Cecília Meireles

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Cecília Meireles – (1901-1964)

Biografia

Poetisa brasileira. Alta expressão da poesia feminina no país, sua obra figura entre os grandes valores da literatura de língua portuguesa do século XX.

A obra poética de Cecília Meireles ocupa lugar singular na história das letras brasileiras por não pertencer a nenhuma escola literária. Alta expressão da poesia feminina brasileira, inclui-se entre os grandes valores da literatura de língua portuguesa do século XX.

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro RJ em 7 de novembro de 1901.

Órfã muito cedo, foi educada pala avó materna e diplomou-se professora pelo Instituto de Educação em 1917. Viajou pela Europa, Estados Unidos e Oriente e logo dedicou-se ao magistério. No exercício da profissão, participou ativamente do movimento de renovação do sistema educacional brasileiro. Fundou, em 1934, a primeira biblioteca infantil do país e, de 1936 a 1938, lecionou literatura luso-brasileira, técnica e crítica literária na universidade do então Distrito Federal. Ensinou na Universidade do Texas (1940) e colaborou na imprensa carioca, escrevendo sobre folclore, tema de sua especialidade.

Depois de um começo neoparnasiano, com o volume Espectros, 17 sonetos de tema histórico, lançado em 1919, publicou dois livros de poemas de inspiração nitidamente simbolista: Nunca mais… o poema dos poemas (1923) e Baladas para el-rei (1925). De 1922 em diante foi atraída pela recentemente deflagrada revolução modernista. Aproximou-se do grupo literário Festa, ao qual não chegou porém a pertencer, mantendo a independência que sempre a caracterizou.

Foi com Viagem (1938), premiado pela Academia Brasileira de Letras depois de um acalorado debate suscitado pelo modernismo, que se deu a afirmação plena das qualidades que caracterizam a obra de Cecília Meireles: intimismo, lirismo, tendência ao misticismo e ao universal, e retorno à fonte popular, em versos de grande beleza e perfeição formal. A partir desse livro, firmou-se sua integração ao modernismo, como resultado de uma evolução estética e pessoal que iniciou-se no parnasianismo, passou pelo sombolismo e assimilou técnicas herdadas dos clássicos, dos gongóricos, dos românticos e dos surrealistas.

Cecília Meireles reafirmou a importância de sua contribuição à poesia da língua portuguesa em vários outros livros, entre eles Vaga música (1942); Mar absoluto (1945); Retrato natural (1949); Doze noturnos da Holanda (1952); Romanceiro da Inconfidência (1953); Metal rosicler (1960); Poemas escritos na Índia (1962); Solombra (1964) e Ou isto ou aquilo (1964).

Em português clássico, a autora serviu-se de todos os metros e ritmos com a mesma flexibilidade, a fim de construir uma obra ao mesmo tempo pessoal e universal. Morreu em 9 de novembro de 1964, no Rio de Janeiro.

Cecília Meireles: um nome na educação brasileira

CecÍlia Meireles
Cecília Meireles

Natural da cidade do Rio de Janeiro, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu a 7 de novembro de 1901, no Rio Comprido, nas proximidades da Rua Haddock Lobo.

Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil, e de Mathilde Benevides Meireles, descendente de família açoriana de São Miguel, professora da rede pública de ensino primário do Distrito Federal.

Tinha como avós paternos João Correia Meireles, português, funcionário da Alfândega do Rio de Janeiro, e Amélia Meireles. Antes de vir ao mundo já havia perdido seus dois irmãos e seu pai. Aos três anos, perdeu a mãe. Foi levada, então, para uma chácara localizada nas imediações das ruas Zamenhoff, Estrela e São Carlos, pertencente à avó materna, Jacintha Garcia Benevides, que ficara também viúva e que tomou a seus cuidados a criação da neta.

Conhecida autora de vários gêneros literários – poesia, prosa, conto e crônica –, Cecília Meireles desenvolveu intensa e marcante atividade como educadora, sendo entretanto este segmento de sua vida pouco conhecido por grande parte dos brasileiros.

Muito cedo aprendeu a ler e a interessar-se por livros, principalmente os deixados por sua mãe. “Desses velhos livros de família, asgramáticas, sobretudo a latina e a italiana, me seduziram. Assim também as partituras e livros de música.” O interesse pelos livros e o fato de a mãe ter sido professora a teriam levado ao magistério.

O período de formação escolar iniciou-se na capital da República, na Escola Pública Municipal Estácio de Sá, onde cursou o primário, concluindo-o e recebendo, pelas mãos de Olavo Bilac, Inspetor Escolar, a Medalha de Ouro Olavo Bilac, como prêmio pelo esforço e bom desempenho durante o curso. Sete anos depois, em 1917, diplomou-se pela Escola Normal do Distrito Federal, sendo aprovada com distinção, obtendo 8:14/25 avos de média. Na cerimônia de colação de grau foi escolhida por consenso, e com o sufrágio de todos os seus colegas, intérprete do grupo que com ela se diplomou.

Concomitante aos estudos do magistério, estudou canto e violino no Conservatório de Música, pois um de seus sonhos era escrever uma ópera sobre São Paulo, o Apóstolo. No entanto, convicta de que não podia desempenhar com perfeição muitas atividades simultaneamente, optou por concentrar-se no campo da literatura.

Em 1918 foi nomeada professora adjunta e começou a lecionar para alunos do curso primário, na Escola Pública Deodoro, da rede municipal de ensino do Distrito Federal, localizada no bairro da Glória, onde permaneceu na regência de turma durante longo tempo.

No ano seguinte, 1919, Cecília estreou na literatura brasileira com seu primeiro livro de poemas, Espectros, obra considerada de inspiração simbolista.

Os dezessete sonetos de Espectros marcam o passado literário em versos decassílabos e alexandrinos, sob a influência de seus professores – Osório Duque Estrada, Basílio de Magalhães e, principalmente, Alfredo Gomes, que fez a apresentação do livro.

A década de 1920 despontou promissora para Cecília. A 29 de março de 1920 o Diretor Geral de Instrução Pública, autorizado pelo prefeito, a designou para reger uma turma de desenho da Escola Normal do Distrito Federal. O convite havia partido de Fernando Nereo de Sampaio, que então ocupava a Cátedra de Desenho nessa escola de ensino médio.

Em 24 de outubro de 1922 Cecília contraiu matrimônio com o pintor e desenhista de ilustrações para jornais e livros do Rio de Janeiro, Fernando Correia Dias, português, natural de Moledo da Penajoia (no Lamego), que havia se mudado para o Brasil em abril de 1914 e se radicado no Rio de Janeiro.

Cecília viveu a maternidade, com o nascimento de suas três filhas: Maria Elvira, Maria Mathilde e Maria Fernanda. O casamento com Correia Dias, artista plástico de grande sensibilidade, foi significativo em sua carreira de poeta e escritora, não somente porque passou a entrar em contato com o moderno, mas, principalmente, pela parceria na ilustração de sua obra poética.

Em 1923, com ilustrações do marido, publicou seu segundo livro de poesia: Nunca mais… e Poemas dos poemas, pela Editora Leite Ribeiro & Associados do Rio de Janeiro, a mesma que editou a sua primeira obra. Dois anos depois, em 1925, publicou Baladas para El-Rei, também com ilustrações de Correia Dias, pela Editora Brasileira Lux do Rio de Janeiro.

Preocupada com a qualidade e a escassez de livros didáticos, a educadora tomou a si a delicada tarefa de escrever livros para as escolas primárias.

Em 1924 publicou Criança, meu amor, também com ilustrações de Correia Dias, pela editora Anuário do Brasil. O livro, adotado pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, foi aprovado também pelo Conselho Superior de Ensino dos Estados de Minas Gerais e Pernambuco.

É oportuno lembrar que sua produção no gênero didático prosseguiu nas décadas seguintes. Na segunda metade dos anos 1930 retomou essas publicações, lançando, em parceria com Josué de Castro, em 1937, A festa das letras, primeiro volume da Série Alimentação, que a Livraria Globo de Porto Alegre organizou a título de colaboração para uma campanha lançada em âmbito nacional.

Em 1939 lançou, ainda pela Globo de Porto Alegre, a obra Rute e Alberto resolveram ser turistas, livro adotado pelas escolas públicas para o ensino de ciências sociais no 3º ano elementar. Rute e Alberto foi adaptado para o ensino da língua portuguesa nos Estados Unidos da América (Boston, D.C. Heath, 1945).

Encerrou a década de 1920 com grandes projetos no âmbito da educação. O primeiro deles envolveu o concurso para a cátedra de literatura vernácula da Escola Normal do Distrito Federal.

A capital da República assistia, então, à implantação da Reforma de Ensino promovida por Fernando de Azevedo. Como parte dessa Reforma foram criadas vagas para o cargo de professor catedrático da Escola Normal e abertos os concursos para seu preenchimento.

Cecília confidenciou ao marido, em correspondência, a intenção de se submeter ao concurso para ocupar a cátedra de literatura vernácula, para o qual se preparava com afinco, preparação essa considerada condição primordial para realizá-lo.

Em 1930 foi realizada a primeira etapa do concurso, a de defesa de tese.

Cecília defende sua tese O espírito victorioso, cujo preâmbulo, “A escola moderna”, constitui-se num elogio à nova educação, seguindo-se uma reflexão sobre uma de suas constantes preocupações: a formação do professor.

Nessa tese Cecília destacou os princípios de liberdade, de inteligência, de estímulo à observação, à experimentação, introduzidos pela Escola Moderna. Para desenvolvê-la, formulou duas indagações.

A primeira provoca e conduz a reflexão sobre o espírito vitorioso: se não quisermos ser um estorvo, “que passado queremos ser nós para esses que, no presente, são apenas uma probabilidade futura”?

A segunda orienta sua escolha na arte de dirigir o espírito da investigação: “Tudo se encadeia nesta sucessão: instruir para educar, educar para viver e viver para quê ?”.

Posto que o objeto de seu estudo ultrapassava os limites de um campo específico (“mais misterioso, aonde se vai por sendas mais difíceis, mais entrecruzadas, mais sombrias e mais secretas”), e ainda que seja próprio da História e da Sociologia da Educação interrogá-lo, pondera ser oportuno abrir as fronteiras dessas disciplinas para nelas introduzir a Literatura, porque, segundo ela, trata-se de um problema no qual “é o próprio homem, é a sua talvez única realidade, a realidade espiritual, interrogando a sua mesma razão de ser. Umaconstatação e um desconhecimento. E uma necessidade angustiosa de uma recon- ciliação entre os dois”.

E acrescenta:

Primeiro, o homem percebeu o seu mistério e depois, então, anda procurando desvendá-lo. E se há um caminho onde se possa acompanhá-lo, lado a lado, no seu longo percurso interior, esse está nas palavras que nos deixou escritas e que foram o corpo do seu pensamento. E resumiram uma vida diferente, às vezes, de todos os dias, mas de realidades, frequentemente ainda mais fortes.

Na primeira etapa do concurso, dos oito candidatos inscritos, três foram reprovados na prova de defesa de tese e três desistiram em razão das notas obtidas nessa prova.

Somente dois candidatos continuaram disputando o concurso de literatura vernácula: Cecília Meireles e Clovis do Rego Monteiro.

O resultado da classificação dos dois candidatos na prova escrita apontou o professor Clovis do Rego Monteiro com uma nota superior em meio ponto à de Cecília. “Os examinadores, senhores Amoroso Lima e Antenor Nascentes, concederam um ponto a mais ao sr. ClovisMonteiro, sendo que os senhores Coelho Neto e Nestor Victor deram a ambos a mesma nota” (O Globo, Rio de Janeiro, 23 ago. 1930, primeira página).

A última etapa do concurso, a prova prática, foi realizada no dia 26 de agosto.

A prova constou de uma preleção em forma de aula para alunas da Escola Normal, sobre o ponto sorteado no dia anterior:

Escritores do último quartel do século XVIII que merecem especial atenção: Souza Caldas, Jaboatão Frei Gaspar de Madre de Deus, Pedro Jacques Paes Leme. Vista retrospectiva do movimento literário no Brasil, no século XVIII. Principais centros intelectuais.

Os concursos para o cargo de professor catedrático que se realizaram no fim da década de 1920 e início da década de 1930 não só despertaram o interesse do público como provocaram intensa polêmica. A imprensa acompanhou de perto a discussão em torno dos critérios de julgamento usados pelas bancas examinadoras. A controvérsia em torno do concurso persistiu durante e depois do concurso, muito provavelmente por envolverem personagens conhecidas do mundo acadêmico-literário.

A própria Cecília, que já era responsável pela Página de Educação do Diário de Notícias, escreveu em sua coluna Comentário:

A Escola Normal, para qual a boa vontade da presente administração conseguiu elevar uma tão suntuosa edificação, parece estar ameaçada de vir a abrigar no seu solene recinto todos os adversários da Escola Nova, instituída pela mesma reforma que a criou. […] O concurso de literatura ultimamente realizado deixou a Reforma Fernando de Azevedo em muito má situação, ameaçada de continuar a ficar sem professores, na Escola Normal, perfeitamente conhecedores da escola primária e da sua conveniente atuação como professores de futuros professores. […] Depois da desorientação mal intencionada do concurso de literatura, em que os próprios examinadores, dos quais só um pertencia, aliás, à Escola Normal, deram as mais robustas provas da sua completa ignorância de pedagogia de qualquer espécie, o concurso de sociologia, cujo mecanismo interno já começa a aparecer, será outra oportunidade para se avaliar o destino que vai ter afinal a nossa magnífica Reforma de Ensino. Já começaram as discussões sobre a mesa organizada. E muito a propósito. Porque os representantes da Igreja, que dela fazem parte, não puderam jamais, pela própria dignidade do seu cargo, deixar a batina à porta, como já se disse. Está no seu interes-se e na sua obrigação religiosa defender o seu credo. E na sua opinião, fazem, de certo, muitíssimo bem. Mas a opinião dos educadores é outra. E essa é que tem que ser respeitada, porque a Escola Normal é um instituto pedagógico e não um seminário.

E prosseguiu fazendo uma série de observações sobre “A responsabilidade dos reformadores” em sua coluna diária no periódico.

Na análise da situação em que se encontrava a Reforma Fernando de Azevedo, Cecília apontou os que depreciavam o mérito desse empreendimento, a saber:os elementos incapazes, os estagnados, os inadaptáveis ao futuro, os exploradores das conveniências, dos preconceitos e do lugar-comum”. A principal qualidade desses “inimigos silenciosos de tudo que possa vir” era o “egoísmo utilitarista” em que “estavam perfeitamente instalados e nutridos”. Não seriam esses os adversários da Escola Nova que estavam tentando abrigar-se na suntuosa edificação da Escola Normal?

A crítica mais contundente, porém, era dirigida a Fernando de Azevedo. Não seria para ele a advertência do seu Comentário “A responsabilidade dos reformadores?

As palavras de Cecília parecem alertar o autor da Reforma que sua parte mais importante ainda estava por se fazer: “a transformação necessária de um ambiente ou de uma época”. Formar uma nova mentalidade pedagógica exige novas capacidades intelectivas, razão pela qual o novo e suntuoso prédio da Escola Normal não poderia se transformar em abrigo dos inimigos da reforma. Para se criar uma nova escola, um sistema educacional diferente, era necessário fazer chegar às famílias e, principalmente, aos professores, os princípios que servem de base a sua implantação.

Em suas palavras:

[…] defender uma ideia nova é imensamente mais grave que apresentá-la. É garantir-lhe a vida, assegurar a sua esperança; demonstrar aos idealistas que acreditam nas iniciativas generosas, que não foi traída a sua confiança em acompanhá-las; permitir, finalmente, que se possa realizar aquilo que deve constituir a parte profunda de qualquer reforma: a transformação necessária de um ambiente ou de uma época.Numa obra de reforma há que se considerar duas fases: a inicial, em que se coloca o problema nos seus devidos termos, e a da efetivação, em que esse problema começa a palpitar no interesse dos que o compreenderam. Algumas vezes acontece que, por motivos vários, aquele que teve a glória de conduzir à compreensão coletiva uma realidade nova, de que foi o emissário, não a pode deixar construída. Chega, então, o momento de se levantar a voz daqueles que o acompanharam com entusiasmo, que se devem congregar para fazerem, num esforço de conjunto, o que o chefe, no seu posto, não conseguiu fazer.

As observações de Cecília deixavam imediatamente visíveis as relações objetivas entre os agentes envolvidos na vida intelectual, naquele momento, na capital da República. De um lado, os representantes da Igreja, cujo “interesse e obrigação religiosa” é defender o seu credo. De outro, os educadores, preocupados com a função social da escola, interessados em “estender o ensino a toda a população em idade escolar, […] em adaptar o novo organismo ao meio social e às ideias modernas segundo as quais os alunos devem ser preparados para a vida e para o trabalho”. Cecília entendia (e defendia) que a “Escola Normal é um instituto pedagógico e não um seminário” e, portanto, deve ser um espaço para os educadores “idealistas que acreditam nas ideias generosas” desenhar uma nova face da escola, tornando-a diferente, sob uma perspectiva humanística não religiosa.

Era, pois, chegado o momento de se levantar a voz daqueles que acompanharam com entusiasmo “o chefe”, congregar forças e efetivar o segundo momento da reforma, fazendo palpitar novamente o interesse dos que compreenderam a importância do empreendimento da construção da escola moderna. Tomando a si essa tarefa, torna-se a voz mais importante do movimento renovador da educação brasileira, uma página da educação.

Cecília Meireles: uma página de educação brasileira

Não te aflijas com a pétala que voa:
Também é ser deixar de ser assim.
Rosas verás, só de cinza franzida,
Mortas intactas pelo meu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
Ao longe, o vento vai falando em mim.
E por perder-me é que me vão lembrando,
Por desfolhar-me é que não tenho fim.

A Página de Educação do Diário de Notícias foi criada a 12 de junho de 1930 com o objetivo de propor o desenvolvimento da educação popular, examinar questões pedagógicas e apresentar ao público o noticiário de ensino, acompanhado ou não de comentários.

Tudo que se relacionar com educação e ensino – desde a escola primária até a universidade – será nestas colunas objeto de uma constante preocupação. Comentando imparcialmente atos das autoridades, discutindo as novas ideias ou julgando os resultados de intensa experimentação que está se realizando em muitas escolas desta capital e de alguns estados, procurando proporcionar ao professorado argumentos para acompanhar de perto a renovação pedagógica do momento, e aos entendidos no assunto a oportunidade para um juízo seguro a respeito de todas as novas iniciativas.

Em diferentes partes, a composição da Página de Educação incluía, além de notas editoriais, reportagens ilustradas, propagandas, resenhas bibliográficas, notícias do movimento educacional do país e do estrangeiro e, diariamente, “um ou mais artigos de colaboração, firmados por especialistas de reconhecido valor, entre os quais figuram notabilidades europeias e americanas.

A representação gráfico-visual da página trazia, no alto, em um conjunto finito de pontos e de segmentos de linhas que unem pontos distintos, como uma moldura, o seu título Página de Educação.

Nessa Página de Educação, Cecília fez entrevistas e escreveu a coluna diária Comentário, durante o período de 12 de junho de 1930 a 12 de janeiro de 1933,

[…] época em que se delineia o campo de Educação, marcadamente escolanovista, cuja moldura foi, em grande parte, obra plástica de Cecília Meireles. A educadora-jornalista abre uma trincheira em sua página de jornal, de onde conversava com os educadores AnísioTeixeira, Fernando de Azevedo, Frota Pessoa, entre outros, sobre suas teses orientadoras das Reformas de Ensino que ora se implantavam, fazendo nascer a sombra do campo da educação.

Segundo ela, aquele era o momento do “renascimento pedagógico” e podia-se sentir uma atmosfera que se preparava para a transição da escola clássica para a moderna. “Como estamos numa época de transição, em que não se distinguem ainda nitidamente os problemas educacionais nem o valor dos indivíduos a resolvê-los, acontece confundirem-se também as suas qualidades, pela falta de um ponto de vista seguro e isento”.

Esse movimento do ar na direção do espírito vitorioso precisava se prolongar do isolamento de sua forma restritamente individual para uma participação com outras formas coletivas, e ele se faz pelas palavras. Como tornar conhecidas as palavras que fazem “florir todos os impossíveis desejados”, capazes de formular um ponto de vista seguro, senão abrindo um espaço no jornal para trazer “um facho sempre aceso iluminando o mundo”? Quem, melhor do que o professor Adolpho Ferrière, poderia explicar aos leitores da Página de Educação “Como o diabo criou a Escola Clássica”?

Com uma grande foto de Ferrière, Cecília transcreveu texto deste autor, publicado originalmente na revista Educación:

Certo dia, o diabo veio à Terra e com grande despeito comprovou que ainda havia nela homens que acreditavam no bem. Como este personagem possui um fino espírito de observação, pôde logo verificar que essas pessoas apresentavam certos rasgos comuns de caráter. Eram bons porque acreditavam no bem; eram ditosos porque eram bons; viviam tranquilos e serenos porque eram ditosos; e o diabo, do seu ponto de vista, julgou que nem tudo ia bem nesse mundo, e pensou num meio de mudar esse estado de coisas.

Então disse consigo: “A infância é o porvir das raças; comecemos pela infância”.

E apareceu aos homens como enviado de Deus e um reformador da sociedade, declarando: “Deus exige a mortificação da carne, e ela deve começar pela infância. A alegria é pecado, o riso, blasfêmia; as crianças não devem conhecer a alegria nem o riso. O amor materno é um perigo; é preciso afastar as crianças de sua mãe, a fim de que ela não seja um obstáculo à sua comunhão com Deus. É preciso que a juventude saiba que a vida é esforço; saturai-a de trabalho (em latim, tripalium, instrumento de tortura); saturai-a de tédio. Que seja banido tudo quanto possa despertar interesse; só é bom o trabalho desinteressado; se nele se introduz o prazer, é a perdição”

Assim tendo falado o diabo, a multidão inclinou a fronte para o chão, gritando: “Queremos salvar-nos: que é preciso fazer”?

– Criai a escola!

E, sob as indicações do diabo, foi a escola criada.

A criança ama a natureza; amontoam-na em salas fechadas; quer brincar; fazem-na trabalhar. […]

Imediatamente o regime frutificou.

Em breve aprenderam as crianças a adaptar-se a estas artificiais condições de vida. […] aprenderam, então, o que jamais teriam aprendido sem esse sistema: souberam fingir, enganar, mentir. […] A escola esforça-se em mortificar, à força de castigos e de trabalhos suplementares, o discípulo que qualifica de insolente porque nele transborda a alegria de viver e a energia vital; ou castiga como preguiçoso, ao que pelo seu temperamento é levado a fazer gazetas, qualificando como pecados os sãos instintos de defesa dos espíritos retos. No momento, o êxito parecia certo e o diabo vitorioso. Todos os professores da escola o tinham por santo, a que rendiam devoção, trabalhando para matar a alma da criança, torcendo o pescoço à sua espontaneidade, obscurecendo-lhe a memória, falseando-lhe a razão, engorgitando-as de ciência livresca. “A ciência é inútil; não o esqueçais – gritava o diabo – o desinteresse, o dever pelo dever, o esforço pelo esforço”. – O tédio pelo tédio – exclamaram as crianças inteligentes que, aplicando o ouvido à porta e o olho ao buraco da fechadura, tudo tinham ouvido e adivinhado.

E desde então vereis o que se passou. Conformando-se com os ditames do diabo, uma boa parte da raça definha, enfraquece, chega a ser passivamente desinteressada por tudo. A saúde não pode resistir ao regime de imobilidade, do silêncio, do ar confinado, das pesadas horas de trabalho, dos estudos sem interesse, de sistemática negação de toda espontaneidade.

O que Cecília desejava mostrar, com o texto de Ferrière, eram as principais características da escola tradicional – imobilidade, silêncio, desinteresse, ausências de liberdade e de espontaneidade – para contrastar com os princípios orientadores de uma nova e audaciosa perspectiva pedagógica, que outorga aos homens a liberdade de viverem de acordo com o seu pensamento. Produzindo a oposição entre o tradicional e o novo espírito da educação, mostrava a profundidade ignorada do processo educativo e denunciava a ilusão da transparência de uma prática de pré-construções naturalizadas e, portanto, ignoradas como tal, posto que socialmente construídas. Para ela, era preciso estabelecer novos princípios capazes de romper com essas pré-construções e, ao mesmo tempo, introduzir uma nova atitude pedagógica.

As aspirações da escola moderna eram outras e diferentes daquelas da escola tradicional. O destaque, justamente, era promover a liberdade e a espontaneidade do ser humano, principalmente da criança. Na escola moderna, “a criança é a origem e o centro de toda atividade escolar”, para usar uma expressão de Anísio Teixeira.

Assim sendo, foi para a criança que Cecília dedicou a primeira edição da Página de Educação, com o texto “A imaginação deslumbrada da criança”, e ilustrações feitas por crianças:

Em toda criança preservada ainda dessa opressão dos preconceitos que sobre elas costuma exercer a deformadora tirania dos adultos, em toda criança que vem evoluindo livremente de dentro de si mesma com essa misteriosa orientação que faz as plantas romperem as sementes para, atravessando o duro solo, realizarem em pleno sol a intenção do seu destino, mora uma alma deslumbrada, enfrentando a vida como um grande espetáculo mágico, e elaborando, diante de cada coisa que contempla, o sonho silencioso das suas próprias interpretações.

Neste primeiro convívio com o mundo, tudo as faz completamente maravilhoso: como os sentidos apenas ensaiam suas aptidões, as formas, as cores, os sons representam, a cada instante, um milagre novo.

Todavia, diz Cecília, as intenções da escola moderna já se faziam presentes na inquietude “daqueles que, em passados vários, contemplaram o processo da vida e a formação humana de um ponto que lhe permitisse uma visão universal e total.

Para sustentar sua argumentação, Cecília traz aos leitores “Uma bela página de psicologia, a infância de Pierre Nozière” (Anatole France):

Com essa clareza de ver e essa finura de revelar, ninguém melhor que Anatole para trazer à superfície o mundo encantado da infância. E esta página que aqui reproduzimos mostra como o grande artista soube sentir a vida das crianças, como a tomou nas suas mãos inteligentes sem a oprimir, sem a deformar, com esse tato de quem toma todo o perfume de uma flor sem lhe mudar a cor de uma pétala com a sua violência, sem alterar uma curva do seu contorno com a sua precipitação. Como soube fazer na sua memória um asilo claro e puro para o passado sem fim..

O corpo central da Página de Educação, nos primeiros seis meses, foi dedicado aos “inspiradores” e “realizadores” da obra educacional, na coluna “Uma Página de […]”.

Em 9 de novembro de 1930, Cecília apresentou aos leitores “Uma Página de Educação de Maria Montessori: o mundo das crianças e o dos adultos”.

“Na página que hoje publicamos vêm expostas as ideias básicas do seu método [de Montessori]: desenvolvimento da energia infantil mediante liberdade, atividade e in- dependência da criança”.

No mês seguinte, em dois dias seguidos, 23 e 24 de dezembro, Yrjo Hirn escreveu um texto – “Os brinquedos e a sua relação com a vida humana (I e II) abordando o caráter educativo dos brinquedos: […] encontram-se, desde logo, objetos que não deixam de ser instrutivos”. O autor não se refere a brinquedo como jogo, mas ao próprio objeto material.

Pode-se observar que a apreciação do brinquedo como função educativa vinha sendo objeto de uma série de observações feitas por Cecília em seus comentários, com o objetivo de esclarecer os leitores adultos sobre o uso dos brinquedos no mundo infantil. Em “A criança e os brinquedos”, matéria do Comentário de 10 de outubro de 1930, Cecília diz que a causa mais frequente de desentendimento entre o mundo dos adultos e o da infância reside no que cada um deles pensa a respeito de um brinquedo.

No desejo do adulto, o brinquedo devia ser uma coisa bonita feita para encantar a criança, interessá-la, mas, ao mesmo tempo, desper- tar-lhe um tal respeito, ou pela sua beleza, ou pelo seu valor, que ela não se atrevesse a tomá-la nas mãos senão em certas horas, durante um certo tempo, e de certa maneira. Resumindo: que não a estragas-se. […] A criança vê o brinquedo, e gosta ou não gosta dele, segundo ele está ou não de acordo com os seus interesses psicológicos, segundo o desenvolvimento das suas faculdades carece deste ou daquele motivo de expansão. Então, serve-se do brinquedo de acordo com essas necessidades interiores, sem que lhe passe pela cabeça que é preciso brincar com cuidado, a não ser quando assim lho repetem – embora sem resultado – os adultos. […] os pais se entristecem […] quando veem os filhos inteiramente satisfeitos com brinquedos que lhes parecem desprezíveis: bonecos de trapos, carrinhos feitos com latas de biscoitos, casas de caixas de papelão, vestidos compridos arranjados com panos velhos ou novos […] bandeiras de papel, coladas com sabão, colares de botões, anéis de fio de linha e outras coisas do gênero. […] É que, em primeiro lugar, o brinquedo que se dá a uma criança geralmente não corresponde aos seus interesses biológicos. Quando a criança está embevecida com as formas e as cores, dão-lhe coisas de mecânica complicada. Quando está na idade do movimento, dão-lhe coisas imóveis, feitas para contemplação. Quando requer coisas de raciocínio, não a satisfazem. É uma constante atrapalhação… Em geral, a criança, dobrando o pobre brinquedo à necessidade das suas funções psicológicas, converte-o em instrumento dessas funções, apropriando-o, modificando-o, utilizando-o, enfim.

Como são injustos os adultos! Chamam a isso – estragar! Quanto às belas invenções das crianças, elas são a realização da sua própria vida interior; a prática de si mesmas. […] É por isso que o brinquedo mais útil é aquele que a criança cria, ela mesma, que procura realizar com o material de que dispõe. Os parentes e professores, acompanhando esse interesse, favorecendo-o, orientando-o sem o oprimirem, concorreriam de um modo vantajosíssimo para a alegria da infância, ao mesmo tempo que a estariam educando, através da execução daquilo que ela tanto aprecia: o brinquedo.

Sob essa perspectiva, portanto, o [objeto] brinquedo é instrumento estimulador da inventividade infantil, que a escola e a família devem dele tirar proveito, ativando a espontaneidade da criança.

Não somente o brinquedo, mas os jornais infantis – também frutos dessa espontaneidade – são caminhos “de acesso aos mistérios daalma da criança”. Mas, para se chegar a esse caminho, alguns cuidados são necessários. Quando nos aproximamos do mundo infantil, diz Cecília, “o primeiro cuidado que devemos ter é o de agir de tal modo, que entre nós e as crianças se estabeleça uma ponte de absoluta confiança, por onde possamos ir até elas, e elas, por sua vez, sejam capazes de vir até nós”.

Em primeiro lugar, portanto, é preciso criar um ambiente de simpatia e de confiança que estimule o ânimo da criança para mostrar toda“sua vida profunda, todos os seus impulsos silenciosos, tudo que ela em si mesma começa a ver como mundo novo, surgindo dentro do mundo existente

Em segundo lugar, privilegiar menos a “escrita certa” – “que é uma algema, quase sempre, detendo a sua revelação interior” – e mais a autenticidade e a espontaneidade da criança. “Estimular essa revelação da alma infantil é meio caminho andado para a obra de educação”, afirma Cecília.

Destarte, o educador deve cuidar para estimular a produção de documentos infantis – diário, jornal, poema, carta – evitando, porém, “que os seus alunos venham a pensar tal qual ele pensa”, para não “agrilhoá-los ao passado”. O grande educador, diz Cecília, “quer que eles [os alunos] cheguem à sua própria floração, cercados de todos os elementos favoráveis, com a garantia da sua inviolada plenitude”.

Cecília assinala que, para tornar a escola atraente, é importante considerar não somente a relação pedagógica entre professor e alunos, mas, também, transformar o ambiente físico da escola.

Para isso, faz um convite aos professores:

– “Vamos pôr fora todas essas coisas velhas?”

–“Vamos ordenar uma limpeza geral nas escolas, ainda que fiquem apenas os bancos para as crianças se sentarem?”

Tudo o que exercesse uma ação perniciosa sobre crianças e professores deveria ser retirado da escola, para torná-la atraente. Não somente o “mobiliário feio, as paredes sujas, os enfeites fora de moda” deveriam desaparecer, mas todo “o conjunto das hostilidades” ainda presente na escola, herança da estrutura organizacional da escola tradicional.

[Os professores] Deixam a sua casa florida, alegre, clara, onde a vida também canta, sedutoramente. Encontram a escola com o conjunto das suas hostilidades: o relógio feroz, que não perdoa os atrasos do bonde; o livro de ponto ferocíssimo, com a sua antipática roupagem de percalina preta e a sua sinistra numeração, pela página abaixo. […] De toda a parte surgem objetos detestáveis: réguas, globos empoeirados, borrachas revestidas de madeira, tímpanos, vidros de goma arábica, todas essas coisas hediondas que se convencionou fazerem parte integrante da fisionomia da escola, e que são acreditadas indispensáveis e insubstituíveis. Coisas mortas. Coisas de outros tempos. Coisas que se usaram nas escolas de nossos avós e de nossos pais. Não se pode pensar em familiaridade, em proximidade infantil, em vida nova, em educação moderna, no meio dessa quantidade de mata-borrões, de mapas com demarcações arcaicas, de balanças que não funcionam, de moringas de gargalo quebrado, de caixinhas de sabonete para guardar giz, e das coisinhas armadas nas taboinhas dos armários chamados museus, nas quais não se pode bolir para não estragar, e que têm um rotulozinho em cima, tal qual os vidros de remédio.

Mas por que os professores não tomam a iniciativa de modificar esse ambiente?

Cecília aponta o conjunto de razões que impedia a reorganização pedagógica da escola no Brasil:

Porque acima da sua vontade estão acumuladas muitas rotinas de outras vontades. Porque, algumas vezes, a manifestação de um natural bom gosto, de uma cultura mais apurada servem de base a ridículas insinuações, e a crítica mordazes. Porque ainda não temos, infelizmente, uma totalidade de professores capaz de agir simultânea e solidariamente nesta obra de reorganização pedagógica que representa, para o Brasil inteiro, uma etapa de progresso que todos os esforços devem denodadamente acentuar.

Pode-se observar que, de junho a dezembro de 1930, os temas abordados por Cecília na Página de Educação formam um conjunto articulado de ideias, valores, opiniões, crenças, que expressam e reforçam as relações que conferem unidade ao grupo dos pioneiros da nova educação. Neste sentido, a Página de Educação cumpria a função de formar juízos favoráveis, junto aos professores, pais e responsáveis, às novas atividades educacionais que se desejavam implantar, fundamentadas nos princípios da Escola Moderna.

Para compor a nova face da educação, durante o mês de outubro Cecília focou suas atenções no professor e na criança. Os títulos de seus comentários indicam que esses temas se sobrepõem a qualquer outro e têm o propósito de retirar “a presença ativa de experiências passadas entranhadas em cada professor sob a forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação”que aprisionavam a prática docente e obstruíam o caminho da renovação pedagógica.

O trabalho da educadora-jornalista, nesses primeiros meses de existência da Página de Educação, teve o objetivo de propagar os princípios norteadores de uma nova concepção de educação. Para isso, organizou as matérias da Página em dois blocos complementares. Em sua coluna Comentário, traduzia, por meio de uma linguagem coloquial, clara, despresumida – “uma conversa” para fazer “nascer a sombra” –, conceitos fundamentais de teorias de educação. A coluna central – “Uma página de …” – apresentava personagens que materializavam esses conceitos na obra de educação no Brasil e no mundo.

No entanto, eclodindo o movimento militar que culmina com a deposição do Presidente Washington Luis e a subida ao poder de Getúlio Vargas, novas inquietações apareceram em seus comentários.

É oportuno lembrar que o grupo fundador do Diário de Noticias, simpatizante da Aliança Liberal que alçou Getúlio Vargas ao poder, apoiou o movimento revolucionário de 1930.

Segundo Valéria Lamego, “o clima da redação do Diário de Notícias tinha a mesma aura política que suscitou sua fundação”. Lamego cita Depoimento de Carlos Lacerda em que afirma:o jornal era um centro de debates em torno da ocupação da Revolução de 30”. Contudo, percebendo que Getúlio Vargas não tinha intenção de convocar a Assembleia Nacional Constituinte, o jornal aliou-se à Revolução Constitucionalista de São Paulo, em 1932.

O novo panorama político, certamente, não poderia deixar de ser objeto dos comentários de Cecília.

Aqui e ali, a educadora foi intercalando com outros temas o da revolução: “As crianças e a revolução”; “Educação e revolução”; “Política e pedagogia.”; “Educação artística e nacionalizadora”; “O momento educacional”; “A responsabilidade da revolução”; “Um dos resultados da revolução”; “As iniciativas educacionais de após-revolução”

As primeiras ações políticas tomadas por Getúlio Vargas no âmbito da educação trouxeram preocupações para a educadora-jornalista. O projeto para criar um ministério com a finalidade de tratar os assuntos de educação nacional se concretizou com Getúlio Vargas, que nomeou o jurista Francisco Campos titular da pasta de educação.

A nomeação de Francisco Campos para ocupar o cargo de ministro da Educação e Saúde provocou no grupo de educadores – que na Associação Brasileira de Educação defendiam um programa de educação pautado nos princípios da Escola Nova – sentimentos de apreensão quanto aos possíveis danos que tal ato poderia causar ao programa de educação e, com certeza, quanto à coesão entre os membros do grupo.

Em seu Comentário “Ministério da Educação”, após “o sair – sem sair” – de Francisco Campos do Ministério, Cecília exprimiu os sentimentos do grupo que, apesar do ministro, permaneceu lutando pela causa da educação:

Este momento é dos mais difíceis sob todos os pontos de vista, mas, sob o ponto de vista educacional é talvez o nosso mais difícil momento. Sobrevindo quando nos preparávamos para uma atitude nítida em relação ao nosso máximo problema, que é o da formação do povo, operou-se um fenômeno de dissociação entre as forças mais prósperas, e não sabemos precisamente o fim reservado às mais belas iniciativas.

Antes da Revolução, contávamos com um certo número que, ou por sinceridade natural ou pela determinação das circunstâncias, se empenhavam numa obra comum. […] Resta-nos um pequeno grupo. Um pequeno grupo capaz de grandes coisas. Capaz até dessa coisa imensa que é não carecer de se tornar maior.

Para Cecília, a junção da Educação e Saúde em um só ministério era um erro, porque não somente acirrava a disputa entre médicos e educadores (e os médicos eram mais numerosos que os educadores, e a medicina, uma “coisa mais acreditada que a pedagogia”), mas por tirar do foco o problema maior: a educação.

Assim, diz Cecília,

Aguardamos, pois, mais uma calamidade, mais um assalto ao nosso ministério principal, ou mais um descuido – se porventura a tremenda experiência realizada com o Sr. Francisco Campos não obrigar o governo a uma demorada reflexão antes de qualquer escolha”.

O momento era de perplexidade e desorientação.

Para ela,

[…] se a Revolução criou este ministério é porque reconhecia a sua utilidade. Se lhe reconhecia essa utilidade é porque sabia da existência do problema educacional, no mundo e no Brasil. Se sabia dessa existência, estava a par dos elementos que possuía para o resolver. No entanto, começou escolhendo o sr. Francisco Campos, que, apesar de ter feito uma reforma, permitiu nela tantas provas de incompreensão da atualidade, ou de horror à responsabilidade de a compreender, que isso só bastaria para a contraindicação do seu nome.

E agora? Quem é que se vai pôr no Ministério vazio? Qual o pedagogo apressado que vai por aí reclamando pagamento de serviço? Quem é que se atreverá a tecer a sua própria desmoralização, depois do formidável exemplo com que este ministério foi inaugurado? Não são perguntas ao acaso. Não. São perguntas que ficarão esperando resposta, porque elas não representam a aspiração de alguns apenas, mas o destino de todo o país, e envolvem, além disso, a confiança ou a decepção do mundo inteiro.”

A atuação de Francisco Campos à frente do Ministério da Educação e Saúde provocou muita celeuma. Em “Coisas de Educação ,Cecília apontou os erros da administração Campos destacando a inabilidade do ministro no trato de questões educacionais e os desvarios de seus atos; para ela, a “instabilidade das ideias e das preocupações neste começo de tempos novos” havia colocado em segundo plano a obra de educação.

E, com perspicácia, concluiu:

A primeira coisa que caracteriza, pois, a atuação do sr. Francisco Campos, é a inatualidade dos seus pensamentos sobre educação. […]Efetivamente, tomar conta de um cargo é coisa relativamente fácil. Mas poder desempenhá-lo é outra coisa, muitíssimo diferente…

Sobre o conjunto de reformas decretadas pelo Ministro, a educadora ponderou: “se a sede do Sr. Francisco Campos, ao invés de ser de mando e de autoridade, fosse apenas de popularidade, já devia estar satisfeita a esta hora, porque não há jornal que não escreva, por dia, pelo menos um artigo contra a sua anunciada reforma, que, afinal, sempre saiu maiorzinha que o rato da montanha, mas de muito pior natureza…”

O Decreto nº. 19.941 de 30 de abril de 1931, que institui o ensino religioso nas escolas públicas, matéria de caráter facultativo para os alunos, chocava-se frontalmente com o princípio de laicidade do ensino, defendido pelos educadores da Escola Nova. Justificando seu ato, Francisco Campos afirmou que as novas relações entre o Estado e a religião católica fundamentavam-se no desejo de atender à maioria dos brasileiros que professavam aquele credo religioso.

Cecília contestou a afirmação do ministro, apresentando outra estatística: a “do censo de 1920, a última que possuímos. Baseando-nos nele, tal como vem na ‘Divulgação do Ensino Primário’ do Dr. Frota Pessoa, chegamos à seguinte conclusão: sobre uma população de 30.635.605 habitantes, analfabetos 23.142.248. Só temos, portanto, 7.498.537 de alfabetizados.

Em dias seguintes, a educadora retomou o assunto, concluindo: Chegamos a este paradoxo, no Ministério da Educação – cuidar-se mais do catecismo que da escola.”

No exame que fez dos prejuízos que o “desastrado e nefando” decreto trazia para a escola, Cecília sentenciou: “esse ensino religioso nas escolas, que um ministro irresponsável decretou, e um presidente desatento (ou hábil…) sancionou, é um crime contra a Nação e contra o mundo, contra os brasileiros e contra a humanidade

Se a ação legiferante de Francisco Campos causava perplexidade, o quadro de incertezas na direção da instrução pública do Distrito Federal era inquietante. As hesitações do então interventor do Distrito Federal, Coronel Julião Esteves, para nomear o novo Diretor da Instrução Pública, provocaram inquietação no magistério, principalmente entre os que participavam da implantação da Reforma Fernando de Azevedo. Circulavam notícias sobre a intenção do interventor escolher um inspetor escolar para esse cargo.

A notícia provocou na educadora-jornalista uma forte reação e mereceu uma resposta em forma de advertência: “Prudência Coronel!

[…] as criaturas sinceras têm de reconhecer que é extremamente perigosa a sua intenção, porque pode deixar de incidir nos raros elementos de valor que se encontram capacitados para essa escolha – tão difícil parece ser para quem governa chegar com vistas penetrantes ao ponto mais justo da sua ação.

De qualquer maneira, o que o novo interventor não pode consentir, porque isso será a sua própria desmoralização e a do governo que representa, é que algum elemento vergonhoso para o magistério se instale manhosamente no cargo de onde, ainda no regime findo, foi ditada a maior reforma que já se tentou fazer no Brasil, e que encerra toda a inquietude de um país que deseja chegar à criação do seu destino mediante o levantamento do povo, tão frequentemente sacrificado.

Isso seria um ultraje à honra nacional.

[…] a prudência deve ser a primeira qualidade que qualquer administrador tem de consultar, antes de fazer uma nomeação ou permitir uma permanência.

O magistério primário se sentiria humilhado, e o povo inteiro teria razão para se considerar infamado se à Diretoria da Instrução, que é o ponto para onde se volvem todas as vistas dos homens esclarecidos do Brasil, pudesse, por um golpe de malandragem, ascender alguém que não viesse apoiado, pelo menos, em qualidades de caráter capazes de dar à sua presença um aspecto aceitável, que fosse.

[…] Porque, se o coronel Júlião Esteves se distrai, se a Diretoria de Instrução cai nas mãos de qualquer moleque político, de qualquer bacharel sem ocupação, de qualquer nulidade enfeitada dessas que sempre estão alertas quando fica vago um cargo público, então, podemos perder as esperanças e aguardar apenas que um ciclone qualquer venha varrer a nossa terra, apagar no mundo a ansiedade dos idealistas por uma aspiração que todos os dias se empenham em dificultar e tornar impossível os covardes, os interesseiros, os ignóbeis que sacrificam a sorte de um povo inteiro à sua fome pessoal de dinheiro e vaidade.

Contudo, apesar da advertência, o coronel Julião Esteves não acatou o conselho de Cecília, e nomeou o inspetor Arthur Maggioli, militante da Aliança Liberal, que teria sido indicado por seus colegas inspetores.

Poucos minutos após circular a notícia da nomeação do inspetor, outra notícia chegou aos jornais: o coronel havia anulado o ato de nomeação. Cecília não pôde deixar de informar a seus leitores essa “Imprudência do Coronel

Toda a gente ficou perplexa. Como é que, dentro de alguns minutos, se pode e não se pode ser diretor de Instrução? A prudência veio abaixo e, com ela, a sabedoria inacreditável que tinha enchido de esperança os que conhecem alguma coisa do assunto. Agora ninguém sabe mais como vão ficar as coisas.

A Direção da Instrução Pública do Distrito Federal estava vaga com a saída do Sr. Raul de Faria. Percebendo que a nova administração não demonstrava interesse em dar seguimento à Reforma de Ensino Fernando Azevedo, e julgando necessário remover todas as convicções anacrônicas que estavam impedindo a visão dos novos tempos, a educadora-jornalista aproveitou a inauguração do ano letivo, a 12 de março, para publicar na Página de Educação a conferência pronunciada por Fernando de Azevedo, em São Paulo, sob o título “A arte como instrumento de educação na Reforma”.

O primeiro semestre de 1931 foi inteiramente dedicado a promover a Reforma de Ensino Fernando de Azevedo por meio de entrevistas, artigos e resenhas de livros. Em uma série de cinco artigos, Fernando de Azevedo apresentou a concepção estética da nova educação. Seguiram-se entrevistas com o Dr. Frota Pessoa, um dos colaboradores diretos de Fernando de Azevedo, do qual foi subdiretor administrativo, e que, analisando a situação do ensino primário no Distrito Federal, fez um paralelo entre a obra educacional de Fernando de Azevedo e a Abolição da Escravatura, como dois marcos da civilização brasileira.

Em abril a Página de Educação trouxe uma carta do professor Anísio Teixeira comentando a Realidade brasileira, livro de autoria de Frota Pessoa.

Nos meses de maio e junho, Fernando de Azevedo voltou a escrever para a “Página da Educação”, enfocando o princípio do trabalho educativo sob o título: “A educação profissional e a reforma: a realidade de um quadro desolador; enfrentando o problema de perto. Por mais cinco dias tratou da questão, que constituía um dos três pilares dessa reforma (Estética, Trabalho e Saúde).

Em sua coluna do dia 7 de junho de 1931, Cecília teceu comentário sobre “O Sr. Fernando de Azevedo e a atual situação do ensino”

O artigo do Sr. Fernando de Azevedo, expondo, agora, nesta crise que atravessa a Instrução Pública entre nós, os pontos básicos da sua obra inteligentíssima na última administração, é um choque formidável neste ambiente atual, mais estagnado, talvez, que o anterior

Um choque formidável, porque põe num terrível contraste o passado e o presente, o que podia ter sido com o que, desgraçadamente, é. Antes da Reforma, compreendia-se um ambiente como o atual. Depois dela, não só não se compreende como também não se perdoa.

Fazer uma grande obra nem todos a podem fazer. Mas respeitá-la e favorecê-la, isso, sim, já é mais fácil, e depende até menos da inteligência, que da boa vontade daqueles a quem ela é confiada.

Falando mais uma vez da sua Reforma, o dr. Fernando de Azevedo fez, sem querer, o mais espantoso balanço da nossa atividade educacional posterior à Revolução.

Acabando de ler o seu artigo, fica-se perplexo, e pensa-se: “Havia, então, esta obra! … E o que é feito dela?”

Mas ninguém sabe …

Cecília anuncia a seus leitores Tempos Novos. O novo interventor do Distrito Federal, Dr. Pedro Ernesto, inaugurou seu governo com “a feliz escolha” do Professor Anísio Teixeira para dirigir a educação pública do Distrito Federal.

Para apresentar aos leitores o novo Diretor Geral da Instrução Pública no Distrito Federal, o professor Anísio Teixeira, Cecília fez uma série de reportagens com este educador. Sua intenção foi fazer com que o leitor entendesse o critério de escolha que conduziu o educador à direção de tão importante cargo: a quantidade e qualidade excelentes de suas experiências e de sua obra.

A primeira reportagem, em 8 de outubro de 1931, abriu espaço para Anísio Teixeira explicar aos leitores da Página de Educação a teoria de educação de John Dewey.

Em seguida, sob o título “Para a honra da Revolução”, em 15 de outubro, faz apreciação sobre o ato de nomeação:

A nomeação do Dr. Anísio Teixeira para o cargo de Diretor Geral de Instrução Pública vem dar, à administração pública do Dr. Pedro Ernesto um prestígio especial, deixando crer que a Revolução, entra, agora no seu período de mais acerto e de maiores esperanças.

E continua nos dias seguintes. Para ela, a nomeação do professor Anísio Teixeira trouxe “um alento de confiança para o destino darevolução de outubro,” posto que “há em torno da sua figura uma atmosfera de respeito decorrente de sua capacidade, que assegura ao Distrito Federal uma nova era, em matéria educacional.

Em 26 de dezembro de 1931, a Página de Educação transcreveu a conferência “A questão dos programas na Escola Nova”, pronunciada por Anísio Teixeira, na qual o educador explicou as novas diretrizes da educação. As manifestações em torno do programa anisiano de educação pareciam indicar que o pêndulo da correlação de forças inclinava-se agora na direção dos educadores da Escola Moderna.

Assim, não se pode estranhar o burburinho que se fez quando a Associação Brasileira de Educação anunciou a realização da IV Conferência Nacional de Educação para o mês de dezembro (de 13 a 20). A realização dessa Conferência tornar-se-ia um acontecimento marcante para a história da educação do país. Era o primeiro congresso a se realizar após a eclosão do movimento revolucionário de 1930, e nele os intelectuais dessa Associação seriam solicitados pelo chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, a pensar um plano renovador para a educação brasileira.

A preparação para o evento despertou grande interesse, não somente entre aqueles diretamente envolvidos em sua organização, mas, também, no magistério e nas autoridades constituídas. O próprio Chefe de Governo fez chegar às redações dos jornais telegrama por ele enviado aos interventores federais, manifestando seu interesse no evento. Eis, a seguir, a íntegra do telegrama, publicado na Página de Educação do Diário de Notícias em 19 de novembro de 1931, sob o título “O governo e a 4ª Conferência de Educação, Comunicado do Ministério”

Devendo reunir-se a 13 de dezembro nesta capital, sob patrocínio governo federal, Quarta Conferência Nacional Educação, junto à qual funcionará também exposição de livros, material didático, legislação, estatística e aspectos da vida escolar brasileira, determinei ministro da Educação convidasse delegados governo federal a fazer-se representar Conferência e Exposição, bem assim a que dessem credenciais um dos seus representantes, de preferência próprio diretor instrução pública, para subscrever convênio com governo da União no sentido de assegurar indispensáveis aperfeiçoamento e padronização nossas estatísticas escolares mediante adequada cooperação interadministativa. No propósito, pois, prestigiar iniciativas ministério Educação e melhor assegurar êxito importantes certamens em preparo, dos quais muito espera causa nacional, quero manifestar, pessoalmente, aos interventores federais o meu vivo interesse pelo concurso que lhes foi solicitado e pela condigna representação todas unidades Federação brasileira tanto na Conferência como na Exposição com que pensamos focalizar de modo impressionante realizações e necessidades nacionais em matéria ensino e educação popular. Cordiais saudações. (a) Getúlio Vargas, chefe governo provisório.

O telegrama do Chefe de Governo demonstra a importância de que se revestia o evento, razão pela qual os grupos em disputa – o do passado e o do presente, segundo Cecília – pelo privilégio de fazer prevalecer suas ideias em matéria de educação empenharam-se em unir forças, buscando êxito na Conferência.

Em carta dirigida a Cecília, Fernando de Azevedo faz notar a importância do evento, a imprescindível “união de forças” e o papel da jornalista na Conferência:

A minha recente viagem ao Rio me teria reanimado a fé no resultado próximo de nossa campanha educacional se o nosso Nóbrega da Cunha não me tivesse comunicado a sua vontade de deixar, em fins de dezembro, o Diário de Notícias. Receio que pense também em afastar-se da imprensa e, especialmente desse jornal, fechando a página admirável em que voou bastante alto para projetar luz o mais longe possível, o facho dos novos ideais de educação. O seu afastamento, ainda que temporário, da imprensa me deixaria a impressão dolorosa que teria ao sentir, no peso da luta, emudecer o setor mais ativo e vigilante, em que tivesse depositado as minhas maiores esperanças.

Sei, – e alegra-me sabê-lo, que fará parte da 4ª Conferência Educacional, que deve reunir-se em meados de dezembro. Recebi tarde demais o convite para comparecer a essa Conferência, que poderá oferecer oportunidades excelentes para uma construção de forças necessárias à difusão rápida dos princípios e ideais de nossa política educacional. É preciso que todos os elementos – educadores de mentalidade nova, de convicções e de sinceridade – cerrem fileiras para constituírem o núcleo de ação eficaz, em condições de exercer influência decisiva nos debates e nas conclusões da conferência. Terão que enfrentar sérias dificuldades. Mas eu tenho uma grande confiança na sua ação pessoal auxiliadora, pela estratégia do Frota Pessoa que, certamente, ao lado do Anísio Teixeira, do Lourenço Filho e dos nossos companheiros de ideais, podem desenvolver um plano de ação capaz de vencer e quebrar todas as resistências aos ideais da educação nova, que a reforma introduziu no Brasil.

Embora longa, foi muito curta para mim a palestra que tivemos no Diário e que gostaria se repetisse todos os dias. O ambiente em São Paulo é de expectativa. Não posso dizer sequer que seja de expectativa simpática. O Frota Pessoa poderá informar-lhe melhor. Enviarei qualquer dia destes um exemplar de “As Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato, para que desejaria a sua atenção.

Peço-lhe recomendar-me muito ao Correia Dias. Cordialmente, Fernando de Azevedo.

Na abertura da Conferência, o Chefe do Governo Provisório solicitou aos congressistas um plano renovador para a educação brasileira. O grupo católico, que presidia a reunião e se articulava com o ministro Francisco Campos, tentou aprovar, na assembleia realizada no primeiro dia, a resposta que seria dada ao Chefe de Governo, mas essa ação foi abortada pela interferência de Nóbrega da Cunha.

Segundo Marta Chagas de Carvalho,

Na IV Conferência, realizada em dezembro de 1931 […] o Governo Provisório pede aos conferencistas nela reunidos que forneçam a “fórmula feliz”, o “conceito de educação” que embase sua política educacional. A história é conhecida: a recusa da Conferência em responder ao Governo abre espaço político para o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O que é pouco sabido é que, por ocasião dessa Conferência, era o grupo católico que detinha o controle da entidade. E, também, que a Conferência não respondeu ao Governo porque a oposição, chefiada por Fernando de Azevedo e mediada pela intervenção de Nóbrega da Cunha na assembleia de instalação do Congresso, desarticulou a resposta que vinha sendo preparada pela situação em comum acordo com o Ministério da Educação. A intervenção de Nóbrega da Cunha adiava a resposta para a V Conferência, potencializando as chances de que o adiamento facilitasse a preparação de uma resposta ao Governo que fosse mais condizente com as posições do grupo de que era o porta-voz.

A IV Conferência Nacional de Educação mereceu sucessivos comentários. O primeiro deles, sob o título “A IV Conferência”, aborda os discursos dos principais oradores no primeiro dia do evento – Getúlio Vargas, Francisco Campos, Miguel Couto e Fernando Magalhães – considerados por Cecília como “peças dignas de ficar na história”.

Sobre o discurso de Getúlio Vargas escreveu:

O eminente chefe de governo, por exemplo, num discurso de encantadora espontaneidade, onde não se sabe o que mais admirar, se a boa fé com que o pronunciou, se os largos panoramas que descortinou para o auditório, confessou que, empolgado pelo fervor dos olhares, dos congressistas, passava a interessar-se seriamente e prometia dar todo o seu apoio à obra da educação nacional. Só por esse compromisso valia a pena reunir-se em Conferência… Só por isso, quer dizer, por esse apoio. Porque a verdade é que nós todos acreditamos que o compromisso já estivesse assumido no momento em que se deliberou a Revolução… Por onde se vê que a realidade – e o chefe do governo promete todas as realidades – se origina dos sonhos dos idealistas.

Convencida de que os resultados produzidos pela Conferência não seriam animadores, Cecília escreveu: “O leitor não conhece aquela história da montanha que teve um filho camondonguinho? Pois então …”

Sob a ótica da jornalista,

Quem assistiu às suas sessões com serenidade observou também que, da primeira à última, foi tudo como se fosse uma só. O presidente falava; o secretário lia; a campainha tocava; os relatores relatavam; os oradores pediam a palavra; os discursos subiam pela cúpula em líricas espirais, carregadas de vetustos símbolos; os aparteadores brotavam com ênfase; […] Ora, os protestos foram inúmeros. Desde a primeira sessão, levantaram-se vozes, suaves ou terríveis, contra o desperdício de tempo. Desde a primeira sessão houve, ao mesmo tempo, desejo e impossibilidade de trabalhar a sério. E, até a última, os protestos se mantiveram sem desfalecimento, salvo nos fáceis de desiludir, que não compareceram mais ao edifício da Câmara.

O grupo liderado por Fernando de Azevedo, ao término do Congresso, elaborou uma “declaração de princípios”, consubstanciada nos debates da IV Conferência Nacional de Educação. Essa declaração foi transformada em manifesto, subescrito por vinte e quatro pessoas, entre elas Cecília Meireles, e endereçado “ao povo e ao governo” com a denominação “A Reconstrução Educacional no Brasil. Ao Povo e ao Governo. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”

Fernando de Azevedo considerou oportuno divulgar amplamente e de imediato o documento e não aguardar a realização da V Conferência, a se realizar no final de 1932. Assim, dois meses depois, o documento se tornou público. Vários jornais o publicaram, em primeira página e com grande destaque. Segundo Libânea Xavier, “Nóbrega da Cunha se utilizou da ABE como suporte institucional para o lançamento do Manifesto”.

O prestígio alcançado com a divulgação do documento “A Reconstrução Educacional do Brasil. Ao Povo e ao Governo. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” pode ser evidenciado pelas numerosas manifestações que se fizeram na imprensa, no rádio e nos meios acadêmicos. Cecília, uma das signatárias desse documento, explicou a seus leitores, em reportagens com personalidades públicas e em seus comentários, o alcance desse documento.

Em 19 de março de 1932, todo o espaço da Página de Educação foi dedicado ao Manifesto da Nova Educação. É curioso observar que a disposição de matérias da Página foi alterada. Todo o corpo central foi dedicado à reprodução, na íntegra, do Manifesto, com chamada em letras grandes, “Manifesto da Nova Educação”.

À esquerda da Página, a coluna Comentário trazia o texto “O valor dos manifestos”, onde Cecília esclarecia sua importância e de onde provinha sua força: “O valor dos manifestos não está apenas nas ideias que apresentam. Somos, em geral, gente rica de ideias, com sutilezas de engenho que causam admiração a uma boa parte do mundo, se a língua portuguesa não tivesse limites tão injustos de expansão”. O valor preciso e certo de um manifesto não reside nos conceitos, mas nas personalidades que o subscrevem e que por ele se responsabilizam, colocando suas vidas a seu serviço, com sinceridade.

Na obra de educação, os inúmeros aspectos do problema único exigem inúmeras capacidades, diferentes entre si, mas que, oferecendo o máximo, no setor que lhes corresponde, determinam também o máximo na obra geral em que colaboram. E se a obra de educação exige talentos próprios, especializações técnicas, inteligência e prestígio autênticos, dons de várias espécies, no pensamento, e na ação – exige também e com a mesma ou ainda maior urgência o sentimento de responsabilidade e de lealdade para com a vida; a inflexibilidade diante de todos os obstáculos e tentações; a intransigência nas certezas insubstituíveis; uma firmeza estóica diante das lutas e dos martírios; uma resistência de todas as transações, a todos os embustes, a todas as insinuações interesseiras com que a malícia dos homens habituados a toda espécie de negócios costuma gravitar em redor mesmo dos problemas que mais claramente lhes são antagônicos. […] Os nomes que subscrevem essa definição de atitudes são a garantia de trabalho, de invulnerabilidade, de lucidez e de fé. Tudo se deve exigir desse grupo, porque ele é o mais preparado, por todos os motivos, para a ação heróica de que depende a formação brasileira.

O Manifesto permaneceu assunto da imprensa por longo tempo, meses. Em julho, Cecília fez uma grande reportagem com Gustavo Lessa, em que trouxe à tona a discussão em torno dos princípios defendidos no Manifesto; e, novamente, dedicou-se a explicar a seus leitores o sentido do Manifesto, em sua coluna Comentário.

O “Manifesto da Nova Educação” foi lançado numa época de manifestos, – o que equivale dizer numa época de grandes inquietações. …] O “Manifesto da Nova Educação” fez voltar as vistas dos que o leram para a nossa realidade humana e brasileira. A realidade da nossa inteligência desamparada, do nosso esforço mal conduzido, de todo o nosso futuro comprometido numa tentativa social que parece mítica, tanto andamos transviados e ignorantes, em cada um dos nossos elementos. […] O Manifesto foi o acordo dos que têm trabalhado nestes últimos tempos, com unidade de intenções, nesse campo muito desconhecido ainda, e muito caluniado, de onde, não obstante, haverá de surgir uma verdade tranqüilizadora. Ele coordena ideias, disposições e propósitos; foi um espontâneo compromisso de cooperação. E, como os que o assinaram não o fizeram por esnobismo, mas tendo já provas de serviço verificável, o Manifesto não foi uma tirada de retórica futilmente lançada aos ares, mas o anúncio ao governo, de um programa de trabalho, e uma promessa ao povo de o cumprir. Numa terra em que as promessas são sempre recebidas com cepticismo, esta trouxe a vantagem, precisamente, de estar em andamento, quando apareceu redigido. Basta lançar os olhos em redor: os nomes mais proeminentes, na presente ação educacional, são nomes pertencentes ao grupo do Manifesto.

Os preparativos para a realização da V Conferência Nacional de Educação, em Niterói, mobilizaram e ocuparam o grupo de educadores que então participavam do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação. Ao mesmo tempo, os embates entre os educadores católicos e esses educadores continuavam, ainda mais acirrados, de modo que em dezembro, antes do início dessa Conferência, o grupo católico desligou-se dessa Associação.

Mas os conflitos não se restringiam ao espaço da ABE. Ocupavam espaços públicos e se manifestavam abertamente em defesa da nova educação ou contrários a ela. Em setembro, irrompeu uma crise na Diretoria de Instrução Pública, que tomou corpo na luta para retirar o professor Anísio Teixeira da Direção da Instrução Pública. O educador pediu demissão, mas Pedro Ernesto recusou seu pedido. Cecília transformou sua coluna em duas, para explicar a crise e apoiar Anísio Teixeira.

Tendo como objetivo principal apreciar sugestões de uma política escolar e de um plano nacional de educação com vistas ao anteprojeto da Constituição de 1934, a V Conferência Nacional de Educação indicaria uma comissão para elaborar um estudo que pudesse servir de modelo para o capítulo sobre a educação nacional. Tratando-se da elaboração de dispositivos constitucionais, onde seriam definidas as diretrizes da educação era de se esperar o conflito entre os grupos ideológicos distintos.

A Associação Brasileira de Educação conseguira mobilizar expressivos setores da sociedade brasileira. Desde a campanha em favor da Reforma de Ensino Fernando de Azevedo, vinha preparando a opinião pública para suas ideias, culminando este movimento por ocasião do lançamento do Manifesto, em 1932.

É preciso ressaltar que, embora Cecília tenha defendido os ideais da Escola Nova e aberto espaço em sua Página de Educação para esse grupo de educadores, ela nunca se filiou à Associação Brasileira de Educação.

“As Surpresas da V Conferência!” Com este Comentário irônico, Cecília apontava as estranhezas iniciais dessa Conferência de Educação: a ausência, na abertura dos trabalhos, do ministro interino da Educação, Washington Pires; a alocução do interventor Ary Parreiras; o discurso (por regiões etéreas) do reitor da Universidade do Rio de Janeiro; e o discurso do delegado de Minas, que falava em nome dos congressistas.

A boa surpresa veio com a conferência de Fernando de Azevedo. Depois, seguiram-se outras surpresas: a renúncia do presidente efetivo da Conferencia – “alegando divergências de ideias, reconhecia, ao mesmo tempo, ao Congresso o direito de ser técnico e hipertécnico, tendo percebido, naturalmente, que, até a véspera, ele não fora senão hipotécnico e hipotético...”.

A surpresa mais assombrosa, porém, foi o comparecimento incógnito, no recinto, “e fraternizando adoravelmente, pelo seu sorriso e pelosseus gestos suaves com os congressistas”, do Ministro da Educação à sessão noturna. Uma outra surpresa boa, a eleição, por aclamação, do professor Lourenço Filho para presidir os trabalhos da Conferência.

E, para terminar, o mais notável das imprevisto: o ministro da Educação, que subiu ao palco para dirigir os trabalhos, no momento da conferência proferida pelo professor Lourenço Filho improvisou um discurso cujas passagens “mais curiosas” foram registradas pela jornalista, como: “pandemônio indecifrável” da raça; “ao ponto nevrálgico da questão”; “à formação do subconsciente único”, sem o qual “o problema educacional brasileiro será sempre complexo, será sempre difícil e nunca será uno”; “a dificuldade no encontro do material criança”; “aos clássicos medalhões, encostados a degradar o ensino, compondo os seus cartões de visita

Nos primeiros dias de janeiro de 1933, em 12 de janeiro, precisamente, Cecília se despediu de seus leitores da Página de Educação com o Comentário “Despedida”:

Aqueles que se habituaram a falar de uma coluna de jornal sobre assuntos de seu profundo interesse e chegaram a saber que alguém os ouvia, e participava da inquietude do seu pensamento, criaram um mundo especial, de incalculáveis repercussões, cuja sorte condicionaram à sua, pela responsabilidade a que ficam sujeitos os autores de toda criação.

Esta Página foi, durante três anos, um sonho obstinado, intransigente, inflexível, da construção de um mundo melhor pela formação mais adequada da humanidade que o habita.

Diz uma das nossas autoridades no assunto que isto de ser educador, tem, evidentemente, a sua parte de loucura. Mas, além de um sonho, esta Página foi também uma realidade enérgica que, muitas vezes, para sustentar sua justiça, teve de ser impiedosa, e pela força de sua pureza pode ter parecido cruel.

O passado não é assim tão passado porque dele nasce o presente com que se faz o futuro. O que esta página sonhou e realizou, pouco ou muito – cada leitor o sabe –, teve sempre como silenciosa aspiração ir além. O sonho e a ação que se fixam acabam; como o homem que se contenta com o que é, e eterniza esse seu retrato na morte.

Assim, este último Comentário de uma série tão longa em que andaram sempre juntos um pensamento arrebatado e vigilante; um coração disposto ao sacrifício; e uma coragem completa para todas as iniciativas justas, por mais difíceis e perigosas – este Comentário não termina terminado.

Ele deixa em cada leitor a esperança de uma colaboração que continue. Neste sucessivo morrer e renascer que a atividade jornalística diariamente, e mais do que nenhuma outra ensina, há bem nítida a noção da esperança que através de mortes e ressurreições, caminha para o destino que a vida sugere ou impõe.

Pode cessar o trabalho, pode o trabalhador desaparecer, para não mais ser visto ou para reaparecer mais adiante; mas a energia que tudo isso equilibrava, essa permanece viva, e só espera que a sintam, para de novo modelar sua plenitude.

Manteve-nos a energia de um sentimento, claro e isento, destes fatos humanos que a Educação codifica e aos quais procura servir.

Nada mais simples; e nada tão imenso. Simples – que até pode ser feito por nós anos inteiros, dia a dia. Imenso – que já passou tanto tempo, e há sempre mais fazer, e melhor e mais difícil – e, olhando-se para a frente, não se chega a saber em que lugar pode ser colocado o fim.

Não é aqui, positivamente. Aqui, é, como já dissemos, a esperança da continuação, tanto na voz que se suceder a que falava, como em cada ouvinte que lhe traga a colaboração da sua inteligência compreensiva, atenta, ágil e corajosa; a inteligência de que o Brasil precisa para se conhecer e se definir; a inteligência de que os homens necessitam para fazerem a sua grandeza nos campos mais adversos, sob os céus mais perigosos; a inteligência que desejaríamos exatamente tanto possuir como inspirar, porque essa é, na verdade, uma forma às vezes dolorosa mas sempre definitiva de salvação.

Cecília retomou suas atividades educacionais na regência de turmas e tornou-se uma das colaboradoras principais da administração de Anísio Teixeira frente à direção da Instrução Pública do Distrito Federal (1931-1935).

Em 11 de janeiro de 1934, foi designada para o recém-inaugurado Instituto de Pesquisas Educacionais. Ainda neste ano, organizou a primeira biblioteca infantil pública brasileira – o Pavilhão Mourisco –, inaugurada em 15 de agosto com a denomina-ção de Centro de Cultura Infantil.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda/www.faculdadesjt.com.br

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