Carl Rogers – Vida
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1902 – 1987
Nascimento: 08 de janeiro de 1902
Morte: 04 de fevereiro de 1987
Carl Rogers nasceu 08 de janeiro de 1902 em Oak Park, Illinois, um subúrbio de Chicago, o quarto de seis filhos.
Seu pai era um engenheiro civil bem sucedida e sua mãe era uma dona de casa e devoto cristão.
Carl Rogers
Carl Rogers foi um psicólogo americano, que atuou como psicoterapeuta por mais de 30 anos e trouxe grandes contribuições para a prática clínica e para a educação.
No Brasil suas idéias tiveram difusão na década de 70, em confronto direto com as idéias do Comportamentalismo (Behaviorismo), que teve em Skinner um de seus principais representantes. Rogers é considerado um representante da psicologia humanista e da corrente humanista em educação. Teve grande atuação política, especialmente na resolução de conflitos, a ponto do seu nome ter sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 1987. Estudiosos da linha da psicologia transpessoal também reconhecem contribuições de Rogers, especialmente nos últimos anos de sua obra, quando ele passou a dedicar atenção à espiritualidade humana e a um estado especial de consciência que ele identificou durante suas sessões como psicoterapeuta.
Carl Rogers nasceu no dia 8 de Janeiro de 1902, em Oak Park, nos arredores de Chicago. Os pais de Rogers vinham de uma cultura protestante moralmente rígida, um tanto conservadora e bastante fixada em valores tradicionais. Tanto o pai como a mãe tinham formação universitária e estimulavam uma atmosfera intelectual na família.
Rogers foi sempre um aluno brilhante e muito interessado pelo conhecimento. No entanto, conseguia sempre colaborar nos trabalhos do dia-a-dia da família. Sua rede de relacionamentos fora da família era muito restrita, pois a família valorizava muito o o trabalho físico e intelectual, o que não deixava muito tempo para atividades de lazer. Rogers concentrava-se então em leituras, preferencialmente de caráter religioso.
Aos 12 anos, Carl Rogers e sua família mudam-se para uma nova residência nos arredores de Chicago, onde há terra suficiente para iniciar uma atividade agrícola. Em conseqüência dessa atividade, Rogers matricula-se, em 1919, no curso de Agronomia da Universidade de Wisconsin. Já nos primeiros anos, envolve-se em atividades comunitárias, onde começam a aparecer seus talentos de facilitador e organizador. Decide então mudar para o curso de História, com a intenção de seguir mais tarde a carreira religiosa.
Em 1922, Carl Rogers passa seis meses na China, passando também pelo Japão e Coréia, para o Congresso da Federação Mundial dos Estudantes Cristãos.
O contato com a cultura oriental e com o pensamento budista faz com que Rogers reveja suas convicções religiosas. Mantém, entretanto, sua intenção de seguir na vida pastoral.
Em 1924, termina a faculdade de História. No mesmo ano, casa-se com Hellen Elliot, uma amiga de infância, com quem posteriormente teve dois filhos, chamados David Elliott Rogers (1926) e Natalie Rogers (1928).
Carl Rogers matricula-se no Seminário da União Teológica em Nova Iorque, uma instituição com ambiente bem menos conservador do que o que sua família desejara. Freqüenta alguns cursos na faculdade de Psicologia dessa instituição, onde conhece os psicólogos Goodwin Watson e William Kilpatrick, com os quais bastante se impressiona. No segundo ano, toma consciência de sua falta de vocação para a carreira religiosa e transfere-se para o curso de Psicologia do Teachers’ College da Universidade de Columbia. Nessa época, é bastante influenciado pela filosofia de John Dewey.
Em 1926 começa a trabalhar no Instituto de Aconselhamento Infantil (Institute for Child Guidance) em Nova Iorque, onde trava sua primeira batalha com a psiquiatria, para igualar seu salário com o dos psiquiatras.
Em 1928, doutora-se no Teachers’ College. Sua tese consistia na criação de um teste de personalidade para crianças. Nessa época, trabalhava como psicólogo na Sociedade para Prevenção de Crueldade Contra Crianças (Society for the Prevention of Cruelty to Children). A partir de 1929, dirige, durante 12 anos, o Centro de Observação e Orientação Infantil dessa Sociedade. Lá, conhece Otto Rank, por cuja prática terapêutica é influenciado. Conhece também Jessie Taft e seu livro de 1933, que Rogers considerou uma obra prima.
Em 1938, Rogers trava nova batalha com os psiquiatras. O Centro que ele já dirigia foi ampliado e a instituição queria eleger um psiquiatra como diretor, por tradição. Rogers consegue manter seu cargo como dirigente do Centro, tornando-se o primeiro psicólogo a ocupar essa posição.
Seu primeiro livro surge em 1939: “O tratamento clínico da criança-problema”, onde apresenta suas pesquisas até então. A repercussão do livro faz com que ele passe a ser conhecido como psicólogo clínico.
Carl Rogers desenvolve uma forma de psicoterapia cada vez menos diretiva, baseada mais na aceitação dos sentimentos do cliente pelo terapeuta, e menos na interpretação e no direcionamento.
Assim surge a Terapia Centrada na Pessoa (ou Abordagem Centrada na Pessoa), sobre a qual Rogers afirma: “Pode parecer absurdo alguém poder nomear o dia em que a Terapia Centrada no Cliente nasceu. Contudo, eu sinto que é possível nomeá-lo como sendo o dia 11 de Dezembro de 1940.”
De 1945 a 1957, Rogers tem um período muito rico em termos de produção científica, com muitas publicações. Seu livro de 1951, “Terapia Centrada do Cliente”, é um dos pontos altos dessa produção.
No ano de 1961, Rogers publica o livro “Tornar-se pessoa”, que rapidamente transforma-se em um best-seller mundial. A partir dessa época, Rogers passa a investir cada vez mais no trabalho com grupos, ou “grupos de encontro”, como ele os denomina. O livro “Grupos de encontro”, publicado em 1970, foi apreciado tanto por profissionais como por leigos e rapidamente tornou-se um livro de consulta obrigatória na área.
A partir de 1972, dedica-se principalmente à reflexão sobre aspectos sociais e políticos, explorando as possibilidades criativas oferecidas pelos grupos de encontro. Dessas reflexões surge o livro “Poder Pessoal”, publicado em 1977.
Em 1985 Carl Rogers atua como facilitador de um workshop na Áustria com 50 líderes internacionais para discutir, segundo o modelo dos grupos de encontro, as tensões políticas na América Central. Nos últimos anos de sua vida, Rogers investe cada vez mais em workshops de esforço pela paz, tanto que seu nome foi indicado em 1987 para o Prêmio Nobel da Paz.
Principalmente após a morte da esposa, em 1979, os últimos anos de Rogers foram marcados por um interesse pela dimensão espiritual do homem, pela transcendência e pela integração do homem com o universo. Valoriza, na terapia, a intuição e a “presença”, uma forma de comunicação com características transpessoais, que ele identifica como um “estado alterado de consciência”.
Carl Rogers faleceu em La Jolla, na Califórnia, no dia 4 de Fevereiro de 1987, após uma fratura do colo do fêmur. Antes de falecer, permaneceu três dias em coma, quando então as máquinas que o mantinham vivo foram desligadas, de acordo com as instruções que ele mesmo deixara.
Congruência
Carl Rogers, no livro “De Pessoa para Pessoa”, assim define congruência:
Em primeiro lugar, a minha hipótese é que o crescimento pessoal é facilitado quando o conselheiro é aquele que, na relação com o cliente, é autêntico, sem máscara ou fachada, e apresenta abertamente os sentimentos e atitudes que nele surgem naquele momento. Empregamos a palavra ‘congruência’ para tentar descrever esta condição. Com ela queremos dizer que os sentimentos que o conselheiro está vivenciando são acessíveis à sua consciência, que é capaz de viver estes sentimentos, senti-los na relação e capaz de comunicá-los, se isso for adequado. Significa que entra num encontro pessoal direto com o cliente, encontrando-o de pessoa para pessoa. Significa que ele é aquele que não se nega. Ninguém atinge totalmente esta condição; contudo, quanto mais o terapeuta é capaz de ouvir e aceitar o que ocorre em seu íntimo, e quanto mais é capaz de, sem medo, ser a complexidade de seus sentimentos, maior é o grau de sua congruência.
Empatia
Uma das últimas definições de Rogers está no livro “A Pessoa como Centro”.
Ela diz que:
A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada empática tem várias facetas. Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme. Significa freqüentemente avaliar com ele/ela a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos.
Consideração Positiva Incondicional
Afonso Lisboa da Fonseca, em seu livro “Trabalhando o Legado de Rogers”, apresenta a seguinte definição:
Se tudo que uma pessoa exprime (verbalmente ou não verbalmente, direta ou indiretamente) sobre si mesma, me parece igualmente digno de respeito ou de aceitação, isto é, se não desaprovo nem deprecio nenhum elemento expresso dessa forma, experimento em relação a esta pessoa uma atitude de consideração positiva incondicional.
Aprendizagem significativa em Psicoterapia
“Por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem que é mais do que uma acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade. É uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência.” Rogers, in Tornar-se Pessoa, 1988, editora Martins Fontes.
As condições de aprendizagem em Psicoterapia
Enfrentando um problema
O terapeuta precisa possuir um considerável grau de congruência na relação
Consideração positiva incondicional
Compreensão empática
Necessidade que o terapeuta consiga comunicar ao cliente as condições anteriores
Implicações no domínio da Educação
Necessidade da aprendizagem ser significativa, o que acontece mais facilmente quando as situações são percebidas como problemáticas, portanto pode-se dizer que só se aprende aquilo que é necessário, não se pode ensinar diretamente a nenhuma pessoa
Autenticidade do professor, isto é, a aprendizagem pode ser facilitada se ele for congruente. Isso implica que o professor tenha uma consciência plena das atitudes que assume, sentindo-se receptivo perante seus sentimentos reais, tornando-se uma pessoa real na relação com seus alunos
Aceitação e compreensão: a aprendizagem significativa é possível se o professor for capaz de aceitar o aluno tal como ele é, compreendendo os sentimentos que este manifesta, pois a aprendizagem autêntica é baseada na aceitação incondicional do outro
Tendência dos alunos para se afirmarem, isto é , os estudantes que estão em contato real com os problemas da vida, procuram aprender, desejam crescer e descobrir, querem criar, o que, pressupõe uma confiança básica na pessoa, no seu próprio crescimento.
A função do professor consistiria no desenvolvimento de uma relação pessoal com seus alunos e de o estabelecimento de um clima nas aulas que possibilitasse a realização natural dessas tendências; portanto o professor é um facilitador da aprendizagem significativa, fazendo parte do grupo e não estando colocado acima dele; este também é um dos pressupostos básicos da teoria de Rogers, ou seja, o aspecto interacional da situação de aprendizagem, visando às relações interpessoais e intergrupais
O professor e o aluno são co-responsáveis pela aprendizagem, não havendo avaliação externa, a auto-avaliação deve ser incentivada; implica em uma filosofia democrática
Organização pedagógica flexível
É por meio de atos que se adquire aprendizagens mais significativas
A aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança.
Metodologia
Como metodologia, a não-diretividade é característica. É um método não estruturante de processo de aprendizagem, pelo qual o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno. Na verdade, Rogers pressupõe que o professor dirija o estudante às suas próprias experiências, para que, a partir delas, o aluno se autodirija. Rogers propõe a sensibilização, a afetividade e a motivação como fatores atuantes na construção do conhecimento. Uma das idéias mais importantes na obra de Rogers é a de que a pessoa é capaz de controlar seu próprio desenvolvimento e isso ninguém pode fazer para ela.
Na obra acima citada, páginas 271, 272, Rogers coloca:
“[…] Mesmo que tentemos esse método para facilitar a aprendizagem, levantam-se muitas questões difíceis. Podemos permitir aos estudantes que entrem em contato com os problemas reais? Toda a nossa cultura-procura insistentemente manter os jovens afastados de qualquer contato com os problemas reais. Os jovens não tem que trabalhar, assumir responsabilidades, intervir nos problemas cívicos ou políticos, não tem lugar nos debates das questões internacionais. […]Será possível inverter essa tendência? […] Uma outra questão é a de saber se podemos permitir que o conhecimento se organize no e pelo indivíduo, em vez de ser organizado para o indivíduo. Sob esse aspecto, os professores e os educadores se alinham com os pais e com os dirigentes nacionais para insistirem que os alunos devem ser guiados […] Espero que, ao levantar essas questões, tenha mostrado claramente que o duplo problema que é a aprendizagem significativa e forma de como realizá-la nos coloca perante problemas profundos e graves. […] Tentei apontar algumas dessas implicações das condições facilitadoras da aprendizagem no domínio da educação, e propus, uma resposta a essas questões”
Carl Rogers e a Abordagem Centrada no Cliente
Carl Rogers
Destacado pioneiro no desenvolvimento da chamada Psicologia Humanista, ou Terceira Força em Psicologia – segundo a classificação de Abraham Maslow -, Carl R. Rogers (1902-1987) foi um dos principais responsáveis – embora quase nunca se fale nisso – pelo acesso e reconhecimento dos psicólogos ao universo clínico, antes dominado pela psiquiatria médica e pela psicanálise – que, nos EUA, era exercida exclusivamente por médicos até bem pouco tempo atrás. Sua postura enquanto terapêuta sempre esteve apoiada em sólidas pesquisas e observações clínicas, podendo-se, sem sombra de dúvida, dizer que o campo de pesquisas objetivas voltadas para o referencial teórico da Abordagem Centrada na Pessoa é formado por um número considerável de trabalhos, indo mesmo além que o número de pesquisas feitas sobre muitas outras abordagens, incluindo a psicanálise (Rogers & Kinget, 1977; Hart & Tomlinson, 1970; Hall & Lindzey, 1993).
Nascido em Oak Park, Ilinois, EUA, em 8 de janeiro de 1902, Carl Ranson Rogers era o filho do meio de uma grande família protestante, onde os valores tradicionais e religiosos (quase fundamentalistas), juntamente com o incentivo ao trabalho duro eram amplamente cultivados. Aos doze anos, Rogers e sua família mudam-se para uma fazenda, onde, em terreno tão fértil e estimulante, passou a se interessar por agricultura e ciências naturais. Posteriormente, na universidade, Rogers se dedicaria, inicialmente, ao aprofundamento de seus estudos em ciências físicas e biológicas. Logo após graduar-se na Universidade de Wisconsin, em 1924,Rogers passou, como era de se esperar diante das espectativas de sua família, a frequentar o Seminário Teológico Unido, em Nova York, onde, felizmente, recebeu uma liberal visão filosófica da religião. Transferindo-se para o Teachers College da Columbia University, foi introduzido na psicologia. Nesta mesma universidade obteve seus títulos de Mestre, 1928, e Doutor, 1931. Suas primeiras experiências clínicas, calcadas na tradição behaviorista e, ainda mais, psicanalista, foram feitas como interno do Institute for Child Guidance, onde sentiu a forte ruptura entre o pensamento especulativo freudiano e o mecanicismo medidor e estatístico do behaviorismo.
Depois de receber seu título de Doutor, Rogers passou a fazer parte da equipe do Rochester Center, do qual passaria a ser diretor. Neste período, Rogers muito tirou das idéias e exemplos de Otto Rank, que havia se separado da linha ortodoxa de Freud.
Foi trabalhando em Rochester que Rogers atingiu novos insights e percepções do tratamento psicoterpêutico que lhe liberou da forte amarra cadêmica e concentual que havia (e ainda há) no ensino e prática da piscologia:
A equipe era eclética, constituída de elementos de várias procedências, e nossas discussões sobre métodos de tratamento baseavam-se na nossa experiência pessoal diária com nossos clientes (crianças, jovens e adultos). Era o princípio de um esforço transdisciplinar que muito significou para mim, e com o qual podíamos descobrir a ordem que existe em nossas experiências ao trabalhar com pessoas (…)” (Rogers, 1977).
Em 1949, Rogers passou a ocupar a cátedra de Psicologia da Universidade de Ohio. Por ter passado muito tempo envolvido diretamente com a clínica, a passagem para o meio acadêmico foi muito dura para ele. Ficou claro que, durante seu trabalho ativo com clientes, ele tinha atingido novas formas de pensar a prática psicoterapêutica que eram muito diferentes das abordagens acadêmicas convencionais. De todo modo, as críticas iniciais a que foi submetido e o interesse que os estudantes demonstravam em sua teoria compeliu-o a explanar melhor seus pontos de vista, resultando uma série de livros, principalmente Counseling and psychoterapy (1942).
Em 1945, Carl Rogers tornou-se professor de Psicologia na Universidade de Chicago e secretário executivo do Centro de Aconselhamento Terapêutico, quando elaborou e definiu ainda mais seu método de terapia centrada no cliente, a partir do legado de outros teóricos, principalmente Kurt Goldstein (c.f. a home page Psicologia Holística), formulando uma teoria da personalidade e, ainda mais importante para o destaque de seu trabalho, conduzindo pesquisas sobre psicoterapia, o que muito pouco era feito com relação à abordagem do momento, a Psicanálise (Hall & Lindzey, 1993; Rogers, 1951; Rogers & Dymond, 1954).
Em 1957, Rogers passa a ensinar na Universidade em que se graduou, Winconsin, até 1963. Durante esses anos, ele liderou um grupo de pesquisadores que realizou um brilhante estudo intensivo e controlado, utilizando a psicoterapia centrada com pacientes esquizofrênicos, obtendo, em alguns pontos, muito material sobre a relação terapêutica e muitos outros dados de interesse científico, em termos estatísiticos, com estes e com seus familiares. De qualquer modo, foi o início de uma abordagem mais humana junto aos pacientes hospitalares.
Desde 1964, Rogers associou-se ao Centro de Estudos da Pessoa, em La Jolla, Califórina, entrando em contato com outros teóricos humanistas, como Maslow, e filósofos, como Buber e outros. Rogers passou a ser agraciado por muitos psicólogos pelo seu trabalho científico, e atacado por outros, que viam nele e em sua teoria uma abordagem tola e/ou perigosa para o status e o poder que tinham, principalmente nos meios médicos que se viram forçados a reconhecer, à custas das inúmeras pesquisas sérias levadas por Rogers e seus auxiliaraes, que o psicólogo pode ter tanto ou mais sucesso no tratamento piscoterapêutico quanto um psiquiatra ou psicanalista… É duro para a medicina perder um espaço que lhe diminui o poder político e mítico sobre a visão que dela têm as pessoas comuns.
Rogers foi, por duas vezes, eleito presidente da Associação Americana de Psicologia e recebeu desta mesma associação os prêmios de Melhor Contribuição Científica e o de Melhor Profissional.
Rogers morreu ativo, em 1987, aos 85 anos de idade.
O posicionamento filosófico de Rogers, e sua perspectiva e visão do ser humano foram bastante avançadas para a sua época, pois apresentam um entendimento altamente holista e sistêmico do homem, que fica estremamente claro em seus livros, e, em resumo, nesta passagem de Liberdade para aprender:
Sinto pouca simpatia pela idéia bastante generalizada de que o homem é, em princípio, fundamentalmente irracional e que os seus impulsos, quando não controlados, levam à destruição de si e dos outros. O comportamento humano é, no seu conjunto, extremamente racional, evoluindo com uma complexidade sutil e ordenada para os objetivos que o seu organismo, como um todo sistêmico, se esforça por atingir. A tragédia, para muitos de nós, deriva do fato de que as nossas defesas internas nos impedirem de surpreender essa racionalidade mais profunda, de modo que estamos conscientemente a caminhar numa direção, enquanto organicamente caminhamos em outra”.
É extremamente interessante que Rogers se refira à lógica do organismo como um todo, intuindo um tipo de racionalidade orgânica que é muito mais sutil e mais profunda que o tipo de racionalidade intelectual e linear que ordinariamente se põe como a única coisa digna deste termo, racionalidade, e que, via de regra, se resume à capacidade de reter algumas informações ou habilidades técnicas, adestradas a partir da educação formal. Nisto, podemos lembra a célebre citação de Pascal de que “O Coração possui razões que a própria razão desconhece”.
É este tipo de sabedoria interna ao organismo que se expressa no equilíbrio ecológico de todo o sistema vital do planeta. Assim como no amplo espectro do leque natural, a mesma racionalidade implícita à vida se expressa no homem, como tendência à auto-atualização, que é a tendência natural do organismo para atingir um grau de maior harmonia dinâmica interna e externa, exercitando suas potencialidades adaptivas de acordo com o seu desenvolvimento global junto ao meio em que vive.
Diz Rogers: “É este impulso que é evidente em toda vida humana e orgânica – expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer – a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o self” (c.f. Fadiman &Frager, 1986, p. 229). Desta forma, Rogers e sua teoria está inteiramente conforme à nova visão holística, ecológica, organísmica e sistêmica, dentro dos novos paradigmas orgânicos que surgem nas ciências físicas e biológicas, indo muito além do reducionismo simplista do Behaviorismo, ou do determinismo mecanicista da psicanálise e seu modelo hidráulico da psique humana, ainda muito aceito e comentado devido à mística da abordagem mecanicista na cultura acadêmica, sempre a última a se abrir aos avanços do pensamento humano. Assim mesmo, convém lembrar que Rogers sempre concordou com muitos pontos importantes destas duas escolas, e via em Freud um grande teórico.
Rogers, juntamente com outros teóricos, como Maslow, Goldenstein e outros, está convencido que, tal como ocorre com uma planta que, mesmo em locais insalubres, luta em busca do sol e da vida, embora os meios lhe sejam adversos, nós, os seres humanos, temos um impulso inerente ao organismo como um todo para nos direcionarmos ao desenvolvimento de nossas capacidades tanto quanto for possível, quer sejam físicas, intelectuais ou morais, em conjunto. Embora Rogers não tenha incluido formalmente uma dimensão religiosa ou transcendente em sua formulação da Tendência à Auto-Atualização, ele deixa claro suas percepções deste nível transpessoal em seus últimos livros, particularmente em “Um Jeito de Ser”, e a grande aproximação entre seus insights do contato profundo e transcendente no encontro terapêutico com a nova visão de mundo da Física Moderna, que é um ponto comum à Psicologia Transpessoal, que é a abordagem mais sofisticada em termos de psicoterapia, atualmente. De qualquer forma, outros autores, como Campbell e McMahon estederam a teoria rogeriana para descrever alguns aspectos da experiência de percepção transcendental.
De um modo geral, as escolas humanistas de psicologia, na qual se insere o trabalho de Rogers e Maslow, opõem-se às concepções fragmantadoras da visão de homem de outras escolas. É por isso que elas criticam à psicanálise ortodoxa, por esta ter como visão de homem uma concepção semi-animalizada, onde a pessoa é movida muito mais por forças pulsionais ou, como na tradição anglo-saxônica, instinitvas de prazer e agressão, ao qual só por meio de muitas restrições culturais se pode, quando muito, aplicar um certo verniz de civilização e socialização precária, com um inevitável preço de frustrações e de Mal estar na Civilização. Maslow, especialmente, criticou vementemente a psicanálise ortodoxa freudiana por generalizar suas conclusões sobre o ser humano a partir da observação clínica de indivíduos emocionalmente perturbados, do que resultou uma visão pessimista da natureza humana (Maslow, 1993). Os humanistas também se recusam a aceitar a visão do behaviorismo radical de Skinner, que identifica o homem ao robô ou marionete do meio, cuja natureza comportamental é moldada, manipulada e controlada pelo condicionamento ambiental (idéia cara ao capitalismo e à propaganda). Seria um crasso erro, segundo os humanistas, a tendência exagerada a generalizar conclusões obtidas a partir de experimentos – muitos deles crueis e extremamente artificiais – realizados com animais; ou mesmo quando, ao se fazer experimentos com pessoas, ao fato de se reduzir (por princípio de visão de mundo) a aspectos fisiológicos ou outros mecanicistas, perdendo a dimensão psicológica propriamente dita.
Os psicólogos humanistas preferem o estudo do homem em seu potencial mais positivo e a abordar a Psicologia a partir do prisma da saúde e do crescimento psicológico.
Além deste aspecto teórico altamente positivo, a contribuição de Rogers para a psicoterapia é constituida pelos princípios de sua experiência terapêutica denominado propriamente de “Terapia Centrada na Pessoa”, onde é de fundamental importância a ênfase na experiência atual, relacionado ao material trazido pelo cliente no momento do encontro terapêutico, e que é ligado à totalidade da experiência subjetiva vivenciada, o que se liga, igualmente, ao amplo oceano fluido e corrente dos sentimentos mais íntimos. Ela se refere ao que se é sentido imediatamente e que é implicitamente significativo para o sentimento que o sujeito experimenta ao ter uma experiência. O terapêuta, assim, age como um facilitador e um espelho para os sentimentos e pensamentos do cliente, que passa a tomar maior consciência e contato com o seu material vivencial, “percebendo” aspectos de sua personalidade e de seus comportamente que lhe escapavam anteriormente. Daí, o cliente, auxiliado pela ajuda terapêutica, acaba por modificar ou amadurecer o conceito que tem de si e, consequentemente, a reavaliar suas estratégias de vida e visão de mundo. No fundo, todo o processo, em seu andamente, é fruto da ação do próprio cliente, de sua imersão ou não no processo terapêutico e de seu grau de investimento no mesmo. Daí o nome “Abordagem Centrada no Cliente ou na Pessoa”.
Sendo assim, os principais aspectos da abodagem rogeriana são:
Atenção ao impulso sutil, mas sempre existente, em direção ao crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia nada mais é que a ajuda para a libertação do cliente em sua busca natural para o crescimento e o desenvolvimento normais.
Maior ênfase aos aspectos afetivos e existenciais, que são muito mais potentes que os intelectuais.
Maior ênfase ao material trazido pelo cliente e à sua situação imediata do que ao passado.
Grande ênfase no relacionamento terapêutico em si mesmo, que constitui um tipo de entidade orgânica que se forma a partir do encontro entre terapêuta e cliente e que, em si, traz uma forte força para a experiência de crescimento de ambos, cliente e terapêuta.
Muito apropriadamente, Rogers usa a palavra “cliente” ao invés do termo “paciente”, carregado do ranço mecanicista da abordagem biomédica. Um paciente é visto como alguém doente que se submete à ação ativa de profissionais formados, que são mais “sábios” e competentes que ele mesmo. Um cliente é alguém que deseja um serviço que não pode executar sozinho, mas que está mais em pé de igualdade e, por isso, é menos “incompetente” que o paciente, ou seja, o cliente é visto como uma pessoa inerentemente capaz de entender e atuar sobre a sua própria situação.
Há uma igualdade implícita no modelo terapêuta-cliente, que não existe na abordagem mecanicista médico-paciente: “O indivíduo tem dentro de si a capacidade, ao menos latente, de compreender os fatores de sua vida que lhe causam infelicidade e dor, e de reorganizar-se de forma a superar tais problemas”. Rogers, portanto, entende a terapia como um processo que leva uma pessoa a descobrir as nuances de seu próprio dliema com o mínimo de ação por parte do terapêuta, que funciona como um espelho para o cliente. A terapia é “a liberação de capacidades já presentes em estado latente (…). Tais opiniões se opõem diretamente à concepção da terapia como uma manipulação, por um especialista, de um organismo mais ou menos passivo” (Rogers & Kinget, 1977, p. 192). Tal aspecto é fundamentalmente diferente da abordagens onde o terapêuta é visto como o “mecânico” apto a “consertar” o problema do “paciente”.
Outra extraordinária contribuição de Rogers à psicoterapia foi sua dedicação à dinâmica da psicoterapia de grupo. Rogers compreendeu profundamente que os indívíduos em um grupo deixam-se envolver mais fortemente por um clima terapêutico, e que o grupo, em si, é um organismo, um sistema auto-regulador, onde cada indívíduo é parte fundamental constituinte do todo, ao mesmo tempo que também é um todo em si. Caracteristicamente, todos os grupos de encontro possuem um clima de segurança psicológica que encoraja a expressão de sentimentos à estímulos dos membros do próprio grupo, e abrange sempre o envolvimento afetivo como um todo. O modo como se dá o desenvolvimento do grupo é, quase sempre, imprevisível, mas segue, via de regra, um percurso aut-reguldor e auto-dirigente de uma criatividade impressionante, levando eficazmente a uma atuação terapêutica e cartática grupal, ligando os indíviduos do organismo coletivo, mesmo que haja um amplo amálgama de sentimentos díspares em momentos críticos do encontro coletivo. “Quando o material afetivo significatvo emerge, as pessoas começam a expressar umas às outras seus sentimentos imediatos, tanto positivos quanto negativos” (Fadiman & Frager, 1986, p. 243). Quanto mais expressões emocionais vêm à tona, maior o desenvolvimento da capacidade terapêutica do grupo auto-regulador. “As pessoas começam a fazer coisas que parecem ser de grande auxílio, que ajudam os outros a tomar consciência de sua própria experiência de uma forma não ameaçadora. O que o terapêuta bem treinado aprendeu a fazer durante anos de supervisão e prática, começa a emergir de modo espontâneo da própria situação” (Fadiman & Fragerm, 1986, p. 243-244). Ou seja, Rogers descobriu, em psicoperapia, a mesma tendência sistêmica à auto-organização que os modernos biólogos sistêmicos.
Por tudo isso, está claro que o legado de Rogers é de extrema importância e atualidade, não podendo certos representantes da corrente racionalista dominante, por uma questão simplória de poder, defini-lo como ultrapassado ou superficial. Diante das mazelas de nossa época tecnocrata, onde as coisas estão cada vez pipores em termos de qualidade de vida, não pode alguém que se diz representante de uma abordagem com 102 anos se arvorar como sabedor de toda a verdade, pois, apesar dela, o mundo está cada vez pior. Neste momento, o aspecto existencial e otimista da Psicoterapia Centrada no Cliente parece ser um método altamente positivo para nossa saúde psíquica. Cabe ao tempo, enfim, confirmar ou não tudo isso.
Carl Rogers – Biografia
Carl Rogers
Kirschenbaum e Henderson publicaram em 1989 um livro com alguns dos textos de Carl Rogers, “The Carl Rogers Reader”.
Na introdução lê-se: “Carl Ransom Rogers (1902-1987) foi o mais influente psicólogo na história americana”. Segundo o próprio Kirschenbaum afirma num dos artigos incluídos numa publicação coletiva sobre Rogers, o manuscrito original nomeava, mais precisamente, Rogers como sendo “o mais influente psicoterapeuta da história americana”.
Kirschenbaum baseava-se num trabalho publicado em 1982 por D. Smith no American Psychologist (1)
Também Kaplan (2) na sexta edição do seu conceituado tratado de psiquiatria, publicada em 1995, o menciona como tendo sido, provavelmente, o mais influente teórico no campo das teorias humanísticas da personalidade.
Mesmo que Carl Rogers não tenha sido o mais importante psicólogo do seu tempo, como pensa John K. Wood, nem o mais influente psicólogo, mas só o mais influente psicoterapeuta da história americana, não há dúvida que a sua pessoa e a sua obra marcaram de maneira indelével não só a psicologia e a psicoterapia americana, mas também a psicologia e a psicoterapia em geral, e só ignorantes ou mal-intencionados podem pôr em dúvida o seu valor e a importância do seu contributo no campo científico.
Achamos importante referir que publicou mais de 250 artigos, cerca de 20 livros, sozinho ou em colaboração com outros autores, e foram ainda realizados cerca de 12 filmes sobre o seu trabalho, deixando um elevado número de documentos sonoros e audiovisuais que exemplificam a sua atividade.
A sua obra e as suas ideias nos múltiplos campos do humano são incontornáveis e parece-nos poder afirmar que não há nenhum psicólogo, psicoterapeuta ou pedagogo de qualquer escola ou tendência, que não se tenha já deparado, num momento ou noutro da sua formação, com algum dos textos ou alguma referência ao trabalho desenvolvido pelo autor.
Quer se trate de “Orientação Não Diretiva” em psicoterapia, de Terapia Centrada no Cliente, de Abordagem Centrada na Pessoa, de Pedagogia Centrada no Aluno, ou Experiencial, de Grupos de Encontro, de Gestão de Recursos Humanos ou de Gestão de Empresas, de Mediação de Conflitos Sociais, Políticos ou Raciais, a sua ação ao longo deste século foi de um contínuo empenho no caminho da liberdade e da libertação das forças que no humano são motoras de atualização de potencialidades.
A trajetória de Carl Rogers
Para compreender a obra e o contributo de Carl Rogers no desenvolvimento do conhecimento da pessoa em geral e no aprofundamento da psicologia e da psicoterapia em particular, é importante inseri-lo na sua história, no seu trajeto pessoal que o determina, quer ele o admita ou não, tendo em consideração a sua oposição aos conceitos de determinismo, enraizando-se no ponto de vista filosófico da corrente existencialista e da sua atitude de confiança na capacidade do Humano em se tornar livre e decidir sobre o seu próprio futuro.
Carl Ransom Rogers nasceu a 8 de Janeiro de 1902 em Oak Park nos arredores de Chicago. Tinha quatro irmãos e uma irmã, sendo o antepenúltimo.
Faleceu em La Jolla, na Califórnia, a 4 de Fevereiro de 1987 na sequência de uma fratura do colo do fémur. De acordo com as instruções que deixara, as máquinas que mantinham “artificialmente” a sua vida foram desligadas após três dias de coma.
Os pais, de educação universitária, faziam parte de uma comunidade protestante de forte pendor fundamentalista. A família valorizava uma educação moral, religiosa, sendo muito conservadora, isto é, muito enraizada nos valores tradicionais e fechada sobre ela mesma; contudo, intelectualmente era muito estimulante.
Desde muito novo Carl Rogers mostrou-se interessado pela leitura e pelo “saber”. Foi sempre um aluno excepcionalmente brilhante, mantendo, no entanto, uma colaboração constante nos trabalhos do quotidiano familiar, reduzindo ao mínimo a sua rede relacional fora da família. A hipervalorização do trabalho físico ou intelectual, não dava azo a outras atividades de lazer, que não fosse a leitura dos clássicos, de preferência de carácter religioso.
Quando Rogers tem 12 anos o pai compra uma grande quinta nos arredores de Chicago para onde a família vai morar, com a intenção oficial de fazer uma agricultura “científica”. Segundo Carl Rogers, o objetivo real era afastar os filhos dos “perigos da vida da cidade”.
A vida na quinta e o trabalho na agricultura levam-no naturalmente a matricular-se em 1919 em Agronomia na Universidade de Wisconsin. Envolve-se em várias atividades comunitárias desenvolvendo as suas capacidades de “facilitador” e organizador. Entra em contato com meios evangélicos militantes e decide mudar para o curso de História com a intenção de se dedicar posteriormente à carreira eclesiástica.
No terceiro ano da faculdade faz uma viagem à China integrado numa delegação americana com o objetivo de participar no Congresso da Federação Mundial dos Estudantes Cristãos. A viagem dura seis meses e, no decorrer da mesma, abandona parte das suas convicções religiosas, abrindo-se à diversificação das ideias e opiniões. Ao chegar de novo aos Estados Unidos ganha uma nova independência e autonomia face às opiniões e posições da família, tendo começado a sofrer de uma úlcera gastroduodenal, provavelmente como resultado deste processo de afirmação.
Guarda, contudo, a sua motivação para uma carreira pastoral e empenha-se social e politicamente, tentando demonstrar a incompatibilidade do cristianismo e da guerra através de escritos sobre o pacifismo do reformador Wyclif ou sobre a posição de Lutero face à autoridade.
Em 1924, Carl Rogers termina a sua licenciatura em História e casa-se com Hellen Elliot, sua amiga de infância, de quem virá a ter dois filhos: David e Natalie.
Após ter obtido a sua licenciatura em História, Carl Rogers matricula-se no Seminário da União Teológica em Nova Iorque, seminário conhecido pelas suas posições “liberais” e, ao mesmo tempo, academicamente bem cotado, recusando a ajuda financeira que o pai, Walter Rogers, lhe oferecia se aceitasse matricular-se no Seminário de Princeton conhecido, então, como muito mais conservador.
Durante o primeiro ano nesta instituição, Rogers tem a oportunidade de frequentar alguns cursos na faculdade de psicologia, contactando assim com os psicólogos Goodwin Watson e William Kilpatrick que muito o impressionam. Com outros colegas organiza um seminário de reflexão auto-facilitado e acaba por tomar consciência da sua “não vocação” para o ministério pastoral, apesar do estágio realizado nesse mesmo Verão, como pastor substituto na paróquia de Dorset em Vermont. Assim, no segundo ano do curso transfere-se para o Teachers’ College da Universidade de Columbia com o objetivo de frequentar o curso de psicologia clínica e psicopedagogia. Nessa instituição é marcado pela filosofia de John Dewey que terá um grande impacto na evolução das suas ideias. Entretanto, para sustentar economicamente a família continua a colaborar com instituições eclesiásticas no ensino religioso.
Em 1926, Carl Rogers postula e obtém um lugar de interno no Instituto de Aconselhamento (“guidance”) Infantil recém criado pelo Fundo Comunitário de Nova Iorque. Após ter recebido um contrato de 2.500 dólares anuais, querem reduzir-lhe o salário para metade, visto não ser psiquiatra mas psicólogo. Começa a sua primeira “guerra” com a psiquiatria, mas consegue ser pago em igualdade com os psiquiatras.
Em 1928, Carl Rogers doutora-se no Teachers’ College. Na sua tese desenvolvia um teste de personalidade para crianças ainda hoje utilizado. Nessa altura trabalhava como psicólogo no Centro de Observação e Orientação Infantil da Sociedade para a Prevenção da Crueldade sobre as Crianças, em Rochester. A partir de 1929, dirige este Centro e, durante 12 anos, interessa-se pelo trabalho com crianças delinquentes e marginais. Na instituição entra em contato com Otto Rank que o marca mais pela sua prática terapêutica do que pelas suas teorias. Maior impacto terá, sem dúvida, Jessie Taft que publica em 1933 o livro “The Dynamics of Therapy in a Controlled Relationship” que Carl Rogers considerará como uma obra prima, quer ao nível da forma quer do conteúdo literário. Progressivamente, Rogers abandona uma orientação diretiva ou interpretativa, optando por uma perspectiva mais pragmática de escuta dos clientes, numa posição precursora do que mais tarde estruturará como Orientação Não Diretiva em terapia.
A partir de 1935 começa a leccionar no Teachers’ College, mas não vê nem o seu ensino nem o seu estatuto de psicólogo reconhecido pelo departamento de psicologia da faculdade e só muito mais tarde, após vários anos de ensino nos departamentos de sociologia e psicopedagogia, e quando já está para abandonar Rochester, o departamento de psicologia o reconhecerá como psicólogo e como docente.
Em 1938, Carl Rogers entra de novo em “guerra” com os psiquiatras. O Centro, em que trabalha e que dirige, transforma-se e amplifica-se e o conselho de administração sob a pressão dos médicos psiquiatras, decide, como então era tradição, contratar para diretor um psiquiatra, apesar de estarem satisfeitos com o trabalho que Rogers até então realizara. Carl Rogers luta vivamente e consegue ser reconhecido como primeiro diretor do novo Centro de Aconselhamento de Rochester.
Em 1939, publica o seu primeiro livro: “O tratamento clínico da criança-problema (3) no qual expõe o essencial das suas reflexões e pesquisas realizadas até esse momento.
Com a publicação desse livro começa a ser conhecido na qualidade de psicólogo clínico e é convidado para professor catedrático da Universidade de Estado do Ohio, sendo da sua responsabilidade a cadeira de “Técnicas de Psicoterapia”. Não deixando de referir os modelos mais importantes em psicoterapia e aconselhamento, tem a possibilidade de explicitar a sua abordagem terapêutica numa perspectiva que ele considera mais genericamente como “as novas” ou “mais recentes terapias” e que define, por oposição às “antigas”, como sendo centrada sobre a expressão, a auto-aceitação, a tomada de consciência e a relação terapêutica, e não sobre a análise do passado, a sugestão ou a interpretação.
Assim, durante a sua passagem pela Universidade de Ohio introduz na faculdade o ensino e a prática da psicoterapia assim como a supervisão e, ainda, surge com a inovação de, pela primeira vez, utilizar a gravação integral das entrevistas e de tratamentos completos, como metodologia de investigação sobre os processos terapêuticos.
Desenvolve progressivamente e de uma forma pragmática, uma intervenção cada vez mais “não diretiva”, utilizando técnicas de reformulação e clarificação dos sentimentos, assentes numa atitude de maior aceitação dos sentimentos do cliente por parte do terapeuta.
Carl Rogers só tem consciência da originalidade do seu pensamento quando é confrontado com as reações provocadas pela conferência que faz na Universidade de Minnesota a 11 de Dezembro de 1940.
Ele intitula-a: “Novos conceitos em psicoterapia” e nela afirma que “o alvo da nova terapia não é resolver um problema particular, mas ajudar o indivíduo a crescer, de maneira que ele possa fazer face ao problema atual e aos problemas que mais tarde apareçam de uma maneira mais bem integrada… ela baseia-se muito mais na tendência individual para o crescimento, saúde e adaptação…”, perspectiva bem percursora da corrente atual da Psicologia da Saúde. Em segundo lugar, diz ainda Rogers, “esta nova terapia põe mais ênfase nos elementos emocionais, nos aspectos emocionais da situação, do que nos aspectos intelectuais…”
Em terceiro lugar, “esta nova terapia dá maior ênfase à situação imediata do que ao passado do indivíduo…” Finalmente, diz Rogers, “esta abordagem considera a relação terapêutica em si mesmo como uma experiência de crescimento.(4)
Criticado ou apreciado, ele não deixa os auditores indiferentes e toma consciência de que a sua posição relativamente à terapia é singular.
Rogers diz: “Pode parecer absurdo alguém poder nomear o dia em que a Terapia Centrada no Cliente nasceu. Contudo, eu sinto que é possível nomeá-lo como sendo o dia 11 de Dezembro de 1940”. Essa data passou, assim, a ser considerada no movimento rogeriano como sendo a fundadora do movimento, ou, talvez fosse mais justo dizer, o mito-fundador da comunidade rogeriana.
Carl Rogers prepara então uma exposição mais detalhada e sistemática da sua abordagem da terapia, que publicará em 1942 no livro Aconselhamento e Psicoterapia (5). Os conceitos de “aconselhamento” e “psicoterapia” parecem cada vez mais equivalentes assim como os de “Orientação Não Diretiva em Terapia” e “Terapia Centrada no Cliente”. O livro aparece como uma inovação, publicando-se pela primeira vez, e na íntegra, um tratamento a partir da transcrição da sua gravação. Esta obra foi um sucesso e best-seller profissional, se bem que tenha passado despercebido aos jornais e revistas da especialidade quer psiquiátricas, quer psicológicas.
Se por um lado o reconhecimento oficial de Carl Rogers se exprime em honras profissionais — é eleito vice presidente da Associação Americana de Ortopsiquiatria e presidente da Associação Americana de Psicologia Aplicada — , por outro existe uma ambivalência das instituições manifestada pela falta de apoio e por uma certa marginalização na sua Universidade.
Assim, quando no Verão de 1944 é convidado por Ralph Tyler para professor de psicologia na Universidade de Chicago e lhe propõe criar um novo Centro de Aconselhamento, Carl Rogers aceita, deixando atrás de si um grupo de discípulos, alguns dos quais se tornaram em figuras de proa da abordagem centrada na pessoa, tais como, Virgínia Axline, Arthur Combs, Nat Raskins e John Shlien, ou mesmo traçando caminhos novos como Thomas Gordon e Eugene Gendlin.
A criação deste Centro de Aconselhamento Psicológico, leva-o mais uma vez a ter que vivenciar situações de tensão com os psiquiatras e neste caso mais especificamente, com o departamento de psiquiatria da mesma Universidade.
O período de 1945 a 1957 é para Carl Rogers muito rico quer do ponto de vista humano quer do ponto de vista científico, publicando extensa bibliografia e, mais particularmente, o livro “Terapia Centrada no Cliente (6) onde, com a colaboração da sua equipa, faz o ponto das suas pesquisas e reflexões.
No entanto, entre 1949 e 1951, Carl Rogers atravessa um período de profundo sofrimento, pois, após ter vivido momentos de extrema dificuldade no processo psicoterapêutico de uma paciente esquizofrénica, passa por um período de depressão afetando a sua capacidade de trabalho e de funcionamento. Finalmente, aceita a ajuda de um dos seus discípulos, Ollie Bown, com quem faz uma psicoterapia pessoal, experimentando nele mesmo a eficácia do seu modelo, o que lhe proporcionou um longo percurso de “crescimento” pessoal que nunca mais o abandonou.
Podemos dizer que o seu reconhecimento profissional, foi, finalmente, expresso pela sua eleição como presidente da Associação Americana de Psicologia (1946), pela sua eleição como presidente da recém criada Academia Americana de Psicoterapêutas (1956) e pela atribuição em 1956 do Prémio pelo Eminente Contributo Científico (Distinguished Scientific Contribution Award), pela Associação Americana de Psicologia, que sublinhava: “por ter desenvolvido um método original para descrever e analisar o processo terapêutico, por ter formulado uma teoria da psicoterapia e dos seus efeitos na personalidade e no comportamento, susceptível de ser testada, pela extensa e sistemática pesquisa para explicitar o valor do método e explorar e testar as implicações da teoria. A sua imaginação, persistência e adaptação flexível do método científico no ataque dos grandes problemas envolvidos na compreensão e modificação da pessoa moveram esta área de interesse psicológico para dentro das fronteiras da psicologia científica”.
O fulcro da sua abordagem passa da importância dada às técnicas para, progressivamente, acentuar as atitudes, isto é, da técnica da reformulação para as atitudes de compreensão empática, de aceitação do cliente, de congruência do terapeuta, de confiança nas capacidades do cliente para a auto-atualização das suas potencialidades e para a auto-organização e, finalmente, para uma valorização das potencialidades terapêuticas da relação.
É também um período de intensa atividade de investigação durante o qual mais de duzentas pesquisas são realizadas assim como milhares de sessões de terapia são gravadas e analisadas. Publica em 1957 um dos seus mais importantes artigos, no qual procura de maneira rigorosa definir “as condições necessárias e suficientes para mudança terapêutica da personalidade”, condições essas que seriam comuns a todas as relações terapêuticas quaisquer que fossem os modelos teóricos que as inspirassem e susceptíveis de serem testada experimentalmente. Este artigo continua a ser hoje um dos pilares do modelo da Terapia Centrada no Cliente e tem sido objeto de um corpo numeroso de pesquisa.
O seu nome começa a ser bem conhecido e é convidado por várias Universidades para ensinar como professor convidado (UCLA, Harvard, Berkley, Brandeis, etc.) e, mais particularmente, em 1957 pelo Departamento das Ciências da Educação da Universidade de Wisconsin onde, após uma experiência de alguns meses, acaba por se instalar.
Durante os sete anos que vai durar a sua permanência nessa Universidade, Carl Rogers e a sua equipa fazem um esforço colossal de pesquisa na área da psicoterapia dos doentes esquizofrénicos, publicada, no essencial, em 1967, no livro “A relação terapêutica e o seu impacto”.
No Verão de 1961, Carl Rogers faz uma longa viagem ao Japão onde é recebido calorosamente e onde estabelece laços de amizade e de partilha profissional que considera como muito enriquecedores. Nesse mesmo ano publica o livro “Tornar-se pessoa (7) que rapidamente se torna um best-seller mundial.
Nesse livro Carl Rogers explora a aplicação dos princípios da terapia centrada no cliente a outros domínios do humano – educação, relações inter-pessoais, relações familiares, comunicação intergrupal, criatividade — e apresenta a sua abordagem como uma filosofia de vida, uma “maneira de ser” (“a way of being”), com profundas implicações e aplicações em todos os domínios do humano. Foram vendidos quase um milhão de exemplares desta obra.
Rogers investe cada vez mais no trabalho com os grupos de encontro. O interesse pelos grupos já tinha começado em 1946-47, sensivelmente ao mesmo tempo que Kurt Lewin o havia feito no National Training Laboratories em Bethel.
Kurt Lewin e a sua equipa pareciam mais interessados na formação de quadros profissionais, considerando como acessório o aspecto de progresso pessoal dos participantes. Rogers, pelo contrário, considerava este último aspecto como prioritário e fundamental e, sobretudo desde 1960, após a criação do Centro para o Estudo da Pessoa, em La Jolla (1968), considera o trabalho dos grupos de encontro como o instrumento privilegiado não só para o desenvolvimento pessoal mas também para a educação, para a gestão e administração e para a resolução de conflitos.
O livro “Grupos de encontro”, publicado em 1970, aparece como um instrumento de trabalho apreciado tanto pelos profissionais como pelos leigos e impõe-se rapidamente como um livro de consulta obrigatória na área. Ele segue uma linha de divulgação e análise da sua pesquisa, que vê premiada, em 1966, através da atribuição do Óscar do melhor documentário de longa duração do ano, ao filme produzido por Bill McGaw “Journey into Self”. Este filme apresenta na íntegra uma sessão de grupo de encontro facilitada por Carl Rogers.
Em 1971, em colaboração com o filho David e Orienne Strode, Rogers desenvolve o “Human Dimension Project” para utilização dos grupos de encontro na educação médica e na formação à relação médico-doente.
A sua atenção dirige-se também de maneira prioritária, nesta época, para o campo da educação, propondo uma pedagogia centrada no aluno, experiencial. Esta pedagogia aparece como tendo muitos pontos comuns com a que Paulo Freire proporá como “educação não bancária”, apesar de Carl Rogers ainda não ter, nesse momento, conhecimento do trabalho de Paulo Freire.
A Pedagogia Experiencial é objeto de um grande número de trabalhos de pesquisa que se encontram parcialmente descritos nos dois grandes livros: “Liberdade para Aprender”, publicado em 1969, e “Liberdade para Aprender nos Anos 80”, publicado em 1983. O essencial da sua mensagem consiste no fato de que os alunos aprendem melhor, são mais assíduos, mais criativos e mais capazes de solucionar problemas quando os professores proporcionam o clima humano e de facilitação que Carl Rogers propõe.
Com 70 anos, Carl Rogers é o primeiro psicólogo americano a receber os dois maiores galardões da Associação Americana de Psicologia, tanto pelo seu contributo científico como pelo seu contributo profissional.
A partir de 1972, dedica-se preferencialmente à intervenção e reflexão sobre os aspectos referentes às áreas do social e do político, explorando as possibilidades maturativas e criativas que os grupos de encontro oferecem.
Expõe o essencial destas reflexões no livro publicado em 1977 “Poder Pessoal” (8) e em 1967 apresenta o seu modelo de abordagem centrada na pessoa e a sua filosofia de intervenção não só como um modelo de psicoterapia mas também como uma abordagem eficaz em todas as relações humanas, quer elas sejam relações de ajuda, relações pessoais ou políticas. Richard Farson dirá que Carl Rogers é “o homem cujo efeito cumulativo na sociedade o tornou num dos revolucionários sociais mais importantes do nosso tempo”.
Carl Rogers faz uma análise do sucesso das negociações de Camp David, em 1978, entre Israelitas e Egípcios em termos de dinâmica de grupo de encontro e propõe essa formula para a resolução dos conflito sociais e políticos.
Recordemos que o “modelo de Campo David” é aplicado de novo em 1995, com relativo sucesso, para pôr fim, esperemos que definitivamente, ao conflito armado da Bósnia e de novo em 1998 para dar um novo impulso aos acordos de paz no médio oriente.
Rogers facilita, em 1985, em Rast, na Áustria, um workshop com 50 líderes internacionais, incluindo o ex-presidente da Costa Rica, embaixadores e pessoas de grande influência política e diplomática, tendo como objetivo trabalhar, segundo o modelo dos grupos de encontro, na problemática das tensões, então muito fortes na América Central.
Carl Rogers investe cada vez mais nos últimos anos da sua vida na investigação, empenhando-se em grandes workshops transculturais, ou de esforço pela paz e, finalmente em 1987, o seu nome faz parte do grupo das personalidades indicadas para a atribuição do prémio Nobel da Paz. Infelizmente a morte colheu-o antes, num momento em que, apesar da sua idade avançada, continuava perfeitamente lúcido, extremamente ativo, e gozando plenamente da vida em todos os domínios desta e, como ele dizia aos seus amigos mais próximos, como nunca o fizera antes.
Estes últimos anos foram também marcados, sobretudo após a morte de sua esposa Helen, em Março de 1979, por um maior interesse pela dimensão espiritual do homem, pela sua integração numa globalidade que o transcende e que se insere numa harmonia global do universo. Toma consciência da importância da dimensão da “presença” na terapia, que ele associa a uma forma de comunicação transpessoal e na qual a intuição tem um papel importante. Apresenta-a como um novo campo a explorar no âmbito da sua abordagem e no domínio daquilo que se poderia chamar, talvez, os estados alterados de consciência.
Assim, de uma certa maneira, o circulo se fechara. Dos primeiros interesses e empenhos numa teologia e numa carreira pastoral, Carl Rogers chega ao fim da sua vida a um interesse renovado pelo campo do espiritual no homem, mas num espírito de liberdade e de tolerância, muito longe da visão fundamentalista e estreita da sua juventude. Guardara talvez o aspecto proselitista, a confiança indestrutível num futuro melhor, não ignorando, como ele fez questão de sublinhar em numerosas ocasiões, toda a miséria, dor, sofrimento e mal que nos acompanham na nossa peregrinação.
A difusão do pensamento de Carl Rogers nas ciências humanas
Quando Rogers começa o seu trabalho de terapeuta, a psicoterapia era considerada nos Estados Unidos como uma atividade médica e só reservada aos médicos. Rogers não só se opõe a este monopólio como até pretende, num primeiro tempo, defender que os médicos, cuja formação privilegia o diagnóstico e a propensão para dirigir os outros, não apresentam a formação de base ideal para a prática desta nova profissão, a qual ele considera naturalmente mais indicada para as pessoas com uma formação de base em psicologia.
Grande parte de seus conceitos foram integrados pelas múltiplas correntes terapêuticas, quando não mesmo pela linguagem comum. A noção de empatia foi retomada por todas as escolas e ninguém desconhece a importância deste conceito desde a psicanálise, sobretudo com Kohut, até às teorias cognitivo-comportamentalistas. Do mesmo modo, quer a congruência, quer a aceitação, foram conceitos que se difundiram de forma tal que a abordagem terapêutica de Carl Rogers parecia condenada a desaparecer diluída e integrada pela multiplicidade das escolas. Talvez o conceito que maior dificuldade teve em ser adequadamente compreendido e integrado tenha sido o de não-diretividade, apesar de muitas escolas considerarem a sua intervenção terapêutica como não-diretiva.
Poder-se-ia pensar que o ciclo estava concluído e que o pensamento de Carl Rogers, por se ter integrado plenamente na cultura, deixara de ter pertinência e singularidade para se esbater naquela herança cultural que todos partilham sem reivindicar especificidades.
Carl Rogers, referindo-se a estes princípios, escreve que eles “se infiltraram na educação, onde as suas implicações revolucionárias provocam controvérsias. Influenciaram casamentos e parcerias. Afetaram as relações com os pais. Alcançaram indústrias e escolas de gestão… A educação e práticas médicas também sentiram a mudança. Nem mesmo a profissão jurídica ficou isenta. O aconselhamento pastoral foi profundamente mudado. Trabalhadores no desenvolvimento de comunidades atuam de modo diferente. Pessoas de várias ocupações e em todos os caminhos de vida se sentiram com mais poder, descobriram uma compreensão mais profunda do self, aprenderam intimidade”.
Podemos dizer que as ideias de Carl Rogers tiveram uma imensa difusão quer no campo da psicologia quer no da psicoterapia e a sua influência estendeu-se a todas as ciências humanas.
A posição de Carl Rogers na Psicologia atual
Durante a maior parte da sua vida Carl Rogers opôs-se à institucionalização do seu pensamento ou das suas ideais e a sua saída do meio universitário, ao trocar a Universidade de Wisconsin pelo Western Behavioral Sciences Institut na Califórnia, provocou indubitavelmente um certo declínio da influencia direta das suas ideias no campo da psicologia em geral e da formação em psicoterapia em particular.
De alguns anos a esta parte, o movimento rogeriano tomou consciência contudo da riqueza da herança recebida e do fato de que a Terapia Centrada no Cliente tinha ainda hoje pleno lugar no panorama das psicoterapias como uma das mais firmemente esteadas na pesquisa e com mais sólidas raízes filosóficas.
Apareceu, assim, uma segunda vaga de terapeutas que no “universo” rogeriano são por vezes considerados como puristas ou ortodoxos e que, sem pôr em causa a filosofia da Abordagem Centrada na Pessoa ou a sua aplicação aos múltiplos campos do humano, propõe o retorno, no campo da psicoterapia, ao modelo dito da Terapia Centrada no Cliente, o qual assenta nos três pilares que acima referimos.
Do mesmo modo, na última década, assistiu-se a um retorno da Abordagem Rogeriana aos meios universitários e a um retomar das atividades de pesquisa, que durante alguns anos tinham passado, de certa maneira, a segundo plano, enquanto que as atividades de exploração dos limites de aplicação e aplicabilidade do modelo filosófico, tinham sido mais privilegiadas.
Nestes últimos dois anos (97 para André de Peretti9 e 98 para Jerold Bozarth (10) e Godfrey Barrett-Lennard (11) ) foram publicadas três obras importantes sobre Carl Rogers e o seu modelo. Em cada uma delas, existe uma parte significativa dedicada à revisão crítica da investigação feita ao longo de mais de 50 anos de existência deste modelo, desde o âmbito da Terapia Centrada no Cliente até ao da Abordagem Centrada na Pessoa, desde os tempos remotos dos anos quarenta e da construção do modelo até aos projetos de investigação recentes e contemporâneos, e desde a especificidade da terapia e do counselling até à pedagogia e à mediação da paz. Nomeadamente, Barrett-Lennard faz uma extensa e cuidada crítica a mais de duzentos projetos de investigação.
Um dos aspectos que me parece particularmente interessante é o empenho posto ao longo de mais de 40 anos, na investigação sobre os efeitos específicos dos modelos terapêuticos.
Já em 1957, Ends e Page (12) comparavam os resultados de três modelos terapêuticos, o psicodinâmico, o rogeriano e o comportamentalista no tratamento de grupo de pacientes hospitalizados com o diagnóstico de “alcoólicos”, concluindo que “a abordagem rogeriana centrada no grupo tem a mais larga aplicação e a maior eficácia”.
John Shlien, Masak e Dreikers (13) comparavam em 1962 os resultados obtidos, no quadro do Centro de Aconselhamento da Universidade de Chicago, em dois grupos de clientes beneficiando de terapias de tempo limitado (20 sessões); um de inspiração adleriana e o outro segundo o modelo de terapia centrada no cliente, com dois outros grupos de clientes beneficiando dos mesmos modelos de terapia, mas em tratamento sem tempo limitado (em média 37 sessões).
Concluíram que os resultados entre os dois modelos não eram do ponto de vista estatístico significativamente diferentes, mas que os clientes pareciam ficar mais rapidamente satisfeitos, em contrapartida, com os resultados obtidos nas terapias de tempo limitado.
As terapias de tempo limitado são um excelente campo de investigação, pela possibilidade de enquadramento num projeto mais controlável e também pela sua brevidade. Um outro estudo que ficou célebre foi o Projeto de Hamburgo (14) em 1981 que consistiu em comparar a psicoterapia de tempo limitado de inspiração psicanalítica com a psicoterapia de tempo limitado centrada no cliente e com um grupo de controle sem terapia, utilizando para tal uma impressionante bateria de testes psicológicos.
Os resultados mostraram uma significativa vantagem no grupo sujeito a terapias em comparação com o grupo que não fez terapia, e uma diferença não significativa entre as duas perspectivas terapêuticas. Contudo, poder-se-ia inferir que os clientes que tinham beneficiado de uma psicoterapia de inspiração psicanalítica tinham no fim do tratamento um maior insight em relação aos que tinham beneficiado de uma psicoterapia centrada no cliente, expressando estes últimos, no entanto, um maior sentimento de “bem estar no seu corpo”.
Mais perto de nós e ainda no campo da psicoterapia de tempo limitado centrada no cliente, Odete Nunes (15) fez em 1998 um interessante trabalho de análise com o objetivo de verificar a pertinência de algumas hipóteses teóricas ligadas com a limitação do tempo vivenciada pela díade cliente-terapeuta, e ainda da justeza do enquadramento deste contexto terapêutico no âmbito dos pressupostos de base da psicoterapia centrada no cliente.
Em 1990 Eckert e Biermann-Ratjen (16) comparam os resultados de grupos terapêuticos inspirados nos modelos rogeriano e freudiano e concluem que ambos apresentam iguais resultados na diminuição da depressão, da introversão e do desconforto na adaptação à vida. Mostram também que os que beneficiaram duma abordagem psicanalítica apresentam um maior sentimento de autonomia interna e externa e os que beneficiaram do tratamento inspirado no modelo rogeriano, uma maior capacidade em relacionar-se e contactar com os outros.
De maneira geral verifica-se que a escolha do modelo rogeriano relativamente a outros modelos não assenta numa questão de eficácia, pois é comprovadamente semelhante com a dos principais modelos acreditados no mundo científico, não assenta tão pouco numa especificidade diagnóstica, que aliás o modelo rogeriano sempre rejeitou, mas na opção filosófica quer do cliente, quando esclarecido, quer do terapeuta, no seu posicionamento em relação às questões fundamentais do valor e do respeito do humano e do seu posicionamento na abordagem da pessoa relativamente a uma perspectiva essencialista ou existencialista.
A abordagem rogeriana regressou ao mundo universitário, que alias nunca deixara totalmente, mantendo o rigor da investigação, e na continuidade do trilho de Rogers que dizia que os fatos são sempre amigos, consciente do importante contributo que deu e tem para dar no campo do humano.
Qual é o impacto de Carl Rogers ainda hoje?
Neste momento de crise económica, social e humana em que os valores do individual tendem a desaparecer, não em proveito de uma percepção adequada do social, mas do macroeconómico em que o indivíduo só é valorizado em termos económicos e que a vida deixou de ter um valor único (vejam-se os corte nas despesas sociais e de saúde atualmente em todos os países desenvolvidos), a mensagem de Rogers parece-nos de novo indispensável para o retorno ao individual, ao pessoal, mas não num pessoal ou individual que se opõe e é incompatível com o social, mas num individual que dá sentido ao social, num conceito isomórfico de organismo, a todos os níveis de organização, numa posição profundamente ecológica, holística … e humanista.
Foi bem Carl Rogers uma das figuras de proa da chamada terceira força da psicologia, a psicologia humanista, alternativa humanista às posições essencialistas e deterministas das psicanálises e dos comportamentalismos.
Carl Rogers
Uma premissa fundamental da teoria de Carl Rogers é o pressuposto de que as pessoas usam sua experiência para se definir. Em seu principal trabalho teórico de 1959, Rogers define uma série de conceitos a partir dos quais delineia teorias da personalidade e modelos de terapia, mudança da personalidade e relações interpessoais. Os construtos básicos aqui apresentados estabelecem uma estrutura através da qual as pessoas podem construir e modificar suas opiniões a respeito de si mesmas.
O Conhecimento
O conhecimento objetivo é uma forma de testar hipóteses, especulações e conjecturas em relação a sistemas de referência externos. Em Psicologia, os pontos de referência podem incluir observações do comportamento, resultados de testes, questionários ou julgamentos de outros psicólogos.
A utilização dos colegas baseia-se na idéia de que se pode confiar nas pessoas treinadas em uma determinada disciplina para aplicar os mesmos métodos de julgamento a um dado evento. A opinião de um especialista pode ser objetiva mas também pode ser uma percepção coletiva errônea. Qualquer grupo de especialistas pode mostrar-se rígido e defender-se quando se lhes pede para considerar dados que contradizem aspectos axiomáticos de sua própria formação. Rogers observa que teólogos comunistas dialéticos e psicanalistas exemplificam esta tendência. Rogers é o único a questionar a validade do conhecimento objetivo, em especial na tentativa de compreender a experiência de uma outra pessoa.
A terceira forma de conhecimento é o conhecimento inter-pessoal ou conhecimento fenomenológico, que é a essência da terapia centrada no cliente. É a prática da compreensão empática. Penetrar no mundo subjetivo particular do outro para ver se nossa compreensão da opinião dele é correta, não apenas para ver se é objetivamente correta ou se concorda com o nosso próprio ponto de vista, mas se é correta no sentido de compreender a experiência do outro como ele a experiência. Esta compreensão empática é testada pela resposta àquilo que se entendeu, perguntando-se ao outro se foi ouvido corretamente. “Você está se sentindo deprimido esta manhã?”, “Parece-me que você está contando ao grupo que seu choro é um pedido de ajuda”, “Aposto que você está muito cansado para concluir isto agora”.
O Campo da Experiência
Há um campo de experiência único para cada indivíduo. Este campo de experiência ou “campo fenomenal” contém tudo o que se passa no organismo em qualquer momento, e que está potencialmente disponível à consciência. Inclui eventos, percepções, sensações e impactos dos quais a pessoa não toma consciência, mas poderia tomar se focalizasse a atenção nesses estímulos. É um mundo privativo e pessoal que pode ou não corresponder à realidade objetiva.
De início a atenção é colocada naquilo que a pessoa experimenta como seu mundo, não na realidade comum. O campo de experiência é limitado por restrições psicológicas e limitações biológicas. Temos tendência a dirigir nossa atenção para perigos imediatos, assim como para experiências seguras ou agradáveis, ao invés de aceitar todos os estímulos que nos rodeiam.
Self
Dentro do campo de experiência está o Self.
O Self não é uma entidade estável, imutável, entretanto, observado num dado momento, parece ser estável. Isto se dá porque congelamos uma seção da experiência a fim de observá-la. Rogers concluiu que a idéia do eu não representa uma acumulação de inumeráveis aprendizagens e condicionamentos efetuados na mesma direção…. Essencialmente é uma gestalt cuja significação vivida é suscetível de mudar sensivelmente (e até mesmo sofrer uma reviravolta) em conseqüência da mudança de qualquer destes elementos. O Self é uma gestalt organizada e consistente num processo constante de formar-se e reformar-se à medida que as situações mudam.
Assim como uma fotografia é uma “parada” de algo que está mudando, da mesma forma o Self não é nenhuma das “fotografias” que tiramos dele, mas o processo fluido subjacente. Outros teóricos usam o termo Self para designar aquela faceta da identidade pessoal que é imutável, estável ou mesmo eterna.
Rogers usa o termo para se referir ao contínuo processo de reconhecimento. É esta diferença, esta ênfase na mudança e na flexibilidade, que fundamenta sua teoria e sua crença de que as pessoas são capazes de crescimento, mudança e desenvolvimento pessoal. O Self ou auto-conceito é a visão que uma pessoa tem de si própria, baseada em experiências passadas, estimulações presentes e expectativas futuras.
Self Ideal
Self Ideal é o conjunto das características que o indivíduo mais gostaria de poder reclamar como descritivas de si mesmo. Assim como o Self, ele é uma estrutura móvel e variável, que passa por redefinição constante. A extensão da diferença entre o Self e o Self Ideal é um indicador de desconforto, insatisfação e dificuldades neuróticas. Aceitar-se como se é na realidade, e não como se quer ser, é um sinal de saúde mental. Aceitar-se não é resignar-se ou abdicar de si mesmo. É uma forma de estar mais perto da realidade e de seu estado atual. A imagem do Self Ideal, na medida em que se diferencia de modo claro do comportamento e dos valores reais de uma pessoa é um obstáculo ao crescimento pessoal.
Um trecho da história de um caso pode esclarecê-lo. Um estudante estava planejando desligar-se da faculdade. Havia sido o melhor aluno no ginásio e o primeiro no colegial e estava indo muito bem na faculdade. Estava desistindo, explicava, porque havia recebido um “C” num curso. Sua imagem de ter sido sempre o melhor estava em perigo. A única seqüência de ações que ele vislumbrava era escapar, deixar o mundo acadêmico, rejeitar a discrepância entre seu desempenho atual e sua visão ideal de si próprio. Disse que iria trabalhar para ser o “melhor” de alguma outra forma.
Para proteger sua auto-imagem ideal ele desejava cortar pela raiz sua carreira acadêmica. Ele deixou a escola, viajou pelo mundo e, por vários anos, teve uma grande quantidade de empregos originais. Quando foi visto novamente era capaz de discutir a possibilidade de que talvez não fosse necessário ser o melhor desde o começo, mas tinha ainda grandes dificuldades em explorar qualquer atividade na qual pudesse experimentar fracasso.
Congruência e Incongruência
Congruência é definida como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Ela se relaciona às discrepâncias entre experienciar e tomar consciência. Um alto grau da congruência significa que a comunicação (o que se está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em nosso campo) e a tomada de consciência (o que se está percebendo) são todas semelhantes. Nossas observações e as de um observador externo seriam consistentes.
Crianças pequenas exibem alta congruência. Expressam seus sentimentos logo que seja possível com o seu ser total. Quando uma criança tem fome ela toda está com fome, neste exato momento! Quando uma criança sente amor ou raiva, ela expressa plenamente essas emoções. Isto pode justificar a rapidez com que a criança substitui um estado emocional por outro. A expressão total de seus sentimentos permite que elas liquidem a bagagem emocional que não foi expressa em experiências anteriores.
A congruência é bem descrita por um Zen-budista ao dizer: “Quando tenho fome, como; quando estou cansado, sento-me; quando estou com sono, durmo”.
A incongruência ocorre quando há diferenças entre a tomada de consciência, a experiência e a comunicação desta. As pessoas que parecem estar com raiva (punhos cerrados, tom de voz elevado, praguejando) e que replicam que de forma alguma estão com raiva, se interpeladas, ou as pessoas que dizem estar passando por um período maravilhoso mas que se mostram entediadas, isoladas ou facilmente doentes, estão revelando incongruência. É definida não só como inabilidade de perceber com precisão mas também como inabilidade ou incapacidade de comunicação precisa. Quando a incongruência está entre a tomada de consciência e a experiência, é chamada repressão. A pessoa simplesmente não tem consciência do que está fazendo. A maioria das psicoterapias trabalha sobre este sintoma de incongruência ajudando as pessoas a se tomarem mais conscientes de suas ações, pensamentos e atitudes na medida em que estes as afetam e aos outros.
Quando a incongruência é uma discrepância entre a tomada de consciência e a comunicação a pessoa não expressa o que está realmente sentindo, pensando ou experienciando. Este tipo de incongruência é muitas vezes percebido como mentiroso, inautêntico ou desonesto. Muitas vezes esses comportamentos tomam-se foco de discussões em terapias de grupo ou em grupos de encontro. Embora tais comportamentos pareçam ser realizados com malícia, terapeutas e treinadores relatam que a ausência de congruência social, aparente falta de boa vontade em comunicar-se, é com freqüência, uma falta de autocontrole e consciência pessoal.
A pessoa não é capaz de expressar suas emoções e percepções reais em virtude do medo e de velhos hábitos de encobrimento que são difíceis de superar. Por outro lado, é possível que a pessoa tenha dificuldade em compreender o que os outros esperam dela.
A incongruência pode ser sentida como tensão, ansiedade ou, em circunstâncias mais extremas, como confusão interna. Um paciente internado em hospital psiquiátrico que declara não saber onde está, em que hospital, qual a hora do dia, ou mesmo quem ele é, está exibindo alto grau de incongruência. A discrepância entre a realidade externa e aquilo que ele está subjetivamente experienciando tomou-se tão grande que ele não é capaz de atuar. A maioria dos sintomas descritos na Literatura psiquiátrica podem ser vistos como formas de incongruência. Para Rogers, a forma particular de distúrbio é menos crítica do que o reconhecimento de que há uma incongruência que exige uma solução.
A incongruência é visível em observações como, por exemplo, “não sou capaz de tomar decisões”, “não sei o que quero”, “nunca serei capaz de persistir em algo”, A confusão aparece quando você não é capaz de escolher dentre os diferentes estímulos aos quais se acha exposto.
Considere o caso de um cliente que relata: “Minha mãe pede-me que cuide dela, é o mínimo que posso fazer. Minha namorada recomenda que eu me mantenha firme para não ser puxado de todo lado. Penso que sou muito bom para minha mãe, mais do que ela merece. Às vezes a odeio, às vezes a amo. Às vezes é bom estar com ela, às vezes ela me diminui.”
O cliente está assediado por estímulos diferentes. Cada um deles é válido e conduz a ações válidas por algum tempo. É difícil diferenciar, dentre estes estímulos, aqueles que são genuínos daqueles que são impostos. 0 problema pode estar em reconhecê-los como diferentes e ser capaz de trabalhar sobre sentimentos diferentes em momentos diferentes. A ambivalência não é Iara ou anormal; não ser capaz de reconhecê-la ou enfrentá-la pode ser uma causa de ansiedade.
Tendência à Auto-Atualização
Há um aspecto básico da natureza humana que leva uma pessoa em direção a uma maior congruência e a um funcionamento realista. Além disso, este impulso não é limitado aos seres humanos; é parte do processo de todas as coisas vivas. É este impulso que é evidente em toda vida humana e orgânica, expandir-se, estender-se, tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer a tendência a expressar e ativar todas as capacidades do organismo na medida em que tal ativação valoriza o organismo ou o Self.
Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso inerente em direção a sermos competentes e capazes quanto o que estamos aptos a ser biologicamente.
Assim como uma planta tenta tornar-se saudável, como uma semente contém dentro de si impulso para se tomar uma árvore, também uma pessoa é impelida a se tomar uma pessoa total, completa e auto-atualizada.
O impulso em direção à saúde não é uma força esmagadora que super., obstáculos ao longo da vida; pelo contrário, é facilmente embotado, distorcido e reprimido. Rogers o vê como a força motivadora dominante numa pessoa que está funcionando de modo livre, não paralisada por eventos passados ou por crenças correntes que mantinham a incongruência. Maslow chegou a conclusões semelhantes; chamava esta tendência de uma voz interna e fraca que é facilmente abafada. A suposição de que o crescimento é possível e central para o projeto do organismo é crucial para o restante do pensamento de Rogers.
Para Rogers, a tendência à auto-atualização não é simplesmente mais um motivo. É importante observar que esta tendência atualizante é o postulado fundamental da teoria rogeriana.
Crescimento Psicológico
As forças positivas em direção à saúde e ao crescimento são naturais e inerentes ao organismo. Baseado em sua própria experiência clínica, Rogers conclui que os indivíduos têm a capacidade de experienciar e de se tomarem conscientes de seus desajustamentos. Isto é, você pode experienciar as incoerências entre seu auto-conceito e suas experiências reais. Esta capacidade que reside em nós é associada a uma tendência subjacente à modificação do auto-conceito, no sentido de estar realmente de acordo com a realidade. Rogers postula, portanto, um movimento natural para a resolução e distante do conflito. Vê o ajustamento não como um estado estático, mas como um processo no qual novas aprendizagens e novas experiências são cuidadosamente assimiladas.
Rogers está convencido de que estas tendências em direção à saúde são facilitadas por qualquer relação interpessoal na qual um dos membros esteja livre o bastante da incongruência para estar em contato com seu próprio centro de auto-correção. A maior tarefa da terapia é estabelecer tal relacionamento genuíno.
Aceitar-se a si mesmo é um pré-requisito para uma aceitação mais fácil e genuína dos outros. Em compensação, ser aceito por outro conduz a uma vontade cada vez maior de aceitar-se a si próprio. Este ciclo de auto-correção e auto-incentivo é a forma principal pela qual se minimiza ns obstáculos ao crescimento psicológico.
Obstáculos ao Crescimento
Rogers sugere que os obstáculos aparecem na infância e são aspectos normais do desenvolvimento.
O que a criança aprende em um estágio como benéfico deve ser reavaliado nos estágios posteriores: Motivos que predominam na primeira infância mais tarde podem inibir o desenvolvimento da personalidade.
Quando a criança começa a tomar consciência do Self, desenvolve uma necessidade de amor ou de consideração positiva. Esta necessidade é universal, considerando-se que ela existe em todo ser humano e que se faz sentir de uma maneira contínua e penetrante. A teoria não se preocupa em saber se é uma necessidade inata ou adquirida. Uma vez que as crianças não separam suas ações de seu ser total, reagem à aprovação de uma ação como se fosse aprovação de si mesmas. Da mesma forma, reagem à punição de um ato como se estivessem sendo desaprovadas em geral.
O amor é tão importante para a criança que ela acaba por ser guiada, não pelo caráter agradável ou desagradável de suas experiências e comportamentos, mas pela promessa de afeição que elas encerram. A criança começa a agir da forma que lhe garante amor ou aprovação, sejam os comportamentos saudáveis ou não para ela. As crianças podem agir contra seu próprio interesse, chegando a se perceber em termos destinados, a princípio, a agradar ou apaziguar os outros.
Teoricamente esta situação poderia não se desenvolver se a criança sempre se sentisse aceita e houvesse aprovação dos sentimentos mesmo que alguns comportamentos fossem inibidos. Em tal situação ideal a criança nunca seria pressionada a se despojar ou repudiar partes não atraentes mas autênticas de sua personalidade.
Comportamentos ou atitudes que negam algum aspecto do Self são chamados de condições de valor. Quando uma experiência relativa ao eu é procurada ou evitada unicamente porque é percebida como mais ou menos digna de consideração de si, diz Rogers que o indivíduo adquiriu um modo de avaliação condicional.
Condições de valor são os obstáculos básicos à exatidão da percepção e à tomada de consciência realista.
Há vendas e filtros seletivos destinados a assegurar um suprimento interminável de amor da parte dos parentes e dos outros. Acumulamos certas condições, atitudes ou ações cujo cumprimento sentimos necessário para permanecermos dignos. Na medida em que essas atitudes e ações são idealizadas, elas constituem áreas de incongruência pessoal. De forma extrema, as condições de valor são caracterizadas pela crença de que “preciso ser respeitado ou amado por todos aqueles com quem estabeleço contato”.
As condições de valor criam uma discrepância entre o Self e o auto-conceito. Para mantermos uma condição de valor temos que negar determinados aspectos de nós mesmos. Por exemplo, se falaram “Você deve amar seu irmãozinho recém-nascido, senão mamãe não gosta mais de você”, a mensagem é a de que você deve negar ou reprimir seus sentimentos negativos genuínos em relação a ele. Se você conseguir esconder sua vontade maldosa, seu desejo de machucá-lo e seu ciúme normal, sua mãe continuará a amá-lo. Se a pessoa admitir que tem tais sentimentos, se arriscará a perder o amor. Uma solução que cria uma condição de valor é rejeitar tais sentimentos sempre que ocorram, bloqueando-os de sua consciência.
Agora a pessoa pode reagir de formas tais como: “Eu realmente amo meu irmãozinho, apesar das vezes em que o abraço tanto até ele gritar” ou, “Meu pé escorregou sob o seu, eis porque ele tropeçou”.
Posso ainda lembrar-me da enorme alegria demonstrada por meu irmão mais velho quando lhe foi dada uma oportunidade de bater em mim por algo que fiz.
Minha mãe, meu irmão e eu ficamos todos assustados com sua violência. Ao recordar o incidente, meu irmão lembrou-se de que ele não estava especialmente bravo comigo, mas que havia compreendido que aquela era uma rara ocasião e queria descarregar toda a maldade possível enquanto tinha permissão. Admitir tais sentimentos e permitir-lhes alguma expressão e, quando ocorrem é mais saudável, segundo Rogers, do que rejeitá-los ou aliená-los.
Quando a criança amadurece, o problema persiste. O crescimento é impedido na medida em que a pessoa nega impulsos diferentes do auto-conceito artificialmente “bom”. Para sustentar a falsa auto-imagem a pessoa continua a distorcer experiências, quanto maior a distorção maior a probabilidade de erros e da criação de novos problemas. Os comportamentos, os erros e a confusão que resultam dão manifestações de distorções iniciais mais fundamentais. E a situação realimenta-se a si mesma. Cada experiência de incongruência entre o Self e a realidade aumenta a vulnerabilidade, a qual, por sua vez, ocasiona o aumento de defesas, interceptando experiências e criando novas ocasiões de incongruência.
Por vezes as manobras defensivas não funcionam. A pessoa toma consciência das discrepâncias óbvias entre os comportamentos e as crenças. Os resultados podem ser pânico, ansiedade crônica, retraimento ou mesmo uma psicose. Rogers observou que o comportamento psicótico parece ser muitas vezes a representação externa de um aspecto anteriormente negado da experiência.
Em 1974 Perry corrobora essa idéia, apresentando evidência de que o episódio psicótico é uma tentativa desesperada da personalidade de se reequilibrar e permitir a realização de necessidades e experiências internas frustradas. A terapia centrada no cliente esforça-se por estabelecer uma atmosfera na qual condições de valor prejudiciais possam ser postas de lado, permitindo, portanto, que as forças saudáveis de uma pessoa retomem sua dominância original. Uma pessoa recupera a saúde reivindicando suas partes reprimidas ou negadas.
O Corpo
Embora Rogers defina a personalidade e a identidade como uma gestalt contínua, não dá ao papel do corpo uma atenção especial. Mesmo no seu trabalho com encontros ele não promove ou facilita o contato físico nem trabalha diretamente com gestos físicos. Como Rogers mesmo assinala, “a minha formação não é das que me tornem especialmente liberto a esse respeito”. Sua teoria é baseada na tomada de consciência da experiência. Ela não seleciona a experiência física como diferente em espécie ou valor das experiências emocionais, cognitivas ou intuitivas.
Relacionamento Social
O valor dos relacionamentos é de interesse central nas obras de Rogers. Os relacionamentos mais precoces podem ser congruentes ou podem servir como foco de condições de valor. Relações posteriores são capazes de restaurar a congruência ou retardá-la.
Rogers acredita que a interação com o outro capacita um indivíduo a descobrir, encobrir, experienciar ou encontrar seu Self real de forma direta. Nossa personalidade torna-se visível a nós através do relacionamento com os outros. Na terapia, em situações de encontro e em interações cotidianas, o feedback dos outros oferece às pessoas oportunidade de experienciarem a si mesmas. Se pensamos em pessoas que não têm relacionamentos, imaginamos dois estereótipos contrastantes. O primeiro é o do ermitão relutante, inábil para lidar com outros. O segundo é o contemplativo que se retirou do mundo para cumprir outras tarefas.
Nenhuma dessas imagens atrai Rogers. Para ele, os relacionamentos oferecem a melhor oportunidade para estar “funcionando por inteiro”, para estar em harmonia consigo mesmo, com os outros e com o meio ambiente. Através dos relacionamentos, as necessidades organísmicas básicas do indivíduo podem ser satisfeitas. A esperança desta satisfação faz com que as pessoas invistam uma quantidade de energia incrível em relacionamentos, até mesmo naqueles que não parecem ser saudáveis ou satisfatórios.
O Casamento
O casamento é um relacionamento não usual. É potencialmente de longo prazo, intensivo, e carrega dentro de si a possibilidade de manutenção do crescimento e do desenvolvimento. Rogers acredita que o casamento siga as mesmas leis gerais que mantém a verdade dos grupos de encontro, da terapia ou de outros relacionamentos. Os melhores casamentos ocorrem com parceiros que são congruentes consigo mesmos, que têm poucas condições de valor como empecilho e que são capazes de genuína aceitação dos outros. Quando o casamento é usado para manter uma incongruência ou para reforçar tendências defensivas existentes, é menos satisfatório e é menos provável que se mantenha.
As conclusões de Rogers sobre qualquer relação íntima a longo prazo, tal como o casamento, são focalizadas sobre quatro elementos básicos: compromisso contínuo, expressão de sentimentos, não-aceitação de papéis específicos e capacidade de compartilhar a vida íntima. Ele resume cada elemento como uma promessa, um acordo sobre o ideal de um relacionamento contínuo, benéfico e significativo.
1. Dedicação e compromisso
Cada membro de um casamento deveria ver a união como um processo contínuo e não como um contrato. O trabalho feito visa tanto a satisfação pessoal como a satisfação mútua. Uma relação é trabalho; é um trabalho tendo em vista objetivos separados ou comuns.
Rogers sugere que este compromisso seja expresso da seguinte maneira: “Nós dois nos comprometemos a cultivar juntos o processo mutável de nosso atual relacionamento, porque este relacionamento está enriquecendo nosso amor e a nossa vida e nós queremos que ele cresça”.
2. Comunicação; expressão de sentimentos
Rogers insiste na comunicação total e aberta. “Arriscar-me-ei tentando comunicar qualquer sentimento persistente, positivo ou negativo, ao meu companheiro, com a mesma profundidade com que o percebo em mim, como uma parte presente e viva em mim. Em seguida, arriscar-me-ei ainda mais tentando compreender, com toda a empatia de que eu for capaz, a sua resposta, seja acusativa e crítica, seja compartilhante e auto-reveladora”.
A comunicação tem duas fases igualmente importantes: a primeira é expressar a emoção. A segunda é permanecer aberto e experienciar a resposta do outro.
Rogers não defenda simplesmente o colocar para fora os sentimentos Ele sugere que devemos nos comprometer tanto com os efeitos que nossos sentimentos causam em nosso parceiro quanto com a expressão original dos sentimentos em si mesmos.
Isto é muito mais difícil do que simplesmente “desabafar” ou “ser aberto e honesto”.
É a disposição de aceitar os riscos reais envolvidos: rejeição, desentendimento, sentimentos feridos e retribuição. A crença de Rogers na necessidade de instituir e manter este nível de troca contrapõe-se a posições que advogam o ser polido, diplomático, o contornar questões perturbadoras ou o não mencionar interesses emocionais que aparecem.
3. Não-aceitação de papéis
Numerosos problemas desenvolvem-se na medida em que tentamos satisfazer as expectativas do outro, ao invés de determinarmos as nossas próprias. Rogers dizia que “Viveremos de acordo com as nossas opções, com a sensibilidade orgânica mais profunda de que somos capazes, mas não seremos afeiçoados pelos desejos, pelas regras e pelos papéis que os outros insistem em impor-nos”. Ele relata que muitos casais sofrem graves tensões na tentativa de fazer sobreviver sua aceitação parcial e ambivalente das imagens que seus pais e a sociedade impuseram a eles.
Um casamento efetuado com tal quantidade de expectativas e imagens irreais é inerentemente instável. e potencialmente pouco : recompensador.
4. Tomar-se um Self separado
Este compromisso é uma profunda tentativa de descobrir e aceitar a natureza total da pessoa. É o mais desafiador dos compromissos, é dedicar-se à remoção das máscaras tão logo elas se formem. “Eu talvez possa descobrir mais do que sou realmente em meu íntimo e chegar mais perto disso sentindo-me, às vezes, encolerizado ou aterrado, às vezes amante e solícito, de vez em quando belo e forte ou desordenado e medonho, sem esconder de mim mesmo esses sentimentos. Eu talvez possa estimar-me como a pessoa ricamente variada que sou. Talvez possa ser espontaneamente mais essa pessoa. Nesse caso, poderei viver de acordo com os meus próprios valores experimentados, conquanto tenha consciência de todos os códigos da sociedade. Nesse caso, poderei ser toda esta complexidade de sentimentos, significados e valores com meu companheiro suficientemente livre para dar o amor, a raiva e a ternura que existem em mim. É possível, então, que eu venha a ser um participante real de uma união, porque estou em vias de ser uma pessoa real. E espero poder incentivar meu companheiro a seguir o seu caminho na direção de uma personalidade única, que eu gostaria imensamente de partilhar”.
Emoções
O indivíduo saudável toma consciência de suas emoções, sejam ou não expressas. Sentimentos negados à consciência distorcem a percepção e a reação às experiências que os desencadearam.
Um caso específico é sentir ansiedade sem tomar conhecimento da causa. A ansiedade aparece quando uma experiência que ocorreu, se admitida na consciência, poderia ameaçar a auto-imagem. A reação inconsciente a estas subcepções alerta o organismo para possíveis perigos e acarreta mudanças psicofisiológicas. Estas reações defensivas são uma forma do organismo manter crenças e comportamentos incongruentes. Uma pessoa pode agir com base nestas subcepções sem tomar consciência do por quê está agindo assim. Por exemplo, um homem pode sentir-se desconfortável ao ver homossexuais declarados. A informação que tem de si mesmo incluiria o desconforto, mas não mencionaria sua causa. Ele não poderia admitir seu próprio interesse, sua identidade sexual não resolvida, ou talvez as expectativas e medos que tem a respeito de sua própria sexualidade. Distorcendo suas percepções ele pode, em compensação, reagir com hostilidade aberta a homossexuais, tratando-os como uma eterna ameaça ao invés de admitir seu conflito interno.
Intelecto
Rogers não segrega o intelecto de outras funções. Ele valoriza-o como um tipo de instrumento que pode ser usado de modo efetivo na integração de experiências. Mostra-se cético em relação a sistemas educacionais que dão ênfase exagerada a desempenhos intelectuais e desvalorizam os aspectos intuitivos e emocionais do funcionamento total.
Em particular, Rogers pensa que cursos de graduação em campos diversos são exigentes, pouco significativos e desanimadores. A pressão para a produção de trabalhos limitados e pouco originais, associada aos papéis passivos e dependentes atribuídos aos estudantes de graduação, na realidade sufocam ou retardam suas capacidades criativas e produtivas.
Cita a queixa de um estudante: “Essa coerção teve sobre mim um efeito tão desencorajador, que, depois que fiz o exame final, a consideração de qualquer problema me repugnava, durante um ano inteiro”.
Se o intelecto, como outras funções, ao operar de forma livre, tende a dirigir o organismo à tomada de consciência mais congruente, então forçar o intelecto por vias específicas pode não ser benéfico. O ponto de vista de Rogers é de que as pessoas estão em melhor situação decidindo o que fazer por si mesmas, com o apoio de outros, do que fazendo o que os outros decidem por elas.
Self
Autores de manuais de psicologia que dedicaram espaço a Rogers, geralmente classificam-no como um teórico do Self. De fato, embora Rogers encare o Self como o foco da experiência, ele está mais interessado na percepção, na tomada de consciência e na experiência do que num construto hipotético, o Self.
Como já descrevemos a definição de Rogers sobre o Self, podemos agora voltar para a descrição da pessoa de funcionamento integral: a pessoa que está mais plenamente consciente de seu Self contínuo. A noção de funcionamento ótimo é sinônimo das noções de adaptação psicológica perfeita, de maturidade ótima, de acordo interno completo, de abertura total à experiência. Como estas noções têm a desvantagem de sugerir algum estado mais ou menos estático, final ou acabado, devemos ressaltar que todas as características que acabamos de enumerar, a propósito do indivíduo hipotético, não têm o caráter de estagnação, mas de um processo dinâmico. A personalidade que funciona plenamente é uma personalidade em contínuo estado de fluxo, uma personalidade constantemente mutável.
A pessoa de funcionamento integral tem diversas características distintas, a primeira das quais é uma abertura à experiência. Há pouco ou nenhum uso das “subcepções”, estes primeiros sinais de alerta que restringem a percepção consciente. A pessoa está continuamente afastando-se de suas defesas na direção da experiência direta. A pessoa está mais aberta a seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberto aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de a impedir de atingir a consciência.
Uma segunda característica é viver no presente, realizar-se completamente cada momento. Este engajamento contínuo e direto com a realidade permite dizer que o eu (Self) e a personalidade emergem da experiência, em vez de dizer que a experiência foi traduzida ou deformada para se ajustar a uma estrutura preconcebida do eu. Uma pessoa é capaz de reestruturar suas respostas à medida que a experiência permite ou sugere novas possibilidades.
Uma característica final é a confiança nas exigências internas e no julgamento intuitivo, uma confiança sempre crescente na capacidade de tomar decisões. Quando uma pessoa está melhor capacitada para coletar e utilizar dados, é mais provável que ela valorize sua capacidade de resumir esses dados e de responder. Esta não é uma atividade apenas intelectual, mas uma função da pessoa inteira. Rogers sugere que na pessoa de funcionamento integral os erros efetuados serão devidos à informação incorreta e não ao processamento incorreto.
Isto se assemelha ao comportamento de um gato que é jogado ao chão de uma determinada altura. O gato não considera a velocidade do vento, o momentum angular ou o tamanho da queda. Ainda assim, tudo isto está sendo levado em conta em sua resposta total.
0 gato não reflete sobre quem poderia tê-lo empurrado, quais teriam sido seus motivos ou o que pode acontecer no futuro. O gato lida com a situação imediata, o problema mais gritante. Roda em meio ao ar e aterriza em pé, ajustando na mesma hora a sua postura pua enfrentar o próximo evento.
A pessoa de funcionamento integral é livre para responder e experienciar suas respostas às situações. Esta é a essência do que Rogers chama de viver uma vida plena. Tal pessoa estará comprometida num contínuo processo de atualização.
Terapia Centrada no Cliente
Rogers foi um terapeuta praticante durante toda sua carreira profissional. Sua teoria da personalidade emerge de seus métodos e idéias sobre terapia e é integrada a eles. A teoria psicoterápica de Rogers passou por diversas fases de desenvolvimento e mudanças de ênfase, e ainda assim há alguns pontos básicos que se mantiveram inalterados.
Rogers faz uma citação de uma palestra onde, pela primeira vez, descreveu suas novas idéias sobre terapia:
1. Esta nova abordagem coloca um peso maior sobre o impulso individual em direção ao crescimento, à saúde e ao ajustamento. A terapia é uma questão de libertar o cliente para um crescimento e desenvolvimento normais.
2. Esta terapia dá muito mais ênfase ao aspecto afetivo de uma situação do que aos aspectos intelectuais.
3. Esta nova terapia dá muito mais ênfase à situação imediata do que ao passado do indivíduo.
4. Esta abordagem enfatiza o relacionamento terapêutico em si mesmo como uma experiência de crescimento.
Rogers usa a palavra “cliente” ao invés do termo tradicional “paciente”. Um paciente é em geral alguém que está doente, precisa de ajuda e vai ser ajudado por profissionais formados. Um cliente é alguém que deseja um serviço e que pensa não poder realizá-lo sozinho. O cliente, portanto, embora possa ter muitos problemas, é ainda visto como uma pessoa inerentemente capaz de entender sua própria situação. Há uma igualdade implícita no modela do cliente, que não está presente no relacionamento médico-paciente.
A terapia atende a uma pessoa ao revelar seu próprio dilema com um mínimo de intrusão por parte do terapeuta. Rogers define a psicoterapia como a liberação de capacidades já presentes em estado latente. Isto é, implica que o cliente possua, potencialmente, a competência necessária à solução de seus problemas. Tais opiniões se opõem diretamente à concepção da terapia como uma manipulação, por especialista, de um organismo mais ou menos passivo. A terapia é apontada como dirigida pelo cliente ou centrada no cliente, uma vez que é quem assume toda direção que for necessária.
A terapia centrada no cliente e a modificação de comportamento têm algumas semelhanças: ambas ouvem as idéias do cliente sobre suas dificuldades e ambas aceitam o cliente como capaz de compreender seus próprios problemas. Entretanto, na terapia centrada no cliente, a pessoa continua a dirigir e modificar as metas da terapia e iniciar as mudanças comportamentais (ou outras) que deseja que ocorram. Na modificação de comportamento, os novos comportamentos são escolhidos pelo terapeuta. Rogers sente de modo intenso que tais “intervenções do especialista”, qualquer que seja a sua natureza, são em última instância prejudiciais ao crescimento da pessoa.
Suas opiniões sobre a natureza do homem e sobre os métodos terapêuticos não somente amadureceram durante sua vida, passaram por uma inversão quase que total. “Espero ter deixado claro que, no decorrer dos anos, distanciei-me muito de algumas das coisas em que inicialmente acreditei: de que o homem é em essência pecador; de que, profissionalmente, ele é melhor tratado enquanto objeto; de que a ajuda fundamenta-se na perícia; de que o perito pode aconselhar, manipular e moldar o indivíduo a fim de produzir o resultado desejado”.
Terapeuta Centrado no Cliente
O cliente tem a chave de sua recuperação mas o terapeuta deveria ter determinadas qualidades pessoais que ajudam o cliente a aprender como usar tais chaves.
Estes poderes dentro do cliente, tornar-se-ão efetivos se o terapeuta puder estabelecer com o cliente um relacionamento de aceitação e compreensão suficientemente caloroso. Antes do terapeuta ser qualquer coisa para o cliente, ele deve ser autêntico, genuíno, e não estar desempenhando um papel, especialmente o de um terapeuta, quando está com o cliente. Isto envolve a vontade de ser e expressar com minhas próprias palavras e meus comportamentos, os diversos sentimentos e atitudes que existem em mim. Isto significa que se precisa, na medida do possível, perceber os próprios sentimentos, ao invés de apresentar uma fachada externa de uma atitude enquanto na verdade mantém se outra.
Terapeutas que estão se formando em terapia centrada no cliente por vezes perguntam, “como se comportar se não gostamos do paciente ou se estamos aborrecidos ou bravos?” Não serão estes sentimentos genuínos justamente os que ele desperta em todas as pessoas que ofende? A resposta centrada no cliente a estas questões envolve diversos níveis de compreensão. Em um nível, o terapeuta serve como modelo de uma pessoa autêntica. O terapeuta oferece ao cliente um relacionamento através do qual este pode testar sua própria realidade. Se o cliente confia que vá receber uma resposta honesta, pode descobrir se suas antecipações ou defesas são justificadas. O cliente pode aprender a esperar uma reação real, não distorcida ou diluída, à sua busca interior. Este teste de realidade é crucial se o cliente quer se afastar das distorções e experienciar a si mesmo de modo direto.
Num outro nível, o terapeuta centrado no cliente proporciona uma relação de ajuda enquanto aceita e é capaz de manter uma consideração positiva incondicional. Rogers a define como uma preocupação que não é possessiva, que não exige qualquer favor pessoal. É simplesmente uma atmosfera que demonstra, “eu preocupo-me”, e não “eu preocupo-me consigo se se comportar desta ou daquela maneira”. Não é uma avaliação positiva porque toda avaliação é uma forma de julgamento moral. A avaliação tende a restringir o comportamento respeitando algumas coisas e punindo outras; a consideração positiva incondicional permite à pessoa ser realmente o que é, não importando o que possa ser.
Esta atitude aproxima-se daquilo que Maslow denomina amor taoístico, um amor que não faz julgamento prévio, que não restringe nem define. É a promessa de aceitar alguém simplesmente como ele revela ser. Para fazer isto, um terapeuta centrado no cliente deve ser sempre capaz de ver o centro auto-atualizador do cliente e não os comportamentos destrutivos, prejudiciais e ofensivos. Se puder reter uma consciência da essência positiva do indivíduo poder-se-á ser autêntico com tal pessoa, ao invés de ficar aborrecido, irritado ou bravo com expressões particulares de sua personalidade. Esta atitude é similar à dos mestres espirituais da tradição oriental que, vendo o divino em todos os homens, podem tratar a todos com igual respeito e compaixão.
O terapeuta centrado no cliente mantém uma certeza de que a personalidade interior, e talvez não desenvolvida do cliente, é capaz de entender a si mesma. Na prática, isto é extremamente difícil. Terapeutas rogerianos admitem que são, com freqüência, incapazes de manter esta qualidade de compreensão quando trabalham.
A aceitação pode ser uma mera tolerância, uma postura não julgadora que pode ou não incluir uma real compreensão. Esta aceitação é inadequada. A consideração positiva incondicional deve incluir também uma compreensão empática, captar o mundo particular do cliente como se fosse o seu próprio mundo, mas sem nunca esquecer esse caráter de “como se”. Esta nova dimensão permite ao cliente maior liberdade para explorar sentimentos internos. O cliente está certo de que o terapeuta fará mais do que aceitá-lo, pois está engajado de maneira ativa na tentativa de sentir as mesmas situações dentro de si próprio.
O critério final para um bom terapeuta é que ele deve possuir a habilidade para comunicar esta compreensão ao cliente. O cliente precisa saber que o terapeuta é autêntico, preocupa-se, ouve e compreende de fato. É necessário que o terapeuta seja claro apesar das distorções seletivas do cliente, das subcepções de ameaça e dos efeitos danosos de uma auto-consideração mal colocada. Desde que esta ponte entre terapeuta e cliente seja estabelecida, o cliente pode começar a trabalhar a sério.
Grupos de Encontro
A passagem de Rogers de terapeuta centrado no cliente para líder de encontros e pesquisador foi quase inevitável. Suas afirmações de que as pessoas, não especialistas, eram terapeutas, foram correlacionadas com os primeiros dados de encontro. Quando Rogers foi para a Califórnia, foi capaz de dedicar mais tempo para participar, estabelecer e pesquisar este tipo de trabalho de grupo.
À parte da terapia de grupo, os grupo de encontro têm uma história que prenuncia seu ressurgimento nas décadas de 1950 e 1960. Dentro da tradição protestante norte-americana e, numa extensão menor, no Judaísmo, tinha havido experiências de grupo elaboradas para alterar as atitudes de uma pessoa em relação a si mesma e para modificar seu comportamento para com os outros. As técnicas incluíam pequenos grupos de colegas, insistência na honestidade e na abertura, ênfase no aqui e agora e manutenção de uma atmosfera calorosa, de apoio. Mesmo as maratonas (encontros de grupos durante o dia e a noite) não são invenções recentes.
Características comuns a todos os grupos de encontro incluem um clima de segurança psicológica, o encorajamento à expressão dos sentimentos imediatos e a resposta subseqüente por parte dos membros do grupo. O líder, qualquer que seja sua orientação, é responsável por estabelecer e manter o tom e o enfoque de um grupo. Este pode estender-se desde a atmosfera funcional de negócios, até estimulação emocional ou à excitação sexual, à promoção de medo, raiva ou mesmo violência. Há relatos de grupos de todas as descrições.
A contribuição de Rogers e seu trabalho contínuo com grupos de encontro são aplicações de sua teoria. Em Grupos de Encontro ele descreve os principais fenômenos que ocorrem nos grupos que se prolongam por vários dias. Embora haja muitos períodos de insatisfação, incerteza e ansiedade na descrição de encontros que se segue, cada um desses períodos conduz a um clima mais aberto, menos defensivo, mais exposto e mais confiante. A intensidade emocional e a capacidade de tolerar a intensidade parecem aumentar à medida que o grupo prossegue.
Processo de Encontro
Um grupo começa andando à volta, esperando que lhe seja dito como se comportar, o que esperar, como trabalhar com as expectativas sobre o grupo. Há uma crescente frustração à medida que o grupo percebe que os próprios membros determinarão a forma pela qual o grupo funcionará.
Há uma resistência inicial à expressão ou exploração pessoais. É o eu exterior que os membros têm tendência para mostrar e só gradual, tímida e ambiguamente vão revelando algo do eu íntimo. Esta resistência é visível na maioria das situações de grupo, como em coquetéis, bailes ou piqueniques, onde em geral há alguma atividade, além da auto-exploração, à disposição dos participantes. Um grupo de encontro desencoraja a busca de qualquer outra atividade.
À medida que as pessoas continuam a interagir elas compartilham sentimentos passados associados a pessoas ausentes no grupo. Ainda que possam ser experiências importantes para o indivíduo, não passam de uma forma de resistência inicial; as experiências passadas são mais seguras e é pouco provável que sejam afetadas por críticas ou apoio. As pessoas podem ou não responder ao relato de um evento passado, mas ainda assim é um evento passado.
Quando as pessoas começam a expressar seus sentimentos presentes, o mais freqüente é serem as primeiras expressões negativas. “Não me sinto bem com você”. “Você tem uma maneira de falar vulgar”. “Não acredito que você na realidade queria dizer o que disse sobre sua esposa”.
Os sentimentos profundos positivos são muito mais difíceis e perigosos de exprimir que os negativos. Se digo que te amo fico vulnerável e exposto à mais terrível rejeição. Mas se digo que te detesto, fico quando muito sujeito a um ataque de que posso defender-me. A não compreensão deste paradoxo aparente levou a uma série de programas de encontro cujo fracasso era previsível. Por exemplo, a Força Aérea desenvolveu programas de relacionamento racial incluindo sessões de encontro entre brancos e negros, conduzidas por líderes treinados. O resultado final desses encontros, no entanto, sempre parecia ser uma intensificação dos sentimentos racistas de ambos os lados.
Em virtude das dificuldades de planejar horário para as pessoas inseridas no regime militar, tais encontros não duravam mais do que três horas, tempo bastante para que as expressões negativas fossem expressas, mas insuficiente para desenvolver o restante do processo. Quando os sentimentos negativos são expressos e o grupo não se desintegra, divide-se ou desaparece no fogo do inferno, começa a aparecer um material com significado pessoal. Sendo ou não aceitável para os membros do grupo, o “clima de confiança” começa a se formar e as pessoas começam a assumir riscos reais.
Quando o material significativo emerge, as pessoas começam a expressar umas às outras seus sentimentos imediatos tanto positivos quanto negativos. “Acho bom que você esteja compartilhando isto com o grupo”. “Toda vez que falo algo você me olha como se quisesse me estrangular.” “Gozado, eu pensei que não iria gostar de você. Agora tenho certeza disso.”
Quanto mais expressões emocionais vêm à tona e sofrem as reações do grupo, Rogers nota o desenvolvimento de uma capacidade terapêutica no mesmo. As pessoas começam a fazer coisas que parecem ser de grande auxílio, que ajudam os outros a tomar consciência de sua própria experiência de uma forma não-ameaçadora.
O que o terapeuta bem treinado aprendeu a fazer durante anos de supervisão e prática, começa a emergir de modo espontâneo da própria situação. “Esta espécie de faculdade manifesta-se tão freqüentemente em grupos, que me leva a considerar que a capacidade de tratamento ou terapêutica é muito mais freqüente do que supomos na vida humana. Muitas vezes, para se manifestar, apenas necessita da licença concedida, ou da liberdade tornada possível, pelo clima de uma experiência de grupo em liberdade.
Um dos efeitos da disposição do grupo para a aceitação e feedback é que os pessoas podem aceitar a si mesmas. “Creio que realmente tento impedir que as pessoas se aproximem de mim.” “Sou forte e mesmo cruel às vezes.” “Quero tanto ser amado que chego a fingir ser meia dúzia de coisas.” Paradoxalmente, esta aceitação de si mesmo, incluindo suas falhas, inicia a mudança. Rogers nota que quanto mais perto estivermos da congruência, mais fácil será de tomarmo-nos sadios. Se uma pessoa for capaz de admitir que é de uma certa maneira, será então capaz de considerar possíveis alternativas de comportamento. Se negar parte de si mesma, não fará qualquer esforço para mudar. A aceitação, no domínio das atitudes psicológicas por vezes ocasiona uma mudança naquilo que foi aceito. É irônico, mas verdadeiro.
À medida que o grupo continua, há uma crescente impaciência para com as defesas. O grupo parece exigir o direito de ajudar, de curar, de provocar a abertura das pessoas que parecem constrangidas e defendidas. Por vezes gentilmente, outras de forma quase que selvagem, o grupo exige que o indivíduo seja ele mesmo, isto é, que não esconda os sentimentos comuns. A expressão pessoal de alguns membros do grupo tornou evidente que é possível um encontro mais profundo e essencial, e o grupo parece procurar intuitiva e inconscientemente este objetivo.
Em qualquer troca ou encontro há feedback. O líder está sendo informado a todo instante de sua eficiência ou da falta dela. Cada membro que reage a outro pode, por sua vez, obter um feedback à sua reação. Este pode ser difícil de aceitar, mas uma pessoa, num grupo, não pode evitar facilmente o conflito com a opinião do mesmo.
Rogers chama de confrontação às formas extremas de feedback. Conforme diz, “há momentos em que o termo feedback é excessivamente moderado para descrever as interações que se processam, momentos em que é mais correto dizer que um indivíduo se confronta com outro, diretamente, em pé de igualdade.
Tais confrontações podem ser positivas, porém são muitas vezes nitidamente negativas”. A confrontação leva os sentimentos a uma intensidade tal que um tipo de resolução é exigida. Este é um momento perturbados e difícil para um grupo e, potencialmente, muito mais perturbador para os indivíduos envolvidos.
Parece claro que toda vez que o grupo demonstra de modo efetivo que pode aceitar e tolerar os sentimentos negativos sem rejeitar a pessoa que os expressa, os membros do grupo tomam-se mais confiantes e abertos uns com os outros. Muitas pessoas relatam suas experiências em grupos como as experiências de aceitação mais positivas e empáticas de suas vidas. A popularidade das experiências de grupo repousa tanto no calor emocional que geram como em sua capacidade de facilitar o crescimento pessoal.
Fonte: www.geocities.com/www.rogeriana.com/irtualpsy.locaweb.com.br/webspace.ship.edu
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