difícil porque os primeiros contatos foram feitos com as lideranças. Quando chegamos às bases, já fomos com essas lideranças. Isso tornou-se uma pressão muito grande na batalha contra as colônias indígenas. Um coronel do Conselho de Segurança Nacional me chamou um dia para perguntar porque os seringueiros eram contra a colônia indígena. Eu respondi que éramos contra porque na nossa região o governo taticamente criou um projeto de colonização para acabar com os seringueiros e foi um desastre. E ele me disse: “Isso são esses agitadores de igreja que estão colocando idéias na cabeça de vocês”. E eu disse: “Não, não somos tão crianças para não sabermos o que queremos”.
Além dos indígenas, com quais outros setores que vivem e sobrevivem na floresta vocês estão se articulando?
Chico – Mais com o seringueiro e o índio, e também com o colono, o agricultor dos projetos de assentamento, porque eles também estão contribuindo para a devastação sem saber que estão criando um problema futuro para eles mesmos. E com os colonos ribeirinhos também.
Muitos foram expulsos pelos fazendeiros. O rio Acre hoje é um rio ameaçado. Antes o próprio transporte da borracha era feito por ele e hoje nem um navio de 50 toneladas consegue mais entrar j- assoreou. O próprio clima mudou por causa do desmatamento das margens.
Quais são as reivindicações comuns dos seringueiros?
Chico – Hoje a principal luta é pela criação da reserva extrativista. Tivemos uma conquista numa área de 60 mil há em Cachoeira, onde os seringueiros se organizavam com piquetes de mais de quatrocentos homens não permitindo o desmatamento, e o Mirad teve que desapropriar. Lá estamos agora abrindo escolas e posto de saúde.
Como é a receptividade desse tipo de prática nos grupos da cidade da região?
Chico – Começa aos poucos a crescer uma consciência. A população da cidade se vê sufocada pela fumaça das queimadas que provocam casos de pneumonia, desidratação, malária, sobretudo nas crianças.
O pequeno comércio – chamado de regatão, nome que veio dos judeus e turcos que ocuparam a região – tem Xapuri como uma cidade criada por eles. Estes compravam a borracha e a castanha.
Hoje há uma receptividade maior da cidade, mas antes havia um preconceito muito grande da cidade em relação ao campo. Porque o seringueiro, por não ter tido o privilégio de estudar, chegando na cidade, ficava meio atarantado e ia logo tomando sua pinguinha para se encorajar. Então ele era tido como bêbado.
Agora não. Hoje ele é tido como uma pessoa de respeito, porque a cidade começou a ver que ela sobrevive graças à resistência do seringueiro.
Aliança dos Povos da Floresta
Os habitantes tradicionais da floresta amazônica – índios, seringueiros, castanheiros etc. – baseiam seu modo de vida na extração de produtos como a borracha, a castanha, a balata, os óleos vegetais e outros. Além disso, dedicam-se à caça e á pesca não predatória, bem como à agricultura de subsistência. Esses grupos sociais – os povos da floresta – precisam da mata e dos rios para sobreviver, e sabem como utilizar os recursos naturais sem destruí-los. E
le, hoje, enfrentam um inimigo comum: o capitalismo predatório que tem invadido as terras dos índios e de seringueiros. A aliança dos Povos da Floresta é a união dos trabalhadores extrativistas com os povos indígenas para a defesa conjunta da reforma agrária e das terras indígenas. Essa aliança, iniciada a partir do Conselho Nacional dos Seringueiros em assembléias indígenas e na participação de índios nas assembléias de seringueiros. Outros exemplos são a colaboração mútua em projetos de educação, saúde e cooperativismo, no apoio de índios e empates de seringueiros e reivindicações conjuntas contra a implantação de colônias indígenas e contra o projeto Calha Norte, na medida em que esses projetos implicam em medidas agressivas contra pessoas e contra a natureza.
CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS
O Conselho Nacional dos Seringueiros é uma associação civil de seringueiros e extrativistas que tem como finalidades lutar pela criação de reservas extrativistas, estabelecer alianças com as populações indígenas e defender, no plano legal, econômico e cultural, os interesses específicos dos trabalhadores extrativistas, bem como defender a floresta amazônica. O CNS foi fundado em 1985 no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros que reuniu 130 seringueiros do Acre, Rondônia, Amazônia e Pará, representando doze sindicatos e três associações. Desde então o Conselho vem realizando reuniões municipais, principalmente nos Estados do Acre e Amazonas, visando preparar o 2º Encontro Nacional dos Seringueiros. O Conselho Nacional dos Seringueiros tem levado as propostas dos seringueiros até a opinião pública nacional e internacional, recebendo um apoio amplo de entidades ambientalistas e organizações indígenas. O Conselho encarrega-se de projetos no âmbito cooperativista, educação e de saúde, com assessoria de entidades como o Instituto de Estudos Amazônicos, o Centro de Trabalhadores Amazônicos e outras. Chico Mendes era um membro ativo do Conselho e era o candidato unânime à nova presidência a ser escolhida no 2º Encontro Nacional, a se realizar de 25 a 29 de março de 1989, em Rio Branco ( AC ).
SERINGUEIROS CATIVOS E LIBERTOS
Hoje há dois tipos de seringueiros no Estado do Acre: os “seringueiros libertos” e os “seringueiros cativos”. Os seringueiros chegaram à Amazônia no fim do século passado como mão-de-obra para a produção da borracha. A partir de 1912, com a entrada no mercado da borracha extraída de seringais de cultivo, os patrões seringalistas entram em decadência, embora sem desaparecer. Os seringueiros passaram, para sobreviver, a plantar produtos de subsistência à maneira indígena, bem como a caçar, pescar e explorar os recursos naturais de modo variado, sem deixar de produzir borracha. Esses seringueiros permaneciam submetidos ao controle de “barracões”, onde eram obrigados a entregar toda sua produção em troca de mercadorias pagas a preços extorsivos. Para controlar os seringueiros os patrões utilizavam de violência, impedindo os seringueiros de comprar de “marreteiros” (comerciantes) ou “regatões” (comerciantes ambulantes de rios). A partir dos anos 70, com a entrada de fazendeiros no Acre, o sistema dos barracões entra em decadência, principalmente no Acre oriental ( vale do Acre e Xapuri), onde os patrões antigos abandonaram os seringais após vendê-los às empresas do sul do país.
Surgiram nessas áreas os “seringueiros libertos”: os seringueiros que continuaram em suas florestas, recusando-se a abandonálas, mas agora vendendo livremente seu produto e comprando mercadorias também em liberdade, ou organizando cooperativas. Foram esses seringueiros libertos a base dos sindicatos de Xapuri e de Brasiléia. O Conselho Nacional dos Seringueiros luta não apenas contra a agressão às florestas nas regiões de “Seringueiros libertos”, mas também contra a escravidão por dívidas nas regiões de “seringueiros cativos” como o Vale do Juruá.
O PROJETO SERINGUEIRO
Com a proposta do Sindicato de Xapuri de se criar cooperativas agroextrativistas, surgiu a necessidade de que os seringueiros soubessem ler, escrever e contar.
O projeto Seringueiro foi criado para levar a alfabetização a vários pontos da floresta, o que contribuía com a organização autônoma dos seringueiros. Iniciando em 1981, com a assessoria do Centro de Documentos e Pesquisa da Amazônia, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), além da antropóloga Mary Allegretti, o projeto coordena, hoje, dezenove escolas e vários monitores.
Tendo como material didático a cartilha Poronga (lanterna que o seringueiros utiliza na escuridão da floresta), procura-se chegar à alfabetização através das palavras mais utilizadas pelos próprios seringueiros (mata, paxiúba, borracha, empate etc.), ou seja, considerando a realidade sócio-cultural local. Estima-se que mais de mil seringueiros já forma alfabetizados. Além dos conhecimentos adquiridos também na área de saúde preventiva, onde se procura educar os trabalhadores no trato com seu próprio corpo através de seis postos de saúde nos seringais.
HISTÓRIA DO SINDICATO
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia foi fundado em 1975, tendo Wilson Pinheiro como seu presidente. Entre as várias delegacias sindicais constituídas por este, estava a de Xapuri, que em 1977 tornou-se sindicato. Em 1980, Wilson Pinheiro foi assassinado pelos fazendeiros da região. Em Xapuri, nesse mesmo ano, assumiu o sindicato uma nova direção encabeçada por Derci Teles e formada por Chico Mendes, Raimundo de Barros, Júlio Barbosa, entre outros. Chico Mendes, em 1982, após o término do seu mandato como vereador, assumiu a presidência, substituindo Derci e permaneceu nesse cargo até sua morte.
As colônias de assentamento implantadas pelo INCRA, em Xapuri, não estavam dando certo. Os seringueiros tornavam-se pequenos agricultores e, endividadas com os bancos, terminavam perdendo suas terras para os grandes fazendeiros, indo viver nas periferias das cidades. Foi comprando grande parte dessas áreas que Darli Alves formou suas fazendas. A proposta das reservas extrativistas foi a alternativa defendida em oposição às colônias e aos projetos agropecuários, e que tornou o sindicato e seu presidente internacionalmente conhecidos.
DESMATAMENTOS E EMPATES
Durante os anos 70, o governo militar iniciou um processo de ocupação da Amazônia baseado em empresas agropecuárias e projetos de colonização. Esse processo levou a uma prática de depredação dos recursos naturais da Amazônia e à expulsão de índios e seringueiros de seus territórios. No caso do Acre, a onde de especulação fundiária levou à venda dos antigos seringais e grandes grupos empresariais do Centro-Sul, que passaram a “limpar” a mata através de queimadas, cujo objetivo era retirar dos seringueiros e castanheiros seu meio de vida.
Em 1976 , iniciou-se uma forma de resistência chamada de “empate”. Realizados durante o verão, os empates são ações coletivas que visam impedir ( ou “empatar ) a ação dos peões encarregados da derrubada. Um grupo de cem a duzentos pessoas (homens, mulheres e crianças) dirige-se pacificamente aos acampamentos e convence os peões a abandonar as motosseras. Os empates de Chico Mendes, em seringais de Xapuri, que a partir de 1986 ganharam apoio nacional, culminaram, em alguns casos, na desapropriação e criação de reservas extrativistas controladas por seringueiros, valendo-lhe o ódio dos fazendeiros. Foi o que ocorreu nas áreas pretendidas por Darly Alves.
RESERVA EXTRATIVISTA
A reserva extrativista é a reforma agrária dos seringueiros. É o reconhecimento de áreas de floresta, ocupadas tradicionalmente por seringueiros e outros extrativistas, como áreas de domínio da União, com usufruto exclusivo dos seringueiros organizados em cooperativas ou associações. Nas reservas extrativistas, não há títulos individuais de propriedade. Nelas serão respeitadas a cultura e as formas tradicionais de organização e de trabalho dos seringueiros, que continuarão a realizar a extração de produtos de valor comercial como a borracha, a castanha e muitos outros, bem como a caça e a pesca não predatória, juntamente com pequenos roçados de subsistência em harmonia com a regeneração da mata.
As reservas extrativistas não serão áreas inviáveis economicamente: garantida a floresta, os seringueiros organizados aumentarão a produtividade, introduzindo inovações tecnológicas adequadas. Além disso, darão continuidade à criação de escolas, postos de saúde e cooperativas geridas por seringueiros.
A reserva extrativista não é apenas a reforma agrária dos seringueiros, mas também uma forma de preservação da natureza pelos que dela dependem, e uma alternativa econômica para a Amazônia.
CALHA NORTE
Calha Norte é um projeto de natureza militar, planejado e coordenado pelo antigo Conselho de Segurança Nacional, com a missão de promover a ocupação da faixa de fronteira da região norte do Brasil com os seguinte países: Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Do lado do Brasil, o projeto atinge os Estados do Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Como tantos outros relacionados às Forças Armadas, este projeto é estritamente controlado pelas próprias instituições militares. Sob a justificativa de “Segurança Nacional””, a sociedade civil e suas instituições representativas, como o Congresso Nacional, nunca foram consultadas e nem mesmo informados oficialmente sobre o conteúdo, objetivos e implicações do Calha Norte. Algumas destas implicações, cujos objetivos são questionáveis e de concepção autoritária, recaem diretamente sobre as nações indígenas, populações ribeirinhas e famílias que vivem de atividades extrativistas. Diante da iminente ameaça de expulsão de suas terras, devido à abertura de estradas e militarização de algumas áreas, já ocorreram diversos conflitos na região, principalmente com os Yanomami, que vivem na fronteira do Brasil com a Venezuela.
REFORMA AGRÁRIA E ECOLOGIA: UMA SÓ LUTA
As idéias básicas pelas quais Chico Mendes lutou – a reforma agrária combinada à defesa da natureza, a aliança dos povos da floresta – estão contidas em vários documentos do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri, da Oposição Sindical de Brasiléia e do Conselho Nacional dos Seringueiros. Foram defendidas em várias ocasiões ante diferente setores da sociedade, como organizações ecológicas e pesquisadores acadêmicos, entre outros. Elas estão expressas no documento final do Encontro de Fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros e na tese apresentada e aprovada no 3º Congresso Nacional da CUT.
EM DEFESA DA NATUREZA E DOS POVOS DA FLORESTA
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri ( Acre )
1. A CUT deve se posicionar em defesa da autodeterminação das nações indígenas, lutando contra a criação de colônias indígenas e a militarização da Amazônia pelo projeto Calha Norte.
2. Os seringueiros devem ter garantido o direito de posse sobre suas colocações de seringa, lutando:
a) pelo fim dos sistema tradicional de seringais ainda existentes na Amazônia onde impera a superexploração dos patrões seringalistas sobre os seringueiros;
b) pela imediata desapropriação dos seringais em conflito para a implantação de assentamentos extrativistas de modo a não agredir a natureza e a cultura dos povos da floresta, possibilidade a utilização auto-sustentável dos recursos naturais, incrementando tecnologias secularmente desenvolvidas pelos povos extratores da Amazônia, assim como garantindo-lhes o direito à educação, saúde e programas de desenvolvimento econômico e comunitário.
3. A CUT deve trabalhar no sentido de viabilizar a união dos povos da floresta ( índios, seringueiros, ribeirinhos etc.) em toda a Amazônia, tomando como exemplo as experiências dos seringueiros e índios do Estado do Acre.
4. A CUT deve empenhar esforços no sentido de estreitar os laços de solidariedade entre trabalhadores de todo o Brasil, para impedir que projetos, como o Calha Norte na Amazônia, que agridem a todo o povo brasileiro, sejam combatidos apenas de forma localizada.
5. A CUT de denunciar a situação dos brasileiros expulsos pelas frentes de expansão e que hoje se encontram ameaçados de repatriação sem garantias de sobrevivência no Brasil, como cerca de 30 mil seringueiros expulsos do Acre, durante a década de 70 para a Bolívia.
PLATAFORMA DO CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS
Nós, seringueiros, representando os estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Pará, reunidos em Brasília de 11 a 17 de outubro de 1985, no 1º Encontro Nacional de Seringueiros da Amazônia, tomamos as seguintes resoluções:
I – Desenvolvimento da Amazônia
1. Exigimos uma política de desenvolvimento para a Amazônia que atenda aos interesses dos seringueiros e que respeite os nossos direitos. Não aceitamos uma política para o desenvolvimento da Amazônia que favoreça as grandes empresas que exploram e massacram trabalhadores e destroem a natureza.
2 . Não somos contra a tecnologia, desde que ela esteja a serviço nosso e não ignore nosso saber, nossas interesses e nossos direitos. Queremos que seja respeitada nossa cultura e que seja respeitado o modo de viver dos habitantes da floresta amazônica.
3 . Exigimos a participação em todos os projetos e planos de desenvolvimento para a região ( Planacre, Polonoroeste, asfaltamento da BR-364 e outros), através de nossos órgãos de classe, durante sua formulação e execução.
4. Reivindicamos que todos os projetos e planos incluam a preservação das matas ocupadas e exploradas por nós seringueiros.
5. Não aceitamos mais projetos de colonização do INCRA em áreas de seringueiras e castanheiras.
6. Queremos uma política de desenvolvimento que venha apoiar a luta dos trabalhadores amazônicos que se dedicam ao extrativismo, bem como às outras culturas de interesse, e que preserve as floresta e os recursos da natureza. Queremos uma política que beneficie aos trabalhadores e não aos latifundiários e empresas multinacionais. Nós, seringueiros, exigimos ser reconhecidos como produtores de borracha e como verdadeiros defensores da floresta.
II – Reforma agrária
1. Desapropriação dos seringais nativos.
2. Que as colocações ocupadas pelos seringueiros sejam marcadas pelos próprios seringueiros conforme estradas de seringa.
3. Não divisão das terras em lotes.
4. Definição das áreas ocupadas por seringueiros como reservas extrativistas, assegurado seu uso pelos seringueiros.
5. Que não haja indenização das áreas desapropriadas, não recaindo seu custo sobre os seringueiros.
6. que sejam respeitadas as decisões do 4º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, no que diz respeito a um modelo específico de reforma agrária para a Amazônia que garanta um mínimo de 300 há e um máximo de 500 há por colocação, obedecendo à realidade extrativista da região.
7. Que os seringueiros tenham assegurado o direito de enviar seus delegados à Assembléia Nacional Constituinte para defender uma legislação florestal e fundiária de acordo com suas necessidades específicas.
Chico talvez nem soubesse o que queria dizer ecologia e muito menos holocausto ecológico quando começou sua romaria pela floresta para organizar a peãzada dos seringueiros – primeiro, no sindicato dos trabalhadores rurais e, mais tarde, para criar o PT.
Nessas caminhadas pela mata, ele acabou juntando numa bandeira só a luta ecológica, a luta sindical e a luta partidária, porque sabia que elas são indissociáveis, uma alimentando a outra no mesmo ciclo da vida da floresta.
Quando estive pela última vez em Xapuri, no Acre, antes da tragédia da véspera do Natal, para ajudar na campanha do Chico a prefeito, em 1985, a barra já estava pesando. Os fazendeiros do Centro-Sul do país que tinham invadido a região não escondiam de ninguém que ele estava marcado para morrer.
Logo o Chico que foi um dos mais apaixonados defensores da vida que já conheci, um homem tão puro e tão limpo como a água da chuva da mata que foi sua companheira inseparável.
Para honrar seu sacrifício e o de outros tantos companheiros, chegou a hora da nação dar um basta. O povo brasileiro não admite mais ser humilhado, massacrado, dizimado como a Amazônia. Não, não basta pôr na cadeia quem apertou o gatilho só para dar uma satisfação à opinião pública mundial. Chegou a hora de romper com todo este sistema corrompido e arbitrário que municia as mãos assassinas e que nas últimas duas décadas promoveu um intenso processo de concentração da terra e da renda.
Lá no cantinho do céu, Chico pode ter certeza de uma coisa: nós vamos prosseguir sua luta ainda com mais força, nos campos e nas cidades, para libertar o país de uma vez por todas desses jagunços e seus mandantes, escondidos na selva e nos gabinetes.
A luta do companheiro Chico Mendes era singular porque vinculava a questão da ecologia com o movimento sindical. Ele foi eleito membro da Direção Nacional da CUT no 3ª Concut, realizado em setembro de 1988, no qual participou representando os trabalhadores seringueiros. Chico apresentou a tese “Em Defesa dos Povos da Floresta”, totalmente aprovada pela CUT que a incluiu em suas resoluções. Ele entedia que a defesa do meio ambiente, especialmente no Acre, passa por uma reforma agrária radical, com a desapropriação total das terras e a demarcação de reservas extrativistas e indígenas. Dessa forma, os povos da floresta ficariam protegidos contra a ganância dos grandes grupos de fazendeiros e empresas que insistem em implantar projetos agropecuários, contrariando frontalmente e desenvolvimento racional da Amazônia, que tem nos produtos da floresta uma importante alternativa de riqueza econômica e ecológica.
Chico mobiliza e organiza os trabalhadores em torno dessa luta. Ele tinha uma perspectiva de classe e isso incomodou os poderosos. Os empates, uma das formas de luta dos seringueiros, impedem o desmatamento e forçam o governo a demarcar as reservas extrativistas que, onde foram implantadas, se constituem em maior sucesso, tanto que o menor índice de desmatamento da Amazônia, em 1988, ocorreu no Estado do Acre.
A perseverança de Chico e sua liderança junto aos trabalhadores atraíram o ódio dos fazendeiros locais que, estimulados pela impunidade, o assassinaram. Chico Mendes entrou na lista dos 97 trabalhadores rurais assassinados em 1988 exatamente porque não há punição dos mandantes e dos assassinos. A responsabilidade por sua morte, porém, será apurada até o fim.
A Central Única dos Trabalhadores está acompanhando de perto, através do Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais, as investigações e o processo criminal, e não arredará pé até que se faça justiça, com a prisão e punição de todos os responsáveis.
Chico era a própria floresta amazônica. Suas idéias estão impregnadas em cada canto da mata, entre os seringueiros e índios, em cada árvore que ainda continua de pé graças à sua luta. A semente que ele plantou será regada com o destemor dos trabalhadores na defesa de seus direitos.
No Brasil, existe um monte de ecologista que defende a ecologia, mas defende a ecologia da seguinte maneira: defende o verde, defende a não poluição das águas, defende a respiração do oxigênio puro. Mas em meio a esses ecologistas surgiu um que não foi formado em universidade nenhuma, que foi ecologista na prática, vivendo o dia-a-dia.
Foi exatamente o Chico Mendes.
Agora uma coisa que me deixa preocupado é que os jornais anunciaram o Chico Mendes como o grande ecologista, o sindicalista ecologista, mas o que eu vejo é o seguinte: na história toda o Brasil nunca tinha ouvido falar que um ecologista foi assassinado. O primeiro a ser morto foi o Chico Mendes. Agora, veja bem, alguém que não foi para a universidade foi morto. Porque o Chico Mendes foi morto? Porque, mais do que ecologista, de defender o verde, defender o meio ambiente, defender a não poluição, ele defendia uma coisa muito mais importante para a classe que ele pertencia que era a reforma agrária para o trabalhador, para o seringueiro, a reserva extrativista.
A ecologia do Chico era diferente da ecologia de todo o Brasil, era uma ecologia que eu acho que todo ecologista tem que colocar na cabeça hoje, que é exatamente esta que precisa para a floresta amazônica. Um ecologista que vá lá também defender a reforma agrária. Não é só defender a não poluição, defender o meio ambiente, não! Ou defende-se a reforma agrária ou do contrário um dia não vai mais ter ecologista porque vai se acabar a floresta no mundo inteiro.
Nós, os seringueiros, continuaremos a luta, não esmoreceremos.
Podem cair mais companheiros. Eu posso ser o próximo a cair, mas nós só deixaremos de estar junto de vocês, só deixaremos de continuar lutando, no dia que seguirmos também o caminho do companheiro Chico Mendes.
Peço aos companheiros que representam entidades ou que representam a si mesmos, que são solidários, que estão dispostos a dar o que puder de si em defesa da causa dos seringueiros, não só de Xapuri mas de toda a Amazônia, que o façam e comecem logo, tanto os companheiros do Acre, como os companheiros do Brasil e os que estão no exterior. Ajudem-nos! Nós precisamos de ajuda, precisamos da presença de vocês, precisamos de recursos, precisamos que vocês divulguem as nossas lutas onde der para serem divulgadas. São essas as minhas palavras.
Chico Mendes fez uma trajetória original no movimento social. De seringueiro se transformou em sindicalista e de sindicalista em ambientalista, sem perder o que havia de peculiar em cada uma dessas posições.
Sua liderança era uma síntese: vivia com a simplicidade de um seringueiro, era crítico com relação às condições econômicas e sociais dos trabalhadores do Brasil e incisivo quando propunha alternativas aos desmatamentos na Amazônia.
O impacto da morte dele revelou ao mundosuas qualidades: retidão de caráter, amplitude da luta para a humanidade e emoção nas ações que empreendia.
O assassinato de Chico Mendes corresponde ao número 90 na triste numeração de nossa pesquisa sobre violência no campo em 1988. Uma violência com raízes profundas que vem de uma cultura coronelística, arrogante e antiga, mas que assume, hoje, o rosto “moderno” do terrorismo profissional.
A violência agora é seletiva, escolhendo a dedo as suas vítimas, na tentativa de desmantelar a organização dos trabalhadores. Atrás de assassinatos, despejos e queima de casas aparece com clareza a organização dos latifundiários, a União Democrática Ruralista (UDR) que, por meio do discurso da livre iniciativa, tenta inutilmente esconder da opinião pública nacional e internacional a sua responsabilidade pelo atraso da reforma agrária e pelos muitos crimes no campo, inclusive o assassinato de Chico Mendes.
Igualmente responsáveis são os constituintes que votaram contra as propostas populares, adiando mais uma vez a solução de tantos problemas. Responsável é ainda o poder judiciário que se omite constatemente na apuração e punição dos crimes, chegando à clara e aberta conivência com o latifúndio.
E, finalmente, responsável é o governo, que encobre e alimenta com gordos incentivos fiscais aqueles que deveriam prestar contas à sociedade pela fome que vem de tanta terra improdutiva.
Nesse tempo, porém, assistimos a uma reação nova da sociedade civil. A sociedade nacional e internacional está dando um basta ao “fica por isso mesmo”, encostando as autoridades na parede. A ansiedade de pessoas e organizações por uma relação respeitosa e justa na sociedade está conseguindo mudar a relação de forças.
As denúncias e os trabalhos de organização estão abrindo e conquistando novos espaços democráticos em que os trabalhadores rurais são, definitivamente, cidadões de pleno direito. Por isso acreditamos que Chico Mendes, assassinado dois dias antes do natal, é, para os trabalhadores a nova estrela que aponta o caminho a seguir.
De nada adiantaram os avios de que a vida de Chico Mendes estava em perigo: uma liderança que simbolizava a aliança entre os militantes do movimento ecológico e os seringueiros, estes últimos habitantes familiarizados com a floresta tropical, da qual tiram seu sustento sem destruí-la, e que enfrentam, dia a dia, os interesses daqueles que querem transformar a Amazônia em grandes capitanias hereditárias.
Os seringueiros, sem sombra de dúvida, representam hoje a linha de frente de resistência a esse projeto de um imenso loteamento amazônico, a grande floresta dando lugar às pastagens. O bom senso e a inteligência adquiridos através de longos anos de convivência em a natureza sendo massacrados pela ganância de latifundiários truculentos…
Venceu o atrevimento daqueles que contam com a certeza da impunidade, assegurada pela omissão criminosa das altas autoridades neste país. Estavam todos notificados e bem avisados. Só não se deu a data e o local, pois os outros componentes do cenário estavam montados.
Nesta altura dos acontecimentos a única alternativa para se dar um paradeiro à situação é um ampla mobilização da sociedade civil, por todos os meios existentes à sua disposição, demonstrando-se com vigor que a democracia brasileira está em jogo na medida em que métodos fascistas são empregados para se eliminar lideranças importantes dos movimentos sociais ( esse filme não é novo).
Nenhum de nós, amigos e companheiros de Chico Mendes, iremos nos conformar com a brutalidade de sua morte. Ficou marcado o gosto da nossa impotência perante um atrevimento respaldado pela deliberada falta de vontade política das autoridades públicas responsáveis pela segurança dos cidadãos que assinam a sua própria sentença de morte quando assumem o papel de liderar movimentos sociais que, enfim, mudam o rumo da história.
A melhor maneira de se entender um pouco o significado da luta de Chico Mendes é prestar atenção num pequeno episódio da nossa, índios e seringueiros, história recente. O Acre é uma região da Amazônia onde até a década de 70 não havia qualquer reconhecimento da existência das populações indígenas. As antigas áreas indígenas das doze tribos daquela região tinham se transformado em seringais sob controle dos coronéis da borracha e os índios em escravos destes seringais.
Os seringueiros, historicamente, tinham se constituído numa espécie de guarda dos patrões no processo de domesticação dos índios e chegaram a ser aliciados para fazerem guerras punitivas contra grupos indígena pelo resgate de sua condição e retomada do domínio de seus territórios, o movimento dos seringueiros, liderado por Chico Mendes, teve a sensibilidade de superar esta histórica inimizada manipulada pelos patrões e lançar as bases da atual aliança dos povos da floresta, que o Chico resumia assim: “Nosso povo é o mesmo povo, nós não somos mais brancos. Temos uma cultura diferente da dos brancos e pensamos diferentes dos civilizados. Aprendemos a todas as nossas necessidades básicas e já criamos uma cultura própria, que nos aproxima muito mais da tradição indígena do que da tradição dos ‘civilizados’. Nós já sabemos disto, agora o Brasil precisa saber disto. Nunca mais um companheiro nosso vai derramar o sangue do outro, juntos nós podemos proteger a natureza que é o lugar onde nossa gente aprendeu a viver, a criar os filhos e a desenvolver suas capacidades, dentro de um pensamento harmonioso com a natureza, com o meio ambiente e com os seres que habitam aqui”.
Chico Mendes não era um líder sindical qualquer. Seu extraordinário alcance mundial se deve ao fato de que compreendeu melhor que ninguém como era necessário combinar a luta pela justiça social no Brasil com a preservação do meio ambiente.
Claro que sua atividade contribuiu muito. Ele trabalhava a seringueira. Dependia dela e teve de encarar de frente os grandes fazendeiros cujo objetivo era fazer da Amazônia um grande pasto de bois. A intuição de Chico não parou aí, na combinação da ecologia com a luta sindical. Ele estimulou também uma forma de luta pacífica chamada empate que foi desenvolvida em vários pontos do Acre e impediu que o Estado fosse devastado como foi Rondônia. A capacidade de achar a luta pacífica, de envolver as crianças e mulheres no mesmo processo, uma vez que era o destino de todos que estava em jogo, fez de Chico Mendes um grande articulador no campo do que havia de moderno nas lutas urbanas do mundo.
Estivemos juntos algumas vezes, e nos encontros que participou no Rio demonstrou uma incrível capacidade de explicar seu trabalho, de introduzir os segredos da floresta para os que apenas a conheciam em filmes e sonhos. Sua luta era duplamente universal. Era um trabalhador e por isso tinha condições de falar pelo conjunto,, e era ecologista. Quando essas duas condições se unem, fica claro para todo o resto da humanidade quem fala a linguagem universal, quem fala a linguagem do interesse particular.
A capacidade de antevisão de Chico Mendes deverá ser nos próximos anos uma grande inspiração para a lutar popular no Brasil. Se compreendermos como ele compreendeu que não há futuro na luta sindical sem uma ligação com o meio ambiente e não há futuro na luta ambiental se não for conduzida pelos assalariados, poderemos achar uma fórmula nova capaz de fundir o internacionalismo dos trabalhadores com a solidariedade planetária em torno da defesa da vida humana, animal e vegetal.
Chico Mendes morreu em Xapuri, em 22 de dezembro. A luz de seu exemplo vai dirigir os próximos passos da luta de transformação do Brasil. Seus matadores continuam vivos, mas o peso de sua morte lenta vai mostrar para o resto do mundo que alguma coisa mudou.
A Morte Anunciada
Dentro da onda da violência e impunidade que marca o país, o assassinato de líderes sindicais começa a fazer parte do cotidiano das notícias. É neste cenário que se inscreve a morte de Chico Mendes.
No Acre, desde de maio de 88, acumulou-se uma série de crimes não apurados devido ao descaso das autoridades: – em 26 de maio, dois seringueiros foram baleados durante manifestações no prédio do IBDF, em Xapuri, por dois pistoleiros que fugiram de motocicleta. Foram identificados posteriormente por testemunhas, mas o inquérito policial não acompanhou todos os fatos. As suspeitas recaíram em Darli e Alvarino Alves da Silva; – em 17 de junho, o dirigente do Sindicato de Xapuri e candidato a vereador do PT, Ivair Higino de Almeida foi assassinado.
Os suspeitos foram identificados como Cícero Tenório Cavalcante e os sobrinhos de Darli Alves da Silva. O inquérito não apurou a autoria do crime; – em setembro, outro seringueiro foi assassinado no município de Xapuri e apareceram como suspeitos, filhos e parentes próximos de Darli e Alvarino.
O caso não foi apurado; – ainda em setembro, dois corpos foram encontrados ao lado da casa da sede da fazenda de Darli. Ele próprio comunicou o fato à polícia, que fez o sepultamento na própria fazenda sem proceder ao exame. Posteriormente a polícia fez a exumação dos cadáveres e levou uma equipe médica de Rio Branco para fazer os exames, visto que os médicos locais se recusaram a atestar a “causa mortis”.
Os crimes também não foram apurados; – em 26 de setembro, a Polícia Federal do Acre recebeu carta precatória originária da Comarca de Umuarama, no Paraná, com o fim de efetivar a prisão preventiva de Darli e Alvarino. Na tarde de 27 de setembro,Chico Mendes testemunhou a presença de Darli em frente à Polícia Federal. De um hotel próximo ao local Chico telefonou imediatamente pedindo a prisão de Darli. Nada foi feito. A carta só foi enviada ao juiz de Direito da Comarca de Xapuri no dia 13 de outubro. Os mandados de prisão foram executados no dia 19 de outubro mas os fazendeiros fugiram; – 17 de novembro, Chico Mendes denunciou ao juiz da Comarca por carta, que Darli e Alvarino estavam tramando seu assassinado. No mesmo mês e com o mesmo teor, ele escreveu carta ao secretário de Segurança Pública, ao Governo Estadual e ao Superintendente da Polícia Federal; – em 29 de novembro, o Sindicado de Brasiléia remeteu telex ao governador Flaviano Melo, ao diretor geral da Polícia Federal, Romeu Tuma e ao Secretário da Segurança Pública, denunciando ameaças de assassinato de trabalhadores rurais em Xapuri e Brasiléia. Não obteve resposta. Em 5 de dezembro, os sindicatos de Brasiléia e Xapuri, o Conselho Nacional dos Seringueiros e o Centro de Trabalhadores da Amazônia remetem novamente telex a essas autoridades.
Durante todo esse período, Chico Mendes denunciou de várias outras formas também as ameaças que vinha sofrendo.
Em entrevista ao Jornal do Brasil, no dia 9 de dezembro, ele falou a respeito: ” Minha segurança ultimamente foi reforçada no Acre do decisão do governador Flaviano Melo. Ele sabe que meu assassinato vai complicar a situação do Estado. Não que a morte de seringueiro no Acre seja novidade. Mas é que nosso movimento tornou-se conhecido mundialmente. Principalmente junto à autoridades do Banco Mundial, do BID e do Congresso Americano. Ora, não se bate de frente nessas entidades. Hoje minha vida passa pelos policiais da PM. Tenho tido uma relação amigável com os meus ‘seguranças’.
“Eu tenho consciência de que todas as lideranças populares nesses últimos dez anos- advogados, padres, pastores, líderes sindicais – todos eles foram mortos mesmo com garantia de vida do governo. Não precisa nem citar exemplos, pois eles estão vivos na memória de todos. Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta. De parte do governo do Estado não tenho por que temer. Pelo contrário. Agora, por outro lado, eu estou diante de dois inimigos poderosos: a UDR e a Polícia Federal do Acre”.
Apesar das denúncias, dos pedidos de proteção por parte de entidades ambientalistas, personalidades políticas e dirigentes sindicais, do governador ter colocado dois PMs como segurança, Chico Mendes foi assassinado no quintal de sua casa com um tiro de escopeta, no dia 22 de dezembro de 1988.
Chico podia pressentir sua morte após tantas ameaças e atentados sofridos.
Ele não queria e não podia morrer assim.Um dia ele afirmou: “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.”
Trechos da carta enviada ao superintendente de Polícia Federal, Mauro Epósito em 30 de novembro de 1988:
“Venho, pela presente, expressar-lhe a nossa preocupação com relação aos últimos acontecimentos relacionados aos pistoleiros Darli e Alvarino Alves, ambos proprietários da fazenda Paraná, em Xapuri. Como é do conhecimento de V. Sas., desde o mês de setembro do corrente ano foi expedido, pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito da Comarca de Umauarama-PR, um mandato de prisão para os referidos pistoleiros cujo mandato foi encaminhado para sua mão para que fosse cumprido imediatamente. Depois de alguns dias de atraso, o Juiz da Comarca de Xapuri recebe o mandado de prisão e, na mesma hora manda executá-lo.
“A Polícia Militar de Xapuri, atendendo ordem do juiz, deslocou-se imediatamente para a fazenda Paraná a fim de cumprir a ordem e, para surpresa da PM, ao cercarem a residência dos pistoleiros, os mesmos já estavam foragidos, ou seja, tinham sido avisados com antecedência. Na ocasião, houve muita especulação sobre quem devia ter avisado os pistoleiros. E, para a surpresa minha e de todos os companheiros, tivemos a informação de que o Sr. foi o autor do aviso, ou seja, deu todas as dicas para que os mesmos se livrassem da prisão. As informações partem dos próprios pistoleiros e de seus filhos que se orgulham em dizer que seus pais têm muitos amigos, inclusive na Polícia Federal, que os colocam a par de tudo.
“Nós, que apesar de sermos muitas vezes acusados e caluniados de agitadores, de criarmos a baderna, nunca pautamos pela violência e nunca uma gota de sangue foi derramada sob nossa responsabilidade. Enquanto isso, o Sr. é sabedor de que hoje sou obrigado a andar com dois guardas de segurança porque Darli e Alvarino já disseram que só se entregarão à Justiça depois de verem meu cadáver. Seus jagunços andam a vontade por todos os lugares espalhando a intimidação e, quando, em Xapuri, a PM prende qualquer um dos pistoleiros, a Polícia Civil solta imediatamente por ordem do delegado e do prefeito da cidade.
“Não podemos ficar calados diante de uma situação dessa natureza. Não é possível se ficar calado diante de tanta injustiça. Nunca foi costume nosso criar atritos com quem quer que seja. Mas agora não dá para ficar no silêncio. São vidas humanas que estão em jogo. São dezenas de vidas que já foram ceifadas brutal e covardemente.
“Esta carta é no sentido de se tentar esclarecer o que está por trás de tudo isso. O que significa Darli e Alvarino ficarem muitos dias em Brasiléia muita gente deve saber, menos as autoridades de segurança daquele município. Como fica o conceito da PF e da Secretária de Segurança diante de tudo isso?
Aqui encero esta humilde carta, mas que expressa a minha preocupação por tudo que vem acontecendo além das informações surpreendentes.
“Atenciosamente,
Francisco Alves Mendes Filho
Presidente dos Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e membro do Conselho Nacional dos Seringueiros”
O Homem da Floresta
Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, tinha completado 44 anos no dia 15 de dezembro de 1988, uma semana antes de ter sido assassinado. Acreano, nascido no seringal Porto Rico, em Xapuri, se tornou seringueiro ainda criança, acompanhando seu pai.
Chico Mendes no Seringal
Sua vida de líder sindical inicia com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, em 1975, quando é escolhido para ser secretário geral. Em 1976, participa ativamente das lutas dos seringueiros para impedir desmatamentos através dos “empates”. Organiza também várias ações em defesa da posse da terra. Em 1977, participa da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, além de ter sido eleito vereador pelo MDB à Câmara Municipal local.
Neste mesmo ano, Chico Mendes sofre as primeiras ameaças de morte por parte dos fazendeiros, ao mesmo tempo que começa a enfrentar vários problemas com seu próprio partido, o MDB, que não era solidário às suas lutas.
Da esquerda para a direita: Sabá Marinho, Sabá Gomes, Vilela, Julio, Ilza, Jorge, Neto, Tarjino e Raimundo, companheiros da luta de Chico Mendes
Em 1979, Chico Mendes transforma a Câmara Municipal num grande foro de debates entre lideranças sindicais, populares e religiosas, sendo por isso acusado de subversão e submetido a duros interrogatórios. Em dezembro do mesmo ano Chico é torturado secretamente. Sem ter apoio, não tem condições de denunciar o fato.
Com o surgimento do Partido dos Trabalhadores, Chico transforma-se num de seus fundadores e dirigente do Acre, participando de comícios na região juntamente com Lula. Ainda em 1980, Chico Mendes é enquadrado na Lei de Segurança Nacional, a pedido dos fazendeiros da região que procuravam envolvê-lo no “justiçamento”, promovido por quarenta posseiros, de um fazendeiro que poderia estar envolvido no assassinado de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia.
No ano seguinte, Chico Mendes assume a direção do Sindicato de Xapuri, do qual foi presidente até o momento de sua morte. Nesse mesmo ano, Chico é acusado de incitar posseiros à violência. Sendo julgado no Tribunal Militar de Manaus, consegue livrar-se da prisão preventiva.
Chico Mendes
Nas eleições de novembro de 1982, Chico Mendes candidata-se a deputado estadual pelo PT não conseguindo eleger-se. Dois anos mais tarde é levado novamente a julgamento, sendo absolvido por falta de provas.
Em outubro de 1985, lidera o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros ( CNS ), do qual torna-se a principal referência. A partir de então, a luta dos seringueiros, sob liderança de Chico Mendes, começa a ganhar repercussão nacional e internacional, principalmente com o surgimento da proposta de “União dos Povos da Floresta”, que busca unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica propondo ainda a criação de reservas extrativistas que preservem as áreas indígenas, e própria floresta, ao mesmo tempo em que garantem a reforma agrária desejada pelos seringueiros, marcado para março de 1989, Chico deveria assumir a presidência do CNS.
Em 1987, Chico Mendes recebe a visita de alguns membros da ONU, em Xapuri, onde puderam ver de perto a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros causadas por projetos financiados por bancos internacionais. Dois meses depois, Chico Mendes levava estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião de um banco financiador, o BID. Trinta dias depois, os financiamentos aos projetos devastadores são suspensos e Chico é acusado por fazendeiros e políticos de prejudicar o “progresso do Estado do Acre. Meses depois, Chico Mendes começa a receber vários prêmios e reconhecimentos, nacionais e internacionais, como uma das pessoas que mais se destacaram naquele ano em defesa da ecologia, como por exemplo o prêmio “Global 500”, oferecido pela própria ONU.
Chico Mendes
Durante o ano de 1988, Chico Mendes, cada vez mais ameaçado e perseguido, principalmente por ações organizadas após a instalação da UDR no Acre, continua sua luta percorrendo várias regiões do Brasil, participando de seminários, palestras e congressos, com o objetivo de denunciar a ação predatória contra a floresta e as ações violentas dos fazendeiros da região contra os trabalhadores de Xapuri.
Por outro lado, Chico participa da realização de um grande sonho: a implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no Estado do Acre, além de conseguir a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva, em Xapuri.
A partir daí, agravam-se as ameaças de morte, como o própria Chico chegou a denunciar várias vezes, ao mesmo tempo em que deixava claro para as autoridades policiais e governamentais que corria risco de vida e que necessitava de garantias, chegando inclusive a apontar os nomes de seus prováveis assassinos.
No 3º Congresso Nacional da CUT, Chico Mendes volta a denunciar esta situação, juntamente com a de vários outros trabalhadores rurais de todas a partes do país. A situação é a mesma, a violência criminosa tem a mão da UDR de norte a Sul do Brasil. No mesmo Concut, Chico Mendes defende a tese apresentada pelo Sindicato de Xapuri, “Em Defesa dos Povos da Floresta”, aprovada por aclamação por cerca de 6 mil delegados presentes. Ao final do Congresso, ele é eleito suplente da direção nacional da CUT.
Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes é assassinado na porta de sua casa. Chico era casado com Ilzamar Mendes e deixa dois filhos, Sandino, de 2 anos, e Elenira, 4.
Chico Mendes – Vida
Chico Mendes era líder de grande coragem e motivação inflexível. Para muitas pessoas poderosas, ele era criador de problemas, mas para milhões de trabalhadores e índios da Amazônia, Chico Mendes era um herói para salvar vidas. Ao levantar-se para seus vizinhos que ele ajudou a mudar o curso de uma nação.
Chico Mendes
Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, líder dos seringueiros e ecologista nato, procedente de uma humilde família de nordestinos, nasceu a 15 de dezembro de 1944, no seringal denominado Porto Rico, localizado no município de Xapuri, Estado do Acre. Esta região, que no passado pertencia a bolivianos e peruanos, tornou-se palco de grandes lutas históricas entre brasileiros e bolivianos, mas com a derrota dos estrangeiros passou a pertencer ao Brasil.
Chico Mendes, homem de aspecto sombrio, cor morena e bigode robusto, teve uma infância pobre, como milhares de brasileiros excluídos, nativos da região Norte. Morou sempre em casa de madeira com piso de barro. Ainda criança, tornou-se seringueiro. Aprendeu a ler e escrever aos 24 anos de idade e vestiu seu primeiro terno aos 40 anos.
Com o passar dos anos, o seu ideal de infância de amar e preservar o meio ambiente foi amadurecendo, através da experiência e da sabedoria nata de homem da floresta que era. Sentia-se na obrigação de abraçar a causa e lutar em prol da preservação da Amazônia, principalmente quando se deparava com o descaso dos grandes empresários e fazendeiros que, acobertados por forças governamentais, guiados pela opulência e pela ambição, enviavam seus empregados armados com motosserras, machados, facões e tratores para derrubar as árvores, provocar queimadas, sem sequer tomar conhecimento da dimensão da destruição que estavam provocando, não somente na fauna e na flora da região amazônica, mas em todo o ecossistema mundial.
Foi a partir daí que decidiu levantar a bandeira em prol da preservação das matas. Tornou-se líder sindical em 1975, e um formador de consciência junto à população de excluídos e semi-escravizados dos seringais da região. Nesse mesmo ano, com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, ele foi escolhido para ser o secretário do órgão.
Em 1976, participou ativamente junto aos seringueiros na luta contra o desmatamento. Istose deu através dos empates, um movimento pacífico, que consiste em reunir grande número de seringueiros, trabalhadores rurais, índios e pescadores desarmados, com suas mulheres e filhos, dando-se as mãos no meio da selva ou na beira dos rios, a fim de impedir as derrubadas das árvores pelos peões dos fazendeiros e seringalistas, que surgiam armados de foices, machados, motosserras e máquinas. Através desses movimentos, os seringueiros e pescadores ribeirinhos tentavam neutralizar e conscientizar os predadores, sobre as conseqüências da destruição e devastação ambientais e as atitudes brutais dos grandes empresários. Muitas vezes, eles conseguiram atrasar os projetos dos fazendeiros, dando tempo aos líderes sindicais para que estruturassem coalizações políticas a favor da preservação das matas, das terras e das reservas extrativistas.
Em 1977, o ecologista participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri sendo também eleito vereador pelo partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
No ano de 1979, na Câmara Municipal de Xapuri, realizou-se um grande fórum de debates entre as lideranças sindicais, populares e religiosas, liderado por Chico Mendes. Esse evento constituiu-se em motivo suficiente para que ele fosse acusado de subversão, passando a sofrer torturas e ameaças de morte.
Em 1980, juntamente com Luís Inácio Lula da Silva, Chico Mendes fundou o Partido dos Trabalhadores (PT). Realizou comícios e levantes populares, com o objetivo de conscientizar os trabalhadores sobre a defesa de seus direitos.
No 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, Chico Mendes apresentou a proposta União dos Povos da Floresta, um documento reivindicatório, visando a união das forças dos índios, trabalhadores rurais e seringueiros em defesa e preservação da Floresta Amazônica e das reservas extrativistas em terras indígenas.
As reivindicações e denúncias sobre a devastação da mata e o massacre dos índios, constantes naquele documento, tiveram uma grande repercussão nacional e internacional.
Dois anos após o evento, ou seja, em 1987, chegaram ao Brasil representantes da Organização das Nações Unidas – ONU e de várias partes do mundo, para constatar a veracidade das denúncias contidas no referido documento. Meses depois, Chico Mendes ganhou o prêmio de destaque GLOBAL 500.
A luta pela preservação ecológica foi uma constante na vida do homem da floresta que, pacificamente, conseguiu mobilizar e conscientizar a sociedade rural, bem como Organizações Não-Governamentais – ONGs, nacionais e internacionais.
Por outro lado sua perseverança em proteger o meio ambiente e as espécies nativas da região, despertou o ódio dos grupos de fazendeiros e empresas que insistiam na exploração e na devastação da floresta.
Durante todo o ano de 1988, Chico Mendes sofreu ameaças de morte e perseguições por parte de pessoas ligadas a partidos políticos e organizações clandestinas destinadas a exploração desregrada da região.
No dia 22 de dezembro de 1988, após inúmeros conflitos, intrigas, levantes e movimentos sindicais, o sindicalista e ecologista Chico Mendes teve a sua vida ceifada por mãos criminosas, passando a ser a 97ª vítima na lista dos trabalhadores rurais, assassinada durante o ano de 1988, por lutar pelos seus direitos, como também pela preservação ambiental da Região Amazônica.
Chico Mendes – Biografia
Data de nascimento: 15 de de Dezembro de 1944, Xapuri, Acre, Brasil.
Data da morte: 22 de de Dezembro de de 1988, Xapuri, Acre, Brasil (assassinato).
Nome de nascença: Francisco Alves Mendes Filho
Líder seringueiro e sindicalista acreano (1944-1988). Militante da defesa dos seringueiros e da floresta Amazônica, ganhador do Prêmio Global 500 das Nações Unidas.
Francisco Alves Mendes Filho (1944-22/12/1988) nasce na cidade de Porto Rico.
Entra para a política sindical nos anos 60 e, na década de 70, cria os “empates”, estratégia não violenta de defesa contra o desmatamento na Amazônia.
Em 1977 ajuda a fundar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, do qual é presidente de 1982 até sua morte. Elege-se vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1978.
Quatro anos depois se candidata a deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas é derrotado. Torna-se mundialmente conhecido por suas denúncias de destruição da floresta Amazônica.
Em 1985 participa da fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Ganha o Prêmio Global 500, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), em 1987.
Depois de receber várias ameaças de morte, em 1988 é assassinado em sua casa por pistoleiros a mando do fazendeiro Darli Alves da Silva.
Em 1990, Darli e seu filho Darci Alves Pereira são condenados a 19 anos de prisão pelo crime. Foragidos do presídio de Rio Branco três anos depois, voltam a ser presos em 1996.
Chico Mendes – Luta
Chico Mendes
A principal luta de Chico Mendes era para a criação de reservas extrativistas para os seringueiros nos moldes das reservas indígenas, em que a União é a proprietária da terra, mas os trabalhadores e a população tradicional local têm o direito de posse. Essa é uma das garantias para o desenvolvimento sustentável da região Amazônica, constantemente ameaçada pela ganância de latifundiários.
Em 23 de janeiro de 1990, pouco mais de um ano após o assassinato de Chico Mendes, foi criada a primeira reserva extrativista do país, a do Alto Juruá, nos municípios de Cruzeiro do Sul e Marechal Taumaturgo (AC). Em março daquele ano, foi decretada a criação da reserva extrativista Chico Mendes, também no Acre, nos municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Xapuri, Sena Madureira e Rio Branco. Em 1992, o governo federal criou o CNPT – Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais, órgão vinculado ao Ibama.
Atualmente, o Brasil possui 43 reservas extrativistas, que ocupam mais de 8 milhões de hectares e onde vivem cerca de 20 mil pessoas, segundo dados do CNPT. Dessas 43 reservas, 14 foram criadas pelo atual governo e abrangem uma área de 3,3 milhões de hectares e abrigam cerca de 10 mil pessoas.
A vida de Chico Mendes inspirou milhares de outros ativistas a lutar por seus direitos. Para os que ainda não conhecem sua história, segue um breve relato de sua vida, publicado na revista “Chico Mendes”, publicada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, CNS e CUT, em janeiro de 1989.
O homem da floresta – Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, tinha completado 44 anos no dia 15 de dezembro de 1988, uma semana antes de ter sido assassinado. Acreano, nascido no seringal Porto Rico, em Xapuri, se tornou seringueiro ainda criança, acompanhando seu pai.
Sua vida de líder sindical se inicia com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, em 1975, quando é escolhido para ser secretário geral.
Em 1976, participa ativamente das lutas dos seringueiros para impedir desmatamentos através dos “empates”. Organiza também várias ações em defesa da posse da terra. Em 1977, participa da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, além de ter sido eleito vereador pelo MDB à Câmara Municipal local. Neste mesmo ano, Chico Mendes sofre as primeiras ameaças de morte por parte dos fazendeiros, ao mesmo tempo que começa a enfrentar vários problemas cem seu próprio partido, o MDB, que não era solidário às suas lutas.
Em 1979, Chico Mendes transforma a Câmara Municipal num grande foro de debates entre lideranças sindicais, populares e religiosas, sendo por isso acusado de subversão e submetido a duros interrogatórios. Em dezembro, do mesmo ano Chico é torturado secretamente. Sem ter apoio, não tem condições de denunciar o fato.
Com o surgimento do Partido dos Trabalhadores, Chico transforma-se num de seus fundadores e dirigentes no Acre, articipando de comícios na região juntamente com Lula. Ainda em 1980, Chico Mendes é enquadrado na Lei de Segurança Nacional, a pedido dos fazendeiros da região que procuravam envolvê-lo com o assassinato de um capataz de fazenda que poderia estar envolvido no assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia.
No ano seguinte, Chico Mendes assume a direção do Sindicato de Xapuri, do qual foi presidente até o momento de sua morte. Nesse mesmo ano, Chico é acusado de incitar posseiros à violência. Sendo julgado no Tribunal Militar de Manaus, consegue livrar-se da prisão preventiva.
Nas eleições de novembro de 1982, Chico Mendes candidata-se a deputado estadual pelo PT não conseguindo eleger-se. Dois anos mais tarde é levado novamente a julgamento, sendo absolvido por falta de provas. Em outubro de 1985, lidera o 1o Encontro Nacional dos Seringueiros, quando é criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), do qual torna-se a principal referência. A partir de então, a luta dos seringueiros, sob a liderança de Chico Mendes, começa a ganhar repercussão nacional e internacional, principalmente com o surgimento da proposta de “União dos Povos da Floresta”, que busca unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica propondo ainda a criação de reservas extrativistas que preservam as áreas indígenas, a própria floresta, ao mesmo tempo em que garantem a reforma agrária desejada pelos seringueiros. A partir do 2o Encontro Nacional dos Seringueiros, marcado para março de 1989, Chico deveria assumir a presidência do CNS.
Em 1987, Chico Mendes recebe a visita de alguns membros da ONU, em Xapuri, onde puderam ver de perto a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros causadas por projetos financiados por bancos internacionais. Dois meses depois, Chico Mendes levava estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião de um banco financiador, o BID. Trinta dias depois, os financiamentos aos projetos devastadores são suspensos e Chico é acusado por fazendeiros e políticos de prejudicar o “progresso” do Estado do Acre. Meses depois, Chico Mendes começa a receber vários prêmios e reconhecimentos, nacionais e internacionais, como uma das pessoas que mais se destacaram naquele ano em defesa da ecologia, como por exemplo o prêmio “Global 500”, oferecido pela própria ONU.
Durante o ano de 1988, Chico Mendes, cada vez mais ameaçado e perseguido, principalmente por ações organizadas após a instalação da UDR no Acre, continua sua luta percorrendo várias regiões do Brasil, participando de seminários, palestras e congressos, com o objetivo de denunciar a ação predatória contra a floresta e as ações violentas dos fazendeiros da região contra os trabalhadores de Xapuri.
Por outro lado, Chico participa da realização de um grande sonho: a implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no Estado do Acre, além de conseguir a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva, em Xapuri.
A partir daí, agravam-se as ameaças de morte, como o próprio Chico chegou a denunciar várias vezes, ao mesmo tempo em que deixava claro para as autoridades policiais e governamentais que corria risco de vida e que necessitava de garantias, chegando inclusive a apontar os nomes de seus prováveis assassinos.
No 3o Congresso Nacional da CUT, Chico Mendes volta a denunciar esta situação, juntamente com a de vários outros trabalhadores rurais de todas a partes do país. A situação é a mesma, a violência criminosa tem a mão da UDR de norte a sul do Brasil. No mesmo Concut, Chico Mendes defende a tese apresentada pelo Sindicato de Xapuri, “Em Defesa dos Povos da Floresta”, aprovada por aclamação por cerca de 6 mil delegados presentes. Ao final do Congresso, ele é eleito suplente da direção nacional da CUT.
Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes é assassinado na porta de sua casa. Chico era casado com lIzamar Mendes e deixou dois filhos, Sandino, de 2 anos, e Elenira, 4.
Fonte: www.senado.gov.br/www.fundaj.gov.br/FBOMS/www.britannica.com
muito longo mas de qualquer forma valeu.