Carl Gustav Jung

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Nascimento: 26 de julho de 1875, Kesswil, Suíça.

Falecimento: 6 de junho de 1961, Küsnacht, Suíça.

Carl Gustav Jung – Psicólogo

Carl Gustav Jung estabeleceu a psicologia analítica. Ele avançou a ideia de personalidades introvertido e extrovertido e o poder do inconsciente.

Jung nasceu em 26 de julho de 1875, em Kesswil, Suíça.

Jung acreditava no “complexo”, ou associações emocionalmente carregado.

Ele colaborou com Sigmund Freud, mas discordou com ele sobre a base sexual das neuroses.

Jung fundou a psicologia analítica, avançando a idéia de introvertido e extrovertido personalidades, arquétipos e do poder do inconsciente.

Jung publicou inúmeras obras durante sua vida, e suas idéias tiveram reverberações que viajam para além do campo da psiquiatria, que se estendem em arte, literatura e religião também.

Ele morreu em 1961.

Carl Gustav Jung – Vida

Carl Gustav Jung
Carl Gustav Jung

1. Considerações Iniciais

Jung escreveu que,

“Assim, como o nosso corpo é um verdadeiro museu de órgãos, cada um com a sua longa evolução histórica, devemos esperar encontrar também na mente uma organização análoga. Nossa mente não poderia jamais ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo em que existe. Por ‘história’ não estou querendo me referir àquela que a mente constrói através de referências conscientes ao passado, por meio da linguagem e de outras tradições culturais; refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré-histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima à dos animais.

Esta psique, infinitamente antiga, é a base da nossa mente, assim como a estrutura do nosso corpo se fundamenta no molde anatômico dos mamíferos em geral. O olho treinado do anatomista ou do biólogo encontra nos nossos corpos muitos traços deste molde original. O pesquisador experiente da mente humana também pode verificar as analogias existentes entre as imagens oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva, as suas ‘imagens coletivas’ e os seus motivos mitológicos.

Assim como o biólogo necessita da anatomia comparada, também o psicólogo não pode prescindir da ‘anatomia comparada da psique’. Em outros termos, o psicólogo precisa, na prática, ter experiência suficiente não só de sonhos e outras expressões da atividade inconsciente mas também da mitologia no seu sentido mais amplo. Sem esta bagagem intelectual ninguém pode identificar as analogias mais importantes, não será possível, por exemplo, verificar a analogia entre um caso de neurose compulsiva e a clássica possessão demoníaca sem um conhecimento exato de ambos.” (JUNG, 1977: 67).

O excerto acima, extraído de O Homem e seus Símbolos, sintetiza, grosso modo, a visão de Jung e seu método de pesquisa sobre a mente humana.

Jung, antes de decidir pelos estudos médicos, tinha uma atração pela arqueologia. Num certo sentido, ele não deixou inativa, no seu trabalho de médico, de professor e de pesquisador, sua vocação arqueológica. Assim como Foucault desenvolveu uma arqueologia do saber, podemos afirmar que Jung desenvolveu uma arqueologia do funcionamento mental.

Portanto, sua pesquisa não se restringiu entre quatro paredes do consultório.

Realizou várias viagens com o objetivo de conhecer a alma humana: em 1921, África do Norte; em 1924-1925, conviveu com os Índios Pueblo da América e em 1925-1926 no Monte Elgon na África Oriental Inglesa. Essas viagens proporcionaram não só a descoberta da significação cósmica da consciência, mas também a constatação de que aos olhos dos homens dessas culturas distantes refletiam o homem branco, o europeu, o civilizado, enfim, o colonizador, como “ave de rapina”.

2. Jung: Alguns Dados Sobre o Homem e suas Idéias

Segundo Nise da Silveira,

“Jung era um homem alto, bem construído, robusto. Tinha um vivo sentimento da natureza. Amava todos os animais de sangue quente e sentia-se com eles ‘estreitamente afim’. Amava as escaladas das montanhas, porém preferia velejar sobre o lago de Zurique. Possuía seu barco próprio. Na mocidade passava às vezes vários dias velejando em companhia de amigos, que se revezavam no leme e na leitura em alta voz da Odisséia. Igualmente velejava sozinho e o fez até idade bastante avançada.” (SILVEIRA, 1978: 16).

Carl Gustav Jung nasceu em Kesswil, cantão de Thurgau, Suíça, a 26 de julho de 1875. O pai, Paul Achilles Jung, era pastor da Igreja Reformada da Suíça. Seu avô paterno, do qual Jung recebeu o mesmo nome, segundo rumores que corriam na época, era filho ilegítimo do escritor Johann Wolfgang Goethe.

Em 1903 contraiu núpcias com Emma Rauschenbach.

O casal teve cinco filhos: Agathe, Anna, Franz, Marianne, Emma. A esposa, fiel seguidora de Jung, foi analisada por ele próprio.

Formou-se médico pela Universidade da Basiléia em 1900 e trabalhou como assistente no Burghölzli Mental Hospital da Clínica Psiquiátrica de Zurique. Foi assistente e depois colaborador de Eugen Bleuler que desenvolveu o conceito de esquizofrenia. Em 1909 deixou o hospital e em 1913 o ensino universitário.

Depois de deixar a carreira universitária em 1913, na época da Primeira Guerra Mundial, Jung passou por um período de intensa solidão, depressão, crise interior e reflexão, embora, nessa época, aos 38 anos, já era um psiquiatra de renome na Europa e na América. Foi nesse período que elaborou os fundamentos de suas idéias sobre a alma humana.

Em 1919, a partir da noção de imago, Jung elaborou a noção de arquétipo,

“para definir uma forma preexistente inconsciente que determina o psiquismo e provoca uma representação simbólica que aparece nos sonhos, na arte ou na religião. Os três principais arquétipos são o animus (imagem do masculino), a anima (imagem do feminino) e selbst (si-mesmo), verdadeiro centro da personalidade. Os arquétipos constituem o inconsciente coletivo, base da psique, estrutura imutável, espécie de patrimônio simbólico próprio de toda a humanidade. Essa representação da psique é complementada por ‘tipos psicológicos’ isto é, características individuais articuladas em torno da alternância introversão/extroversão, e, por um processo de individuação, que conduz o ser humano à unidade de sua personalidade através de uma série de metamorfoses (os estádios freudianos). A criança emerge assim do inconsciente coletivo para ir até a individuação, assumindo a anima e o animus.” (ROUDINESCO e PLON, 1998: 422).

Vários de seus trabalhos foram inicialmente apresentados como conferências nas reuniões científicas internacionais (Euranos) em Ascona. Esses trabalhos eram posteriormente ampliados e transformados, muitos anos depois, em livros. Suas obras completas em inglês totalizam 18 volumes.

Desenvolveu uma escola psicológica e de psicoterapia que foi denominada de Psicologia Analítica ou Psicologia Complexa, que se implantou em vários países: Grã-Bretanha, Estados Unidos, Itália e Brasil. Recebeu muitas honrarias, entre elas o grau honorário da Universidade de Harvard e da Universidade de Oxford. Dezenas de estudos, artigos e comentários foram escritos sobre Jung.

Uma característica importante do pensamento de Jung é a combinação entre causalidade e teleologia, ou seja, o comportamento do homem é condicionado tanto pela sua história individual e racial (causalidade), o passado; quanto pelas suas aspirações ou alvos (teleologia), o futuro.

Também, como base do conceito de sincronicidade, acontecimentos que ocorrem ao mesmo tempo, mas que um não causa o outro, Jung argumentou que o pensamento causa a materialização da coisa pensada:

“(…) A psique tem duas condições importantes. Uma é a influência ambiental e a outra é o fato dado da psique quando ela nasce. (…) Tudo que você faz aqui, tudo isto, todas as coisas, foram fantasias para começar e a fantasia tem uma realidade própria. A fantasia, como você vê, é uma forma de energia, a despeito de não podermos medi-la. E assim, acontecimentos psíquicos são fatos, são realidades. E quando você observa o fluxo das imagens internas, observa um aspecto do mundo, do mundo interior, porque a psique, se você a entende como um fenômeno que tem lugar nos chamados corpos vivos, é uma qualidade da matéria, como nosso corpo consiste de matéria.” (EVANS, 1979: 334-335).

Respeitáveis pensadores foram favoráveis à hipótese da unidade psicofísica dos fenômenos. Wolfgang Pauli, prêmio Nobel de física em 1945, declarou-se convencido da necessidade de pesquisar a origem interior de nossos conceitos científicos. Produziu um estudo sobre as idéias arquetípicas relacionadas as teorias de Kepler. A publicação de Interpretação da Natureza e Psique foi resultado da aproximação de Pauli e Jung.

As idéias de Jung abriram uma nova dimensão para compreender as diversas expressões da mente humana na cultura. Assim,

“Encontra, por toda parte, os elementos de suas pesquisas: em mitos antigos e em contos de fada modernos; nas religiões do mundo oriental e ocidental, na alquimia, na astrologia, na telepatia mental e na clarividência; nos sonhos e visões de pessoas normais; na antropologia, na história, na literatura e nas artes; e na pesquisa clínica e experimental.” (HALL e LINDZEY, 1973: 122).

Apesar de severamente criticado por simpatia e apoio ao nazismo, Jung alegou, bem como seus companheiros, ter sido mal interpretado em seus escritos. O texto A Situação Presente da Psicoterapia, publicado por Jung em janeiro de 1934 na Zentralblatt für Psychoterapie (ZFP), revista da Sociedade Alemã de Psicoterapia (AÄGP), na qual Jung havia assumido o lugar de Ernst Kretschmer em 1933, estava sob controle de Mathias Heinrich Göring, admirador confesso da Führer e que chegou a pedir aos psicoterapeutas da AÄGP que fizessem do Mein Kampf o fundamento da ciência psicológica do Reich.

No referido texto, Jung distinguiu o inconsciente “judeu” do “ariano”, que este teria um potencial superior ao primeiro; e de que Freud nada compreendia da psique alemã. Em resposta a um veemente ataque do psiquiatra Gustav Bally em 1934, Jung, em março do mesmo ano, publicou como defesa e esclarecimento o artigo Zeitgnössiches, no qual expunha sobre as diferenças entre raças e psicologias, combatendo a psicologia uniformizante como a de Freud e a de Adler.

É possível que as acusações a Jung fossem ressentimentos alimentados desde o rompimento com Freud. Jung tinha entre seus discípulos mais próximos pessoas de origem semita, mas a comunidade internacional junguiana ficara dividida quanto à questão. O psicoterapeuta Andrew Samuels, da Sociedade Londrina de Psicologia Analítica, em 1992 publicou um artigo comentando, que tal como ele, adepto do culturalismo, Jung aderira à ideologia nazista por instaurar uma psicologia das nações. Samuels conclamou os pós-junguianos a reconhecer a verdade. O artigo polêmico de 1934 foi retirado da lista “completa” das declarações de Jung de 1933 e 1936, por ocasião da publicação do número especial dos Cahiers Jungiens de Psychanalyse (França) dedicado a esse tema. Com isso, os comentadores isentaram Jung da suspeita de anti-semitismo (Cf. ROUDINESCO e PLON, 1998: 424).

Em 1944 foi fundada na Universidade da Basiléia, especialmente para Jung, uma cadeira de psicologia médica.

Jung faleceu em 6 de junho de 1961 em sua casa de Küsnacht.

Ainda nessa época,

“seus adversários continuavam a tratá-lo de colaboracionista, enquanto seus amigos e próximos afirmavam que ele nunca participara da menor tomada de posição em favor do nazismo ou do anti-semitismo.” (ROUDINESCO e PLON, 1998: 424).

3. Jung e Freud

Jung considerou restrita a visão de Freud sobre a vida mental, fundamentada na sexualidade. Considerou que os conceitos freudianos abarcavam apenas uma parte da vida mental. Freud, assim, teria ficado restrito ao estudo das neuroses no âmbito do inconsciente individual. Jung, além do inconsciente individual, constatou a existência do inconsciente coletivo, resultante de repetidas experiências comungadas na aurora do homem. Consequentemente, a análise dos sonhos e a dos símbolos ultrapassam, na visão junguiana, a manifestação singular da vida mental e emocional do sujeito, mas deste sujeito como parte do universal, de todas as experiências humanas. Em outros termos, a análise das neuroses teria como enfoque o inconsciente individual e os chamados pequenos sonhos da vida ordinária ou cotidiana; enquanto que os grandes sonhos, de cunho universal, de expressões de arquétipos do inconsciente coletivo.

Para Freud, a vida mental é de cima para baixo, ou seja, a repressão de vivências e experiências para as profundezas do inconsciente, ao mesmo tempo que ela tenta evitar ou distorcer conteúdos inconscientes, geralmente de cunho sexual e agressivo, chegarem à consciência, por serem talvez dolorosos demais para o ego suportar. Para Jung, conteúdos inconscientes, em especial do coletivo, os arquétipos, emergem na consciência, independente do trabalho da repressão ou da vontade do sujeito.

O foco de pesquisa de Freud eram as neuroses, principalmente a histérica, atendendo em seu consultório, a princípio, mulheres da alta burguesia vienense com esse transtorno. E considerou, na sua época, a dificuldade de analisar pacientes psicóticos, pois, para ele, a psicose seria praticamente incurável. Jung, desde o início de sua prática clínica, trabalhou com indivíduos diagnosticados como esquizofrênicos, pois, seus estudos a respeito, realizados em 1907 e 1908, demonstravam que a sintomatologia psicótica possuía um sentido, por mais absurda que pudesse parecer. Com o tempo, constatou uma convergência daquilo que estudava sobre os mitos, símbolos, religiões com as expressões mentais e emocionais dos psicóticos.

Aristóteles discordava de Platão e de Sócrates, para os quais as mulheres deveriam ser iguais aos homens na república e de que ambos são iguais na coragem, respectivamente, porque para Aristóteles,

“A mulher é um homem inacabado, deixada de pé num degrau inferior da escala do desenvolvimento.” (Cf. DURANT, 1996: 97).

Embora fundamentando a psicanálise na bissexualidade como corolário da organização monista da libido, isto é, a necessidade do sujeito escolher um dos dois componentes da sexualidade, e dado o contexto repressivo da época sobre essa questão; Freud, apesar de postular nova forma de compreender a sexualidade, no entanto não evitou a arcaica, porém culturalmente sedimentada, visão aristotélica sobre a mulher, conceituando-a também como ser incompleto ao desenvolver suas idéias sobre a inveja do pênis. Jung, entretanto, elaborou a noção dos arquétipos de animus (imagem do masculino) e anima (imagem do feminino). Assim, animus é a masculinidade existente no psiquismo da mulher e anima a feminilidade inconsciente no homem.

Enfim, Freud dava ênfase à biologia como substrato do funcionamento psíquico; enquanto Jung desenvolveu uma teoria mais fundamentada nos processos psicológicos.

Uma biografia de Jung seria incompleta, mesmo que limitada ou modesta, se algumas das diferenças não fossem apontadas.

A dissidência de Jung é um fato histórico importante do movimento psicanalítico porque não implicou apenas em discordância teórica, mas no desenvolvimento de uma nova escola, a Psicologia Analítica:

“Profundamente satisfeito em desenvolver sua própria psicologia, Jung afirmou mais tarde que não sentiu o rompimento com Freud como uma excomunhão ou um exílio. Foi uma libertação para si. (…) Sem dúvida, o que Jung extraiu desses anos foi mais do que uma briga pessoal e uma amizade rompida; ele criou uma doutrina psicológica reconhecivelmente sua.” (GAY, 1989: 227).

Jung, em abril de 1906, enviou a Freud os seus Estudos Diagnósticos de Associação (Diagnostisch Assoziationsstudien), iniciando uma longa troca de correspondência, num total de 359 cartas. Tal abriria para a psicanálise, numa discussão que envolvia Jung, Freud e Bleuler na exploração do campo das psicoses, especialmente sobre a dementia praecox, como era conhecida a esquizofrenia, o auto-erotismo e o autismo.

Em 27 de fevereiro de 1907, Jung foi visitar Freud em Viena. Nesse primeiro encontro conversaram por cerca de 13 horas. Freud, reconhecendo a capacidade de Jung, viu nele a possibilidade de fazer com que a psicanálise ampliasse fronteiras para além do círculo judaico. Em um carta de 16 de abril de 1909, Freud definiu Jung como “um filho mais velho” e um “sucessor e príncipe coroado”. (Cf. SILVEIRA, 1978: 15).

Em 1909, Freud e Jung foram aos Estados Unidos para as comemorações do vigésimo aniversário da Clark University. Na ocasião Freud pronunciou As Cinco Conferências sobre Psicanálise e Jung apresentou seus estudos sobre as associações verbais.

Entre 1907 e 1909, Jung fundou a Sociedade Sigmund Freud de Zurique. Em 1908 ocorreu a fundação, durante o Congresso Internacional em Salzburg, do primeiro periódico psicanalítico, Jahrbuch für Psychoanalytische und Psychopathologische Forrchungen, do qual Bleuler e Freud eram os diretores e Jung o editor.

Em 1910, em Nuremberg, foi fundada a Internationale Psychoanalytische Vereinigung (IPV), mais tarde denominada de International Psychoanalytical Association (IPA). Por influência de Freud, contrariando adeptos vienenses judeus, Jung foi eleito o primeiro presidente da IPV. Em setembro de 1911, Jung foi reeleito presidente da IPV no Congresso Internacional de Weimar.

No entanto, já no primeiro encontro em 1907 entre Freud e Jung, este já tinha um conceito de inconsciente e do psiquismo, especialmente influenciado por Pierre Janet e Théodore Flournoy, bem como já discordava das idéias freudianas sobre a sexualidade infantil, o complexo de Édipo e a libido. Jung aproximou-se de Freud porque acreditava que a obra de Freud pudesse confirmar suas hipóteses sobre as idéias fixas subconscientes, as associações verbais e os complexos, além de ver Freud como ser excepcional com o qual poderia discutir sobre a vida mental.

Em 1912, Jung preparou a publicação de Metamorfoses e Símbolos da Libido, cujas idéias discordavam completamente da teoria freudiana da libido, tornando evidente o conflito entre ele e Freud. Jung tentou mostrar a Freud a importância de diminuir a ênfase na questão da sexualidade da doutrina freudiana, até como forma da psicanálise ser melhor aceita. Freud, em 1913, depois de uma síncope durante o jantar do congresso da IPA em Munique, rompeu oficialmente com Jung.

Em outubro de 1913, Jung renunciou ao cargo de editor do periódico e em 20 de abril de 1914 renunciou da IPA.

Mas a gota d’água para a causa do rompimento teria sido um simples acontecimento. Freud foi visitar Ludwig Binswanger em Kreuzlingen, que havia sido operado de um tumor maligno, e não passou por Küsnacht, cerca de 50 quilômetros de Kreuzlingen, para visitar Jung, o qual se sentiu ofendido com esse gesto de Freud (Cf. ROUDINESCO e PLON, 1998: 422).

Conforme Nise da Silveira,

Eram ambos personalidades demasiado diferentes para caminharem lado a lado durante muito tempo. Estavam destinados a defrontar-se como fenômenos culturais opostos.” (SILVEIRA, 1978: 15).

3. Cronologia

26 de julho de 1875: nascimento de Carl Gustav Jung em Kesswil, cantão de Thurgau, Suíça. O pai é pastor protestante.
1879:
a família muda-se para uma aldeia próxima de Basiléia.
1886-1895:
estudos secundários no colégio de Basiléia.
1895-1900:
Jung estuda medicina na Universidade de Basiléia e interessa-se pela psiquiatria.
1900:
em dezembro torna-se médico adjunto do prof. Eugen Bleuler, diretor da clínica psiquiátrica do Hospital Burghölzli da Universidade de Zurique.
1902:
defesa de Tese de Doutorado (Psicopatologia e Patologia dos Fenômenos Ditos Ocultos). É um estudo de caso sobre uma jovem médium espírita, no qual Jung interpreta as manifestações dos espíritos como personificações da própria médium.
1902-1903:
estágio e estudo em Paris (Salpêtrière), seguindo o ensino de Pierre Janet.
1903:
casa com Emma Rauschenbach, de quem terá cinco filhos. Primeiros trabalhos sobe as associações de idéias e a teoria dos complexos.
1905:
assume posto logo abaixo de Bleuler no Burghölzli. É nomeado Privat-Dozent. Ministra cursos sobre hipnose.
1906:
publica Estudos Sobre Associações.
1907:
primeiro encontro com Freud em 27 de fevereiro. Publica A Psicologia da Demência Precoce.
1908:
Publicação de O Conteúdo das Psicoses.
1909:
viagem aos EUA com Freud, onde pronunciam conferências na Universidade Clark. Deixa Burghölzli para instalar-se em Küsnacht, na Seestrasse 228, às margens do lago de Zurique, residência que ocupará até a sua morte. É colaborador no ensino de psiquiatria na Universidade de Zurique até 1913.
1909:
funda a Sociedade Sigmund Freud de Zurique. Demite-se do Burghölzli.
1910:
participa com Freud da fundação da Internationale Psychoanalytische Vereinigung (IPV), mais tarde denominada de International Psychoanalytical Association (IPA). Por influência de Freud é eleito presidente.
1912:
publicação de Metamorfoses e Símbolos da Libido, causando várias divergências com Freud.
1913:
Freud rompe com Jung. Renuncia ao título de Privat-Dozent.
1914:
conferências no BedFord College em Londres (Sobre a Compreensão psicológica e Sobre a Importância do Inconsciente em Psicopatologia; A Estrutura do Inconsciente) e participa de um Congresso Médico em Aberdeen.
1916:
forma-se em torno de Jung o Clube Psicológico de Zurique. É publicado As Relações Entre o Ego e o Inconsciente (ampliação de A Estrutura do Inconsciente).
1917-1919:
é nomeado médico chefe do campo de prisioneiros ingleses em Château-d’Oex e posteriormente em Mürren.
1918:
publica Sobre o Inconsciente.
1920:
publica Os Tipos Psicológicos.
1921-1926:
viaja pela África, América Central e Índia.
1930:
presidente de Honra da Sociedade Médica Alemã de Psicoterapia.
1933:
ministra cursos livres na Escola Politécnica Federal.
1934:
ministra de 1 a 6 de outubro Seminário da Basiléia, O Homem à Descoberta da Sua Alma.
1935:
na Escola Politécnica torna regular seu curso e o tema é sobre Psicologia Analítica.
1943:
publica Psicologia do Inconsciente.
1944:
A Universidade da Basiléia cria para Jung a cadeira de Psicologia Médica, a qual abandonará em 1946 por problemas de saúde. Publica Psicologia e Alquimia.
1946:
publicação de Psicologia da Transferência.
1948:
o Clube Psicológico de Zurique torna-se o Instituto C. G. Jung.
1952:
publica Resposta a Job.
1954:
publica Arquétipo Mãe.
1955:
publica Misterium Coniunctionis.
1957:
fundação da Sociedade Suíça de Psicologia Analítica. Publicação de Presente e Futuro.
1958:
publica Um Mito Moderno.
1957-1959:
redige sua autobiografia.
6 de junho de 1961:
morre em Küsnacht, à beira do lago de Zurique.

Carl Gustav Jung – Biografia

Carl Gustav Jung
Carl Gustav Jung

Carl Gustav Jung nasceu a 26 de julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião.

Seu pai e vários outros parentes eram pastores luteranos, o que explica, em parte, desde a mais tenra idade, o interesse do jovem Carl por filosofia e questões espirituais e o pelo papel da religião no processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações. Criança bastante sensível e introspectiva, desde cedo o futuro colega de Freud demonstrou uma inteligência e uma sagacidade intelectuais notáves, o que, mesmo assim, não lhe poupou alguns dissabores, como um lar algumas vezes um pouco desestruturado e a inveja dos colegas e a solidão.

Ao entrar para a universidade, Jung havia decidido estudar Medicina, na tentativa de manter um compromisso entre seus interesses por ciências naturais e humanas. Ele queria, de alguma forma, vivenciar na prática os ideais que adotava usando os meios dados pela ciência. Por essa época, também, passou a se interessar mais intensamente pelos fenômenos psíquicos e investigou várias mensagens hipoteticamente recebidas por uma médium local (na verdade, uma prima sua), o que acabou sendo o material de sua tese de graduação, “Psicologia e Patologia dos Assim Chamados Fênomenos Psíquicos”.

Em 1900, Jung tornou-se interno na Clínica Psiquiátrica Bugholzli, em Zurique, onde estudou com Pierre Janet, em 1902, e onde, em 1904, montou um laboratório experimental em que criou seu célebre teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Neste, uma pessoa é convidada a responder a uma lista padronizada de palavras-estímulo; qualquer demora irregular no tempo médio de resposta ou excitação entre o estímulo e a resposta é muito provavelmente um indicador de tensão emocional relacionada, de alguma forma, com o sentido da palavra-estímulo. Mas tarde este teste foi aperfeiçoado e adaptado por inúmeros psiquiatras e psicólogos, para envolver, além de palavras, imagens, sons, objetos e desenhos. É este o princípio básico usado no detector de mentiras, utilizado pela polícia científica. Estes estudos lhe granjearam alguma reputação, o que o levou, em 1905, aos trinta anos, a assumir a cátedra de professor de psiquiatria na Universidade de Zurique.

Neste ínterim, Jung entra em contato com as obras de Sigmund Freud (1856-1939), e, mesmo conhecendo as fortes críticas que a então incipiente Psicanálise sofria por parte dos meio médicos e acadêmicos na ocasião, ele fez questão de defender as descobertas do mestre vienense, convencido que estava da importância e do avanço dos trabalhos de Freud. Estava tão enstusiasmado com as novas perspectivas abertas pela psicanálise, que decidiu conhecer Freud pessoalmente. O primeiro encontro entre eles transformou-se numa conversa que durou treze horas ininterruptas. A comunhão de idéias e objetivos era tamanha, que eles passaram a se corresponder semanalmente, e Freud chegou a declarar Jung seu mais próximo colaborador e herdeiro lógico, e isso é algo que tem de ser bem frisado, a mútua admiração entre estes dois homens, frequentemente esquecida tanto por freudianos como por junguianos. Porém, tamanha identidade de pensamentos e amizade não conseguia esconder algumas diferenças fundamentais, e nem os confrontos entre os fortes gênios de um e de outro. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi inevitável, ainda que Jung o tenha, de certa forma, precipitado. Ele iria acontecer mais cedo ou mais tarde. O rompimento foi doloroso para ambos. O rompimento turbulento do trabalho mútuo e da amizade acabou por abrir uma profunda mágoa mútua, nunca inteiramente assimilada pelos dois principais gênios da Psicologia do século XX e que ainda, infelizmente, divide partidários de ambos os teóricos.

Aterior mesmo ao período em que estavam juntos, Jung começou a desenvolver uma sistema teórico que chamou, originalmente, de “Psicologia dos Complexos”, mais tarde chamando-a de “Psicologia Analítica”, como resultado direto de seu contato prático com seus pacientes. O conceito de inconsciente já está bem sedimentado na sólida base psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal com Freud, mas foi com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos, que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos. O contato entre os dois homens foi extremamente rico para ambos, durante o período de parceria entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção básica de “complexo”, que foi adotado por Freud. Por complexo, Jung entendia os vários “grupos de conteúdos psíquicos que, desvinculando-se da consciência, passam para o inconsciente, onde continuam, numa existência relativamente autônoma, a influir osbre a conduta” (G. Zunini). E, embora possa ser frequentemente negativa, essa influência também pode assumir caracterísiticas positivas, quando se torna o estímulo para novas possibilidades criativas.

Jung já havia usado a noção de complexo desde 1904, na diagnose das associações de palavras. A variância no tempo de reação entre palavras demonstrou que as atitudes do sujeito diante de certas palavras-estímulo, quer respondendo de forma exitante, quer de forma apressada, era diferente do tempo de reação de outras palvras que pareciam ter estimulação neutra. As reações não convencionais poderiam indicar (e indicavam de fato) a presença de complexos, dos quais o sujeito não tinha consciência.

Utilizando-se desta técnica e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o inconsciente. Os sonhos pessoais de seus pacientes o intrigavam na medida em que os temas de certos sonhos individuais eram muito semelhantes aos grandes temas culturais ou mitológicos universais, ainda mais quando o sujeito nada conhecia de mitos ou mitologias. O mesmo ocorria no caso dos desenhos que seus pacientes faziam, geralmente muito parecidos com os símbolos adotados por várias culturas e tradições religiosas do mundo inteiro.

Estas similaridades levaram Jung à sua mais importante descoberta: o “inconsciente coletivo”. Assim, Jung descobrira que além do consciente e inconsciente pessoais, já estudados por Freud, exitiria uma zona ou faixa psíquica onde estariam as figuras, símbolos e conteúdos arquetípicos de caráter universal, frequentemente expressos em temas mitológicos.

Por exemplo, o mito bíbilico de Adão e Eva comendo do fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e, por isso, sendo expulosos do Paraíso, e o mito grego de Prometeu roubando o fogo do conhecimento dos deuses e dando-o aos homens, pagando com a vida pelo sua presunção são bem parecidos com o moderno mito de Frankenstein, elaborado pela escritora Mary Schelley após um pesadelo, e que toca fundo na mente e nas emoções das pessoas de forma quase “instintiva”, como se uma parte de nossas mentes “entendesse” o real significado da história: o homem sempre paga um alto preço pela ousadia de querer ser Deus.

Enquanto o inconsciente pessoal consiste fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo é composto fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com certas imagens, ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal, os arquétipos: da mesma forma que animais e homens parecem possuir atitudes inatas, chamadas de instintos, também é provável que em nosso psiquismo exista um material psíquico com alguma analogia com os instintos. Talvez, as imagens arquetípicas sejam algo como que figurações dos próprios insitintos, num nível mais sofisticado, psíquico.

Assim, não é mais arriscado admitir a hipótese do inconsciente coletivo, comum a toda a humanidade, do que admitir a existência instintos comuns a todos os seres vivos.

Assim, em resumo, o inconsciente coletivo é uma faixa intrapsíquica e interpsíquica, repleto de material representativo de motivos de forte carga afetiva comum a toda a humanidade, como, por exemplo, a associação do femino com características maternas e, ao mesmo tempo, em seu lado escuro, crueis, ou a forte sensação intuitiva universal da existência de uma transcendência metaforicamente denominada Deus. A mãe boa, por exemplo, é um aspecto do arquétipo do feminino na psique, que pode ter a figura de uma deusa ou de uma fada, da mãe má, ou que pode possuir os traços de uma bruxa; a figura masculina poderá ter uma representação num sábio, que geralmente é representado por um ermitão, etc.

As figuras em si, mais ou menos semelhantes em várias culturas, são os arquétipos, que nada mais são que “corpos” que dão forma aos conteúdos que representam: o arquétipo da mãe boa, ou da boa fada, representam a mesma coisa: o lado feminino positivo da natureza humana, acolhedor e carinhoso.

Este mundo inconsciente, onde imperam os arquétipos, que nada mais são que recepientes de conteúdos ainda mais profundos e universais, é pleno de esquemas de reações psíquicas quase “instinitvas”, de reações psíquicas comuns a toda a humanidade, como, por exemplo, num sonho de perseguição: todas as pessoas que sonham ou já sonharam sendo perseguidas geralmente descrevem cenas e ações muito semelhanes entre si, senão na forma, ao menos no conteúdo. A angústia de quem é perseguido é sentida concomitantemente ao prazer que sabemos ter o perseguidor no enredo onírico, ou a sua raiva, ou o seu desejo. Estes esquemas de reações “instintivas” (uso esta palavra por analogia, não por equivalência) também se encontram nos mitos de todos os povos e nas tradições religiosas. Por exemplo, no mito de Osires, na história de Krishna e na vida de Buda encontramos similiradades fascinates. Sabemos que mitos encobrem frequentemente a vida de grandes homens, como se pudessem nos dizer algo mais sobre a mensagem que eles nos trouxeram, e quanto mais carismáticos são esses homens, mais a imaginação do povo os encobrem em mitos, e mais esses mitos têm em comum. Estes padrões arquetípicos expressos quer a nível pessoal que a nível mitológico relacionam-se com caracterísiticas e profundos anseios da natureza humana, como o nascimento, a morte, as imagens parterna e materna, e a relação entre os dois sexos.

Outra temática famosa com respeito a Jung é a sua teoria dos “tipos psicológicos”. Foi com base na análise da controvérsia entre as personalidades de Freud e um outro seu discípulo famoso, e também dissidente, Alfred Adler, que Jung consegue delinear a tipologia do “introvertido” e do “extrovertido”. Freud seria o “extrovertido”, Adler, o “introvertido”. Para o extrovertido, os acontecimentos externos são da máxima importância, ao nível consciente; em compesação, ao nível insconsciente, a atividade psíquica do extrovertido concentra-se no seu próprio eu. De modo inverso, para o introvertido o que conta é a resposta subjetiva aos acontecimentos externos, ao passo que, a nível insconsciente, o introvertido é compelido para o mundo externo.

Embora não exista um tipo puro, Jung reconhece a extrema utilidade descritiva da distinção entre “introvertido” e “extrovertido”. Aliás, ele reconhecia que todos temos ambas as características, e somente a predominância relativa de um deles é que determina o tipo na pessoa. Seu mais famoso livro, Tipos Psicológicos é de 1921. Já nesse período, Jung dedica maior atenção ao estudo da magia, da alquimia,das diversas religiões e das culturas ocidentais pré-cristãs e orientais (Psicologia da Religião Oriental e Ocidental, 1940; Psicologia e Alquimia, 1944; O eu e o inconsciente, 1945).

Analisando o seu trabalho, Jung disse: “Não sou levado por excessivo otimismo nem sou tão amante dos ideais elevados, mas me interesso simplesmente pelo destino do ser humano como indivíduo – aquela unidade infinitesiaml da qual depende o mundo e na qual, se estamos lendo corretamente o signficado da mensagem cristã, também Deus busca seu fim”. Ficou célebre a controvertida resposta que Jung deu, em 1959, a um entrevistador da BBC que lhe perguntou: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Não tenho necessidade de crer em Deus. Eu o conheço”.

Eis o que Freud afirmou do sistema de Jung: “Aquilo de que os suíços tinham tanto orgulho nada mais era do que uma modificação da teoria psicanalítica, obtida rejeitando o fator da sexualidade. Confesso que, desde o início, entendi esse ‘progresso’ como adequação excessiva às exigências da atualidade”. Ou seja, para Freud, a teoria de Jung é uma corruptela de sua própria teoria, simplificada diante das exigências moralistas da época. Não há nada mais falso. Sabemos que foi Freud quem, algumas vezes, utilizou-se de alguns conceitos de Jung, embora de forma mascarada, como podemos ver em sua interpretação do caso do “Homem dos Lobos”, notadamente no conceito de atavismo na lembrança do coito. Já por seu turno, Jung nunca quis negar a importância da sexualidade na vida psíquica, “embora Freud sustente obstinadamente que eu a negue”. Ele apenas “procurava estabelecer limites para a desenfreada terminologia sobre o sexo, que vicia todas as discussões sobre o psiquismo humano, e situar então a sexualidade em seu lugar mais adequado. O senso comum voltará sempre ao fato de que a sexualidade humana é apenas uma pulsão ligada aos instintos biofisiológicos e é apenas uma das funções psicofisiológicas, embora, sem dúvida, muitíssimo importante e de grande alcance”.

Carl Gustav Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, à beira do lago de Zurique, em Küsnacht após uma longa vida produtiva, que marcou – e tudo leva a crer que ainda marcará mais – a antropologia, a sociologia e a psicologia.

Carl Gustav Jung – Psicanalista

Carl Gustav Jung
Carl Gustav Jung

Psicanalista suíço nascido em Kesswil, fundador da psicologia analítica, teoria contrária a tese freudiana de que todos os fenômenos inconscientes se explicam por influências e experiências infantis ligadas à libido. Filho de um pastor protestante, desistiu da carreira eclesiástica para estudar filosofia e medicina, nas universidades de Basiléia e Zurique. Interessado nos problemas de transtorno de conduta, seguiu os ensinamentos do neurologista e psicólogo francês Pierre Janet no hospital da Salpêtrière de Paris.

Voltando à Zurique, trabalhou com o psiquiatra suíço Eugen Bleuler, que se tornaria célebre pelos estudos da esquizofrenia. Iniciou contatos com Sigmund Freud (1907), com quem manteve estreita relação, tornando-se um dos seus primeiros seguidores. Discípulo predileto do mestre, tornou-se o primeiro presidente da Sociedade Psicanalítica Internacional.

A publicação de seu livro Wandlungen und Symbole der Libido (1912) significou o início de suas divergências com Freud, que culminariam com seu afastamento do movimento psicanalítico e criando um novo método na psicologia, a psicologia analítica, nome dado pelo próprio autor.

Em Psychologische Typen (1920), discutiu o aparecimento de um dos dois tipos psicológicos fundamentais: a introversão ou a extroversão. Outras obras importantes foram Psychologie und Religion (1939) e Psychologie und Alchemie (1944). Também criou os conceitos de complexo e de inconsciente coletivo.

Carl Gustav Jung
Carl Gustav Jung

Dentre todos os conceitos de Carl Gustav Jung, a idéia de introversão e extroversão são as mais usadas.

Jung descobriu que cada indivíduo pode ser caracterizado como sendo primeiramente orientado para seu interior ou para o exterior, sendo que a energia dos introvertidos se dirige em direção a seu mundo interno, enquanto a energia do extrovertido é mais focalizada no mundo externo.

Entretanto, ninguém é totalmente introvertido ou extrovertido. Algumas vezes a introversão é mais apropriada, em outras ocasiões a extroversão é mais adequada mas, as duas atitudes se excluem mutuamente, de forma que não se pode manter ambas ao mesmo tempo. Também enfatizava que nenhuma das duas é melhor que a outra, citando que o mundo precisa dos dois tipos de pessoas. Darwin, por exemplo, era predominantemente extrovertido, enquanto Kant era introvertido por excelência.

O ideal para o ser humano é ser flexível, capaz de adotar qualquer dessas atitudes quando for apropriado, operar em equilíbrio entre as duas.

As Atitudes: Introversão e Extroversão

Os introvertidos concentram-se prioritariamente em seus próprios pensamentos e sentimentos, em seu mundo interior, tendendo à introspecção. O perigo para tais pessoas é imergir de forma demasiada em seu mundo interior, perdendo ou tornando tênue o contato com o ambiente externo. O cientista distraído, estereotipado, é um exemplo claro deste tipo de pessoa absorta em suas reflexões em notável prejuízo do pragmatismo necessário à adaptação.

Os extrovertidos, por sua vez, se envolvem com o mundo externo das pessoas e das coisas. Eles tendem a ser mais sociais e mais conscientes do que acontece à sua volta. Necessitam se proteger para não serem dominados pelas exterioridades e, ao contrário dos introvertidos, se alienarem de seus próprios processos internos. Algumas vezes esses indivíduos são tão orientados para os outros que podem acabar se apoiando quase exclusivamente nas idéias alheias, ao invés de desenvolverem suas próprias opiniões.

As Funções Psíquicas

Jung identificou quatro funções psicológicas que chamou de fundamentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. E cada uma dessas funções pode ser experienciada tanto de maneira introvertida quanto extrovertida.

O Pensamento

Jung via o pensamento e o sentimento como maneiras alternativas de elaborar julgamentos e tomar decisões. O Pensamento, por sua vez, está relacionado com a verdade, com julgamentos derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. As pessoas nas quais predomina a função do Pensamento são chamadas de Reflexivas. Esses tipos reflexivos são grandes planejadores e tendem a se agarrar a seus planos e teorias, ainda que sejam confrontados com contraditória evidência.

O Sentimento

Tipos sentimentais são orientados para o aspecto emocional da experiência. Eles preferem emoções fortes e intensas ainda que negativas, a experiências apáticas e mornas. A consistência e princípios abstratos são altamente valorizados pela pessoa sentimental. Para ela, tomar decisões deve ser de acordo com julgamentos de valores próprios, como por exemplo, valores do bom ou do mau, do certo ou do errado, agradável ou desagradável, ao invés de julgar em termos de lógica ou eficiência, como faz o reflexivo.

A Sensação

Jung classifica a sensação e a intuição juntas, como as formas de apreender informações, diferentemente das formas de tomar decisões. A Sensação se refere a um enfoque na experiência direta, na percepção de detalhes, de fatos concretos. A Sensação reporta-se ao que uma pessoa pode ver, tocar, cheirar. É a experiência concreta e tem sempre prioridade sobre a discussão ou a análise da experiência.

Os tipos sensitivos tendem a responder à situação vivencial imediata, e lidam eficientemente com todos os tipos de crises e emergências. Em geral eles estão sempre prontos para o momento atual, adaptam-se facilmente às emergências do cotidiano, trabalham melhor com instrumentos, aparelhos, veículos e utensílios do que qualquer um dos outros tipos.

A Intuição

A intuição é uma forma de processar informações em termos de experiência passada, objetivos futuros e processos inconscientes. As implicações da experiência (o que poderia acontecer, o que é possível) são mais importantes para os intuitivos do que a experiência real por si mesma. Pessoas fortemente intuitivas dão significado às suas percepções com tamanha rapidez que, via de regra, não conseguem separar suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos obtidos. Os intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma automática, a experiência passada com as informações relevantes da experiência imediata.

Arquétipos

Dentro do Inconsciente Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou Arquétipos. Tais Arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio, porém desde que a água começa a fluir por eles. Particularmente comparo os Arquétipos à porta de uma geladeira nova; existem formas sem conteúdo – em cima formas arredondadas (você pode colocar ovos, se quiser ou tiver ovos), mais abaixo existe a forma sem conteúdo para colocar refrigerantes, manteiga, queijo, etc., mas isso só acontecerá se a vida ou o meio onde você existir lhe oferecer tais produtos. De qualquer maneira as formas existem antecipadamente ao conteúdo.

Arquetipicamente existe a forma para colocar Deus, mas isso depende das circunstâncias existenciais, culturais e pessoais.

Jung também chama os Arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os Arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.

A história de Édipo é uma boa ilustração de um Arquétipo. É um motivo tanto mitológico quanto psicológico, uma situação arquetípica que lida com o relacionamento do filho com seus pais. Há, obviamente, muitas outras situações ligadas ao tema, tal como o relacionamento da filha com seus pais, o relacionamento dos pais com os filhos, relacionamentos entre homem e mulher, irmãos, irmãs e assim por diante.

O termo Arquétipo freqüentemente é mal compreendido, julgando-se que expressa imagens ou motivos mitológicos definidos. Mas estas imagens ou motivos mitológicos são apenas representações conscientes do Arquétipo. O Arquétipo é uma tendência a formar tais representações que podem variar em detalhes, de povo a povo, de pessoa a pessoa, sem perder sua configuração original.

Uma extensa variedade de símbolos pode ser associada a um Arquétipo. Por exemplo, o Arquétipo materno compreende não somente a mãe real de cada indivíduo, mas também todas as figuras de mãe, figuras nutridoras. Isto inclui mulheres em geral, imagens míticas de mulheres (tais como Vênus, Virgem Maria, mãe Natureza) e símbolos de apoio e nutrição, tais como a Igreja e o Paraíso. O Arquétipo materno inclui aspectos positivos e negativos, como a mãe ameaçadora, dominadora ou sufocadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto do Arquétipo estava cristalizado na imagem da velha bruxa.

Jung escreveu que cada uma das principais estruturas da personalidade seriam Arquétipos, incluindo o Ego, a Persona, a Sombra, a Anima (nos homens), o Animus (nas mulheres) e o Self.

Símbolos

De acordo com Jung, o inconsciente se expressa primariamente através de símbolos. Embora nenhum símbolo concreto possa representar de forma plena um Arquétipo (que é uma forma sem conteúdo específico), quanto mais um símbolo se harmonizar com o material inconsciente organizado ao redor de um Arquétipo, mais ele evocará uma resposta intensa e emocionalmente carregada.

Jung se interessa nos símbolos naturais, que são produções espontâneas da psique individual, mais do que em imagens ou esquemas deliberada-mente criados por um artista. Além dos símbolos encontrados em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há também símbolos coletivos importantes, que são geralmente imagens religiosas, tais como a cruz, a estrela de seis pontas de David e a roda da vida budista.

Imagens e termos simbólicos, via de regra, representam conceitos que nós não podemos definir com clareza ou compreender plenamente. Para Jung, um signo representa alguma outra coisa; um símbolo é alguma coisa em si mesma, uma coisa dinâmica e viva. O símbolo representa a situação psíquica do indivíduo e ele é essa situação num dado momento.

Aquilo a que nós chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até uma imagem familiar na vida diária, embora possua conotações específicas além de seu significado convencional e óbvio. Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto inconsciente mais amplo que não é nunca precisamente definido ou plenamente explicado.

Os Sonhos

Os sonhos são pontes importantes entre processos conscientes e inconscientes. Comparado à nossa vida onírica, o pensamento consciente contém menos emoções intensas e imagens simbólicas. Os símbolos oníricos freqüentemente envolvem tanta energia psíquica, que somos compelidos a prestar atenção neles.

Para Jung, os sonhos desempenham um importante papel complementar ou compensatório. Os sonhos ajudam a equilibrar as influências variadas a que estamos expostos em nossa vida consciente, sendo que tais influências tendem a moldar nosso pensamento de maneiras freqüentemente inadequadas à nossa personalidade e individualidade. A função geral dos sonhos, para Jung, é tentar estabelecer a nossa balança psicológica pela produção de um material onírico que reconstitui equilíbrio psíquico total.

Jung abordou os sonhos como realidades vivas que precisam ser experimentadas e observadas com cuidado para serem compreendidas. Ele tentou descobrir o significado dos símbolos oníricos prestando atenção à forma e ao conteúdo do sonho e, com relação à análise dos sonhos, Jung distanciou-se gradualmente da maneira psicanalítica na livre associação.

Pelo fato do sonho lidar com símbolos, Jung achava que eles teriam mais de um significado, não podendo haver um sistema simples ou mecânico para sua interpretação. Qualquer tentativa de análise de um sonho precisa levar em conta as atitudes, a experiência e a formação do sonhador. É uma aventura comum vivida entre o analista e o analisando. O caráter das interpretações do analista é apenas experimental, até que elas sejam aceitas e sentidas como válidas pelo analisando.

Mais importante do que a compreensão cognitiva dos sonhos é o ato de experienciar o material onírico e levá-lo a sério. Para o analista junguiano devemos tratar nossos sonhos não como eventos isolados, mas como comunicações dos contínuos processos inconscientes. Para a corrente junguiana é necessário que o inconsciente torne conhecida sua própria direção, e nós devemos dar-lhe os mesmos direitos do Ego, se é que cada lado deva adaptar-se ao outro. À medida que o Ego ouve e o inconsciente é encorajado a participar desse diálogo, a posição do inconsciente é transformada daquela de um adversário para a de um amigo, com pontos de vista de algum modo diferentes mas complementares.

O Ego

O Ego é o centro da consciência e um dos maiores Arquétipos da perso-nalidade. Ele fornece um sentido de consistência e direção em nossas vidas conscientes. Ele tende a contrapor-se a qualquer coisa que possa ameaçar esta frágil consistência da consciência e tenta convencer-nos de que sempre devemos planejar e analisar conscientemente nossa experiência. Somos levados a crer que o Ego é o elemento central de toda a psique e chegamos a ignorar sua outra metade, o inconsciente.

De acordo com Jung, a princípio a psique é apenas o inconsciente. O Ego emerge dele e reúne numerosas experiências e memórias, desenvolvendo a divisão entre o inconsciente e o consciente. Não há elementos inconscientes no Ego, só conteúdos conscientes derivados da experiência pessoal.

A Persona

Nossa Persona é a forma pela qual nos apresentamos ao mundo. É o caráter que assumimos; através dela nós nos relacionamos com os outros. A Persona inclui nossos papéis sociais, o tipo de roupa que escolhemos para usar e nosso estilo de expressão pessoal. O termo Persona é derivado da palavra latina equivalente a máscara, se refere às máscaras usadas pelos atores no drama grego para dar significado aos papéis que estavam representando. As palavras “pessoa” e “personalidade” também estão relacionadas a este termo.

A Persona tem aspectos tanto positivos quanto negativos. Uma Persona dominante pode abafar o indivíduo e aqueles que se identificam com sua Persona tendem a se ver apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais e de sua fachada. Jung chamou também a Persona de Arquétipo da conformidade. Entretanto, a Persona não é totalmente negativa. Ela serve para proteger o Ego e a psique das diversas forças e atitudes sociais que nos invadem. A Persona é também um instrumento precioso para a comunicação. Nos dramas gregos, as máscaras dos atores, audaciosamente desenhadas, informavam a toda a platéia, ainda que de forma um pouco estereotipada, sobre o caractere as atitudes do papel que cada ator estava representando. A Persona pode, com freqüência, desempenhar um papel importante em nosso desenvolvimento positivo. À medida que começamos a agir de determinada maneira, a desempenhar um papel, nosso Ego se altera gradualmente nessa direção.

Entre os símbolos comumente usados para a Persona, incluem-se os objetos que usamos para nos cobrir (roupas, véus), símbolos de um papel ocupacional (instrumentos, pasta de documentos) e símbolos de status (carro, casa, diploma). Esses símbolos foram todos encontrados em sonhos como representações da Persona. Por exemplo, em sonhos, uma pessoa com Persona forte pode aparecer vestida de forma exagerada ou constrangida por um excesso de roupas. Uma pessoa com Persona fraca poderia aparecer despida e exposta. Uma expressão possível de uma Persona extremamente inadequada seria o fato de não ter pele.

A Sombra

Para Jung, a Sombra é o centro do Inconsciente Pessoal, o núcleo do material que foi reprimido da consciência. A Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a Persona e contrárias aos padrões e ideais sociais. Quanto mais forte for nossa Persona, e quanto mais nos identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de nós mesmos. A Sombra representa aquilo que consideramos inferior em nossa personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós mesmos. Em sonhos, a Sombra freqüentemente aparece como um animal, um anão, um vagabundo ou qualquer outra figura de categoria mais baixa.

Em seu trabalho sobre repressão e neurose, Freud concentrou-se, de inicio, naquilo que Jung chama de Sombra. Jung descobriu que o material reprimido se organiza e se estrutura ao redor da Sombra, que se torna, em certo sentido, um Self negativo, a Sombra do Ego. A Sombra é, via de regra, vivida em sonhos como uma figura escura, primitiva, hostil ou repelente, porque seus conteúdos foram violentamente retirados da consciência e aparecem como antagônicos à perspectiva consciente. Se o material da Sombra for tra-zido à consciência, ele perde muito de sua natureza de medo, de desconhecido e de escuridão.

A Sombra é mais perigosa quando não é reconhecida pelo seu portador. Neste caso, o indivíduo tende a projetar suas qualidades indesejáveis em outros ou a deixar-se dominar pela Sombra sem o perceber. Quanto mais o material da Sombra tornar-se consciente, menos ele pode dominar. Entretanto, a Sombra é uma parte integral de nossa natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Uma pessoa sem Sombra não é uma pessoa completa, mas uma caricatura bidimensional que rejeita a mescla do bom e do mal e a ambivalência presentes em todos nós.

Cada porção reprimida da Sombra representa uma parte de nós mesmos. Nós nos limitamos na mesma proporção que mantemos este material inconsciente.

À medida que a Sombra se faz mais consciente, recuperamos partes previamente reprimidas de nós mesmos. Além disso, a Sombra não é apenas uma força negativa na psique. Ela é um depósito de considerável energia instintiva, espontaneidade e vitalidade, e é a fonte principal de nossa criatividade. Assim como todos os Arquétipos, a Sombra se origina no Inconsciente Coletivo e pode permitir acesso individual a grande parte do valioso material inconsciente que é rejeitado pelo Ego e pela Persona.

No momento em que acharmos que a compreendemos, a Sombra aparecerá de outra forma. Lidar com a Sombra é um processo que dura a vida toda, consiste em olhar para dentro e refletir honestamente sobre aquilo que vemos lá.

O Self

Jung chamou o Self de Arquétipo central, Arquétipo da ordem e totalidade da personalidade.

Segundo Jung, consciente e inconsciente não estão necessariamente em oposição um ao outro, mas complementam-se mutuamente para formar uma totalidade: o Self. Jung descobriu o Arquétipo do Self apenas depois de estarem concluídas suas investigações sobre as outras estruturas da psique. O Self é com freqüência figurado em sonhos ou imagens de forma impessoal, como um círculo, mandala, cristal ou pedra, ou de forma pessoal como um casal real, uma criança divina, ou na forma de outro símbolo de divindade. Todos estes são símbolos da totalidade, unificação, reconciliação de polaridades, ou equilíbrio dinâmico, os objetivos do processo de Individuação.

O Self é um fator interno de orientação, muito diferente e até mesmo estranho ao Ego e à consciência. Para Jung, o Self não é apenas o centro, mas também toda a circunferência que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele é o centro desta totalidade, tal como o Ego é o centro da consciência. Ele pode, de início, aparecer em sonhos como uma imagem significante, um ponto ou uma sujeira de mosca, pelo fato do Self ser bem pouco familiar e pouco desenvolvido na maioria das pessoas. O desenvolvimento do Self não significa que o Ego seja dissolvido. Este último continua sendo o centro da consciência, mas agora ele é vinculado ao Self como conseqüência de um longo e árduo processo de compreensão e aceitação de nossos processos inconscientes. O Ego já não parece mais o centro da personalidade, mas uma das inúmeras estruturas dentro da psique.

Crescimento Psicológico – Individuação

Segundo Jung, todo indivíduo possui uma tendência para a Individuação ou auto desenvolvimento. Individuação significa tornar-se um ser único, homogêneo. na medida em que por individualidade entendemos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Pode-se traduzir Individuação como tornar-se si mesmo, ou realização do si mesmo.

Individuação é um processo de desenvolvimento da totalidade e, portanto, de movimento em direção a uma maior liberdade. Isto inclui o desenvolvimento do eixo Ego-Self, além da integração de várias partes da psique: Ego, Persona, Sombra, Anima ou Animus e outros Arquétipos inconscientes. Quando tornam-se individuados, esses Arquétipos expressam-se de maneiras mais sutis e complexas.

Quanto mais conscientes nos tornamos de nós mesmos através do auto conhecimento, tanto mais se reduzirá a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta forma, sai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, suscetível e pessoal do Eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de interesses objetivos.

Essa consciência ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por contra-tendências inconscientes; tornar-se-á uma função de relação com o mundo de objetos, colocando o indivíduo numa comunhão incondicional, obrigatória e indissolúvel com o mundo.

Do ponto de vista do Ego, crescimento e desenvolvimento consistem na integração de material novo na consciência, o que inclui a aquisição de conhecimento a respeito do mundo e da prória pessoa. O crescimento, para o Ego, é essencialmente a expansão do conhecimento consciente. Entretanto, Individuação é o desenvolvimento do Self e, do seu ponto de vista, o objetivo é a união da consciência com o inconsciente.

Como analista, Jung descobriu que aqueles que vinham a ele na primeira metade da vida estavam relativamente desligados do processo interior de Individuação; seus interesses primários centravam-se em realizações externas, no “emergir” como indivíduos e na consecução dos objetivos do Ego. Analisandos mais velhos, que haviam alcançado tais objetivos, de forma razoável, tendiam a desenvolver propósitos diferentes, interesse maior pela integração do que pelas realizações, busca de harmonia com a totalidade da psique.

O primeiro passo no processo de Individuação é o desnudamento da Persona. Embora esta tenha funções protetoras importantes, ela é também uma máscara que esconde o Self e o inconsciente.

Ao analisarmos a Persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é de fato coletiva; em outras palavras, a Persona não passa de uma máscara da psique coletiva.

No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo.

De certo modo, tais dados são reais mas, em relação à individualidade essencial da pessoa, representam algo de secundário, uma vez que resultam de um compromisso no qual outros podem ter uma quota maior do que a do indivíduo em questão.

O próximo passo é o confronto com a Sombra. Na medida em que nós aceitamos a realidade da Sombra e dela nos distinguimos, podemos ficar livres de sua influência. Além disso, nós nos tornamos capazes de assimilar o valioso material do inconsciente pessoal que é organizado ao redor da Sombra.

O terceiro passo é o confronto com a Anima ou Animus. Este Arquétipo deve ser encarado como uma pessoa real, uma entidade com quem se pode comunicar e de quem se pode aprender. Jung faria perguntas à sua Anima sobre a interpretação de símbolos oníricos, tal como um analisando a consultar um analista. O indivíduo também se conscientiza de que a Anima (ou o Animus) tem uma autonomia considerável e de que há probabilidade dela influenciar ou até dominar aqueles que a ignoram ou os que aceitam cegamente suas imagens e projeções como se fossem deles mesmos.

O estágio final do processo de Individuação é o desenvolvimento do Self. Jung dizia que o si mesmo é nossa meta de vida, pois é a mais completa expressão daquela combinação do destino a que nós damos o nome de indivíduo. O Self torna-se o novo ponto central da psique, trazendo unidade à psique e integrando o material consciente e o inconsciente. O Ego é ainda o centro da consciência, mas não é mais visto como o núcleo de toda a personalidade.

Jung escreve que devemos ser aquilo que somos e precisamos descobrir nossa própria individualidade, aquele centro da personalidade que é eqüidistante do consciente e do inconsciente. Dizia que precisamos visar este ponto ideal em direção ao qual a natureza parece estar nos dirigindo. Só a partir deste ponto podemos satisfazer nossas necessidades.

É necessário ter em mente que, embora seja possível descrever a Individuação em termos de estágios, o processo de Individuação é bem mais complexo do que a simples progressão aqui delineada. Todos os passos mencionados sobrepõem-se, e as pessoas voltam continuamente a problemas e temas antigos (espera-se que de uma perspectiva diferente). A Individuação poderia ser apresentada como uma espiral na qual os indivíduos permanecem se confrontando com as mesmas questões básicas, de forma cada vez mais refinada. Este conceito está muito relacionado com a concepção Zen-budista da iluminação, na qual um individuo nunca termina um Koan, ou problema espiritual, e a procura de si mesmo é vista como idêntica à finalidade.)

Obstáculos ao Crescimento

A Individuação nem sempre é uma tarefa fácil e agradável. O Ego precisa ser forte o suficiente para suportar mudanças tremendas, para ser virado pelo avesso no processo de Individuação.

Poderíamos dizer que todo o mundo está num processo de Individuação, no entanto, as pessoas não o sabem, esta é a única diferença. A Individuação não é de modo algum uma coisa rara ou um luxo de poucos, mas aqueles que sabem que passam pelo processo são considerados afortunados. Desde que suficientemente conscientes, eles tiram algum proveito de tal processo.

A dificuldade deste processo é peculiar porque constitui um empreendimento totalmente individual, levado a cabo face à rejeição ou, na melhor das hipóteses, indiferença dos outros. Jung escreve que a natureza não se preocupa com nada que diga respeito a um nível mais elevado de consciência, muito pelo contrário. Logo, a sociedade não valoriza em demasia essas proezas da psique e seus prêmios são sempre dados a realizações e não à personalidade. Esta última será, na maioria das vezes, recompensada postumamente.

Cada estágio, no processo de Individuação, é acompanhado de dificuldades. Primeiramente, há o perigo da identificação com a Persona. Aqueles que se identificam com a Persona podem tentar tornar-se perfeitos demais, incapazes de aceitar seus erros ou fraquezas, ou quaisquer desvios de sua auto-imagem idealizada. Aqueles que se identificam totalmente com a Persona tenderão a reprimir todas as tendências que não se ajustam, e a projetá-las nos outros, atribuindo a eles a tarefa de representar aspectos de sua identidade negativa reprimida.

A Sombra pode ser também um importante obstáculo para a Individuação. As pessoas que estão inconscientes de suas sombras, facilmente podem exteriorizar impulsos prejudiciais sem nunca reconhecê-los como errados. Quando a pessoa não chegou a tomar conhecimento da presença de tais impulsos nela mesma, os impulsos iniciais para o mal ou para a ação errada são com freqüência justificados de imediato por racionalizações. Ignorar a Sombra pode resultar também numa atitude por demais moralista e na projeção da Sombra em outros. Por exemplo, aqueles que são muito favoráveis à censura da pornografia tendem a ficar fascinados pelo assunto que pretendem proibir; eles podem até convencer-se da necessidade de estudar cuidadosamente toda a pornografia disponível, a fim de serem censores eficientes.

O confronto com a Anima ou o Animus traz, em si, todo o problema do relacionamento com o inconsciente e com a psique coletiva. A Anima pode acarretar súbitas mudanças emocionais ou instabilidade de humor num homem. Nas mulheres, o Animus freqüentemente se manifesta sob a forma de opiniões irracionais, mantidas de forma rígida. (Devemos nos lembrar de que a discussão de Jung sobre Anima e Animus não constitui uma descrição da masculinidade e da feminilidade em geral. O conteúdo da Anima ou do Animus é o complemento de nossa concepção consciente de nós mesmos como masculinos ou femininos, a qual, na maioria das pessoas, é fortemente determinada por valores culturais e papéis sexuais definidos em sociedade.)

Quando o indivíduo é exposto ao material coletivo, há o perigo de ser engolido pelo inconsciente. Segundo Jung, tal ocorrência pode tomar uma de duas formas.

Primeiro, há a possibilidade da inflação do Ego, na qual o indivíduo reivindica para si todas as virtudes da psique coletiva. A outra reação é a de impotência do Ego; a pessoa sente que não tem controle sobre a psique coletiva e adquire uma consciência aguda de aspectos inaceitáveis do inconsciente-irracionalidade, impulsos negativos e assim por diante.

Assim como em muitos mitos e contos de fadas, os maiores obstáculos estão mais próximos do final. Quando o indivíduo lida com a Anima e o Animus, uma tremenda energia é libertada. Esta energia pode ser usada para construir o Ego ao invés de desenvolver o Self. Jung referiu-se a este fato como identificação com o Arquétipo do Self, ou desenvolvimento da personalidade-mana (mana é uma palavra malanésica que significa a energia ou o poder que emana das pessoas, objetos ou seres sobrenaturais, energia esta que tem uma qualidade oculta ou mágica). O Ego identifica-se com o Arquétipo do homem sábio ou mulher sábia aquele que sabe tudo. A personalidade-mana é perigosa porque é excessivamente irreal. Indivíduos parados neste estágio tentam ser ao mesmo tempo mais e menos do que na realidade são. Eles tendem a acreditar que se tornaram perfeitos, santos ou até divinos, mas, na verdade, menos, porque perderam o contato com sua humanidade essencial e com o fato de que ninguém é plenamente sábio, infalível e sem defeitos.

Jung viu a identificação temporária com o Arquétipo do Self ou com a personalidade-mana como sendo um estágio quase inevitável no processo e Individuação.

A melhor defesa contra o desenvolvimento da inflação do Ego é lembrarmo-nos de nossa humanidade essencial, para permanecermos assentados na realidade daquilo que podemos e precisamos fazer, e não na que deveríamos fazer ou ser.

Fonte: www.biography.com/www.geocities.com/www.psicologia.org.br/virtualpsy.locaweb.com.br

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