Dia do Hospital

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2 de Julho

 

Um hospital é um estabelecimento destinado ao atendimento e assistência aos pacientes através de profissionais médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar e serviços técnicos por 24 horas, 365 dias por ano e com tecnologia, equipamentos, instrumentos e farmacologia adequados.

Existem três tipos de hospitais: primeiro, segundo e terceiro níveis, sendo o seu atendimento menor complexidade. Dentro deles, os pacientes são tratados com deficiências que vão desde cuidados simples a muito sérios, críticos, paliativos ou mesmo terminais.

Breve História dos Hospitais Da Antiguidade à Idade Contemporânea

Antiguidade

O início

Na análise dos primórdios da história da humanidade, dificilmente encontramos, na Antiguidade, a denominação de um local específico, onde pessoas doentes fossem aceitas para permanência e tratamento por elementos com algum conhecimento, seja de doenças, seja da “vontade divina”.

Num sentido geral, pobres, órfãos, doentes e peregrinos, misturavam-se no que se refere à necessidade de cuidados.

A indicação da palavra hospital origina-se do latim hospitalis, que significa “ser hospitaleiro”, acolhedor, adjetivo derivado de hospes, que se refere a hóspede, estrangeiro, conviva, viajante, aquele que dá agasalho, que hospeda. Assim, os termos “hospital” e “hospedale” surgiram do primitivo latim e se difundiram por diferentes países. No início da era cristã, a terminologia mais utilizada relacionava-se com o grego e o latim, sendo que hospital tem hoje a mesma concepção de nosocomium, lugar dos doentes, asilo dos enfermos e nosodochium, que significa recepção de doentes.

Encontramos, na história, outros vocábulos que salientam os demais aspectos assistenciais

gynetrophyum = hospital para mulheres.

ptochodochium, potochotrophium = asilo para pobres.

poedotrophium = asilo para crianças.

gerontokomium = asilo para velhos.

xenodochium, xenotrophium = silo e refúgio para viajantes e estrangeiros.

arginaria = asilo para os incuráveis.

orphanotrophium = orfanato.

hospitium = lugar onde hóspedes eram recebidos.

asylum = abrigo ou algum tipo de assistência aos loucos.

Da palavra “hospitium”, derivou hospício, que designava os estabelecimentos que recebiam ou eram ocupados permanentemente por enfermos pobres, incuráveis ou insanos. As casas reservadas para tratamento temporário dos doentes eram denominadas “hospital” e, hotel, o lugar que recebia pessoas “não doentes”.

A tentativa de recuar no tempo, faz-nos observar que a amplitude do termo

“hospital” seja analisada, concomitantemente, com as práticas médicas, aliadas aos cuidados com os enfermos e o lugar onde essas práticas eram exercidas ou propiciadas.

O exercício da prática médica na civilização assírio-babilônica é comprovado por alguns documentos e fatos: a biblioteca do palácio de Nínive, que continha peças de argila, apresentando, em escrita cuneiforme, textos (de ou para) médicos, documentando tal atividade, desde 3000 anos a.C. O código de Hamurabi (2.250 anos a.C) regulamentava a atuação, a remuneração e os castigos recebidos pela ne-gligência médica. Porém, nada restou que permitisse saber onde e como essas atividades eram exercidas, pagas, fiscalizadas ou julgadas.

Entretanto, Heródoto, referindo-se a épocas remotas, indica-nos um mercado, onde os doentes eram conduzidos para serem interpelados sobre o mal que os afligisse:

“Os doentes eram conduzidos ao mercado, porque não existiam médicos. Os que passavam pelo doente interpelavam-no com o intuito de verificar se eles próprios tinham sofrido o mesmo mal ou sabiam de outros que o tivessem tido. Podiam, assim, propor o tratamento que lhes fora eficaz ou eficaz na cura de pessoas de suas relações. E não era permitido passar pelo doente em silêncio. Todos deviam indagar a causa de sua moléstia”.

(Heródoto apud Campos, 1944:10)

Escritos em papiros, compêndios médicos, classificação de doenças, descrições de intervenções cirúrgicas e uma abundante farmacopéia, com a catalogação – e respectivos empregos – de mais de 700 drogas, fascinam os estudiosos, sem falar das técnicas de preservação de cadáveres – mumificação – que ainda hoje admiramos. Os papiros mais importantes são de Ebers, uma enciclopédia médica que descreve a prática da medicina no século XVI a. C.; de Edwin Smith, verdadeiro compêndio de patologia externa e cirúrgica óssea, cujas origens podem ser retraçadas até 3.000 anos a. C.; de Leide, que trata da medicina do ponto de vista religioso; e de Brugsch.

É através do papiro de Leide, que se refere à união entre conhecimento científico e prática religiosa, a informação de que em cada templo existiam escolas de medicina, sendo as mais importantes as de Tebas, Menfis, Sais e Chem, havendo ambulatórios gratuitos, para a prática dos estudantes, futuros sacerdotes médicos (Molina, 1973:5), (Paixão, 1960:12).

Se não há menção a hospitais (e, também, a enfermeiros), aparecem leis civis e religiosas que recomendam dar hospitalidade e facilitar o auxílio a enfermos e desamparados, sendo que médicos, mantidos pelo Estado, tratavam gratuitamente os doentes durante as guerras e, mesmo, aqueles que realizavam longas viagens.

Os primeiros sinais

Deve-se ao budismo a propagação das instituições hospitalares. Segundo Mac Eachern (apud Campos, 1944:13), Sidartha Gautama, o Iluminado (Buda), cons-truiu vários hospitais e nomeou, para cada dez cidades, um médico já “formado”, prática continuada por seu filho Upatise.

Em ordem cronológica, vários autores indicam a existência de hospitais: anexos aos mosteiros budistas, em 543 a.C. (Puech); existentes no Ceilão, entre os anos 437 e 137 a.C. (Garrison); vários hospitais mantidos em diferentes lugares, “providos de dieta conveniente e de medicamentos para os enfermos, preparados por médicos”, por Dutha Gamoni, em 161 a.C (Robinson); 18 hospitais, providos pelo rei Gamari, no Ceilão, em 61 a.C. (Puech). Da mesma forma, aparecem as primeiras referências a enfermeiros (geralmente estudantes de medicina): eles deveriam ter “asseio, habilidade, inteligência, conhecimento da arte culinária e de preparo de medicamentos. Moralmente deveriam ser puros, dedicados, cooperadores” (Paixão, 1960:13). Na Índia existiam ainda hospitais reservados ao tratamento de animais. Dentre os médicos hindus sobressaem-se Chakara (primeiro século da era cristã), que se especializou no uso de drogas anestésicas e é autor de uma enciclopédia médica; e Susrata, cirurgiã, que realizava operações de hérnias, cataratas e cesáreas.

Moisés, o primeiro legislador e profeta do povo hebreu, não tratou somente de aspectos religiosos. Seus preceitos de higiene, aplicados não apenas ao indivíduo e à família, mas a toda a coletividade, o destaca entre os grandes sanitaristas de todos os tempos. As prescrições mais conhecidas referem-se ao contato com cadáveres, às mulheres durante a menstruação, à gravidez e ao puerpério, às doenças de pele, às doenças contagiosas e aos leprosos. Quanto à existência de hospitais permanentes, nada sabemos a este respeito em Israel.

Entretanto, ao lado dos deveres sagrados de proteção aos órfãos e viúvas, e de hospitalidade aos estrangeiros, havia também o de amparo aos enfermos: em albergues gratuitos para viajantes pobres e em hospedarias existia um lugar especial reservado aos doentes. A importância da obra coletiva em favor dos enfermos ganhava destaque em caso de calamidade pública, quando se instalavam hospitais para a população. Além disso, havia o costume de visitar os doentes em suas casas.

Em se tratando de persas, fenícios e sírios, apesar da documentação histórica nos apresentar um quadro de povos altamente evoluídos na navegação, na enge-nharia, na arte bélica etc., praticamente nada se sabe da existência de hospitais, e pouco no que se refere aos cuidados da saúde e da doença.

Apenas em relação à base das doutrinas médicas persas – Ormuzd, princípio do bem, e Ahriman, princípio do mal – encontramos menção no livro de Zoroastro: plantas medicinais (“criadas” por Ormuzd) e enumeração de 99.999 doenças. Entretanto, algumas fontes históricas referem-se a “hospitais” para pobres, onde estes eram servidos por escravos, sem esclarecer sua “independência” ou não de aspectos “assistenciais”, ou seja, devotados aos pobres e necessitados, em geral, órfãos, viúvas e viajantes. A medicina chinesa, assim como sua concepção do universo e sua filosofia, apresentam diferenças quanto à maioria dos povos orientais: o princípio das manifestações populares opostas, os cinco elementos e o culto dos antepassados atravessam toda civilização e impregnam o conceito de saúde e doença. Sobre o perfeito equilíbrio entre o princípio positivo masculino Yang e o negativo feminino Ying, se fundamentam a saúde, o bem-estar e a tranquilidade.

O que mais nos interessa é que os ensinamentos do médico hindu Susruta chegam à China, no século III, assim como a influência do budismo, fazendo florescer toda uma “rede” de hospitais: instituições para tratamento de doentes em geral, cuidados por enfermeiros (e mantidos, principalmente, pelos sacerdotes de Buda); instituições similares, com parteiras; hospitais de isolamento para doenças contagiosas e casas de repouso para convalescentes. Mas, também, a proibição de dissecação de cadáveres se impôs, impedindo o desenvolvimento da cirurgia. Os documentos não nos esclarecem sobre a causa da decadência geral da organização hospitalar que, pouco a pouco, foi abandonada, voltando-se a medicina para aspectos mais astrológicos.

A influência da medicina chinesa chegou ao Japão, sobretudo através da Coréia, sendo que o hospital mais antigo de que se tem registro foi criado em 758 d.C., pela imperatriz Komyo. Dois aspectos se salientam: a utilização de águas termais e o grande incremento da eutanásia. Em 982 d.C., o livro Ishinho, escrito por Yasuyori Tamba, faz referências a hospitais exclusivos para portadores de varíola.

A rígida estratificação da sociedade japonesa refletiu-se na atividade médica, sendo os profissionais divididos em categorias. Foram as guerras civis que fize-ram entrar em decadência o sistema de atendimento médico no Japão. Ao tempo da chegada dos navegantes portugueses, pouco restava da organização hospitalar, tendo sido São Francisco Xavier o responsável pelo estabelecimento de hospitais de tratamento gratuito à população (aproximadamente 1549 d. C.).

A origem da medicina grega mescla-se também com a religião. Apolo, o deus sol, da mesma forma é o deus da saúde e da medicina. Seu filho Asclépios – Esculápio – é o primeiro médico.

Portanto, as primeiras figuras humanas a exercerem a “arte de curar” são os sacerdotes dos templos e, estes, os primeiros locais para onde afluem os doentes. No início, são movimentos espontâneos, pois os enfermos iam orar ao deus, pedindo cura para seus males. Aos poucos, com o número desses enfermos aumentando, foi necessária a criação de lugares apropriados e, finalmente, por iniciativa dos sacerdotes, os novos templos foram erigidos em locais de bosques sagrados, com fontes de água de propriedades terapêuticas, para atender aos doentes.

Surgem, a seguir, como um desenvolvimento do conceito de “hospedagem”, ou seja, atendimento de viajantes doentes, os iatreuns, lugares públicos de tratamento, servidos por médicos que não pertenciam à casta sacerdotal. Muitos não passavam de residência dos médicos e seus estudantes, que acolhiam enfermos.Outros representavam local de “internação” de doentes, sob a supervisão dos especialistas (medicina empírica, eivada de magia e feitiçaria, pelo menos nos primeiros tempos). De qualquer forma, os iatreuns passaram a funcionar também como escolas de medicina.

A preocupação

No século de Péricles (IV a.C.) surge um dos maiores médicos da humanidade – Hipócrates -, nascido na ilha de Cós (pertencente a uma das famílias supostamente descendentes de Apolo) e educado no templo de Asclépios, aí existente, por seu pai – médico -, pelos médicos-sacerdotes da região e pelo famoso médico Heródico (de quem recebeu ensinamentos na Trácia), e cuja atuação, observando o ser biológico e sua vida interior, deixando de lado a divindade e os “mistérios”, divide a história da medicina na Grécia em dois períodos: o pré e o pós-hipocrático.

Desde sua fundação, em aproximadamente 753 a. C., Roma apresenta um povo guerreiro, sendo sua civilização voltada para a conquista e a luta pelo poder. Em consonância com essas características, o indivíduo recebe cuidados do Estado em sua condição de cidadão destinado a ser bom guerreiro. Não existe a preocupação com o aspecto humano e pessoal.

Os diferentes locais de atendimento foram as medicatrinas, uma transformação dos iatreuns gregos, assim como os tabernae mediocorum (consultórios médicos), surgidos em 290 a.C.; os valetudinários, datados do século I a.C., destinados a recolher e tratar de familiares e escravos, privativos de grandes famílias, principalmente donos de terras. Havia ainda os valetudinários abertos ao público em geral, como instituições com finalidades lucrativas (que alguns historiadores contestam, da mesma forma que afirmam não haver documentação que prove a existência de valetudinários municipais e estatais), servidos de médicos (medicus a valetuninario) e enfermeiros (geralmente escravos – como uma grande parte dos primeiros médicos – e poucas mulheres, denominados versus a valetudinario); os valetudinários das palestras, cuja finalidade era atender a valetudinário. Contrapunham-se os medicus a bibliotecis, que se dedicavam à teoria e ao ensino da medicina, desenvolvido principalmente pelos médicos gregos que se fixavam em Roma. Somente em 46 d.C., Júlio César deu grande dignidade à profissão médica, concedendo a todos que a exerciam a cidadania romana.

A edificação

Quanto aos valetudinários militares, foram os mais importantes, representando, mais que todos os outros, verdadeiros hospitais em tamanho, complexidade e pessoal. Inicialmente, incorporados aos exércitos, havia médicos militares, tratando tanto de soldados feridos quanto dos que se encontrassem doentes. Após as bata-lhas, casos considerados “leves” eram atendidos ou a céu aberto ou em tendas armadas para tal fim. Para os casos mais graves, dispunha-se de hospitais de campanha, que se tornaram cada vez mais completos.

Ruínas de tais instituições foram encontradas nas margens do rio Danúbio, em Viena, em Baden (Suíça) e em Bonn (Alemanha). Este último constitui-se “de construção de forma quadrada, com um pátio no centro. As alas do edifício medem 83m cada. Os feridos eram internados em salas com capacidade de três leitos cada, bem iluminadas e arejadas”. As enfermarias se comunicavam com um pátio central quadrangular. “Havia lugar para os enfermeiros, médicos e depósito de medicamentos”, assim como cozinha. “A localização norte-sul do edifício corresponde a critérios modernos”. Alguns desses hospitais militares “tinham capacidade para 200 leitos, segundo a descrição feita por Vegezio (século IV d.C.). O hospital militar era supervisionado pelo chefe do acampamento e dirigido por um médico” (Munaro et al, 1974:7-8). Da mesma forma que os exércitos, em terra, cada navio de guerra possuía um profissional médico, considerado oficial não-comba-tente, com posto de “principal”, dependendo “diretamente do comandante ou do tribuno das legiões” transportadas (Campos, 1944:33).

Podemos dizer que, na Antiguidade, antes do advento do cristianismo, encontramos civilizações altamente desenvolvidas em vários setores da atividade humana, mas pouco no que refere à assistência à saúde, tanto individual quanto coletiva. Coube, geralmente, à religião, o cuidado com os doentes, em algumas culturas em forma de monopólio, ao lado de outros aspectos assistenciais: órfão, viúvas, pobres e viajantes. O estado, na acepção latu sensu da palavra, teve pouca atuação no setor, da mesma forma que a iniciativa particular. Entretanto, esta última, ao lado da religião, deu início ao “atendimento do doente com finalidade lucrativa”. Com a exceção dos hebreus e da civilização greco-romana, os demais povos não tiveram maiores preocupações com os aspectos sanitários, quer da coletividade, quer das famílias e indivíduos. O diagnóstico e a terapia estiveram sob o domínio das práticas “mágicas”, “religiosas”, “supersticiosas”, de “encantamentos”, “interpretação de sonhos” e outros, muito mais do que da observação e análise do paciente e da doença. A fundamentação científica desses estudos somente se firma com Hipócrates, na Grécia. Dentre os povos estudados, poucos desenvolveram a organização hospitalar e, menos ainda, de forma permanente, para o atendimento da população em geral. Podemos observar que a Índia, a China e o Japão, da mesma forma que a civilização greco-romana, foram os que integraram, em sua cultura, a “organização” hospitalar, muitas vezes complexa, com locais separados segundo a clientela, o tipo de doença e a característica do médico.

Idade Média

Nova visão

O advento do cristianismo traz uma nova visão humanística, alterando a organização social e as responsabilidades do indivíduo: desenvolve-se mais rapidamente o conceito de serviços gerais de assistência aos menos favorecidos e aos enfermos, idosos, órfão, viúvas, da mesma forma que aos viajantes e peregrinos, sustentados pela contribuição dos cristãos, desde os tempos apostólicos. Os três primeiros séculos foram marcados pelas perseguições à nova religião, mas também pela sua difusão pela Ásia Menor, Europa e África do Norte, acompanhada do atendimento aos necessitados e doentes.

O decreto de Milão (313 d.C.), proclamado pelo imperador Constantino, liberando a Igreja Cristã para exercer suas atividades, e o Concílio de Nicéia (325 d.C.), fixando a obrigatoriedade desse atendimento, deram um grande impulso para o aperfeiçoamento dos hospitais. A primeira instituição eclesiástica, de cunho assistencial, consistia nas diaconias, que atendiam pobres e enfermos, em todas as cidades onde se estabeleciam cristãos. Em Roma, as instalações eram amplas e bem equipadas, o que levou parte dos historiadores a considerar apenas sua função de auxílio aos doentes. Entretanto, os pobres e os estrangeiros também eram aí acolhidos. Por sua vez, os senodóquios – prescritos pelo Concílio de Nicéia – deviam hospedar peregrinos, pobres e enfermos, existir em todas as cidades (às vezes, se resumiam apenas a um quarto), ter “patrimônio próprio” para atender tal finalidade e “estar sob a direção de um monge” (Munaro et al., 1974:10).

O cristianismo teve expansão mais rápida no Oriente e suas obras assistenciais, em geral, desenvolveram-se antes das que floresceram no Ocidente. Os principais “pioneiros” ligados ao atendimento dos doentes foram Helena, mãe do imperador Constantino (mais tarde, Santa Helena), Zótico e Ébulo (senadores romanos, sendo que Zótico também foi canonizado posteriormente), os quais, antes de 350 d.C., fundaram uma das primeiras “casas” para abrigar os portadores de afecções inespecíficas da pele (denominados “leprosos” por falta de conhecimentos para distinguir uma doença da outra). Os locais funcionavam mais como uma proteção para a população sã do que para o tratamento dos afetados.

Os senodóquios (xenodochium) começavam a especializar-se no amparo aos doentes, assim como dos que necessitavam de assistência, como peregrinos, pobres e desamparados. Os asilos de “leprosos” passaram a denominar-se lobotrophia; os voltados aos doentes em geral, nosocomia; e os que serviam de abrigo e refúgio para forasteiros (e peregrinos), hospitia. Os “asilos” crescem em número e importância, a tal ponto que o imperador Juliano (o Apóstata), em 362, envidou esforços, primeiro para oferecer assistência nas antigas valetudinarias e, depois, fechando as instituições cristãs e substituindo-as pelas “pagãs”.

A caridade

Posteriormente, em grandes centros culturais, como Cesaréia, Antióquia e Alexandria, multiplicam-se as obras caritativas dos cristãos. São Basílio construiu um dos primeiros e principais nosocomium junto ao convento inaugurado em 369, em Cesaréia (na Capadócia), que se tornou um complexo grande, com vários edifícios, escolas técnicas, manufaturas, residências para diáconos e diaconisas da ordem Parabolani, que trabalhavam com os doentes, e locais separados para le-prosos – é no tratamento desses últimos que se especializam os religiosos influenciados por Basílio. Durante o longo reinado de Justiniano, as obras assistenciais se difundem. O próprio imperador funda, em Jerusalém, uma “basílica” dedicada a Nossa Senhora, contendo um convento, um xenodochium e um nosocomium, podendo o complexo receber até três mil pessoas, simultaneamente. A especialização é citada no código de Justiniano, editado em 534, que se refere à existência de hospitais especializados para leprosos, cegos, convalescentes etc.

No Ocidente, o primeiro hospital construído (nosocomium) é atribuído à matrona Fabíola (posteriormente canonizada), entre os anos 380 e 400 d. C. Também se tem notícia de um xenodochium destinado a receber viajantes africanos que desembarcavam na Península Ibérica, da mesma forma mantido por Fabíola. O senador Pamaquio organiza em Hóstia (um porto de Roma), um grande senodóquio destinado, inicialmente, ao tratamento dos marinheiros e, mais tarde, da população local.

Novos preceitos para a vida monástica são estabelecidos e toma importância fundamental a ajuda aos enfermos. Quando um patrício romano, Cassiodoro, que ocupava alta função administrativa, adere à vida monástica (548), introduz a prática da leitura dos livros (provavelmente em versão romana) de médicos gregos: Hipócrates, Galeno, Dioscórides, Aureliano Céli e outros, visando melhorar o tratamento dos doentes. Difunde, também, o estudo das ervas medicinais. O co-nhecimento recuperado tem influência na postura perante o conceito doença/saúde, modificando desde a alimentação fornecida (especial) até, a disposição dos prédios.

Os mosteiros beneditinos serviram de modelo para outras ordens religiosas que se dedicaram aos enfermos, inclusive ordens militares posteriores. O mosteiro de São Galo, na Suíça (fundado em 614 e transformado no século VIII), possuía, ao lado dos locais dedicados ao culto e residência dos religiosos, um hospital, dispondo de enfermarias, unidades de isolamento, farmácia, banheiros, instalações para os médicos e ajudantes, assim como para os dirigentes. Miquelin (1992:35) fala do requinte de planejamento da abadia, que incluía, além da igreja principal do monastério e do alojamento dos peregrinos, a abadia, escolas, enfermarias, fazenda e residência para os trabalhadores leigos. Os aspectos mais determinantes do projeto englobam:

As morfologias estruturais – a construção de alojamentos em forma de ferradura anexa ao edifício da capela.

A separação dos doentes por patologias.

O agrupamento dos doentes em risco de vida junto ao abade-médico e à farmácia de ervas.

A separação das funções de apoio e serviço das funções de hospedagem e tratamento.

A valorização do saneamento, ventilação e iluminação naturais.

Pelo que sabemos, infelizmente o planejamento não foi concretizado em sua íntegra.

Novas propostas

O ensino da medicina e a organização dos serviços sanitários incrementaram a fundação dos hospitais. Em Bagdá, existiam dois: um, inaugurado no século IX; outro no X. Este conservou-se até a destruição da cidade em 1258. O hospital do Cairo, construído em 1283, representava a forma geral dos hospitais do território ocupado pelo Islã: possuía enfermarias separadas para os feridos, os convalescentes, as mulheres, os que sofriam de doenças nos olhos, os que tinham febre (locais onde o ar era renovado por meio de fontes), farmácias, cozinhas etc. O hospital era dirigido por um médico a quem eram subordinados outros, sendo que todos ministravam lições diárias aos discípulos. Como auxiliares, havia enfermeiros de ambos os sexos. Além da mesquita, muitas vezes, bibliotecas e orfanatos encontravam-se anexos ao hospital. O exercício da medicina era reservado àqueles que, tendo completado o curso, eram aprovados em exames pelos médicos mais destacados. No período áureo da medicina árabe, somente por abuso poderia alguém exercer a medicina sem ser formado (como ocorre nos dias de hoje). Assim, graças aos árabes, o hospital torna-se escola de medicina.

O modelo hospitalar islâmico parte do complexo sócio-cultural mesquita-escola-hospital, o Bimaristan. A etimologia da palavra tem origem em bima, ou seja pessoa doente, enferma, e stan, que significa casa. Portanto, casa para pessoas enfermas. Sob a influência da religião, são separadas as áreas de atendimento de ho-mens e mulheres. Em relação às doenças, os edifícios hospitalares segregam os pacientes segundo os grupos de patologias. O local de preparação de medicamentos (à base de ervas medicinais) ocupa papel relevante. Os cuidados com a higiene e a salubridade fazem com que haja preocupação em estabelecer estratégias de ventilação dos compartimentos e de distribuição de água. Uma provável influência bizantina se faz sentir com a criação de áreas para atendimento e consultas externas.

A partir do século VI, lutas longas e ferozes contra os invasores fizeram com que, além de guerra, a peste e a fome assolassem essas regiões. A Igreja de Roma era a única força organizada e foi suficientemente poderosa para manter um asilo seguro, em que se refugiaram os eruditos. Dessa forma, a filosofia, assim como a medicina literária e o ensino médico da época, teve abrigo e um desenvolvimento praticamente exclusivo nos mosteiros. Sabemos que, paralelamente, médicos práticos existiam, mas a concentração de hospitais, da mesma forma que as obras de caridade em torno dos mosteiros, bispados etc., fez com que as ordens religiosas, voltadas à diminuição do sofrimento e miséria humanas, mais da alma do que do corpo, tivessem predominância.

Desenvolveram-se as denominadas Ordens Hospitalarias, dentre as quais podemos citar

a dos Antonianos, fundada em 1095, em Viena.

Ordem dos Trinitários, que somente em seu início esteve inteiramente dedicada à atividade hospitalar e à assistência dos doentes.

Ordem dos Crucíferos.

Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, fundada com o objetivo de atuar nos hospitais que auxiliavam os peregrinos de passagem pela Terra Santa e que, com a explosão dos cristãos de Jerusalém, instalou outros hospitais em Rodes e Walletta (ilha de Malta).

Ordem dos Cavaleiros de São Lázaro, a qual, durante dois séculos, construiu leprosários em diversas regiões da Europa.

Ordem dos Teotônios.

Ordem do Espírito Santo que criou, na cidade de Montepellier, um grande hospital.

Hospitaleiros de Montepascio.

Ordem Hospitalar de Santo Antão.

Ordem Santíssima Trindade.

Ordem Hospitalar dos Agostinianos de Constança.

Com a disseminação da lepra, surgiram várias instituições voltadas para o atendimento dos doentes. Sua localização geralmente era fora das cidades, vilas e depois burgos. Como não podiam deixar o recinto do hospital, a vida interna dos “leprosos” era organizada como uma autêntica sociedade, incentivada pelas congregações religiosas que se dedicavam especificamente a esse tipo de doente.

É somente na Alemanha que se constrói, para eles, casas especiais, não para se-gregá-los, mas para assegurar-lhes tratamento.

Cria-se o conceito de “quarentena” (isolamento dos doentes) e a construção de um tipo específico de instituição hospitalar, intitulada genericamente de “lazareto”.

Mudanças

Inicia-se, no século XIII, o movimento que tende a subtrair os hospitais da influência monástica medieval. Em primeiro lugar, convém lembrar o edito da Igreja, de 1163, que impedia o clero de executar qualquer tratamento ou operação que implicasse em derramamento de sangue do paciente, complementado pelo Concílio de Le Mans, de 1247. Com isto, a cirurgia, como atividade, passou a integrar o âmbito de trabalho dos barbeiros. Estes, ao longo dos séculos, passaram a se organizar, formando corporações de cirurgiões-barbeiros. Paralelamente, um punhado de médicos seculares buscava sua formação como cirurgiões. Entretanto, sempre foram bem menos numerosos que os “práticos” cirurgiões-barbeiros.

No século XIII (1210), foi organizado o Colégio de São Cosme como um grêmio parisiense. Entre seus membros estavam os barbeiros-cirurgiões que tratavam de religiosos (cirurgiões de túnica longa) e barbeiros ou barbeiros-cirurgiões laicos, de túnica curta. A causa dessa discriminação se deve não somente à repulsa da Igreja contra uma prática médica que, em alguns aspectos, podia ofender à modéstia dos pacientes, ser causa de sua incapacidade física ou morte, mas ao fato de que a medicina em suas origens nem sempre era bem exercida, apesar de se encontrar em mãos de monges.

Tanto a Escola de Salerno “como as universidades têm seu surgimento no cenário

Medieval associado à secularização da instrução profissional; seu estabelecimento serviu de prenúncio à laicização da atenção institucional às doenças, tendo-a precedido em apenas pouco tempo” (Antunes, 1989:72).

A prosperidade das cidades européias e o aumento da riqueza e poder da burguesia incentivaram as autoridades municipais a suplementar, no início, e depois, a assumir o encargo das atividades da Igreja. Vários fatores se congregaram para esse resultado:

Hospitais e asilos religiosos passam a ser cada vez mais inadequados para fazer frente a uma concepção alterada de saúde/doença – a perspectiva medieval em que indigentes, desprotegidos e doentes, são necessários para a “salvação” dos que praticam a caridade, deixa de ser verdadeira.

As circunstâncias econômicas e sociais entre os séculos XIII e XVI alteram o significado e a intensidade do número de pobres. O cerceamento de terras de cultivo, os preços cada vez mais altos, a intensidade do desemprego e outros, tornam o problema da “vadiagem” cada vez mais agudo e importuno.

Sem meios de subsistência, muitos desses miseráveis, para poderem ser admitidos em hospitais (compreendidos na acepção de asilos) fingiam-se de doentes e aleijados, onerando todo o sistema assistencial.

A manutenção dos estabelecimentos hospitalares e similares dependia da caridade da população, assim como dos dízimos cobrados pela Igreja, o que fez com que o imenso patrimônio material começasse a “tentar seus administradores”.

O fato da administração dos hospitais e outras instituições de atendimento terem passado para as autoridades municipais não significa que o clero tivesse abandonado totalmente essas atividades o longo dos séculos XIII a XVI. Somente com a Reforma e pela ascensão do Estado absolutista a separação se torna mais significativa.

O planejamento das edificações muda. Procura-se melhorar as condições de ventilação e iluminação. Graças às experiências dos leprosários, dois novos fatores incorporam o planejamento hospitalar: separação entre as funções de alojamento e logística, e separação dos pacientes por patologia e sexo. O abastecimento de água passa a ser mais estudado, em função da melhoria das condições de higiene.

Um exemplo da arquitetura hospitalar medieval é a instituição fundada por Margarida de Borgonha, rainha da Sicília (cunhada de São Luís IX, rei da França), denominada Hospital de Tonerre. Como a maioria das edificações destinadas aos doentes da Idade Média, esta era de grande tamanho, constituída de uma só nave e coberta por abóbada em forma de ogiva.

“O seu comprimento era de 81 metros, sem contar as três capelas que lhe ficavam ao fundo, fazendo parte da construção, e que tinham, nas laterais, mais 6 metros, e a central, mais 14. A largura era de 18,60m. Tinha anexa, junto da porta e alpendre de entrada, no topo oposto (…) capela-mor, uma outra capela e, em edifício separado, mas com comunicação por dois passadiços, a cozinha e outras dependências e os aposentos da própria Rainha fundadora que, assim, podia visitar facilmente o seu hospital”

(Correia, 1944:310).

O número de camas do hospital era quarenta, dispostas ao longo das paredes laterais do edifício, em compartimentos de madeira, possuindo cortina ou reposteiro na porta, permitindo o isolamento dos doentes. Não havia impedimento para vigilância nem para o arejamento, pois os compartimentos não eram cobertos e, à volta de todo o corpo da nave corria uma varanda onde se encontravam grandes janelas. A abertura destas permitia que o ar circulasse por todo o complexo. O espaço acima dos compartimentos “era enorme, pois as paredes elevavam-se a 9,50m e a altura do telhado, com as vigas a descoberto, atingia cerca de 24,00m” (Correia, 1944:310). Cada compartimento continha uma cama com dossel, e uma largura de 3,95m.

Nascimento do Hospital Moderno

As transformações

Após o declínio do sistema hospitalar cristão, mudanças progressivas foram ocorrendo, fazendo com que o hospital geral, estabelecido sob a direção das municipalidades, se desenvolvesse ao longo da Idade Moderna, com uma organização diferenciada daquela que a caridade cristã lhe imprimiu durante o período anterior. Entretanto, não foi a simples secularização dos estabelecimentos que influiu em suas modificações. Ao contrário. Em seu início, os hospitais conservaram vários aspectos da forma precedente.

Como os clérigos e os munícipes estiveram de acordo quanto à transferência administrativa, os serviços religiosos continuaram regularmente na maioria dos hospitais, que também eram atendidos pelas ordens hospitalarias, em sua função de conforto espiritual aos doentes e necessitados. Outro aspecto que contribui para preservar a estrutura organizacional anterior derivou da luta pelo poder. Os representantes administrativos assumiram as tarefas de gestão e o controle dos estabelecimentos com a preocupação de se sobrepor à Igreja, colocando-a numa posição subordinada. Assim, não dispunham de projetos alternativos para a reorganização funcional dos hospitais.

Durante o Renascimento, as transformações econômicas e sociais alteram o caráter da inserção dos hospitais na vida urbana. A emergência da burguesia se reflete na melhora das condições de vida das cidades, que passam a atuar como focos de atração desordenada de migrações e deslocamentos de caráter comercial. A própria “vadiagem”, consequência do desemprego, sobrecarrega o caráter assistencial dos hospitais. Dessa forma, urge alterar a função do hospital para que venha a atender um maior número de pessoas, em menor espaço de tempo, aumentando sua eficiência, de duas maneiras.

A primeira, a partir do século XVII, representada por uma incipiente especia-lização, com os hospitais assumindo prioritariamente as tarefas de cuidados aos enfermos, ao passo que outros estabelecimentos como, por exemplo, as casas de trabalho na Inglaterra, passam a suprir funções asilares. No século seguinte, em decorrência da atuação estatal na área de atendimento às doenças, diversos hospitais voluntários são construídos na Grã-Bretanha, quer por intermédio de ação cooperativa, quer subsidiados por ricos doadores.

A segunda, ainda em meados do século XVIII, consiste no estabelecimento em Londres e, a seguir, em outras províncias britânicas, dos primeiros exemplares do que podemos denominar de novo tipo de instituição sanitária, posteriormente difundida na maior parte da Europa: o “dispensário”, consistindo em unidades hospitalares atualmente denominadas de “consulta externa”. Estes “dispensários” têm como finalidade, de um lado, complementar novos hospitais construídos, evitando um número muito grande de solicitantes. De outro, oferecer cuidados médicos sem internação. Além de “dispensário”, também receberam o nome de “ambulatório”, ressaltando sua característica principal: usuários que se locomovem por seus próprios meios, dispensando internação (a palavra “ambulatório” designava originalmente as passagens encobertas existentes ao redor de um claustro ou as vias de procissão em torno do altar de uma basílica).

Para Rosen (1980), o estabelecimento de hospitais modernos emerge da gradual conversão do hospital geral, decorrente da secularização das entidades cristãs de atenção às doenças, por intermédio de quatro elementos principais:

Introdução da medicina profissional em sua área

Redefinição de seu perfil institucional

Especificação de suas atribuições terapêuticas

Aproveitamento racional de recursos disponíveis

Passemos ao exame de cada uma dessas evidências.

Três fatores convergiram para que surgisse um dos principais traços descritivos dos hospitais, tal como hoje os conhecemos, ou seja, a introdução, em seu âmbito, da medicina profissional leiga:

1º – A reforma legislativa, promovida por Kaiser Sigismund, em 1439, incorporando a atenção médica aos deveres de assistência social e estipulando “bases mais consistentes para a oferta de serviços médicos nas cidades alemãs, determinando a contratação de médicos municipais para atender aos pobres gratuitamente”.

2º – No século XVI, a percepção de que a atenção médica possibilitaria a diminuição do “tempo édio de permanência dos doentes no hospital”, o que poderia implicar “na redução de custos para o erário” (Antunes, 1989:152).

3º – Uma nova postura, estabelecida no início do século XVII, na cidade holandesa de Leyden, segundo a qual os hospitais deveriam servir como centros para o estudo e ensino da medicina e não apenas locais de abrigo e segregação do doente, para impedi-lo de disseminar seus males pela sociedade.

Perfil institucional do hospital altera-se substancialmente: sua função primeira agora é o tratamento do doente, a obtenção de sua cura. Renega-se o conceito de “salvação da alma”, por intermédio do sofrimento do corpo, o da “segregação” do enfermo, para que não venha a contagiar os demais, o do aco-lhimento do necessitado e “internamento” do vadio, para que não ameacem a ordem pública.

Parte desta concepção se deve ao fato do poder ser detido pelo pessoal religioso que assegura a vida cotidiana do hospital, a “salvação” e a assistência alimentar dos indivíduos internados. Se o médico, chamado para os mais doentes dentre os doentes, isto nada mais é que uma garantia, uma justificação, e não uma atuação real. Portanto, a visita médica é um ritual, executado de forma esporádica, não mais do que uma vez por dia para centenas de doentes. Além disso, o próprio médico encontra-se sob dependência administrativa do pessoal religioso que, em caso de “conflito de interesses”, pode inclusive despedi-lo.

O exército tinha, no passado, a abundância de soldados. Qualquer elemento podia ser “recrutado” por dinheiro. Mas, com o surgimento do fuzil, já no final do século XVII, há a necessidade de “adestramento”. Assim, de um lado, o exército torna-se mais técnico e, de outro, há o custo do soldado ser maior que o de um simples trabalhador manual. Dessa maneira, quando se forma um soldado não se pode deixá-lo morrer por motivo de doença, em epidemias, ou por ferimentos que não o deixariam incapacitado para ação futura.

O terceiro elemento, especificação de suas atribuições terapêuticas, decorre do segundo. É a partir do momento em que o hospital passa a ser concebido como local de cura que sua distribuição do espaço torna-se um instrumento terapêutico. O médico , que organiza a distribuição física, o arejamento, o regime alimentar, o das bebidas etc., pois todos são considerados fatores de cura. Dois aspectos se destacam nesse processo: a transformação do sistema de poder no interior do hospital e a responsabilidade pelo seu funcionamento econômico. Ambos encontravam-se em mãos, quer da comunidade religiosa, quer da pública. Agora, a presença do médico se afirma e se multiplica.

O novo médico

Os regulamentos devem visar a atuação curativa do especialista: visita à noite para doentes mais graves; outra visita para atender a todos os doentes; residência de um médico no hospital (em torno de 1770), que deve se locomover a qualquer hora do dia e da noite, tanto para observar o que se passa, quanto para atender chamados. Surge, assim, uma classe de profissional, o “médico de hospital”.

A tomada do poder pelo médico, levando a uma inversão das relações hierárquicas anteriormente existentes no hospital, tem sua manifestação concreta no denominado “ritual de visita”: esta é um desfile quase religioso, encabeçado pelo médico, que se detém no leito de cada doente, sendo seguido por todas as categorias subsequentes da instituição, ou seja, pelos assistentes, pelos alunos, pelos enfermeiros etc., cada um com seu lugar determinado, e a presença do médico anunciada por uma sineta. A organização e o poder são indissociáveis. Assim, cria-se um sistema de registro permanente, com técnicas de identificação dos doentes, anotação geral de entradas e saídas, diagnóstico do médico, receitas e tratamentos prescritos, informação sobre o destino do doente (se ele se curou ou morreu).

Em consequência, o hospital além de “curar”, transforma-se também em local de registro, de acúmulo e de formação do saber: este saber médico que, até, o começo do século XVIII, estava localizado em livros, compêndios, tratados, passa a ser contido no hospital, não mais apenas escrito e impresso, mas cotidianamente assentado na tradição viva, ativa e atual em que a instituição se torna. É assim que, com séculos de atraso em relação ao Oriente, entre 1780 e 1790, determina-se que a formação normativa de um médico deve passar por um hospital.

Quanto ao funcionamento econômico, o médico substitui a caridade, a organização religiosa ou municipal. A burguesia, com a melhoria do atendimento médico, dirige-se ao hospital e paga pelos cuidados recebidos, reforçando o poder de decisão dos profissionais. O médico passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar. “A ele se pergunta como se deve construi-lo e organizá-lo” (Foucault, 1989:109).

O aproveitamento racional dos recursos disponíveis se revela como uma consequência da crescente aceitação do serviço hospitalar e da diversidade de funções que a instituição passa a oferecer. Diretamente relacionado com o desenvolvimento da medicina, ocorre a exigência da utilização de equipamentos custosos, serviços auxiliares, procedimentos de registro e administração complexa. Condições sócio-econômicas e mudanças alteram o financiamento da atenção médica e criam novos padrões de utilização hospitalar. Um conjunto diferente de pessoas, que podem ser definidas como “consumidores organizados”, tem de ser considerado pelo hospital e deve ser satisfeito pelas suas instalações, ou seja, “tendo se tornado uma organização em larga escala, o hospital exige uma divisão organizacional de trabalho mais explícita e uma gestão mais eficiente e responsável” (Rosen, 1980:369).

A própria natureza da organização em grande escala cria novas formas de enca-rar a eficiência administrativa, a racionalidade, a produtividade e a responsabilidade de todo o pessoal incluído no processo. Outro fator a lembrar são os avanços científicos que a medicina experimenta desde o século XVI. Estes, ao serem transpostos aos procedimentos clínicos executados nos hospitais, aumentam sua eficácia e ajudam a tornar efetiva a finalidade terapêutica dessas instituições.

As construções

O Hôtel-Dien de Paris, situado às margens do rio Sena, no centro da cidade de Paris, permaneceu ali por mais de mil anos pois, apesar de sua fundação no século VII, as primeiras menções históricas sobre ele datam de 829. Parcialmente demolido, reconstituído, acrescido de novas alas, atinge a margem oposta do rio Sena, em 1626. Possuía, então, duas capelas e os seguintes anexos:

Salle St. Denis, para os doentes considerados curáveis (1195).

Salle St. Thomas, para convalescentes (1210).

Salle de l’Infermerie, utilizada para atender doentes graves e terminais e Salle Neuve, que abrigava uma maternidade e, ao lado dela, a Salle des Innocents, para crianças (as trás de meados do século XIII).

Salle du Legat (1531 e depois denominada Salle Ste. Marthe), para doentes contagiosos, principalmente para portadores de sífilis.

Salle du Rosaire, para puérperas (1626).

Cada ala atuava como se fosse um hospital completo, pois possuía uma autonomia relativa perante as demais e coordenava seus próprios serviços. O fato de ter atingido a outra margem permitia ao Hôtel-Dieu continuar se expandindo.

“De 1646 a 1651, construiu-se a mais ampla ala do hospital, Salle St. Charles, com vinte enfermarias divididas em quatro andares. No mesmo período, foi inaugurada outra ponte estabelecendo conexão com o edifício original – a Pont St. Charles – também abrigando uma enfermaria, com 110 grands lits, camas de casal para uso de até seis pessoas, e nove petits lits, camas individuais, em geral reservadas para uso dos funcionários, que também ficavam internos. Seguiram-se novas enfermarias – a Salle St. Jean, St. Louis, St. Côme, St. Augustin e outras – derivadas de reformas das alas mais antigas e de rearranjos em seu espaço interior. Completando a configuração com que o Hôtel-Dieu chegou ao século XVIII, foi-lhe incorporado em 1684, por concessão de Luís XIV, um pequeno edifício contíguo à Salle St. Charles que funcionava como presídio – o Petit Cheƒtelet. A partir de então, com poucas alterações, o antigo prédio foi intensamente aproveitado pelo hospital”.

(Antunes, 1991:143-144).

Apenas como registro, no início do século XVIII, outras construções são incorporadas: Salle Ste. Martine, Salle St. Antoine e Salle St. Roch (Lain, 1973:372). Além das alas hospitalares, das capelas e enfermarias, vários cômodos – principalmente nos edifícios mais antigos de todo o conjunto – eram utilizados para uma série de atividades complementares e subsidiárias, tais como administração, escrituração, refeitórios diversos (inclusive para pessoal em serviço), cozinhas, padarias, farmácia, lavanderia e depósitos. Nesta última função destaca-se o porão da Salle St. Charles, onde um vasto suprimento de materiais de consumo para todo o complexo hospitalar era armazenado, muitos deles altamente inflamáveis: lenhas, velas, candeeiros, óleo, cera, resina, unguentos e outros.

Fontes históricas indicam que, apesar de seu tamanho, o Hôtel-Dieu, durante todo o século XVIII, mantinha internadas cerca de cinco mil pessoas, quantidade que excedia, de muito, sua capacidade: todos que o procuravam eram aceitos. Dessa maneira, doentes se amontoavam em todas as enfermarias e, nas camas de casal, acomodavam-se até oito pessoas. Esse acúmulo de pacientes interferia com as atividades da rotina hospitalar. Por exemplo: apesar de possuir lavanderia, “secava-se

a roupa lavada em varais improvisados nas janelas das enfermarias” (Antunes, 1991:144; o grifo, nosso). A colocação da roupa lavada, dessa forma, interferia na circulação do ar, agravada pela própria disposição dos edifícios, sem espaço entre si. As condições de vida no interior das salas pioravam continuamente e, como era de se esperar, grandes incêndios destruíram partes do Hôtel-Dieu em 1718, 1737, 1742 e 1772.

As novas descobertas

Em meados do século XIX, o desenvolvimento da medicina, especificamente da teoria bacteriológica (descobertas de Pasteur e Koch), o uso de métodos assépticos e anti-sépticos que diminuíram drasticamente o número de mortes por infecção (após 1870, com os esforços de Semmelweiss, Terrier e Lister), a introdução da anestesia, permitindo a realização de cirurgias sem dor e com mais possibilidades de êxito, contribuíram muito para alterar a imagem do hospital, que deixou de ser um lugar aonde os pobres iam para morrer, transformando-se em local onde os enfermos podiam se curar. Em resultado disto,

“pela primeira vez a gente rica começou a solicitar os serviços hospitalares a conselho de seus médicos. Os hospitais mudaram de objetivo e, em consequência, de clientela: de abrigo para os que dependiam da caridade pública passaram a ser o centro onde se dispensavam cuidados médicos”.

(Singer et al., 1981:29).

Sob o signo dessas modificações, duas práticas, até então independentes, vêm a encontrar-se no mesmo espaço geográfico – o hospital – e no mesmo espaço social – o doente -, passando a interagir: a medicina e a enfermagem. “Todo o trabalho direto de assistência ao doente comporta inúmeras funções manuais e são essas as primeiras a se separarem subordinadamente do trabalho médico, constituindo a enfermagem”.

(Gonçalves, 1974:193).

Evidentemente, existe uma acentuada separação hierárquica entre o pessoal médico e o de enfermagem, mas ambos se profissionalizam: as exigências de um hospital eficiente e eficaz, assim o determinam. A partir de 1860, graças aos esforços de Florence Nightingale, a enfermagem, como função leiga, adquire certo status técnico, contribuindo “para a ‘humanização do hospital’ e sua conversão numa instituição centrada no enfermo” (Coe, 1970:288). A importância de Nightingale deriva não apenas de sua prática, mas de seus escritos, que estabelecem uma profissão redimensionada quanto ao seu papel, importância e saber. Da mesma maneira, funda a primeira escola destinada a formar pessoas com vistas ao exercício de uma profissão técnica.

Em suas Notas sobre Hospitais, de 1859, Nightingale chegava a questionar a teoria

dos “miasmas”, com fundamento em suas experiências na guerra da Criméia. Para ela, os principais defeitos dos hospitais residiam na falta de adequada iluminação e ventilação naturais, assim como áreas mínimas por leito (e na própria superlotação). A partir de suas observações sobre o sistema de pavilhões, ela estabeleceu as bases e as dimensões do que, posteriormente, se tornou conhecida como “enfermaria Nightingale”.

“Era basicamente um salão longo e estreito com os leitos dispostos perpendicularmente em relação às paredes perimetrais: um pé direito ge-neroso, e janelas altas entre um leito e outro de ambos os lados do salão, garantiam ventilação cruzada e iluminação natural. As instalações sanitárias ficavam numa das extremidades com ventilação em três faces do bloco. Locais para isolamento do paciente terminal, escritório da enfermeira chefe, utilidades, copa e depósito ocupavam o espaço intermediário entre o salão e o corredor de ligação com outros pavi-lhões. Um posto de enfermagem , implantado no centro do salão, onde também ficava o sistema de calefação (quando existente) ou a lareira”.

(Miquelin, 1992:46-47).

A partir de 1867 e, por no mínimo, cinquenta anos, a “enfermaria Nightingale” torna-se o modelo de “espaço de internação”, espalhando-se por todo o mundo ocidental, em ambos os lados do Atlântico. Até hoje, o St. Thomas Hospital, em Londres, tem em funcionamento exemplares típicos da “enfermaria Nightingale”. Pode-se dizer que esse tipo de enfermaria representa um dos elementos mais importantes e característicos da estrutura do hospital no final do século XIX. Ela divide as funções de internação, cirurgia e diagnóstico, consultórios e atendimento ambulatorial, administração e serviços de apoio em construções/edificações específicas e apropriadas a cada uso.

No domínio da legislação social e sanitária, em consequência das pestes, fizeram-se alguns progressos ao fim do século XVII. Como exemplo, podemos citar as seguintes medidas, relativas à saúde pública, tomadas pelo Monsenhor Gastaldi, comissário papal especial de saúde:

“Eram colocados guardas sanitários nas portas da cidade e nas fronteiras; pediam-se atestados de saúde a todos os viajantes; limpavam-se as ruas e os esgotos; os aquedutos eram inspecionados regularmente; havia lugares destinados à desinfecção da roupa; eram proibidos todos os ajuntamentos populares. A obra de Gastaldi, De avertenda et profliganda peste (1684), contém 245 decretos sanitários surgidos durante a campanha contra a peste – um importante documento histórico”.

(Castiglioni, 1947: II,79-80).

Isso ocorreu após uma peste que irrompeu em Roma, em 1656. Ainda no final do século, especificamente em 1699, o Conselho Geral de Saúde da cidade de Luca afirmou publicamente que “no futuro não haverá perigo ou dano para a saúde do corpo humano proveniente da roupa que fica depois da morte de doentes de consunção e outras doenças similares”. Também foi decidido perguntar aos componentes do colégio médico se “estes senhores podiam dar o nome das pessoas, qualquer que fosse o sexo ou a condição social, que tivessem tratado nos últimos seis meses, das doenças mencionadas no seguinte decreto, de modo que fossem tomadas todas as precauções que parecessem oportunas” (Castiglioni, 1947: II,81; o grifo, nosso). Infelizmente, estes exemplos não tiveram continuidade pois, segundo afirma Foucault (1989:89):

“A medicina urbana, com seus métodos de vigilância, de hospitalização etc., não é mais que um aperfeiçoamento, na segunda metade do século XVIII, do esquema político-médico da quarentena que tinha sido realizada no final da Idade Média, no século XVI e XVII. A higiene pública é uma variação sofisticada do tema da quarentena”.

Desta forma, e apenas na segunda metade do século XVIII, na França e na Inglaterra, que uma disciplina, hoje denominada medicina urbana, aparece e se desenvolve. O que ocorre entre o final do século XVII e meados do século XVIII, uma grande hostilidade dos cidadãos às diferentes medidas de higiene pública, aliadas às dificuldades de sua execução. Nova tentativa acontece no final do século XVII, em relação aos exércitos alemães: segundo os historiadores da época, os exércitos imperiais, em seu deslocamento, eram seguidos por uma horda de mulheres – prostitutas – muitas vezes acompanhadas por filhos “ilegítimos”, perfazendo um número superior ao de soldados e constituindo, para eles, um perigo no que se refere às doenças venéreas.

Em 1830, uma grande epidemia de cólera se espalhou pela Europa. A Inglaterra, no início da sua Revolução Industrial, e dependente de seu tráfego marítimo, sofria com o deslocamento da população dos campos para as cidades e precisava proteger seus recursos econômicos. Dessa maneira, surgiram importantes normas que visavam a defesa sanitária dos grandes portos contra a disseminação de doenças vindas de além-mar, assim como a proteção das cidades contra os perigos decorrentes de seu rápido crescimento e da expansão industrial.

Em 1848, o Parlamento Britânico criou um departamento central de saúde pública, cuja atuação principal foi na elaboração das primeiras estatísticas precisas de causas da mortalidade e determinação das diferenças entre doenças urbanas e rurais e também entre as diversas profissões.

“O governo tomou medidas severas para melhorar os esgotos, o suprimento de água e os canais, para fiscalizar os mercados e as habitações, sendo logo apreciáveis os resultados”.

(Castiglioni, 1947: II,290).

Por sua vez, na França, a organização moderna de controle de saúde pública inicia-se com as leis de 1789 -1791 e a fundação, em 1802, do Conselho Superior de Saúde. A organização mais eficiente é o comitê Consultivo de Higiene Pública, que estabelece um conselho em cada departamento e em cada distrito, a partir de 1889. Na Alemanha, organiza-se uma direção oficial para a saúde pública, no início do século XIX.

A data mais importante na história da higiene é 1851, quando os países da Europa realizam a Primeira Conferência Internacional, em Paris, com decisões comuns relativas a medidas de quarentena contra a disseminação da peste, da cólera e da febre amarela. Com o desenvolvimento da teoria bacteriológica e da pesquisa biológica, os resultados são levados para o domínio prático da saúde pública. Ocorrem aperfeiçoamentos no abastecimento da água, nos sistemas de esgotos, nas medidas contra o alcoolismo e, até, na criação da fiscalização médica nas escolas. O melhor conhecimento das doenças infantis e métodos especiais de controle contribuem para baixar a mortalidade e a mortalidade infantil. Grande parte da medicina científica do século XIX tem origem nas experiências de saúde pública que se desenvolvem ao final do século XVIII.

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Fonte: es.wikipedia.org/www.prosaude.org.br

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