Dia da Habitação

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21 de Agosto

O dia da habitação deve servir para nos lembrarmos não só da importância de se ter um lar, mas da infelicidade das pessoas que não conseguem ao menos exercer um de seus direitos básicos: o de ter um lugar para morar.

Grande parte da população de baixa renda fica à margem do mercado imobiliário legal, não tendo outra alternativa senão buscar formas irregulares de habitação ou ocupação do solo.

Apesar de o governo abrir programas de financiamento habitacional para acesso à casa própria, muitos não possuem os meios necessários para arcar com os custos desses financiamentos e são obrigados a ocupar loteamentos clandestinos.

Além destes tipos de moradia, existem os domicílios particulares improvisados, ou seja, localizados em unidade não-residencial (loja, fábrica, etc.) que não tinham dependências destinadas exclusivamente à moradia, mas que estão ocupados por morador. Isso inclui também os prédios em construção, vagões de trem, carroças, tendas, barracas, grutas etc.

No desespero por um “teto”, inúmeras pessoas prejudicam o meio ambiente e se arriscam, diariamente, ao fixarem residência em encostas de morros (como no Rio de Janeiro e na Bahia), à beira de lagos e represas e em outros locais igualmente perigosos.

Em 1964, o governo federal criou o Sistema Financeiro de Habitação para facilitar a aquisição da casa própria.

Administrado pelo extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), o sistema favorece, preferencialmente, famílias de baixa renda.

Antes do período neolítico, na pré-história, o homem escavava abrigos ou se instalava em cavernas. Por volta de 4000 a.C é que começam a aparecer as primeiras muralhas e casas de pedra, tijolo ou madeira.

Vários tipos de construções foram surgindo desde então, como as do estilo bizantino, do românico, do gótico, do barroco, até os edifícios arranha-céus de nosso tempo.

Essas contruções tinham uma finalidade muito específica

Servir de habitação para o homem em todas as épocas históricas. Mas o que vem a ser uma habitação? Trata-se de um lugar onde se vive, que você ocupa como residência, ou seja, o lugar em que você mora.

Em 21 de agosto, comemoramos o dia da habitação.

Dia da Habitação

Na década de 1920, os discursos das revistas examinadas se centram na idéia de que a construção de “habitações higiênicas” pelo poder público resolveria o problema habitacional. Tais habitações substituiriam os “casebres” e as “casas de cômodos”, considerados a origem de quase todos os males. Especialmente interessante nesse sentido é uma matéria públicada – “As favellas vão desapparecer” (A Casa, 1927, n.44, p.17. Inicialmente, as “favellas” (termo então ainda escrito sempre entre aspas) são caracterizadas como um problema comum do mundo moderno.

Como todas as grandes cidades, o Rio também possui bairros pobres, apresentando chocante contraste com a civilização que bem ao lado se desenvolveu. Mas existe a percepção de sua exacerbação, além de uma preocupação com a imagem da cidade para o estrangeiro que nos visita que não pode ter senão péssima impressão ao deparar em pleno centro urbano, com infectos casebres, amontoados sobre os morros que se erguem no coração da Capital

Porém, ao mesmo tempo, parece haver consciência de que a simples remoção dessas moradias também não é uma solução, pois leva a novos problemas. “Andariam, pois, acertadamente os poderes públicos se, em vez de ordenar como fizeram a demolição desses casebres, tivessem anteriormente cogitado da construção de pequenas casas higiênicas para abrigar enorme massa popular que está sendo deslocada desses morros”. Como isso não foi feito, constata o autor do artigo, novos desabrigados irão se “juntar à fileira dos que já vinham luctando contra a falta de moradia”.

Ainda na mesma linha de raciocínio – devem ser construídas casas unifamiliares, entregues prontas aos usuários – apresentam-se “modelos” de casas, seguindo os princípios fundamentais do espaço da elite, ou seja, espaços hierarquizados, sem sobreposição de funções (daí os nomes dos cômodos: sala de jantar, sala de estar, cozinha, etc.). A matéria intitulada “Habitação Econômica” (A Casa, 1929, n.59, p.22-23) traz uma casa de 90m2, com dois pavimentos, amplas janelas e uma porta de entrada que lhe dá ares burgueses e mereceu destaque no texto: o pórtico dá acesso a duas portas, uma abrindo para a sala de visitas e outra para a sala de jantar.

Algumas vezes, essa imagem das moradias parece mais importante do que seu espaço interno, mostra o artigo “Casas de Madeira e Cimento” (A Casa, 1927, n.36, p.17. São apresentados dois projetos de habitação com desenhos de fachadas, perspectivas e alguns detalhes dos materiais, mas sem indicações sobre o espaço interno. Este mesmo artigo também ilustra a introdução do uso do cimento na construção habitacional. Esse material aparece como extremamente moderno e flexível, mas se prestaria também a formas tradicionais. Como a imagem do projeto é de uma cabana, pode ser usado para fins decorativos: o uso de pedras para fazer uma base rústica é de grande efeito; entretanto, as mesmas podem ser substituídas por uma imitação feita com cimento.

Cabe por fim destacar o encantamento (não necessariamente efetivo) pela possibilidade de industrialização de componentes da construção, como as “Chapas que substituem os pequenos ladrilhos ou azulejos” (A Casa, 1927, n.36, p.22) recém lançadas “na América”.

Os anos 1930

Ainda que não sejam apresentadas mudanças significativas na produção da habitação durante a década de 30, algumas propostas alternativas são apresentadas. Como exemplo, temos a indicação de um outro modo de viver que rompe a hierarquia dos espaços rígidos por meio de um ambiente integrado, dividido por cortinas e sem espaços de serviço, da “Casa do solteiro” (A Casa, 1930, n.70, p.53).

A justificativa para a ausência das áreas de serviço apresenta-se como reflexo das mudanças em relação ao trabalho doméstico: “nos tempos de hoje, com a falta crescente de empregados que se váe verificando em toda parte, são inúmeras as simplificações que se vem introduzindo nas diversas dependências da habitação, afim de facilitar não só as arrumações como os próprios movimentos dos moradores”.

Outro exemplo é a proposta da “Casa giratória” (A Casa, 1930, n.72, p.14) que permite ao morador escolher o melhor posicionamento da casa para desfrute do sol, do ar e da luz, esbarrando, ainda que superficialmente, na discussão sobre a autonomia do usuário. Neste projeto, “a construcção descança numa plataforma análoga á empregada nas estações de estradas de ferro”.

Contudo, esses conceitos mostram-se ainda frágeis. Artigos como os das “Casas Geminadas” (A Casa, 1930, n.78, p.7 e das “Casas Populares” (A Casa, 1931, n.81, p.21) mostram que as premissas do projeto de moradias ainda eram muito genéricas, isto é, sem nenhum aprofundamento conceitual, espacial ou técnico-construtivo. O primeiro artigo apresenta o desenho de duas casas similares, com área entre 45 e 50m2, dois quartos, cozinha, copa, sala e banho. Já o segundo artigo apresenta o projeto através de fotos e desenhos da fachada principal, mas, ambos sem nenhuma referência conceitual ou técnica do espaço.

O debate da autonomia do usuário, presente nestes dois artigos anteriores, é, de fato, incipiente já que as previsões de ampliação ou de escolha da fachada ainda são pré-determinadas e arraigadas às questões formais e estéticas. Um outro exemplo disso é o projeto da “Casa Proletária” (A Casa, 1938, n.173, p.39-41): os três módulos apresentados “obedecem á sequencia progressiva do aumento futuro sem nenhum prejuízo estético para as casas.” O primeiro, de 35m2, possui sala, cozinha, banheiro e um quarto.

Os outros dois módulos prevêem um único acréscimo de quartos ligados à sala. Também são colocadas algumas sugestões sobre a inserção urbana e o tratamento estético da casa, ainda que de maneira geral: “recomenda-se para que ela se destaque e chame mesmo a atenção: 1o – que seja construída o mais que for possível, afastada da rua; 2o – que entre a rua e a casa haja um pouco de vegetação; 3o – que as paredes sejam brancas, o telhado vermelho e as esquadrias de madeiras em geral verde, marrom ou laranja”.

Muito longe de ser um exemplo de produção autônoma, as casas apresentadas acima, assim com a apresentada no artigo “Como se Prevê o Accréscimo Futuro” (A Casa, 1933, n.108,p.10-11) detêm-se na pré-determinação do projeto e suas consequentes questões formais. O ponto de partida desta última proposta é oferecer uma opção de estilo – moderno (laje) ou bangalô (telhado) – que diferencia-se apenas por um atributo de valor subjetivo: “aí está, caro leitor, uma planta com duas fachadas differentes, uma moderna e outra typo ‘bungalow’ “. Ainda que a previsão de aumento dos cômodos esteja presente – “trata-se de uma casa que pode ser augmentada” – não revela possibilidades reais de modificações espaciais feitas pelo usuário. O projeto era vendido pelos correios, de maneira simples – “este projeto pode ser adquirido da mesma forma que o ‘picolé’ ” – referência a outro projeto igualmente disponível para venda em estilo pitoresco.

Nesta linha de pensamento, percebe-se que, na realidade, os projetos apresentados vêm reforçar a segregação tanto espacial quanto social, evidenciada nos anos 30. Os modelos de casas são apresentados como a solução mais adequada para as pessoas que querem viver longe da promiscuidade dos apartamentos. O artigo “Os Apartamentos, factores da crise de habitações” (A Casa, 1931, n.84, p.5-6) questiona as origens dessa tipologia, argumentando que estes são construídos para gente modesta, de poucos recursos, que trabalha e precisa estar no centro urbano: “em toda a parte do mundo o apartamento é a casa de aluguel por excellencia; dificilmente se pode alugar uma casa isolada”.

Logo em seguida, projetos de apartamentos, sobretudo alemães, comparecem, mas ainda com propostas, de uma maneira geral, voltadas à composição de fachadas e de cores bem como ao uso de materiais que confirmam suas premissas estéticas. “Faixas de tijolos aparentes intercaladas com outras de reboco claro e os corpos salientes são de um belo efeito”, afirma o artigo “Apartamentos Econômicos em Diversos Bairros no Norte de Berlim” (Arquitetura e Urbanismo, 1936, n.3, p.156-158). A proposição da limpeza física das edificações, coerente com a política higienista mundial da época, também é parte importante da proposição formal, ou seja, reforça-se na medida em que os arquitetos tratam esteticamente os conjunto habitacionais e não aceitam qualquer intervenção dos usuários nos espaços. As fachadas, de cores vivas e uniformes, abrem-se deixando aparentes os pátios internos ajardinados e são movimentadas com grandes balcões. A existência de duas lavanderias centrais coletivas revela as tentativas de se impor um outro modo de morar aos pobres.

Em artigo anterior, “Apartamentos Econômicos” (Arquitetura e Urbanismo, 1936, n.2, p.36-41), projetos de bairros alemães, dos arquitetos Bruno Taut, Paulo Mebes, Paulo Emmerich, Henrique Tessenow, Engelmann e Fangmeyer, já davam a importância às questões estéticas (ausência de decoração) e funcionais (tipos variados de moradias) mas também ao atendimento à política higienista alemã: “a concessão dos empréstimos era feita por meio de uma regulamentação especial e rigorosa, que tinha sobretudo em vista melhorar as condições higiênicas das habitações operárias e modestas, acabando com as famosas MIETKASERNE ou casas coletivas de pateos sombrios”. Para garantir entrada de luz e do ar, todas as habitações voltariam-se para os logradouros públicos ou grandes pátios internos deixados inteiramente livres dentro dos quarteirões. Foram suprimidos os chamados poços de ar bem como determinado que as intervenções dos moradores nos pátios, como galinheiros e tanques de lavar roupa, não seriam aceitas em função de razões estéticas e higienistas.

No que se refere aos novos materiais, ainda que percebamos o início da propaganda do cimento e da difusão do concreto armado, a madeira ainda apresenta-se como o único material alternativo à alvenaria convencional, como por exemplo no “Tendas de Férias” (A Casa, 1938, n.167, p.18-19). A promoção da tecnologia do concreto divulgada, principalmente, por construtoras alemãs e por laboratórios da construção, acontece também por meio de cursos, como o “Curso de Concreto Armado por Correspondência” (A Casa, 1937, n.156, p.4). O principal argumento é que qualquer pessoa com “conhecimentos rudimentares de arithmetica” tenha capacidade de segui-lo.

As trinta aulas, com duração de seis meses, habilitavam o aluno a calcular o concreto armado, em sete etapas: noções preliminares, coluna, lajes, vigas, fundações, parte complementar e projeto completo. Ainda em resposta às demandas higienistas, as propagandas de cimento veiculavam mensagens de venda do cimento à problemática da higiene e da saúde, como em “Prolongando nossas vidas” (A Casa, 1938, n.167, p.1]: “o Cimento Portland MAUA está tendo uma acção preponderante no melhoramento dos systemas de esgôtos, no cóntrole das epidemias e na preservação da saúde individual ou collectiva. Padarias, cafeterias, açougues, fabricas de conservas ou sorveterias, são grandes consumidores de concreto devido à grande facilidade em conserval-o limpo. As fossas, cisternas e bordas de poços de concreto têm se tornado uma garantia de saúde para milhares de fazendeiros. Os hospitais e as escolas empregam exclusivamente o concreto por ser tão hygienico. As donas de casa reconhecem que as habitações de concreto são as que mais facilmente se conservam limpas. Como resultado do emprego do concreto nestes e em outros fins, a vida de hoje é prolongada e a mortalidade infantil está sendo reduzida”.

Os anos 1940

Alguns preceitos, já apontados nos anos anteriores, são ampliados nesta década como, por exemplo, àqueles ligados às ações higienistas e ao controle social da população. Além disso, a produção das unidades habitacionais coletivas, articuladas com outras funções como restaurantes, lavanderias, enfermaria, assim como espaços para crianças, lazer e práticas esportivas, começa a ser publicada como solução para a insalubridade presente nas moradias isoladas – casarões, mocambos, favelas e cortiços. É inevitável perceber que a política habitacional brasileira, àquela época, já começava a se referenciar aos conceitos e às estratégias de projeto da habitação coletiva receitada pelo movimento moderno internacional.

O conceito das “Unités d’Habitacion” (1947-52), Marseille, obra canônica do modernismo de Le Corbusier, foi acomodado em vários outros projetos de inúmeros arquitetos no Brasil e em todo o mundo. A “unidade habitacional”, colocada sobre pilotis e em estrutura livre, apóia-se por espaços funcionais para lojas, esportes, posto médico, livraria, escritórios, escola e hotel. Embora esse tipo de habitação só tenha sido construído no Brasil a partir dos anos 1950, como veremos à frente, nos anos 40 já eram anunciados os princípios que potencializariam a arquitetura moderna: concreto armado, elevador, espaços com ventilação e insolação assegurada e a associação da habitação mínima com serviços de apoio.

Nessa perspectiva, o artigo “A Casa que Cresce” (A Casa, 1940, n.195, p.20-21), apresenta projeto do concurso internacional de Viena denominado “Sol, ar e casa para todos”. É uma habitação com proposta de ampliações, mas, como nas décadas anteriores, de maneira pré-determinada. Os desenhos de perspectivas e plantas confirmam suas principais premissas: “uma casa pequena, mínima (o núcleo, que possa aumentar com o acréscimo de novas peças habitáveis, à medida que cresçam as necessidades de recursos do proprietário), mas de modo que, em qualquer etapa, a casa constitua uma unidade orgânica. Era fato estabelecido que a casa devesse permitir aos moradores contacto direto com o ar, luz e jardim: devia ser para uma família única, não ter menos de 30 metros quadrados, no primeiro período, nem mais de 80 metros, em seu estado definitivo, e ser de construção insulada ou encostada a outra igual.”

Os estreitamentos entre a habitação, o espaço urbano e a salubridade também se fazem presentes no artigo “A Habitação Popular” (A Casa, 1941, n.201, p.9-12). No início ressaltam-se as transformações das relações de trabalho provocando igualmente transformações no conceito do habitar. Se antes a vida transcorria no próprio local “em que se explorava a propriedade”, agora o local do trabalho não mais se incorpora à habitação. A cidade operária nasce e avassala todo o espaço, “agravando todos os males com o maquinismo e a produção coletiva de grande rendimento”.

A partir da década de 40, os pobres passam a caber nas prescrições do urbanismo moderno, mas apenas porque são vistos como uma “grande multidão de trabalhadores e empregados”, ou em outras palavras, “massas populares”. Nesse sentido, o autor do artigo “A Habitação Popular” afirma não ser mais possível admitir que as massas se alojem nos “velhos casarões” ou nas habitações insalubres que se “aglomeram ao longo das ruas tumultuosas, pardieiros que só teem por horizonte as fachadas fronteiriças ou o pedaço de céu entrevisto através das frestas das cornijas […] um cinturão perigoso para a sociedade e para a civilização”. Para o movimento moderno, e seus seguidores, “na casa coletiva bem acondicionada” a família da classe média poderia reconquistar a “liberdade e a alegria de viver como nunca tinha imaginado”.

Seria ingênuo pensar que a liberdade e a moral, necessárias à realização do projeto moderno, pudessem estar vinculadas à habitação mínima e aos serviços comuns (espaços livres para passeios, circulação e esportes) provocando supostamente soluções para a problemática habitacional no que se refere à higiene e ao controle social. Mais importante é entender que, desde o início do século XX, o poder público, intelectuais e técnicos vêm tratando a habitação como deterioração da organização urbana e social, e não como consequência da ‘armadilha’ criada pela imposição das regras econômicas e das estruturas sócias-políticas do modelo capitalista.

Assim, os casarões e mocambos revelavam “situações moralmente intoleráveis e juridicamente inadmissíveis, ante a notoria angustia da nossa economia social”, afirmou o Engenheiro Francisco Batista de Oliveira, em conferência no Instituto de Engenharia de São Paulo, transcrita no artigo “A Casa Proletaria Brasileira” (Acrópole, 1940, n.27, p.105.106 e 124). O engenheiro sugere que o país conheça melhor suas estatísticas sobre o assunto na busca de soluções lógicas e eficientes, e oferece, neste artigo, uma variedade de projetos internacionais que seguem dois importantes pressupostos: a consideração de preceitos sanitários e a comparação da cidade com um organismo vivo.

Não sendo tão simples assim, o engenheiro Paes Barreto, coerentemente, afirma no artigo “Os Conjuntos Residenciais em Santo André e Osasco” (Acrópole, 1942, n.53, p.161-164), que os intelectuais, ativos nas discussões em congressos sobre o problema da habitação popular, não conseguiam chegar a uma sistematização de “princípios norteadores” de suas ações. Entretanto, de maneira proveitosa, culpa os salários baixos do operariado como fator de impedimento à compra de uma habitação que possibilitasse o “soerguimento físico e moral do indivíduo”. Dentro dessa visão estreita, o autor apresenta os conjuntos residenciais de Santo André e Osasco, chamados de soluções parciais, que se constituem por “núcleos de casas, com requisitos higiênicos, sem comparação com os mocambos, favelas ou cortiços”, somados à escola rural, creche e igreja, mas que sacrifica, porém, “as soluções urbanísticas aconselháveis, com o intuito de reduzir ao mínimo o valor da habitação”.

As casas construídas em Santo André pertencem ao tipo individual mínimo, projetado para habitação burguesa de uma família de cinco pessoas – sala, quarto para casal, quarto para filhos, cozinha, banheiro e duas varandas, perfazendo uma área coberta de 56,88m2. Em Osasco, o conjunto construído funcionou inicialmente como acampamento dos operários do canteiro da obra, permitindo que a construtora extraísse de sua mão-de-obra uma “maior produção individual”, fazendo jus aos preceitos da ordem capitalista. Embora, já compareçam intensamente as propagandas sobre as “vantagens do cimento amianto” (Acrópole, 1941, n.44, p.269) e dos “elevadores e cimento” (Acrópole, 1940, n.27, p.82), elementos pertencentes à arquitetura moderna, as paredes de alvenaria de tijolo, cobertura de telhas planas forradas com frisos de madeira, esquadrias de cedro e peroba rosa formaram as principais especificações dos conjuntos residenciais de Santo André e Osasco.

Os anos 1950

Neste período, os projetos e construções dos grandes conjuntos habitacionais, como divulgado em “Cidades monções” (Acrópole, 1950, n.151, p.206), representados por arquitetos emblemáticos do movimento moderno brasileiro a ser legitimado, fazem-se presentes, orientados pelas premissas já apontadas nos artigos da década anterior – a produção seriada de unidades habitacionais coletivas (de moradia mínima) associada aos serviços como restaurantes, lavanderias, enfermaria, locais para crianças, passeios e práticas esportivas. Temos como exemplos:

“Conjunto Governador Kubitschek” (Arquitetura e Engenharia, 1953, n.28, p.31-36): ainda que na época do projeto o problema da moradia em Belo Horizonte não fosse “tão agudo como em outros centros maiores”, já mostrava sinais de preocupação. Entretanto, bem aos moldes das “Unités d’Habitacion” francesas de Le Corbusier, o chamado edifício JK foi inaugurado sob uma estrutura imobiliária convencional, insegura e desastrosa, demonstrando muito mais a potencialidade produtiva política da parceria entre o arquiteto Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek, então Governador de Minas, responsável por tantos outros frutos arquitetônicos. Ainda que o projeto tenha sido alterado posteriormente, conserva a premissa moderna de integração entre a habitação coletiva e os serviços de apoio (inicialmente em projeto, hotel, repartições públicas, serviços postais e telegráficos, agências de turismo e bancárias, estação rodoviária, restaurante, boite, praça de esportes com piscina olímpica, além de museu de arte e centro comercial).

“Conjunto residencial em Deodoro” (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.31, p.26): projeto de 1314 apartamentos construídos pela Fundação da Casa Popular, com a relevante preocupação de que o valor da parcela de amortização não ultrapassasse 25% do valor do salário mínimo família. Para tal, o arquiteto, Flavio Marinho Rego, abandonou “todos os requisitos de plástica e acabamento”, valorizando a padronização dos elementos e a simplicidade nos esquemas de instalação e estrutura. Estas orientações foram expandidas aos projetos da escola, do centro de saúde, do mercado e da administração, revelando a obsessiva busca do conjunto economia-padronização como resposta efetiva de projeto ao problema da habitação.

“Conjunto residencial, Bairro das Perdizes” (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.31, p.52-53): o arquiteto Abelardo de Souza privilegiou as recomendações de um projeto moderno ao localizar os blocos de modo a permitir que o sol, o ar e a vegetação tomassem parte predominante no conjunto.

“Conjunto residencial da Gávea” (Arquitetura e Engenharia, 1955, n.37, p.8-13): este projeto, juntamente com o projeto do “Conjunto Pedregulho”, de Affonso Eduardo Reidy, um dos principais protagonistas da arquitetura moderna, são internacionalmente distintos como exemplares da importante relação entre o objeto e a natureza. Neste artigo, entretanto, o valor compositivo do edifício da Gávea ainda não viria à tona; o projeto é apresentado como possível solução para os trabalhadores que precisam se manter próximo ao seu local de trabalho, representando, para estes, “economia, melhor alimentação, mais tempo para repouso e recreação” e, para a cidade, alívio aos “já sobrecarregados meios de transporte”. Entretanto, é igualmente divulgado como resposta ao problema das favelas que, segundo o artigo, seria pouco a pouco solucionado se a construção de conjuntos residenciais como este fosse efetivada. A imagem das favelas mostra-se ainda vinculada à desordem social: “cortiços e a promiscuidade de vida (…) forçosamente terão que desaparecer, oferecendo ao trabalhador e sua família uma acomodação mais digna”. Desnecessário dizer que soluções como esta, supostamente aplicadas à revelia, não causaram o resultado esperado. É importante ressaltar o erro do Departamento de Habitação Popular (Secretaria Geral de Viação e Obras da Prefeitura do Distrito Federal) ao considerar o modo de viver e de morar dos operários, inseridos na economia informal, e dos funcionários municipais, inseridos na economia formal e, “preferencialmente beneficiários do empreendimento”, iguais. A determinação das funções da vida cotidiana (habitação mínima articulada com jardim de infância, escolas maternal e primária, capela, ambulatório, mercado, campo para prática de desportos e auditório ao ar livre), soluções formais recomendadas ao lado do pilotis e da aplicação da tecnologia do concreto armado, revelam muita mais a forte relação de Reidy com as premissas modernas de Le Corbusier e dos Congressos Internacionais de Arquitetos Modernos (CIAM), do que coerência com os moradores do lugar.

Tanto o Conjunto da Gávea (1952) como o do Pedregulho (1948) são parte de uma série de iniciativas realizadas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), na gestão da engenheira Carmen Portinho no Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. Influenciada por sua experiência no exterior e sempre cercada de arquitetos seguidores da arquitetura moderna viabiliza a construção de vários edifícios habitacionais equipados com serviços sociais, soluções estas opostas aos blocos de apartamentos e às casas, ambos isolados, e amplamente criticados por ela.

Esse período é marcado pela intervenção estatal na produção da habitação em massa, exemplificado pelos artigos relativos ao Plano Nacional de Habitação do governo JK. De “agradável aspecto e sólida construção”, as 1035 unidades habitacionais seriadas e iguais dos “Conjuntos Residenciais operários em Belo Horizonte” (Arquitetura e Engenharia, 1958, n.49, p.VIII-IX), foram vendidas por meio de amortização mensal aos seus ex-combatentes, trabalhadores em geral, e também, trabalhadores da fábrica de cimento Itaú, presente ao lado do empreendimento. Não surpreendentemente, o conjunto foi inaugurado no dia do trabalhador, “com a presença do chefe da nação”. Na prestação mensal, estaria incluída taxa de seguro de vida que garantiria à família do trabalhador a tranquilidade da posse do imóvel em caso de sua morte, como parte das metas do governo de promover a estabilização das vidas dos trabalhadores em um “padrão de justiça e dignidade”.

Com projeto de Oscar Niemeyer, as “Casas populares em Brasília” (Arquitetura e Engenharia, 1958, n.48, p.XII-XIII) apresentam “linhas modernas, harmoniosas e funcionais” e preenchem, segundo o artigo, todos os requisitos de “higiene e conforto”. Entretanto, servem de pano de fundo para a reafirmação do Plano Nacional de habitação do governo JK, que quer libertar o trabalhador dos “encargos de locações, sempre onerosas, e da intranquilidade da luta pela conquista de um lar próprio”. A política administrativa do governo JK reforça a exploração do “sonho da casa própria” do trabalhador, iniciado nos anos 40 pelo presidente Getúlio Vargas.

Ao lado das iniciativas públicas, o investimento das grandes indústrias na construção das casas para seus operários é explicitado. O projeto do “Conjunto residencial para operários” (Acrópole, 1954, n.193, p.1-5) da Tecelagem Paraíba, projeto do arquiteto Rino Levi, tem como ponto de partida o atendimento a dois requisitos, até então ignorados nas soluções para a habitação, segundo o autor do artigo: as “particulares circunstâncias econômicas” do operário de baixo nível técnico e a “qualidade da obra” por meio de “boas condições de confôrto físico e espiritual”. Comparecem as premissas modernas da unidade da habitação, seriada e única, aliada aos anexos de uso comum (centro de saúde, creche, jardim de infância, escola, mercado, igreja, centro social e campo de esportes). Não obstante, respeitam os “costumes dos habitantes da região, que não dispensam o jardim de uso privativo, embora pequeno, e tendo-se em conta as condições econômicas do empreendimento, abandonou-se de início qualquer idéia de prédios elevados”. É clara a preocupação da empresa em proporcionar ao operário todas as funções necessárias para que o seu cotidiano não seja alterado ou prejudicado ao ponto de interferir em sua atividade produtiva. A organização dos serviços e do abastecimento sob a “orientação e direção direta dos proprietários da fazenda”, ainda que por sistema de cooperativa, reforça o argumento do controle social dos operários.

O projeto do “Conjunto residencial para a Mannesmann” (Acrópole, 1956, n.207, p.104-107, projeto do arquiteto Henrique E. Mindlin, em Belo Horizonte, é mais explícito em seu objetivo: “integrar uma população ponderável – cerca de doze a treze mil pessoas na fase final do plano – em um legítimo grupo social, aglutinado em torno das atividades da Companhia Siderúrgica Mannesmann”. Essa previsão é a que corresponde, obviamente, “ao número de pessoas necessárias ao trabalho, à administração e à direção técnica da fábrica, bem como a todos os trabalhos e serviços inherentes à própria existência do Conjunto Residencial”. As habitações se dividem em 3 grupos, em unidades seriadas, evidenciando que, sob o olhar do empreendedor, a resposta para a problemática habitacional está ligada à categorização social dos moradores: alojamento para solteiros, apartamentos para casais sem filhos, casa geminadas para casais com filhos.

Dentro da instância acadêmica, o tema favela é abordado – “Dez milhões de brasileiros moram em favelas e choupanas” (Habitat, 1954, n.16, p.29). Os alunos da Faculdade de Arquitetura de São Paulo, orientados pelos Profs. J. Villanova Artigas e Abelardo de Souza observaram as “condições de vida de seus habitantes, fazendo um censo demográfico” com o objetivo de “apresentar uma solução para a referida favela”. Alguns dados estatísticos sobre este censo aparecem: 529 habitantes em 169 habitações, perfazendo uma média de 5,5 m2 por pessoa, com 2 a 10 habitantes por aposento; os barracões de 20 m2, em média, são localizados em áreas afastadas cerca de 3 horas do trabalho. Quanto aos dados sobre as condições de vida, os autores do artigo dizem ser desnecessário indicá-los, considerando os algarismos suficientes para atestar “a crueza de sua situação”.

O artigo “Projeto de Urbanização de Favela” (Brasil – Arquitetura Contemporânea, 1957, n.12, p.23-28) propõe a implantação de unidades de habitação – blocos de apartamentos ou moradias individuais – para a “massa favelada”. Com os “partidos adotados”, os arquitetos afirmam ser possível tanto a “localização em terrenos planos” e quanto em morros onde as moradias já estejam “anarquicamente” estabelecidas. Os cuidados com a manutenção e higiene são tratados de maneira preconceituosa com claros objetivos de estabelecer comportamentos sociais para a “massa favelada” sem “educação específica”. A “maior preocupação na elaboração dos projetos foi o estabelecimento de um padrão de higiene”, necessária, segundo os arquitetos Guimarães, Brandão e Dodibei, já que “aos moradores, em sua maioria, falta o hábito de uso das peças sanitárias”. Além disso, os espaços de permanência prolongada deveriam ser defendidos da “contaminação proveniente de condições deficientes”. Ao contrário, revela-se a completa ingerência dos arquitetos ao lidar com a questão habitacional e a falta de compreensão do modo de morar dessa “massa”.

Uma outra resposta à questão da habitação é apresentada, utopicamente, como uma releitura da “Casa Giratória” (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.33, p.59), apresentada na década de 1930: uma casa de base circular firme, estruturada em cimento armado, convenientemente assentada no terreno. Entretanto, o artigo não apresenta discussões quanto às possibilidades de ambientação ou alterações dos espaços.

Seguindo a preocupação de racionalização do projeto e da construção, continua a divulgação de materiais alternativos: a argamassa impermeabilizada que resiste ao tempo “Superlit” (Arquitetura e Engenharia, 1951, n.17, p.9); o “quebra sol de cimento amianto Brasilit” (Arquitetura e Engenharia, 1951, n.17, p.65), com finalidades além do seu “primitivo destino” (“cortar a visibilidade”, “dividir ambientes” ou harmonizar esteticamente o edifício); e produtos de “cimento amianto” (Arquitetura e Engenharia, 1952, n.18, p.15) , “100% indicado para o nosso clima”. Além disso, reforçando as premissas modernas dos espaços mínimos para a habitação, “detalhes técnicos” (Acrópole, 1954, n.187, p.349-350) de um banheiro econômico de Oswaldo Arthur Bratke, um dos principais nomes da arquitetura paulista, são publicados.

O uso do pré-moldado continua a ser apontado, a partir de agora tanto na arquitetura habitacional quanto na arquitetura industrial. Em relação à habitação, artigo sobre o projeto do “Conjunto Residencial do IAPI” (Arquitetura e Engenharia, 1955, n.35, p.51), de Eduardo Knesse de Melo, tem como opção estrutural, estacas pré-moldadas de concreto armado. Referindo-se à indústria, o artigo “A pré-fabricação na arquitetura industrial” (Acrópole, 1956, n.212, p.319-323) mostra a construção de um armazém e as vantagens do pré-moldado de concreto armado vibrado como solução elástica e articulada, adequada à montagem e à desmontagem de ambientes. O projeto segue o sistema patenteado pelo Eng. Luis Toschi, sendo este, o primeiro edificado no Rio de Janeiro. A Construtora Edibrás sugere, no artigo, que a aplicação de tesouras de concreto armado seja ampla em todo o Brasil, comprovada a sua eficiência sob “todos os pontos de vista”, principalmente o econômico quando comparada às soluções de tesouras em ferro e ao valor do prêmio de seguro a respeito das estruturas de outro material, como a madeira, por exemplo.

Contrapondo a valorização do cimento e do concreto armado, temos um exemplo puntual, o já apresentado “Conjunto residencial para operários” (Acrópole, 1954, n.193, p.1-5), cujos materiais usados seriam retirados da região: “a construção é prevista aproveitando-se madeira, areia de rio, olaria, e nas oficinas de carpintaria e serralheria e mão de obra da própria fazenda”.

Os anos 1960

Na década de 60, a divulgação de projetos de unidades habitacionais associados aos serviços continua, porém, como foco secundário de discussão. A promulgação dos componentes pré-fabricados, aliado ao estímulo crescente da industrialização da construção, comparece como solução central ao problema habitacional brasileiro.

Hoje, sabemos que a promoção da industrialização da construção não foi suficiente para minimizar os dados estatísticos referentes ao déficit habitacional brasileiro, estimado em 2005 em quase oito milhões de unidades, segundo a Fundação João Pinheiro.

Uma das justificativas para o uso de componentes pré-fabricados, àquela época, era a maior velocidade imposta à construção, argumento presente nos artigos referentes às pesquisas de casas que poderiam ser montadas em tempo recorde – 10 dias, 8 dias, 28 horas, 8 horas, 5 horas e até a casa pronta que sai da fábrica, como veremos a seguir:

(1) “Casa de Fibrocimento” (Dirigente Construtor, 1965, n.7, p39-44): projeto de uma casa-piloto de 72,34m2, montada em 10 dias, que utiliza estrutura de montantes metálicos, preenchida por painéis compostos por folhas de fibrocimento separadas por uma camada de lã-de-rocha e isopor, encaixados e parafusados. O arquiteto Esteban Haasz quer provar o comportamento da casa sob condições diversas de temperatura e clima.

(2) “Fôrmas metálicas” (Dirigente Construtor, 1966, n.3, p.35-37: como “esforço para estimular a construção”, a casa é um sistema baseado em edificações monolíticas que poderia ser construída em 8 dias. “A chave do processo reside no ligante de secagem ultra-rápida, descoberto depois de anos de pesquisa, e que permite a desformagem quase imediata das paredes da casa”.

(3) “Pré-moldados de concreto” (Dirigente Construtor, 1964, n.1, p.46-52): “com um guindaste e sete homens é possível montar, em 28 horas, a estrutura de todo um pavimento de edifício de dimensões regulares com peças pré-fabricadas” – pilares, vigas e lajes nervuradas. Esse resultado foi alcançado pela Ribeiro Franco S.A., de São Paulo, na construção das estruturas de seis dos doze prédios que compõem o conjunto residencial da Cidade Universitária de São Paulo, onde foram utilizados peças de concreto pré-moldado.

(4) “Uma casa em 8 horas” (Dirigente Construtor, 1965, n.10, p.47-49): um equipamento mecânico, especialmente projetado, justapõe com facilidade painéis nervurados de concreto, dois a dois (…). A racionalização alcançada permite, segundo o arquiteto José Alberto Marialva Marques, montar uma casa com área de 37m2 em apenas 8 horas, desde que a mão de obra esteja convenientemente treinada. Não podendo deixar de lembrar das premissas estabelecidas pelo movimento moderno e as “unidades habitacionais” de Corbusier, seguem as seguintes vantagens do sistema, apontadas pelos fabricantes: adaptação a qualquer tipo de projeto arquitetônico; abreviação do tempo de construção; possibilidade de excepcional rendimento de mão-de-obra; redução do desperdício de material a taxa insignificante; boa resistência às intempéries; durabilidade; pouco peso; dispensa de cortes e rasgos; maior espaço útil, devido a pouca espessura das paredes. “Os fabricantes não esperam uma casa de custo sensivelmente inferior a das construções tradicionais, mas acreditam que ela possa competir vantajosamente para a produção em série em face das economias de mão-de-obra e de materiais requeridos pela edificação de alvenaria”.

(5) “Pré-Fabricação pesada” (Dirigente Construtor, 1967, n.3, p.22-26): o sistema permite a construção de uma casa em 5 horas, com a vantagem das habitações poderem ser de quaisquer dimensões e tipos, inclusive sobrados e edificações de vários andares, usando painéis de vedação, piso e cobertura, que saem da fábrica internamente acabados, com os respectivos revestimentos, e já pintados, deixando-se para depois da montagem apenas a última demão de tinta.

(6) “Sai pronta da fábrica” (Dirigente Construtor, 1965, n.12, p.47-53): a casa mínima, de 45 a 50 m2, constitui-se de dois elementos que podem ser montados em apenas três horas, é transportada pronta, restando apenas o trabalho do assentamento sobre os alicerces.

A pré-fabricação era também usada nos projetos dos grandes conjuntos habitacionais financiados tanto pelo governo, por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH), quanto pelas grandes indústrias. O BNH, criado em 1964, era um banco com a função de realizar operações de crédito e gerir o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto.

O artigo “Governo Constrói Casas para Operários do DF” (Brasília, 1965 especial, p.28-29) mostra o projeto de 1.008 casas para as “famílias que atualmente habitam infectos barracos”, parte da construção total de 10.000 moradias, vistas como responsáveis pela “consolidação de Brasília como capital do país”. Assim como este, o projeto apresentado no artigo “Cooperativa Habitacional” (Acrópole, 1967, n.340, p.26-29), assemelha-se aos conjuntos habitacionais dos anos 50 financiados pela indústria, no caso a Usina da Barra, em São Paulo. Seus arquitetos, Oswaldo Corrêa Gonçalves e Heitor Ferreira de Souza, explicam que “dois motivos de natureza social seriam suficientes para justificar plenamente a construção do conjunto habitacional: 1. o atendimento da demanda habitacional existente nas cidades de Barra Bonita e Igaraçú do Tiete; 2. o agrupamento em um conjunto residencial aparelhado com equipamentos sociais básicos, de centenas de famílias que se acham no momento dispersas em vasto área rural”. A estratégia da moradia associada aos equipamentos específicos (escolas, ambulatório, serviço social, recreação, mercado) é mantida, funcionando como instrumento para a “elevação do nível de instrução e cultura dos habitantes do conjunto residencial”.

O “Conjunto Residencial do IPASE” (Dirigente Construtor, 1969, n.7, p.12-16), apresenta 1.977 unidades habitacionais por meio do uso da “pré-fabricação de know-how europeu” com fôrmas metálicas para a execução in loco de paredes portantes de concreto armado. A nova tecnologia é vista, por muitos, como iniciativa necessária para a efetivação da construção industrializada no país. De acordo com o artigo, os projetistas procuram “alcançar uma solução de perfeita integração social dos usuários dos diversos tipos de habitação, evitando-se o seccionamento de zonas em faixas de condições econômicas diferentes”.

O artigo “Pré-Fabricação total” (Dirigente Construtor, 1966, n.6, p.12-16) mostra um sistema de pré-fabricação, baseado na patente francesa Barets, capaz de produzir e montar mais de um apartamento por dia, com áreas variáveis entre 32 e 80 m2. O conjunto Padre Anchieta foi usado como piloto na avaliação do sistema frente às particularidades brasileiras, entre elas, a reação do consumidor e a capacidade técnica produtiva da construtora responsável. O engenheiro responsável, Carlos da Silva, coloca a industrialização da construção como a única saída para “encarar o atual déficit habitacional do País”.

Sendo ponto convergente das disciplinas da engenharia e arquitetura, a industrialização da construção é apresentada pelo engenheiro civil Teodoro Rosso, em seu artigo “Um imperativo inadiável: a industrialização da construção” (Acrópole, 1962, n.279, p.91-93;131-133), como solução para a redução dos custos da construção da habitação na medida em que esta ganhar “um cunho eminentemente industrial”. O autor, que na década de 80 viria a escrever o livro “Racionalização da construção”, evidencia a necessidade de reconsiderar os fundamentos da produção no campo da construção, “para imprimir-lhe um rumo completamente novo mediante a aplicação dos princípios próprios aos sistemas industriais”.

Os argumentos de Rosso para a promoção da industrialização da construção eram justificados, essencialmente, pelos expressivos números do déficit habitacional em relação à produção habitacional e ao aumento populacional: “no nosso país, onde as fontes estatísticas mais categorizadas indicam um déficit atual de 3 milhões de residências, constroem-se cêrca de 100 mil casas por ano. Como consequência, houve por exemplo, no Estado da Guanabara um aumento de favelados de 300 mil em 1952 a um milhão e duzentos mil em 1960”. Ao mesmo tempo, o autor faz uma crítica forte em relação ao modelo convencional da construção, classificado como “um artesanato mais ou menos primitivo, incapaz de dar uma contribuição eficaz e patente” à questão habitacional enfrentada em razão de seus índices de produtividade muito baixos. Mas esquece que este modelo, por outras razões que não a produtividade a qualquer custo, tem sido referência para uma expressiva parcela de autoconstrutores e construtores diretos de edificações.

O autor apresenta as principais “características negativas” do estágio da construção, àquela época – desperdício de tempo, desperdício de materiais, lentidão na execução, previsão do tempo de execução e dos custos, intromissão de leigos, e aponta operações (padronização tipológica, padronização dimensional, padronização normativa de produto, padronização normativa de projeto) como necessárias ao processo de industrialização.

Ao início do século XXI, os problemas em relação à indústria da construção civil no Brasil, detectados por Rosso, ainda permanecem: lento desenvolvimento tecnológico, baixa eficiência produtiva e baixo nível de qualidade do produto final. O setor, de fato, sobrevive dentro de um cenário econômico, político e social bastante variável e com uma formação complexa e heterogênea. Esse cenário, ainda vigente, demonstra, no mínimo, que a resposta para o setor da construção não era tão simples assim. Rosso chega a culpar “a vivacidade e genialidade peculiares ao espírito latino” bem como a “relutância e oposição” à uniformidade como responsáveis pelas dificuldades na implantação da padronização e industrialização da construção.

Preconceituosamente, Teodoro Rosso declara que as possíveis razões estéticas, que podem limitar a liberdade de expressão, devem ter “valor legítimo” somente em construções de luxo. Para o autor, a industrialização da construção responde bem às exigências das edificações econômicas: custo, praticidade, comodidade e higiene.

A industrialização da construção como solução para habitação também é discutida no contexto internacional, em quatro artigos. No primeiro, Richard D. Ahern, em “Cinco fórmulas falsas para habitação” (Arquitetura IAB, 1964, n. 23, p.16-19) faz uma análise crítica dos modelos ocidentais habitacionais por meio de cinco aspectos: densidade versus habitabilidade, distâncias dos percursos dos moradores, cientificidade das unidades de habitação, uniformidade aliada à economia e modernidade do projeto. O autor revela que tem encontrado nestes modelos, “centros comerciais impessoais”, “monotonia”, “planos orientados para o tráfego de automóveis”, “poucos indícios das grandes tradições de ajardinamento” e “uniformidade”.

No segundo, o artigo “Pré-fabricação” (Aquitetura IAB, 1965, n.40, p.5) apresenta, entre outros aspectos, a vantagem do trabalho em canteiro de obra se reduzir “a simples ações de unir elementos pré-fabricados, montá-los, juntar acessórios e alguma decoração”.

O terceiro artigo, “Os arquitetos europeus e a industrialização da construção” (Arquitetura IAB, 1966, n.45, p.25-30), apresenta as opiniões dos arquitetos Jean Prouve, Marcel Lode, E. F. Groosman, Walter Henn e Jean Balladur sobre os problemas da industrialização da construção, da pré-fabricação e da racionalização dos processos construtivos. A nosso ver, um artigo que demonstra as intenções dos arquitetos em acelerar o “período de progresso” por meio da modificação das “dimensões do aparelhamento da produção” bem como reforçar as premissas do modernismo que vê o edifício apenas como objeto.

No quarto artigo, “Módulo-habitação” (Dirigente Construtor, 1969, n.5, p.26-32), o sistema apresentado pela primeira vez no conhecido projeto-modelo Habitat 67, da Feira Mundial do Canadá, despertou enorme interesse pela maior rapidez de execução e pelas possibilidades de operações ao nível do solo, promovendo maior facilidade e segurança.

Nesse amplo cenário de discussão sobre padronização, dimensionamento e racionalização, a normalização modular surge como tema importante no artigo “A coordenação modular e a industrialização da construção” (Arquitetura IAB, 1967, n.57, p.12-14), do arquiteto Fernando Aguirre de Yraola. Ainda que o tema da coordenação modular já tenha sido introduzido desde os anos 60, os arquitetos contemporâneos têm aplicado, quando é o caso, mais a coordenação dimensional de componentes do que a coordenação modular como estratégia do projeto.

Os artigos “Projeto de um sistema de montagem de casa” (Módulo, 1963, n.33, p.18), “Habitações pré-fabricadas, desmontáveis, de crescimento Ilimitado” (Arquitetura Brasileira do Ano, 1967, n.1, p.20-23), “Unidade de habitação pré-fabricada” (Acrópole, 1967, n.343, p.43-45) e “Teatro Nacional de Budapeste” (Arquitetura IAB, 1968, n.74 p.2-3), são exemplos de experiências de arquitetura pré-fabricada. A experimentação da pré-fabricação também comparece na arquitetura do ícone modernista brasileiro, Oscar Niemeyer, com uma solução de projeto de escola que poderia ser replicado por todo o país – “Escola primária” (Módulo, 1963, n.32, p.46-47 já que trata o edifício como padrão.

Na contramão da aceitação das premissas das unidades habitacionais modernas, o arquiteto Paulo Magalhães, no artigo “Habitações transitórias” (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.14-15), critica os programas habitacionais ao afirmar que são, “quase sempre, a multiplicação do projeto de uma casa burguesa, de classe média, simplificada e reduzida a dimensões mínimas, e que, uma vez executados, como tem demonstrado a experiência, deterioram e degeneram em favelas de alvenaria”. Também por outra abordagem, o arquiteto Acácio Gil Borsoi propõe a “Pré-fabricação em taipa” (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.6-9), técnica construtiva usada no Brasil Colônia, mas realizada em processo industrial e modular. Entretanto, o mais importante neste artigo a nosso ver, é a abordagem do autor em relação ao problema da habitação: “a casa é o efeito e não a causa do desequilíbrio social e econômico, e assim sendo, deve ser encarada, como espelho de uma realidade”.

Outra crítica, desta vez ao sistema de industrialização preconizada por nações de economia forte, é feita em dois artigos. No primeiro, “Sistema de Pré-fabricação leve de canteiro” (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.30-31), o arquiteto Jaime Herdoiza Cobo e o engenheiro Aldo Coti-zelati apresentam um sistema, segundo os autores, adequados “às características naturais do nosso país”: “racionalização da construção, produção de elementos pré-moldados de pequeno porte diretamente no local da obra, utilizando materiais e mão-de-obra locais, eliminando o transporte, os equipamentos especiais de levantamento e procurando trazer benefícios de ordem econômico-social para a região”. No segundo artigo, “Pré-fabricação de canteiro” (Dirigente Construtor, 1968, n.10, p.37-42), é apresentado um método desenvolvido para a realidade brasileira: “algumas paredes funcionam como elementos estruturais e recebem um determinado tratamento, enquanto outras são apenas elementos de vedação”.

Nesta década, o destaque dado à industrialização da construção não poderia estar desvinculada às propagandas de técnicas e de materiais que visavam, principalmente, a otimização de tarefas e de tempo nas obras. Para as coberturas, três soluções comparecem. Primeiro, o uso de infláveis no artigo sobre a “Cobertura inflada” (Dirigente Construtor, 1966, n.2, p.26-30), como solução que precisa de leveza e da rapidez na montagem. Segundo, o uso das “Lajes Volterrana” (Acrópole, 1967, n.344, capainterna), representando economia múltipla: redução de escoramento e formas, economia de 70% na mão de obra, sem serviço de armação, redução de prazo de execução, menor peso, maior resistência, concretagem simultânea das instalações, isolação termo-acústica, variedade de dimensões. E, o terceiro, a cobertura “Economit Brasilit” (Dirigente Construtor, 1967, n.12, p.51) associada ao Plano Nacional de Habitação.

Dois artigos tratam de instalações. No artigo “Instalação sanitária para casa popular” (Acrópole, 1963, n.293, p.154), o arquiteto Oswaldo Arthur Bratke apresenta continuação de seus estudos apresentados nos anos 1950 (ver “detalhes técnicos” – Acrópole, 1954, n.187, p.349-350). O artigo “Tubos de interligação de pisos” (Acrópole, 1963, n.293, p.153) apresenta a solução para a “descida de lixo”.

A pré-fabricação também passa a ser usada como propaganda para acabamentos – o reboco pré-fabricado auto-impermeabilizante “Novo Itacreto” (Dirigente Construtor, 1965, n.3, p.39) – e elementos de vedação – “Painel Tigre” (Dirigente Construtor, 1965, n.12, p.46), blocos de concreto “Blocrete” (Arquitetura e Engenharia, 1963, n.64, p.XIII) bem como os “Blocos Arci” (Dirigente Construtor, 1968, n.2, s.p.).

Por outro viés, o artigo “Prensa manual” (Dirigente Construtor, 1966, n.3, p.29-32) apresenta a prensa manual, conhecida mundialmente pela sigla CINVA-RAM, como equipamento importante no setor de habitações de interesse social. A prensa permite a fabricação de blocos econômicos de solo-cimento ou solo-cal, alcançando a produção de 600 unidades por dia com apenas um operador.

Os anos 1970

Os argumentos para que a industrialização da construção brasileira se efetive urgentemente, assim como na década de 50, comparecem no artigo “Subsídios para uma política de industrialização da construção no Brasil” (Acrópole, 1970, n.380, p.32-37 do arquiteto Paulo Bruna. O autor trata, primeiramente, da experiência européia, baseada na idéia central de Walter Gropius que a moradia é um “problema de necessidade das massas”. Sendo assim, nega a possibilidade de qualquer intervenção do usuário no processo industrial de fabricação de casas (devendo ser normalizado e seriado) e amplia a atuação dos técnicos no alcance de resultados satisfatórios no que se refere à economia, mas também, tecnologia e forma. Paulo Bruna coloca a industrialização como base necessária de uma política habitacional mais segura e mais organizada, mas não explicita as consequências para os operários da construção civil embebidos pelo saber dos processos artesanais. Os benefícios do rigor da produção industrializada ficam claros para o leitor (industrial, arquiteto ou técnico), mas nem tanto para os trabalhadores.

Nesse cenário da pré-fabricação e da industrialização, exemplos de habitações são mostrados, mas vinculando a questão habitacional à solução puramente técnica.

(1) Oscar Niemeyer mostra as “Habitações coletivas” (Acrópole, 1970, n.369, p.29) “com o objetivo de enfrentar, em grande escala, o problema habitacional de Brasília”;

(2) o projeto da “Casa-Tubo” (Acrópole, 1971, n.390-91, p.35) trata a moradia como um “objeto, isto é, como resultado de um sistema construtivo”;

(3) a casa apresentada no artigo “Casas Pré-fabricadas em fiberglass” (Acrópole, 1971, n.390-91, p.36) apresenta uma solução dos problemas para “casas de veraneio, acampamentos de obra para locais de dífical acesso”. No mínimo, demonstra o errôneo entendimento do que seja o universo da habitação.

Na contra mão da busca pela resposta aos problemas habitacionais pela tecnologia, são apresentados os programas africanos das “Aldeias Comunais” (Módulo, 1977, n.47, p.24-25) e da “Autoconstrução assistida” (Módulo, 1977, n.47, p.26-27, mostrando que a solução poderia não estar vinculada à tecnologia, O primeiro programa, no vale do Limpopo, utiliza “amplamente a experiência do habitat tradicional” e seus materiais locais. “As famílias são convidadas a construírem inicialmente três peças, aumentado gradativamente a moradia pela justaposição de novos cômodos (um máximo de nove) em torno de um central”. No segundo programa, as operações da autoconstrução são apresentadas como a solução mais adequada à realidade social e econômica de Maputo: “em grupos de oito ou dez famílias apoiadas nos fins de semana, por brigadas de voluntários, as obras são construídas simultaneamente, de acordo com os planos executados pela Direção da Habitação que distribuiu folhetos ensinando como realizá-las e apoiando, através de um estaleiro, com o fornecimento de materiais de construção”.

As propagandas continuam a promover a racionalização da construção e a cultura do cimento e do concreto: as “Lajes Volterrana” (Arquiteto, 1972, n.7, p.6) e o “Verobloco” (Arquiteto, 1978, n.56, p.18). Importante lembrar da divulgação da normalização do bloco de concreto estrutural, em referência ao trabalho do arquiteto Carlos Tauil, “Blocos de concreto com função estrutural agora normalizados” (Arquiteto, 1978, n.56, p.19). Tauil foi um dos pioneiros da implantação da alvenaria estrutural no Brasil e, em 1981, viria a publicar o livro “Alvenaria estrutural”. Nesta matéria publicitária, recomenda a utilização do bloco de concreto, criando a expectativa de ser mais aceito frente ao concreto convencional.

Os anos 1980

No que se refere ao foco de atenção, duas mudanças significativas devem ser ressaltadas. A primeira, em relação à importante análise crítica sobre as políticas públicas habitacionais e os processos de produção no canteiro de obras bem como as diretrizes do urbanismo e das habitações do movimento moderno. A segunda, referindo-se às experiências dos projetos habitacionais internacionais da Argentina e de Cuba, e não mais somente os da Europa.

A dimensão política da habitação é tratada em dois artigos. Em “A política habitacional como mecanismo de acumulação e legitimação” (Projeto, 1985, n.77, p.104-106), o “elevado grau de participação do Estado na provisão das condições gerais de produção e manutenção da harmonia social” é ressaltado. Os argumentos trazidos da dissertação de mestrado do arquiteto Pascoal Mário Costa Guglielmi, sintetizados neste artigo, demonstram que “a política habitacional, refletindo a lógica desse Estado, longe de constituir-se num mecanismo de enfrentamento do problema de carência de moradias, é utilizada como implemento político a gerar renda e empregos no campo econômico pela articulação de medidas de cunho social. Dessa forma, os insucessos experimentados ao longo de seus vinte anos de existência podem ser atribuídos ao fato de a produção habitacional não lhe ser o objetivo final, mas o meio pelo qual se busca garantir os objetivos do Estado de garantir a acumulação (pelo carregamento de recursos ao setor privado da economia) e a legitimação (pela abordagem de uma questão popular central como a da casa própria)”.

Já o artigo “Habitação popular” (Módulo, 1984, n.81, p.53-57 apresenta a trajetória das COHABs no Brasil e o caso específico de Belo Horizonte. O arquiteto Ralfo Edmundo Matos distingue três períodos de atuação do órgão: a) do início de seu funcionamento até 1969; b) de 1970 a 1974; c) de 1975 até 1980. Como conclusões o autor faz as seguintes considerações: “somente em 1982 é que o total de unidades vendidas pela COHAB em Belo Horizonte obteve um índice representativo, isto é, 13% do total de habitações legalmente construídas em Belo Horizonte. Entretanto, sabemos que a grande maioria das habitações são construídas clandestinamente. Em Belo Horizonte, o volume de construções irregulares gira em torno de 70% do total edificado. Raramente ocorre uma participação das unidades habitacionais legalmente aprovadas acima de 40% do total de habitações construídas em Belo Horizonte. Isto significa que, em termos de alojamentos populares, os esforços realizados nas periferias urbanas (na forma de mutirão, auto construção, ou empreitada), com base em pequenas poupanças arduamente acumuladas, são de longe os principais responsáveis pela produção de habitação a nível de baixa renda.”

Outra crítica, feita por Ermínia Maricato, refere-se às contradições entre os equipamentos consumidos e a qualidade da construção e do espaço das moradias. Seu artigo “Os equipamentos da casa popular” (Módulo, 1982, n.69, p.28-30), mostra que “o interior da casa popular revela, aos olhos de quem o analisa, as contradições da vida doméstica, do universo ideológico, do padrão de consumo, enfim do proletariado”. E constata que “o padrão de consumo criado pelo tipo de crescimento industrial adotado pelo capitalismo brasileiro a partir dos anos 50, que se combina contraditoriamente a uma situação de baixo poder aquisitivo e de precariedade das condições de vida das massas trabalhadoras”.

Tardiamente, mas em tempo, a necessidade do reconhecimento do favelado como “cidadão urbano completo” é expressa pelo arquiteto Hartmut Thimel no artigo “Habitação para população de baixa renda” (Módulo, 1984, n.81, p.66-69). O autor propõe os esquemas de autocosntrução e mutirão como adequados “às aspirações e condições sócio-cultural-econômicas da população”.

Nada mais oportuno, nesse cenário, do que a presença da resenha do livro “O canteiro e o desenho” (Chão – Revista de Arquitetura, 1980, n.8, p.30-31), do arquiteto Sergio Ferro, escrita por Paulo Bicca. “Sérgio Ferro nos mostra o ritual do projeto e o papel dos sacerdotes, sem os mistérios e os paramentos que os representam sempre travestidos e os encobrem com o manto da mistificação. Pela critica radical do projeto arquitetônico e suas relações com o canteiro, Ferro desmistifica as relações existentes entre o conceber e o construir. Ao romper com as visões fetichizadas e fetichizadoras da produção da arquitetura, a sua crítica nos mostra os vínculos existentes entre o projeto e o canteiro não como relação entre coisas, mas como relação entre trabalhos socialmente distintos e antagônicos, medializados por coisas: trata-se, no caso, do trabalho do arquiteto e das suas relações conflitantes com o trabalho dos operários da construção”. Bicca considera a abordagem de Ferro, uma ‘revolução teórica’, no domínio da critica arquitetônica.

Ainda que outras críticas não tenham o caráter revolucionário do livro de Sérgio Ferro, devem ser consideradas relevantes frente às restrições políticas enfrentadas desde a época da ditadura. No artigo “As Dimensões da Habitação” (Projeto, 1985, n.77, p.95-103), de Thereza Christina Couto Carvalho, são discutidos subsídios para a análise do bom desempenho dos conjuntos habitacionais. Em uma análise inicial destes, a autora revela a “artificialidade, no que são conspícuos, nada tendo a ver com a paisagem da cidade, que se organizou naturalmente”, criticando a racionalização e imposição “de um padrão de ordenação espacial, de cuja elaboração não participou, todavia, a população diretamente atingida pelo empreendimento daí resultante”. Em seguida, demonstra que “a natureza peculiar dos conjuntos habitacionais parece manter, por conseguinte, estreita relação com um processo de produção, que condiciona a oferta de moradias aos critérios da economia de escala, reduzindo a possibilidade de escolha e/ou participação do beneficiário final”.

No artigo “Arquitetura e Indústria” (Módulo, 1984, n.80, p.46-49), Roberto Pontual apresenta a relação entre a indústria, o uso intensivo do cimento e o trabalho dos arquitetos. “Propícia à indústria, a atualidade da arquitetura avança impulsionada por um vasto confronto entra a auto-construção e a construção em cadeia. De um lado, os supermercados de bricolage, cada vez mais frequentes e sofisticados nas grandes cidades, oferecem a qualquer um todos os materiais e instrumentos necessários à construção da própria casa. Ao mesmo tempo, não poucos arquitetos e urbanistas – a exemplos de Walter Segal, Lucien Kroll, Doris e Ralph Thut, Christopher Alexander – decidiram-se a abandonar a reclusão de seus gabinetes para trabalhar em contato muito estreito com esse novo tipo de usuário construtor”. Além da apresentação de paradoxos vividos pela arquitetura, o autor demonstra que na medida em a industrialização da construção não ocorre de fato, mas sim uma mecanização de tarefas, uma outra gama de possibilidades para a habitação social surge, entre elas, a autoconstrução.

Um outro importante questionamento sobre os conjuntos habitacionais é feito no artigo “Cidade funcional versus figurativa” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.9, p.64-66), a partir da constatação do arquiteto Carlos Eduardo Comas de que “os conjuntos habitacionais endossam um paradigma de projeto da cidade funcional, inspirado na Carta de Atenas”. Embora essa constatação não seja de fato surpreendente, permitiu a elaboração de uma comparação entre os aspectos morfológicos da funcional e da cidade, chamada por Comas, de figurativa. A hipótese do autor é “trabalhar com a população a partir de dados significativos mais concretos”, derrubando a imagem do arquiteto “super-homem” veiculado pelo movimento moderno.

A “perda do caráter humanístico-ideológico da Arquitetura Moderna”, apontado por Comas, bem como a “ausência de reflexões críticas” dentro das escolas de arquitetura, são os pontos de partida da entrevista com o arquiteto Jon Maitrejean, no artigo “Sem (essa) estética” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.7, p.44-45). Maitrejean afirma que “a arquitetura existiu com intenção humanística nesses 40 anos mas não produziu nada significativo para o povo”. As faculdades não potencializaram a discussão da arquitetura, segundo o arquiteto, e aponta o surgimento das revistas Projeto e AU como importantes nesse cenário acrítico vivido até então.

Nesse cenário, exemplos da arquitetura argentina e cubana são buscados talvez com o objetivo de tentar fazer brotar a crítica ainda incipiente aos anos modernistas. O artigo sobre o “Conjunto Habitacional Soldati” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.9, p.50-52) parte da constatação do grave problema habitacional na Argentina “onde aproximadamente 1/3 da população vive em habitações precárias”. A fim de “evitar massificação do conjunto e o efeito negativo sobre seus habitantes”, o arquiteto Jorge Goldemberg afirma ter procurado “individualizar as moradias, criando situações variadas na estrutura ordenada e bastante econômica”. Entretanto, o conjunto de unidades de habitação, associado aos centros comerciais, escola e hospital, abrigando uma população estimada em 24.000 habitantes, parece ter respondido muito mais as premissas do movimento moderno. Para o conjunto de Soldati foram transferidas populações que viviam em favelas próximas à Estação de Retiro e na zona onde se erguia o Hotel Sheraton.

Diretamente de Buenos Aires, a correspondente Layla Y. Massuh, entrevistou o historiador Félix Luna, o poeta e romancista Nicolás Cócaro e o arquiteto Juan Molina e Vedia, em artigo “De cinzas a diamantes” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.7, p.80-81). Uma importante conclusão é colocada como parte das reflexões de todo o texto: “temos que ensinar nas nossas Faculdades que para fazer uma Arquitetura criativa não se necessita alta tecnologia. Na busca da simplicidade dentro da qualidade e de modelos ligados a nossa realidade está o caminho da arquitetura latino-americana”. No artigo seguinte, “Deslocando o eixo” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.7, p.82-83), Layla Y. Massuh conversou com os arquitetos José Luis Bacigalupo, Francisco Garcia Vazquez e Jorge Osvaldo riopedre sobre os problemas urbanísticos argentinos e a proposta de desenvolvimento urbano para a Patagônia.

Na sequência, Lívia álvares Pedreira entrevista o arquiteto Roberto Segre sobre os impasses da arquitetura cubana, intitulada “Para uma reformulação” (Arquitetura e Urbanismo, 1986, n.7, p.84-87. Referindo-se às possibildiades de sanar o problema da habitação, Segre afirma que “no capitalismo, a tecnologia apropriada é uma tecnologia segregada através da qual se tenta resolver problemas sem a participação econômica e industrial do país”. Entretanto, questiona a repetição da arquitetura vernacular ou a casa do camponês com teto de duas águas como solução da habitação.

Com relação às propagandas de técnicas e materiais, estão presentes os módulos metálicos, as telhas, blocos e uma discussão sobre o uso da madeira, em contraponto com a intensidade de menções ao cimento e ao concreto armado. Na sessão “Memória” da revista, o artigo “Vamos construir com a madeira” (Módulo, 1985, n.87, p.20-21) apresenta uma discussão sobre o uso desse material. O construtor José Zanine Caldas afirma que o Brasil não aplica a madeira na construção, como deveria na medida em que o país é uma “nação florestal”, resultante de uma “campanha muito grande e mentirosa” sobre o material. Não obstante, essa percepção deve estar aliada ao fato de que o país tem promulgado o uso do cimento e a implantação de indústrias nacionais. Zanine propõe o reaproveitamento deste material como matéria-prima para a autoconstrução e afirma: “se esses 40% da nossa população que hoje vivem em condições subumanas tivessem consciência de que podem construir uma boa casa em madeira, eles hoje estariam vivendo melhor”.

Os módulos metálicos foram apresentados no artigo “Rapidez e baixo custo na habitação” (Projeto, 1984, n.61, p.49-53), mas, de fato, aplicáveis em alojamentos, ambulatórios, escolas, sanitários coletivos por meio de um módulo embrião, que pudesse ser fabricado em escala industrial. Também no artigo “Módulo Metálico” (Arquitetura e Urbanismo, 1988, n.20, p.112) o módulo metálico UMA – Unidade de Móvel Autônoma – é apresentado para hospital, posto de vacinação volante, unidades de pesquisa avançada, postos de fronteira, escolas e alojamento em canteiro de obras”. Como nos anos 1970, as propagandas de pré-moldados – “Premo” (Arquitetura e Engenharia, 1989, n.161, p.1), e telhas de cimento amianto – “Telhas Eternit” (Módulo, 1982, n.72, capa interna), ainda comparecem.

Os anos 1990

Nesse período, cresce a divulgação de projetos de pesquisas vinculados à questão habitacional realizadas, sobretudo, nas universidades brasileiras. Mas, também, práticas alternativas às existentes começam a fazer presença. Um exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa em Tecnologia de Arquitetura e Urbanismo (NUTAU/USP), apresentado no artigo “Universidade cria pré-moldados para autoconstrução” (Projeto, 1996, n.193, p.24), que tem o principal objetivo de aumentar a eficiência da autoconstrução no país através da oferta de pré-fabricados adequados. Outro exemplo são os edifícios do alojamento de estudantes, da creche-escola, do restaurante e do centro comunitário, construídos em pré-fabricados de cerâmica e executados pelo “Laboratório de Habitação Popular” (Arquitetura e Urbanismo, 1991, n.35, p.16) da Unicamp. A tecnologia, aperfeiçoada pelo arquiteto Joan Villá, tinha sido aplicada em outras obras para a população de baixa renda das cidades Duartina e Socorro (SP), além de um conjunto no bairro de Grajaú, São Paulo.

E, por fim os trabalhos do Grupo de Habitação da Universidade de São Carlos, intitulado “Casas sem limites” (Arquitetura e Urbanismo, 1998, n.75, p.19). O GHab é composta por uma equipe que procura “desenvolver conceitos e técnicas aplicáveis à habitação, não apenas habitação social”. Além de “pesquisar processos de pré-fabricação em madeira, terra crua, concreto e materiais sintéticos, os trabalhos procuram apontar novas formas de morar adequadas aos recentes modelos de família”.

Outras pesquisas, patrocinadas por empresas privadas, comparecem. Por exemplo, o projeto da “Cojan” (Arquitetura e Engenharia, 1990, n.162, p.9-11), objetivando o aumento da produtividade e qualidade das obras. “Os pressupostos iniciais se fundamentaram na busca de autonomia para se operar em qualquer região, a partir da instalação de usinas de canteiro, além de se ter condições de maior flexibilidade nos moldes de fabricação, podendo atender aos mais variados projetos. Os resultados positivos desse trabalho podem ser confirmados com a entrega de mais de 10.000 unidades habitacionais no sistema COJAN de construção industrializada, em seus 10 anos de operação em diversos pontos do país”.

Em contraponto, o artigo “A casa de Albano” (Arquitetura e Urbanismo, 1992, n.41, p.40-43) revela toda a simplicidade e coerência da autoconstrução em taipa e palha.

A presença da habitação como tema de discussão parece estar garantida ainda por décadas. O pré-debate da Conferência das Nações Unidas de Istambul, 1996, relacionou não só a moradia como foco de atenção, mas, naturalmente, suas vinculações como urbanização, posse de terra, gestão urbana e mesmo a participação feminina, além do “direito à cidade”, instaurado por Henri Lefèbvre na década de 60.

Nesse sentido, dois conjuntos habitacionais são apresentados no artigo “O direito ao centro” (Arquitetura e Urbanismo, 1996, n.63, p.42-48) como “provas do amadurecimento profissional” em um “período em que a resistência, reivindicada como atitude projetual, revela-se a principal baliza dos debates sobre a arquitetura na América Latina”. O primeiro projeto, de Siegbert Zanettini, em Cubatão (SP), “revela-se uma experiência relevante, em especial por incorporar o conceito de industrialização da construção e pelo incentivo à pesquisa tecnológica do qual deriva”. O outro projeto, da equipe Co-Opera-Ativa, na Cidade de Deus (RJ), baseia-se em “módulos dimensionais”, usados como o jogo infantil Lego. “Há quase dez anos a equipe descobriu a relação entre esses elementos e os módulos embriões que já adotava em seus projetos e conseguiu 6 mil peças em regime de comodato, cedidas pelo fabricante, que desde então se somam à prancheta e ao computador como ferramentas para a concepção dos projetos”.

Entretanto, a promoção da pré-fabricação e da industrialização continua. No artigo “Estruturas Pré-Fabricadas” (Arquitetura e Urbanismo, 1991, n.36, p.91), a construção industrializada é apresentada “como um processo construtivo resistente de fácil manutenção”, que “aceita os mais variados tipos de acabamentos e soluções arquitetônicas e possibilita ampliações ou desmontagens com reaproveitamento de todos os componentes. Essas características, além de reduzir custos e prazos, viabilizam projetos de pequeno, médio e grande porte em setores comerciais, agrícolas e industriais como galpões, creches, escolas, supermercados, hospitais, moradias etc”. Uma eficiência absoluta inquestionável.

Tanto parece ser verdade que projetos de arquitetos, ícones do modernismo, interessados não mais do que na viabilização da pré-fabricação fazem-se presentes. Três projetos de Eduardo Kneese de Mello são apresentados. O primeiro artigo, “Casa pré-fabricada Uniseco” (Arquitetura e Urbanismo, 1993, n.45, p.85), explicita a intenção do arquiteto em viabilizar a indústria Uniseco no país. O segundo projeto – “Crusp SP” (Arquitetura e Urbanismo, 1993, n.45, p.86), com a colaboração dos arquitetos Joel Ramalho Jr. e Sidney de Oliveira, faz uso de processos de pré-fabricação que atingem tempos recordes de construção. E o terceiro, o “Conjunto Jardim Ana Rosa” (Arquitetura e Urbanismo, 1993, n.45, p.87, pensado numa “perspectiva urbana e coletiva”.

O projeto de Lucio Costa, “Parque Guinle” (Arquitetura e Urbanismo, 1991, n.38, p.92-98) é apresentado como uma “obra de grande maturidade expressiva” que evidencia uma “imagem de eficiência, forte e caracterizante”; o artigo “Conjunto Habitacional Cohab Campinas” (Arquitetura e Urbanismo, 1996, n.63, p.68) retoma um exemplo dos anos 1970. Do México vem a experiência no “Conjunto habitacional para operários” (Arquitetura e Urbanismo, 1994, n.56, p.94-96), com parâmetros não tão diferentes do que os brasileiros – o baixo orçamento fixado. “Casas em balanço” (Arquitetura e Urbanismo, 1998, n.76, p.44-46), do grupo holandês MVRDV, que viria a ser ícone da arquitetura contemporânea, atende a uma população de cem idosos “em ‘nichos’ que pendem em balanço” e “buscam a luz leste-oeste, garantindo a necessária insolação em todos os apartamentos, mesmo durante o rigoroso inverno holandês”.

As matérias publicitárias permanecem dentro do mesmo objetivo: atender as demandas da industrialização – ver “Produtos” (Arquitetura e Engenharia, 1990, n.163, p.44) e “Materiais e serviços” (Projeto, 1995, n.190, p.30). Estão presentes também os blocos, já anteriormente divulgados: “Prensil” (Arquitetura e Urbanismo, 1994, n.56, p.39).

Fonte: IBGE teen/www.arquitetura.ufmg.br

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