Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária

A reforma agrária no Brasil

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1. Introdução

O Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/1964), que é o Código Agrário brasileiro, examina em muitos artigos o problema da reforma agrária e da política fundiária, adotando o método liberal e democrático de solução da matéria.

Considera como reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (Estatuto da Terra, art. 1º, § 1º).

Não se deve confundir reforma agrária com política fundiária, entendida esta como um conjunto de providências de amparo à propriedade da terra que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização e desenvolvimento do país.

A Lei n. 8.629/1993 regulamenta e disciplina as disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988 (arts. 184 a 191).

2. Conceito de reforma Agrária

Etimologicamente, reforma vem das palavras re e formare. Reforma significa mudar uma estrutura anterior, para modificá-la em determinado sentido. O prefixo re significa a idéia de renovação, enquanto formare é a maneira de existência de um sentido ou de uma coisa. Reforma agrária é, pois, na acepção etimológica, a mudança do estado agrário vigente, procurando-se mudar o estado atual da situação agrária. E esse estado que se procura modificar é o do feudalismo agrário (que influenciou o surgimento das sesmarias e capitanias hereditárias no Brasil colonial) e o da grande concentração agrária (latifúndios) em benefício das massas trabalhadoras do campo. Por consequência, as leis de reforma agrária se opõem a um estado anterior de estrutura agrária privada que se procura modificar para uma estrutura de propriedade com sua função social.

“Reforma agrária é a revisão, por diversos processos de execução, das relações jurídicas e econômicas dos que detêm e trabalham a propriedade rural, com o objetivo de modificar determinada situação atual do domínio e posse da terra e a distribuição da renda agrícola ” (Nestor Duarte, Reforma agrária, RJ, 1953).

“Reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e ao incremento da produção, mediante a distribuição, utilização, exploração sociais e racionais da propriedade agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural” (Coutinho Cavalcanti, Reforma agrária no Brasil, SP, 1961).

Vale mencionar a maneira como a sociologia marxista encara o problema da reforma agrária. Esta é reputada como o confisco das terras dos grandes senhores rurais, para favorecer as massas campesinas (proletariado). A terra é nacionalizada e passa ao controle do Estado, que a arrenda a título perpétuo ao campesinato, por meio das fazendas coletivas, como na extinta União Soviética, ou passa ao controle dos novos proprietários campesinos, como na China Socialista, sem prejuízo da apropriação futura do Estado.

A Constituição Federal de 1988 estabelece a distinção entre reforma agrária, política agrária e política fundiária.

Reforma agrária é uma revisão e novo regramento das normas disciplinando a estrutura agrária do País, tendo em vista a valorização humana do trabalhador e o aumento da produção, mediante a utilização racional da propriedade agrícola e de técnica apropriada ao melhoramento da condição humana da população rural.

Ela deve combater simultaneamente formas menos adequadas de produção, sobretudo o latifúndio e o minifúndio. Mesmo a pequena propriedade familiar, também não apresenta grande grau de produtividade sem as técnicas do crédito e do melhor assentamento do homem à terra.

A reforma agrária não se confunde com a política agrária, também prevista na Carta magna. A política agrária é o conjunto de princípios fundamentais e de regras disciplinadoras do desenvolvimento do setor agrícola.

A política fundiária, por sua vez, difere da política agrícola; sendo um capítulo, uma parte especial desta, tendo em vista, o disciplinamento da posse da terra e de uso adequado (função social da propriedade).

A política fundiária deve visar e promover o acesso à terra daqueles que saibam produzir, dentro de uma sistemática moderna, especializada e profissionalizada.

E, nesse contexto, a terra tem uma função social, que é justamente a produção agrícola para alimentar a população humana e a sociedade urbanizada. E a redistribuição das terras é normalmente um dos principais objetivos de qualquer programa de reforma agrária.

3. O problema agrário na CF/88 e na Lei 8.629/93

A Constituição brasileira de 1988 apresenta-se progressista no plano agrário, porém com traços conservadores devido à herança cultural privada do país. Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são disciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental, previsto no art. 5º, XXII, da atual Lei Magna. A CF/88 procura compatibilizar a propriedade com a função social, para melhor promover a justiça comunitária. O texto da Lei Maior permite à União desapropriar por interesse social o imóvel rural que não esteja cumprindo a função social prevista no art. 9º da Lei nº 8.629/93, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do art. 5º da Lei nº 8629/93. Entretanto, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizáveis em dinheiro.

O Decreto que declarar o imóvel rural como de interesse social, para efeito de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. As operações de tranferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária bem como a transferência ao beneficiário do programa, serão isentas (imunes) de impostos federais, estaduais e municipais (art. 26, Lei n. 8.629/93).

Determinados tipos de propriedade formam um núcleo inacessível à reforma agrária, sendo portanto, insuscetíveis de desapropriação, a saber:

I) a pequena e média propriedade rural (imóvel rural de área entre 1 a 4 módulos fiscais e imóvel rural de área superior a 4 até 15 módulos fiscais, respectivamente), desde que o proprietário não possua outra;

II) a propriedade produtiva (que é a explorada econômica e racionalmente, atingindo, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão Federal competente).

Os requisitos exigidos, para que a função social da propriedade rural seja cumprida são:

I- aproveitamento racional e adequado;

II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV- exploração que favoraça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão o título de propriedade ou de concessão de uso, que são inegociáveis pelo prazo de 10 anos, podendo tais títulos serem objeto de conferência ao homem ou a mulher.

O orçamento da União fixará, anualmente (Plano Plurianual), o volume de títulos de dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do Programa de Reforma Agrária; devendo constar estes recursos do orçamento do ministério responsável por sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária (INCRA).

4. Conclusão

Por tudo isso, a importância da reforma agrária é decisiva porque permite e consolida a estabilidade econômico-financeira de um país. Nenhuma nação poderá ser própera enquanto seu campesinato estiver na miséria social-econômica. Daí a necessidade premente da “libertação” dos camponeses, numa base econômica de aliança harmônica entre o proprietário e os trabalhadores rurais. Como afirmou o nobre Deputado Federal Pernambucano Oswaldo Lima Filho, em memorável discurso pronunciado na Câmara dos Deputados, em 02/09/1985, sobre a questão agrária e o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária: “Não é justo que milhões de trabalhadores brasileiros continuem em condições de pobreza absoluta, enquanto grandes proprietários detenham hoje a propriedade de centenas de milhares de hectares em grande parte improdutivos”.

Por consequência disto, a reforma agrária não é contra a propriedade privada no campo. Ao contrário, descentraliza-a democraticamente, favorecendo as massas e beneficiando o conjunto da nacionalidade. É um imperativo da realidade social atual, devendo atender a função social da propriedade, evitando-se assim, as tensões sociais e conflitos no campo. Uma reforma agrária no País, moderada e sábia, será uma das causas principais do progresso nacional.

BIBLIOGRAFIA:

1. PINTO FERREIRA, Luis. Curso de Direito Agrário: de acordo com a Lei n.º 8.629/93. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

2. BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 1991.

3. COUTINHO CAVALCANTI. Reforma Agrária no Brasil. São Paulo, Ed. Autores Reunidos, 1961.

4. DUARTE, Nestor. Reforma Agrária. Rio de Janeiro, MEC/SD, 1953.

5. LIMA FILHO, Oswaldo. A Questão Agrária. Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Publicações/Câmara dos Deputados, Brasília, 1985.

6. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 20ª edição, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, São Paulo,1998.

Fonte:  www.jus2.uol.com.br

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

17 de Abril

Lei Nº 10.469

Em homenagem às vítimas do massacre do Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, no Pará, foi instituído o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.Valores sociais são evocados pelos sem-terra, constituindo modos de expressão e comunicação com a sociedade mais abrangente, de legitimação de suas reivindicações e de embate político com seu oponente direto, o Estado.

O problema fundiário do país tem raízes fundas. Quando efetivamente se iniciou a exploração das terras brasileiras, em 1530, foi implantado o sistema de capitanias hereditárias e sesmarias.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

O latifúndio, seria, portanto, a propriedade dominante, concentrando a terra nas mãos de poucos e deixando destituída a maior parte da população brasileira, restando à massa trabalhadora vender sua força de trabalho a preço irrisório.

Essa situação manteve-se inquestionada até a década de 50 do século XX, quando a questão fundiária começou a ser debatida pela sociedade, em virtude da industrialização.

Surgiram no Nordeste as Ligas Camponesas e o Governo Federal criou a Superintendência de Reforma Agrária (Supra). Ambas foram duramente combatidas pelo establishment, dentro do quadro que resultou no golpe militar de 1964.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, que completa vinte anos de existência em 2004, objetiva reivindicar o acesso à terra que lhes havia sido tirada pelo processo de mecanização que vinha transformando a agricultura brasileira ao longo da década de 70.

A proposta de reforma agrária dos trabalhadores reside em garantir a produção de subsistência, e para isso, desapropriar as chamadas “terras improdutivas”, para que as famílias tenham a proteção de um crédito e seguro agrícolas e iniciarem uma vida mais digna.

Em 9 de julho de 1970, o Decreto nº 1.110 criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cuja missão é “criar oportunidades para que as populações rurais alcancem plena cidadania”.

Fonte: INCRA e MST

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

Reforma Agrária não é mera redistribuição de terras. Trata-se de um processo amplo de mudanças que passa pelo campo político, social, técnico e econômico.

Essencialmente visa a transferir a propriedade da terra de minorias latifundiárias para pequenos agricultores e trabalhadores agrícolas, objetivando o alcance de uma igualdade social maior, de melhor distribuição do poder político e de melhorias de ordem econômica.

Abolicionismo e Reforma Agrária

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Segundo o historiador e geógrafo Manoel Correia de Andrade, o movimento político-social em prol das campanhas abolicionista e pela reforma agrária, apesar de separados por um século de distância, guardam entre si a mesma causa remota: surgiram em consequência da conquista do território brasileiro pelos portugueses, do sistema de posse e uso da terra imposto à população indígena que habitava o vasto território e aos grandes contingentes de negros trazidos da África para possibilitar o desenvolvimento das grandes plantações.

Os portugueses procuraram desenvolver uma agricultura destinada à produção de alimentos e matérias-primas tropicais, necessários ao mercado europeu, bem como organizar a exploração de minérios.

Por meio do sistema implantado, terras foram doadas a colonizadores, que deveriam utilizar grande número de escravos (indígenas e/ou africanos), para produção das mercadorias de interesse do mercado colonial. Para controlar o acesso à propriedade da terra, dizimaram os grupos contrários à escravidão e dominaram a população pelo uso da força.

Formou-se, então, uma sociedade sem liberdade, em sua maioria, em que a grande concentração fundiária impossibilitava que as pessoas pobres, mas livres, tivessem acesso a terra para o seu cultivo.

Durou três séculos a exploração colonial e escravagista. No século XIX, iniciam-se as manifestações pela libertação dos escravos.

A reação dos negros e das elites que entendiam que mudanças de ordem social eram necessárias para assegurar o desenvolvimento do Brasil redundou na abolição da escravidão, por meio de etapas sucessivas.

Com a Lei Áurea (13-5-1988), cessava definitivamente a escravidão, mas não resolvia a situação dos escravos. Leis complementares propostas por abolicionistas, visando à criação de colônias agrícolas para os libertos, a desapropriação de terras não exploradas e o desenvolvimento da agricultura, não foram assinadas.

A República e a terra

Com a abolição da escravatura, a República, que sucedeu à monarquia, procurou substituir os escravos por colonos europeus, especialmente onde se dava a expansão de culturas de exportação, como a do café. Restava aos negros e mulatos trabalhar em sistema de parceria (em que o pequeno produtor pagava a renda da terra com grande parte de sua produção agrícola ou em dinheiro), ou desenvolver culturas de subsistência para os grandes proprietários.

A enorme dimensão do território brasileiro, aliada à pequena concentração de população, contribuiu para o surgimento dos grandes latifúndios, que expandiam seus domínios forçando a venda das pequenas propriedades, ou mesmo expulsando seus donos do local onde viviam.

Nas áreas mais importantes, onde se cultivava produtos de exportação (café, açúcar, cacau), foram adotadas relações de trabalho, tornando o trabalhador em assalariado. Nas menos dinâmicas, de muita terra e pouca mão-de-obra, surgiram outras formas de relação (arrendamento de pequenos sítios, a parceria e a concessão de terras pela troca de produção).

A República retardou as medidas agrárias que vinham sendo defendidas por grupos políticos. Surgiam no país formas de exploração dos trabalhadores agrícolas (ex-escravos, na maioria).

Reações e primeiras mudanças

As revoltas surgidas foram sempre destruídas com violência pelos governos ligados aos grupos dominantes. A revolução de 1930 contribuiu para a quebra do sistema dominante das oligarquias. Passaram a fazer parte das lutas políticas novas parcelas da população brasileira: a classe média e o operariado industrial urbano.

A Constituição de 1934 trazia avanços:

A) garantia a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia e justa indenização;

B) determinava que o trabalho agrícola fosse regulamentado, procurando fixar o homem no campo;

C) previa a organização de colônias agrícolas;

D) consagrava o usucapião;

E) obrigava as empresas agrícolas, localizadas longe dos centros escolares, a manter escolas.

Não chegou, entretanto, a produzir efeitos. Foi substituída pela Constituição de 1937, mais conservadora, mais voltada para os problemas urbanos do que para os do setor agrário.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, uma Assembléia Constituinte elaborou a nova Constituição (1946), que repetiu os dispositivos da Carta de 1934. Os representantes dos latifundiários na Constituinte permitiram a inclusão dos avanços anteriores, pois entendiam perfeitamente que, com a obrigatoriedade de indenização prévia em dinheiro, nos casos de indenização, a reforma agrária não teria êxito.

O impulso da industrialização, nos anos 50, revitalizou a economia mundial capitalista. No Brasil, a partir de 1955, abrem-se novas rodovias, implantam-se usinas hidrelétricas, indústrias de base (siderúrgica, petrolífera, automobilística). Cresce o processo de concentração de renda. Expandem-se, na área rural, as culturas comerciais, atingindo as terras ocupadas por pequenos produtores.

Com o surgimento das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais, o movimento dos camponeses se organiza como forma de luta legal. Crescem as manifestações favoráveis a implantação da reforma agrária, como forma de mudar o sistema de propriedade da terra. Radicalizam-se os movimentos, por meio de greves, invasões de propriedade não utilizadas, sendo a reforma exigida na “lei ou na marra”.

A gravidade da situação leva a sociedade a se preocupar mais com o problema e a discutí-lo. Em 1963, é lançado o Estatuto do Trabalhador Rural, que passa a garantir ao homem do campo o direito ao salário mínimo, a férias e repouso remunerados, ao aviso prévio e à indenização em caso de demissão. O Governo cria a Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA). Os Estados Unidos pressionam as autoridades brasileiras para implantar uma reforma agrária, visando a amenizar a influência da Revolução Cubana na América Latina.

Multiplicavam-se as reivindicações sociais e firmava-se uma mentalidade de mudanças, com destaque para a reforma agrária. A Revolução de 1964 inicia um período autoritário, onde o movimento popular do campo é totalmente reprimido.

O primeiro governo militar, devido às condições do país e as pressões americanas, elaborou um projeto de reforma agrária moderado. Transformado na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, nascia o Estatuto da Terra, criando dois órgãos: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), para cuidar da reforma da estrutura fundiária, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola (INDA), voltado para o processo de colonização.

Esses órgãos sofreram forte pressão do setor latifundiário. Posteriormente foram unificados, surgindo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1970. Levantamentos iniciados pelo IBRA e depois pelo INCRA – 1967, 1972 e 1976 – demonstraram um domínio completo dos latifúndios no território brasileiro, que não eram cultivados intensamente, impedindo milhões de trabalhadores de terem acesso a terra e à produção. Os minifúndios, mesmo em maior número, ocupavam áreas pequenas e respondiam pelo grande volume da produção brasileira de alimentos. Tal constatação teve que ser abafada.

A iniciativa de utilizar terras devolutas (desocupadas), pertencentes à União e aos estados, numa política de colonização para os trabalhadores em terra de áreas críticas e de tensão social no meio rural, redundou no Programa de Integração Nacional (PIN), e justificaria a construção de grandes rodovias (Transamazônica, Perimetral Norte, Cuiabá-Santarém). O Governo lançou, ainda, projetos conservadores, como o PROTERRA(1971), em áreas do Nordeste, pelo qual o próprio latifundiário oferecia ao INCRA parte do seu latifúndio, recebendo indenização em dinheiro.

resultado da política agrária do regime militar acabou reforçando o poder do latifúndio tradicional e desenvolveu o latifúndio moderno, das grandes empresas nacionais e multinacionais. Projetos agrícolas, agroindustriais, agropecuários, financiados pelo Governo, transformaram-se em latifúndios enormes, apoderando-se de terras de posseiros e índios.

Com a ênfase dada à política de exportações, foi melhorado o sistema viário, com a construção de auto-estradas, ampliação de portos e modernização de ferrovias. Houve incentivo para o desenvolvimento da tecnologia agrícola importada, com crescimento da produção de matérias-primas e de alimentos (açúcar, cacau, café, fumo).

Os sindicatos passaram a ser controlados pelo Ministério do Trabalho e a praticar uma política assistencialista.

Com o fracasso do modelo econômico do governo militar, começaram a surgir greves nas áreas em que os agricultores eram mais bem organizados, e onde prevalecia o sistema de assalariamento. Muitos desses movimentos tiveram sucesso, mas nem sempre os proprietários respeitavam os direitos assegurados pela Justiça aos trabalhadores.

A Igreja Católica e outras instituições religiosas passaram a apoiar os trabalhadores rurais. Verifica-se no país o crescimento de uma conscientização maior de seus problemas. Avança a campanha pelas Diretas Já. Eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves promete a reforma agrária aos trabalhadores do campo. No governo Sarney cria-se o Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento (MIRAD) que, juntamente com o INCRA, apresentam um Plano Nacional de Reforma Agrária (1985).

O cenário nacional torna-se delicado. De um lado, há movimentos que pleiteiam a aplicação do Plano de Reforma Agrária, considerado moderado e contraditório, e os que querem a reforma imediatamente, por meio da ocupação de terras improdutivas. Do outro, os grandes latifundiários radicalizam o processo e resistem à implantação de mudanças.

Conceito de reforma agrária

De acordo com a Lei nº 4.504 (Estatuto da Terra), de 30-11-64, art. 1º, & 1º, “Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.

Diversos especialistas chamam a atenção para aspectos importantes da Reforma Agrária:

A) necessidade de ser um processo amplo e abrangente, que conte efetivamente com a participação dos camponeses e beneficie a maioria dos trabalhadores rurais;

B) a localização da Reforma somente no Setor Primário, ou seja, a distribuição de direitos sobre a propriedade de terra agrícola, evitando-se assim deturpações quanto ao seu âmbito, fato que pode inviabilizar todo o processo;

C) estabelecimento de uma política abrangente, que leve em conta a promoção humana, social, econômica e política.

D) A rapidez e firmeza do processo, como forma de atingir metas a curto prazo e de conseguir modificações na estrutura latifundiária.

Reforma Agrária é, portanto, um processo de mudanças estruturais que visa a distribuir os direitos sobre a posse e uso da terra e o controle de sua produção, assegurando a participação da população rural nos benefícios do desenvolvimento.

Etapas do processo

Para a maioria dos autores, dois pontos são estratégicos para o sucesso da Reforma Agrária: rapidez e abrangência. O período de sua duração deve ser de cinco a dez anos, no máximo. É essencial, também, que alcance todo o território nacional, essencial para a consolidação das ações e para impedir o aparecimento de resistências anti-reformistas.

Entretanto, devido às dimensões do território nacional, as ações a serem desenvolvidas não podem ocorrer ao mesmo tempo e em toda as partes. É preciso observar as prioridades, levando-se em conta as necessidades mais urgentes de cada região ou área específica. O que tem que ser evitado é a implantação de programas em áreas isoladas, em detrimento de outras, pois favorece a formação de focos de resistência contra as reformas.

As etapas que devem compor um processo de reforma agrária não precisam seguir uma sequência obrigatória, podendo variar ou mesmo ser eliminadas, dependendo do desenvolvimento específico de cada área.

Primeira etapa

Refere-se ao reconhecimento do problema agrário, no que se refere ao nível de vida do homem do campo, constatando-se como se encontra a sua situação econômica, social e política.

Nessa etapa são detectadas as falhas do funcionamento da agrícultura da região estudada e suas relações com a posse e o uso da terra.

Segunda etapa

É a fase de planejamento. É comum ocorrem enganos na avaliação dos dados coletados, criando-se projetos tecnicamente perfeitos, mas distanciados da realidade, o que inviabiliza a sua execução.

Cada área deve merecer um tratamento específico, conforme o estágio de desenvolvimento em que se encontra.

Terceira etapa

Corresponde ao período de execução e que exige a aplicação de instrumentos legais, tais como desapropriações, transferência de posse de terra. É imprescindível a participação do trabalhador rural, a fim de torná-lo o principal agente do desenvolvimento.

O êxito ou entrave de um processo de reforma agrária está diretamente ligado ao entendimento por parte da população dos programas e projetos formulados e da integração com as forças interessadas nas reformas. Nesta etapa devem ser constituídas entidades de classe, para fiscalização e avaliação das ações executadas.

Consolidação

A reforma agrária estará ou não consolidada, dependendo do nível alcançado pelas mudanças, no que toca a posse, uso e gozo da terra e aos fatores de produção.

As falhas de estrutura anteriormente existentes devem desaparecer, para que não apareça qualquer possibilidade de reversão das alterações produzidas.

Conflitos pela posse da terra

A diferença de interesses entre os pequenos agricultores e os grandes proprietários de terra tem gerado conflitos em todas as regiões do Brasil. Para os agricultores a terra é fundamental para o seu sustento, enquanto para os proprietários é fonte de renda.

Os tipos mais comuns de conflitos têm sido:

A) os que ocorrem nas zonas de expansão de fronteira agrícola (Maranhão e Bahia), onde os trabalhadores se instalam como posseiros e cultivam a terra com suas famílias. Acabam sendo expulsos pelos grandes grupos econômicos ou grandes proprietários.

B) Onde existe a exploração pecuária e pequena produção de alimentos. Os criadores, estimulados pelo crescimento do mercado de carne bovina, procuram ampliar suas áreas de pastagem, expulsando parceiros e rendeiros, e pressionando os pequenos proprietários a vender suas terras.

C) Os provocados pelas desapropriações feitas para construção de barragens ou para instalação de sistemas de irrigação. Prejudicam os pequenos agricultores que cultivam terras à margem de um rio. As quantias recebidas a título de indenização não são suficientes para comprar outras terras nas mesmas condições, e acabam sendo gastas, deixando inúmeras famílias na miséria. Os parceiros e rendeiros que vivem em fazendas não são indenizados e ficam também sem qualquer meio de sobrevivência.

Vale ressaltar, ainda, o problema do índio que, por falta de demarcação de suas terras, vem sendo expulso pela ação de grileiros.

O problema nos últimos anos

A marcha de três meses dos sem-terra, que chegaram em Brasília no dia 17 de abril de 1997, se transformou numa das maiores manifestações ocorridas na capital federal, e reavivou a questão agrária.

A divulgação, em janeiro de 1998, de um documento do Vaticano intitulado Por uma melhor distribuição de terra – O desafio da Reforma Agrária, causou também grande repercussão. As reações ao documento foram imediatas e extremadas.

O assunto tomou o rumo da radicalização. O Movimento dos Sem-Terra intensificou as invasões de terras, como forma de pressão. No lado oposto, os fazendeiros estão formando grupos armados para impedir a ação dos sem-terra.

Em regiões como no sul do Pará, a Polícia Federal e o Exército tiveram de ser chamados para acalmar situações reinantes. No Norte e Nordeste do Brasil os proprietários contratam pistoleiros para defender as suas terras.

O MST, fundado em 1984, no Rio Grande do Sul, responsável por fazer ressurgir a reforma agrária na consciência nacional, tem demonstrado ser não penas um movimento social, mas também político e ideológico. Além das invasões de terras, produtivas ou não, passou a invadir órgãos públicos, empresas e até mesmo bens históricos, tombados pelo Patrimônio Histórico, Artístico Nacional – Iphan, tendo participado também de saques a supermercados e de sequestros de caminhões que transportam gêneros alimentícios, na companhia dos flagelados da seca, visando ganhar mais visibilidade junto à opinião pública e aumentar seu poder de pressão perante o poder público. Suas lideranças afirmam que o objetivo do MST é mudar o modelo da sociedade.

Atualmente, há denúncias de irregularidades quanto a aplicação dos recursos destinados a melhorias nos assentamentos e ao pagamento de assistência técnica. Em Pernambuco, o Tribunal de Contas do Estado detectou desvios de dinheiro público em pelo menos cinco assentamentos do MST.

Considerações finais

A principal reivindicação dos trabalhadores rurais tem sido a reforma agrária. O Estatuto da Terra não teve até hoje uma aplicação verdadeira. As estruturas existentes, o poder político mantido pelos grandes proprietários e empresas com latifúndio, resistem e impedem as mudanças.

A própria complexidade da reforma agrária, com características diferentes de uma área para outra, no que se refere às formas de uso e posse da terra, e a questão dos recursos financeiros para as desapropriações e assentamento dos colonos beneficiados, dificultam a sua execução.

Para que a reforma seja completa, não pode se restringir apenas à redistribuição de terras. Deve vir acompanhada de uma política de crédito rural (com juros e prazos compatíveis com a atividade agrícola), de assistência técnica, de um sistema de pesquisas e técnicas de comercialização. Política que traga um sentido de organização comunitária fundamentada em elementos sociais, ecológicos, econômicos e políticos. Política de produção de alimentos para exportação e consumo interno.

A reforma agrária deve ter abrangência para cobrir todas as áreas e todos os homens do campo, para que eles possam exercer seus direitos. Direitos ao trabalho, à alimentação e a terra. Direitos anteriores a qualquer direito de propriedade.

Reforma essa que não repita erros de programas e projetos anteriores, que apontaram metas nunca atingidas, que beneficiaram o latifúndio e frustaram o pequeno proprietário. Que acabaram destruindo vastas áreas agrícolas, com inundações de terras por conta da construção de grandes barragens, provocando o desemprego de pequenos produtores. Ou de projetos agropecuários que não demonstraram qualquer preocupação social e ecológica.

Uma reforma sem radicalismos, democrática, voltada para a elevação do nível de vida do trabalhador rural. Uma reforma que promova a paz social no campo e a modernização agrícola em todo o território nacional, e que consiga harmonizar a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

No Brasil, fazer a reforma agrária é uma questão de justiça social e exige uma tomada de posição de toda a sociedade, de maneira a permitir o desenvolvimento pleno do país.

Vocabulário Explicativo

Assentamento: é o local onde se instalam os trabalhadores rurais e suas famílias, beneficiados com desapropriações promovidas pelo poder público, passando a explorar as terras que ficam pertencendo a eles.

Desapropriação: é o ato unilateral de direito público, com reflexos no direito privado, pelo qual a propriedade individual é transferida, mediante prévia e justa indenização, a quem dela se utiliza, no interesse da coletividade.

Fronteira Agrícola: faixa pioneira em que o povoamento feito por agricultores avança, ocupando terras de floresta.

Grileiro: representante de grandes proprietários, encarregado de expulsar posseiros, preparando a ocupação de terras vazias por esses mesmos proprietários.

Latifúndio: propriedade rural que apresenta terras incultivadas, explorada por um só proprietário. Há latifúndios pertencentes também a grandes empresas rurais industrializadas.

Minifúndio: é o imóvel rural que ocupa áreas menores que o latifúndio, e cujas terras são cultivadas.

Oligarquia: forma de governo em que o poder está nas mãos de poucas pessoas. A oligarquia rural é caracterizada pelo enorme poder econômico e político que detém os grandes proprietários.

Posseiros: pessoas que tomam posse de terras vazias sem, contudo, possuir a sua propriedade.

Usucapião: modo de aquisição do domínio de um bem móvel ou imóvel, pela sua posse ininterrupta e pacífica durante determinado tempo.

FONTES CONSULTADAS:

ANDRADE, Manoel Correia de. Abolição e reforma agrária. São Paulo: Ática, 1987. 86 p. Inclui bibliografia.

______. O Nordeste e a Nova República. Recife: ASA Pernambuco, 1987, 129 p. il.

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Fonte: www.fundaj.gov.br

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

REFORMA AGRÁRIA

Compromisso de todos.

INTRODUÇÃO

Em agosto de 1996, o Conselho do Programa da Comunidade Solidária realizou uma reunião sobre a reforma agrária. Participaram os ministros da Política Fundiária e da Agricultura, um representante dos proprietários rurais e os dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, além de conselheiros do Programa da Comunidade Solidária.

Não obstante a persistência de divergências entre trabalhadores, proprietários de terra e governo, a discussão deixou nos participantes a convicção de que o processo de profundas transformações em curso no meio rural era irreversível.

Mais do que isto, os três setores lograram redigir um documento, inédito em discussões sobre os conflitos no campo, contendo sete pontos de consenso sobre a reforma agrária:

A) uma política de desenvolvimento rural é necessária e deve integrar a reforma agrária com o fortalecimento da agricultura familiar;

B) o processo de reforma agrária exige a ação articulada dos diversos órgãos e dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), bem como dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;

C) a execução da reforma agrária precisa de procedimentos burocráticos mais ágeis e eficientes e do aumento da capacidade administrativa do governo;

D) a realização efetiva da reforma agrária exige a alocação e a liberação oportuna dos recursos orçamentários e financeiros, para o cumprimento das metas fixadas pelo governo;

E) a legislação agrária brasileira precisa ser atualizada e os processos jurídicos acelerados;

F) o desenvolvimento sustentável dos assentamentos é condição imprescindível para o sucesso da reforma agrária;

G) todo esse processo exige parcerias entre os diversos atores governamentais e não-governamentais.

Estas têm sido, efetivamente, as diretrizes que têm guiado a ação do atual governo para corrigir uma estrutura agrária inadequada e injusta, herdada dos tempos coloniais. E muito tem sido feito.

O número de assentamentos de famílias sem terra em 1996 foi cinco vezes maior do que a média anual de qualquer governo anterior. Os procedimentos jurídicos para a desapropriação foram simplificados, enquanto que os recursos financeiros foram aumentados e liberados com maior rapidez.

A revisão do Imposto Territorial Rural (ITR), aprovada em dezembro de 1996, aumentou de 4.5 para 20 % a alíquota sobre a grande propriedade improdutiva, ao mesmo tempo em que simplificou e facilitou a cobrança do imposto. O novo ITR, por si só, introduz verdadeira revolução na estrutura fundiária do país.

Paralelamente, o governo, junto com o Congresso, vem tomando medidas rigorosas para coibir a violência e combater a impunidade. No plano legal, já foi aprovada a lei que qualifica como crime o porte não-autorizado de armas. Também já foi sancionada a lei que transfere da justiça militar, para a civil, a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares. Além disso, tramitam na Câmara dos Deputados dois projetos que propõem o julgamento pela justiça comum também dos crimes culposos contra a vida praticados por policiais militares, sendo um de autoria do governo. Outra lei, aprovada mais recentemente, tipifica o crime de tortura. Por fim, encontra-se na Câmara dos Deputados proposta de emenda constitucional que atribui à Justiça Federal competência para julgar violações contra os direitos humanos definidos em lei.

No plano administrativo, a ação conjugada da Polícia Federal e de forças militares com vistas ao desarmamento em áreas de conflito é ação preventiva que pode reduzir significativamente a violência no campo.

O atual governo, ao longo de seus quatro anos, terá assentado, pelo menos, 280 mil famílias, ou seja, cerca de 25% a mais do que foi feito em todos os governos federais anteriores somados, desde 1964. Mas, cada vez fica mais claro, para o governo e para a sociedade, que só assentar não basta. Dos assentamentos feitos até 1994, cerca de 40 mil famílias abandonaram suas terras, enquanto que as demais permanecem na condição de assentados, vivendo, total ou parcialmente, às custas dos programas de assistência do governo.

O desafio da reforma agrária continua a ser, em primeiro lugar, o de dar terra a quem não a tem, mas passa a ser, cada vez mais, igualmente o de assegurar que o assentado possa transformar-se em agricultor produtivo e rentável.

Este é o objetivo do conjunto de programas novos, que o governo já lançou e está por lançar. Eles partem do pressuposto de que é preciso integrar mais estreitamente as ações do governo Federal em favor dos assentamentos; descentralizar muitas das iniciativas para o nível estadual ou municipal; e, por fim, ampliar as parcerias com a sociedade. Estes programas são explicados ao longo dos capítulos seguintes.

O governo está buscando cumprir a sua parte. Está fazendo mais do que foi feito em qualquer período anterior, sob qualquer ponto de vista. Mas está ciente também de que mais terá que ser feito, pois o problema não se reduz à questão, embora verdadeira, de uma estrutura fundiária iníqua. Ele reflete hoje, igualmente, a liberação de mão-de-obra, decorrente da profunda transformação do sistema produtivo no campo. O que ocorreu na Europa, no século passado, se repetiu no Brasil da segunda metade do século XX.

O objetivo da reforma agrária não deve ser necessariamente o de aumento da produção agrícola, mas sim o de criar empregos produtivos e rentáveis, para os milhares de brasileiros que buscam o seu sustento no campo. As ações de reforma agrária, por isto, devem estar acompanhadas de programas de apoio ao pequeno agricultor de qualificação profissional, e de geração de emprego no campo, tal como vem ocorrendo.

A questão agrária não é, portanto, apenas econômica. Ela é sobretudo social e moral. E só poderá ser resolvida mediante a integração dos esforços das três instâncias de governo e de um compromisso efetivo de toda a sociedade.

1- A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO NO BRASIL

1.1. A Partilha

A estrutura fundiária brasileira nasceu sob o signo da grande propriedade rural, o latifúndio. Algumas décadas após o descobrimento e depois de uma primeira fase caracterizada pelo escambo com os índios, foi instituído o sistema de capitanias hereditárias, entregues a donatários designados pelo rei de Portugal. O Brasil foi dividido em 12 capitanias, imensas áreas de terras, concedidas a senhores vinculados à Coroa.

Por contingências do mercado mundial e da relação colonial prevaleceu o cultivo de um só produto – a monocultura da cana-de-açúcar – que se desenvolveu com base na exploração da mão-de-obra escrava trazida da África. Este foi o quadro que dominou a economia brasileira durante três séculos: a grande propriedade na mão dos amigos do rei, o regime escravocrata e a monocultura voltada à exportação.

A independência do Brasil, em 1822, trouxe um breve período em que, por falta de legislação sobre a posse da terra, homens livres ocuparam modestas áreas de terras devolutas. O número de posseiros, porém, foi pequeno e não chegou a mudar o perfil da estrutura agrária do país, que continuava baseada no latifúndio monocultor – nessa época, o do café – ainda explorado com mão-de-obra escrava e também voltado para o mercado mundial.

Em 1850, com a chamada Lei de Terras, as elites escravocratas fecharam a fronteira agrícola, estabelecendo que a posse de terras públicas somente seria permitida mediante pagamento de alta soma em dinheiro. A nova legislação impediu o acesso à terra dos brancos e mulatos pobres, dos negros e dos imigrantes europeus, que começavam a desembarcar no Brasil.
1.2 Excedentes e Imigrantes

O fim do tráfico de escravos para o Brasil, em 1851, provocou um desembarque maciço de imigrantes europeus no país. As oligarquias brasileiras precisavam de mão-de-obra barata, para substituir o braço escravo, nas plantações de café do sudeste. Melhor sorte tiveram os europeus que haviam chegado algumas décadas antes, no sul do Brasil . À época, a necessidade do regime imperial brasileiro era a de povoar o território da fronteira sul do país, caracterizado por grandes vazios populacionais, constantemente ameaçado por invasões dos países vizinhos e que se havia declarado independente do Brasil, durante uma revolução que durou dez anos (1835/45) e na qual os separatistas foram derrotados.

No sul, os imigrantes europeus receberam lotes médios de terra e a maioria progrediu. Essa é uma das características de povoamento que explicam o fato de o estado do Rio Grande do Sul ser mais equilibrado do que os demais, no que se refere à estrutura fundiária e à utilização da terra, praticamente sem latifúndios improdutivos e quase sem problemas de definição de títulos de propriedade.

A vinda dos imigrantes europeus para o Brasil não resolveu, apenas, as dificuldades de ocupação do território ao sul e de carência de mão-de-obra barata dos grandes proprietários do sudeste. Foi, também, parte da solução que a Europa encontrou para seu problema de excedentes. A modernização dos meios de produção, no século 19, transformou grandes contingentes de trabalhadores europeus em excedentes do mercado de trabalho, que havia deixado de ser artesanal e empregador de mão-de-obra intensiva, para se mecanizar. Aos que foram postos para fora do mercado de trabalho urbano da Europa, juntaram-se os pobres e os sem-terra do meio rural nas regiões mais atrasadas do continente.

Excluídos do processo de desenvolvimento econômico e expulsos pela modernidade, esses trabalhadores europeus não tiveram alternativa senão abandonar seus países, em busca de uma vida melhor no novo mundo das Américas – Brasil, Estados Unidos e Argentina, principalmente -, na Austrália e em alguns países da África. Erradicou-se a pobreza, portanto, na Europa do século 19, em parte, pela exportação dos pobres.

Apenas num período de 61 anos, de 1884 a 1945, o Brasil recebeu cerca de 4 milhões de imigrantes europeus, em particular, alemães, italianos, espanhóis e portugueses. (ver quadro a seguir). Além deles, desembarcaram em terras brasileiras mais de 100 mil russos e quase 200 mil japoneses. O contingente representado por diversas outras nacionali-dades (poloneses, austríacos, gregos, armênios, holan-deses, suíços, húngaros, e mais os libaneses, sírios, jordanianos e palestinos) somou, nesse mesmo pe-ríodo, mais 500 mil imi-grantes que escolheram o Brasil para viver.

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Imigrantes Entrados no Brasil (1884-1945) Por Nacionalidades

O mundo mudou. Hoje, nenhum país pode contar com esse tipo de opção para resolver o problema de trabalhadores excedentes das cidades e do campo. Não há mais vagas sobrando em lugar nenhum do planeta. Ao contrário, o avanço tecnológico, a globalização, a abertura dos mercados e a competitividade fizeram com que voltasse a crescer a exclusão de trabalhadores do sistema produtivo, enquanto as barreiras à imigração aumentam por toda a parte. Cada um terá que resolver, internamente, seus próprios problemas de desemprego e pobreza.

Por uma ironia da história, muitos dos dirigentes e integrantes dos movimentos organizados de trabalhadores sem-terra do Brasil, hoje, são descendentes daqueles agricultores pobres da Europa que emigraram para cá, em meados do século 19 e início do século 20. Os olhos azuis, a pele clara, os sobrenomes de origem italiana, alemã, polonesa, espanhola não deixam dúvidas. São, de fato, os netos e bisnetos daqueles que a Europa excluiu, no século passado, e que lutam contra uma nova exclusão, neste final de século 20, no Brasil.

2- A DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO E DA TERRA

2.1 Características do Território

O Brasil tem 8.547.403 quilômetros quadrados de extensão territorial. É o quarto maior país do mundo em terras contínuas, atrás apenas da Rússia, da China e do Canadá. Tem o tamanho equivalente a toda a Europa, excetuando-se a porção russa. Desses 8,5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia ocupa cerca de 5 milhões – ou 59% do território brasileiro – e equivale a quase dez vezes o tamanho da França. A floresta amazônica, propriamente, cobre 3,45 milhões de quilômetros quadrados, mais de 40% da área total do País.

É um país que possui quase todos os tipos de relevo, solo e clima, a maior bacia hidrográfica, o maior rio – Amazonas -, a maior floresta tropical e o maior ecossistema do planeta – o Pantanal mato-grossense – e um território que se estende abaixo e acima da linha do Equador. Nos estabelecimentos rurais registra-dos pelo IBGE, a área agricultável aparente é de 350 milhões de hectares.
2.2 A Produção do Campo

O Produto Interno Bruto do Brasil – PIB, em 1996, foi de US$ 750 bilhões, podendo chegar a US$ 1 trilhão, na virada do século. A agropecuária respondeu por 12% do PIB. O setor de serviços representa mais da metade do PIB e a indústria, cerca 30%. A produção de grãos cresceu de 58 milhões de toneladas, na safra de 1984/85, para 81,18 milhões de toneladas, estimadas para a safra de 1996/97. A produção de carnes foi de 11 milhões de toneladas, das quais 5,6 milhões de carne bovina e 4,5 milhões de aves, no ano passado.

As exportações brasileiras somaram, em 1996, US$ 47,7 bilhões de dólares. Desse valor, US$ 17,9 bilhões resultaram de vendas de produtos agropecuários. Soja (23,19 milhões de toneladas, em 1995/96), milho (32,43 milhões de toneladas), arroz (10 milhões de toneladas), trigo (3,2 milhões de toneladas) e feijão (3 milhões de toneladas) são as principais culturas de grãos do país.

2.3 O Fenômeno Demográfico

A população brasileira, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 1995, era de 152 milhões de pessoas – a quinta maior do mundo, atrás apenas da China, Índia, Rússia e Estados Unidos. Desse contingente, 120 milhões constituem a população urbana e 32 milhões vivem no meio rural.

O Brasil passou por um dos mais velozes processos de urbanização da história moderna. Em 1950, a zona rural abrigava quase 70% dos habitantes do país e, hoje, tem pouco mais de 20%. Esse êxodo rural acelerado, que perdurou até o início dos anos 90, foi quase estancado, a partir de 1995. As maiores metrópoles brasileiras praticamente pararam de crescer, a população rural mantém-se estável, desde 1992, com um pequeno crescimento, apenas, na faixa de pessoas com 10 anos e mais (ver tabela a seguir). Um quinto da população vive em cidades com menos de 20 mil habitantes. Em compensação, as cidades médias do interior do Brasil estão batendo recordes de crescimento populacional, o que aponta para uma tendência de desconcentração e de maior equilíbrio, na distribuição espacial dos habitantes.

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As taxas de natalidade e de mortalidade infantil encontram-se em franco declínio, e o Brasil, lentamente, começa a adquirir algumas características dos países desenvolvidos. A expectativa de vida está aumentando e a população está envelhecendo: estima-se que, até o ano 2.000, o país terá cerca de 13 milhões de pessoas com mais de 65 anos de idade.

3- A REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL

3.1 Histórico

A história da reforma agrária, no Brasil, é uma história de oportunidades perdidas. Ainda colônia de Portugal, o Brasil não teve os movimentos sociais que, no século 18, democratizaram o acesso à propriedade da terra e mudaram a face da Europa. No século 19, o fantasma que rondou a Europa e contribuiu para acelerar os avanços sociais não cruzou o Oceano Atlântico, para assombrar o Brasil e sua injusta concentração de terras. E, ao contrário dos Estados Unidos que, no período da ocupação dos territórios do nordeste e do centro-oeste, resolveram o problema do acesso à terra, a ocupação brasileira – que ainda está longe de se completar – continuou seguindo o velho modelo do latifúndio, sob o domínio da mesma velha oligarquia rural.

As revoluções socialistas do século 20 – russa e chinesa, principalmente – embora tenham chamado a atenção de parcela da elite intelectual brasileira, não tiveram mais do que influência teórica. O Brasil também não passou pelas guerras que impulsionaram a reforma agrária na Itália e no Japão, por exemplo. Tampouco fez uma revolução de bases fortemente camponesas, como a de Emiliano Zapata, no México do começo do século.

Na Primeira República ou República Velha (1889-1930), grandes áreas foram incorporadas ao processo produtivo e os imigrantes europeus e japoneses passaram a desempenhar um papel relevante. O número de propriedades e de proprietários aumentou, em relação às décadas anteriores, mas, em sua essência, a estrutura fundiária manteve-se inalterada.

A revolução de 1930, que derrubou a oligarquia cafeeira, deu um grande impulso ao processo de industrialização, reconheceu direitos legais aos trabalhadores urbanos e atribuiu ao Estado o papel principal no processo econômico, mas não interveio na ordem agrária. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil redemocratizou-se e prosseguiu seu processo de transformação com industrialização e urbanização aceleradas. A questão agrária começou, então, a ser discutida com ênfase e tida como um obstáculo ao desenvolvimento do país. Dezenas de projetos-de-lei de reforma agrária foram apresentados ao Congresso Nacional. Nenhum foi aprovado.

No final dos anos 50 e início dos 60, os debates ampliaram-se com a participação popular. As chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária e universitária) eram consideradas essenciais pelo governo, para o desenvolvimento econômico e social do país. Entre todas, foi a reforma agrária que polarizou as atenções. Em 1962, foi criada a Superintendência de Política Agrária – SUPRA, com a atribuição de executar a reforma agrária.

Em março de 1963, foi aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural, regulando as relações de trabalho no campo, que até então estivera à margem da legislação trabalhista. Um ano depois, em 13 de março de 1964, o Presidente da República assinou decreto prevendo a desapropriação, para fins de reforma agrária, das terras localizadas numa faixa de dez quilômetros ao longo das rodovias, ferrovias e açudes construídos pela União. No dia 15, em mensagem ao Congresso Nacional, propôs uma série de providências consideradas “indispensáveis e inadiáveis para atender às velhas e justas aspirações da população.” A primeira delas, a reforma agrária.

Não deu tempo. No dia 31 de março de 1964, caiu o Presidente da República e teve início o ciclo dos governos militares, que duraria 21 anos.

3.2 O Estatuto da Terra

Logo após assumir o poder, os militares incluíram a reforma agrária entre suas prioridades. Um grupo de trabalho foi imediatamente designado, sob a coordenação do Ministro do Planejamento, para a elaboração de um projeto-de-lei de reforma agrária. O grupo trabalhou rápido e, no dia 30 de novembro de 1964, o Presidente da República, após aprovação pelo Congresso Nacional, sancionou a Lei nº 4.504, que tratava do Estatuto da Terra.

O texto – longo, detalhista, abrangente e bem-elaborado – constituiu-se na primeira proposta articulada de reforma agrária, feita por um governo, na história do Brasil.

Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo impulsionado pelo regime militar brasileiro (1964-1984) promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito rural fortemente subsidiado e abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura da soja – para gerar grandes excedentes exportáveis – propiciou a incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja exigia maiores propriedades e o crédito facilitava a aquisição de terra. Assim, quanto mais terra tivesse o proprietário, mais crédito recebia e mais terra podia comprar.

Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor – eram os tempos do “milagre brasileiro” -, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta velocidade, sem ter que democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado interno rural. O projeto de reforma agrária foi esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada. O Brasil chega às portas do século 21 sem ter resolvido um problema com raízes no século 16.

3.3 Os Projetos de Colonização

A partir de 1970, como substitutivos da reforma agrária, o governo Federal lançou vários programas especiais de desenvolvimento regional. Entre eles, o Programa de Integração Nacional – PIN (1970); o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA (1971); o Programa Especial para o Vale do São Francisco – PROVALE (1972); o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA (1974); o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste – POLONORDESTE (1974).

O PIN e o PROTERRA foram os programas que mereceram maior atenção e aos quais foi destinada uma soma significativa de recursos. Com o propósito de ocupar uma parte da Amazônia, ao longo da rodovia Transamazônica, o PIN era baseado em projetos de colonização em torno de agrovilas e, segundo a versão da época, buscava integrar “os homens sem terra do Nordeste com as terras sem homens da Amazônia.”

Na prática, verificou-se que a maior parte das cerca de 5.000 famílias deslocadas para a região eram procedentes do extremo Sul do país, principalmente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e não do Nordeste. Estudos posteriores demonstraram que os custos do programa foram altos, o número de famílias beneficiadas reduzido e o impacto sobre a região insignificante.

O desempenho do PROTERRA também deixou a desejar: o programa desapropriava áreas escolhidas pelos próprios donos, pagava à vista, em dinheiro, e liberava créditos altamente subsidiados aos fazendeiros. Apenas cerca de 500 famílias foram assentadas depois de quatro anos de criação do programa.

3.4 Resultados

Nos primeiros 15 anos de vigência do Estatuto da Terra (1964-1979), o capítulo relativo à reforma agrária, na prática, foi abandonado, enquanto o que tratava da política agrícola foi executado em larga escala.

No total, foram beneficiadas apenas 9.327 famílias em projetos de reforma agrária e 39.948 em projetos de colonização. O índice de Gini1 da distribuição da terra, no Brasil, passou de 0,731 (1960) para 0,858 (1970) e 0,867 (1975). Esse cálculo inclui somente a distribuição da terra entre os proprietários. Se forem consideradas também as famílias sem terra, o índice de Gini evidencia maior concentração ainda: 0,879 (1960), 0,938 (1970) e 0,942 (1975). Na verdade, em 50 anos, as pequenas alterações que ocorreram, em termos de concentração de terra, no Brasil, foram para pior, conforme mostra o gráfico a seguir.

Concentração Fundiária – Índice de Gini – INCRA e IBGE

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1 – Índice de Gini é uma medida do grau de desigualdade da distribuição de renda ou de um recurso. O índice varia de um mínimo de zero a um máximo de um. “Zero” representa nenhuma desigualdade e “um” representa grau máximo de desigualdade.

No início da década de 80, o agravamento dos conflitos pela posse da terra, na região Norte do país, levou à criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários e dos Grupos Executivos de Terras do Araguaia/Tocantins – GETAT, e do Baixo Amazonas – GEBAM.

O balanço das realizações desses três órgãos, no entanto, é pobre, com registro de alguns poucos milhares de títulos de terra de posseiros regularizados. Nos seis anos do último governo militar (1979-1984), a ênfase de toda a ação fundiária concentrou-se no programa de titulação de terras. Nesse período, foram assentadas 37.884 famílias, todas em projetos de colonização, numa média de apenas 6.314 famílias por ano.

A ação fundiária no período 1964-1984, revela uma média de assentamento de 6.000 famílias por ano e pode ser resumida na seguinte tabela:

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Em 1985, o governo do Presidente José Sarney elaborou o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), previsto no Estatuto da Terra, com metas extremamente ambiciosas: assentamento de um milhão e 400 mil famílias, ao longo de cinco anos. No final de cinco anos, porém, foram assentadas cerca de 90.000 apenas.

A década de 80 registrou um grande avanço nos movimentos sociais organizados em defesa da reforma agrária e uma significativa ampliação e fortalecimento dos órgãos estaduais encarregados de tratar dos assuntos fundiários. Quase todos os estados da federação contavam com este tipo de instituição e, em seu conjunto, ações estaduais conseguiram beneficiar um número de famílias muito próximo daquele atingido pelo governo Federal.

No governo de Fernando Collor (1990-1992), o programa de assentamentos foi paralisado, cabendo registrar que, nesse período, não houve nenhuma desapropriação de terra por interesse social para fins de reforma agrária. O governo de Itamar Franco (1992-1994) retomou os projetos de reforma agrária. Foi aprovado um programa emergencial para o assentamento de 80 mil famílias, mas só foi possível atender 23 mil com a implantação de 152 projetos, numa área de um milhão 229 mil hectares.

No final de 1994, após 30 anos da promulgação do Estatuto da Terra, o total de famílias beneficiadas pelo governo Federal e pelos órgãos estaduais de terra, em projetos de reforma agrária e de colonização, foi da ordem de 300 mil, estimativa sujeita a correções, dada a diversidade de critérios e a falta de recenseamento no período 1964-1994.

4. A REFORMA AGRÁRIA E O GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Não vender ilusões à sociedade. Este foi o princípio que orientou o programa de governo que o então candidato Fernando Henrique Cardoso submeteu aos eleitores na campanha presidencial de 1994. A promessa de resolver o problema da injusta concentração de terra, no Brasil, mediante farta distribuição de lotes, tinha grande apelo eleitoral, mas não seria exequível, em quatro anos. Em lugar da promessa fácil, optou-se pelo compromisso realista.

Em tempos de globalização de mercados, de sofisticação tecnológica e de alta competitividade, limitar-se a distribuir terras entre os pobres do meio rural teria efeito contrário ao pretendido: ao invés de levar justiça social, garantiria a reprodução da pobreza no campo. Assim, além de promover políticas de reforma agrária, o novo governo teria que privilegiar a agricultura de base familiar e formular uma estratégia para a geração de mais e melhores empregos na área rural, com aumento de produção, de produtividade e do salário real dos trabalhadores.

A esse conjunto de políticas fundiárias teriam que se somar a revisão da legislação sobre desapropriações de terras e do imposto sobre a propriedade, a urbanização da zona rural, a regularização fundiária, a colonização, os programas de assistência técnica e qualificação profissional e os investimentos na melhoria da infra-estrutura: estradas, armazéns, escolas, postos de saúde.

Trata-se, na verdade, de reformar a reforma agrária: substituir a velha visão restrita, fundada apenas no distributivismo, por um conjunto articulado de políticas públicas, sintonizadas com as exigências dos novos tempos. A busca determinada de novas soluções para um velho problema poderá, efetivamente, modificar a estrutura agrária brasileira e contribuir para a redução das desigualdades, no meio rural.

Esse foi o caminho escolhido pelo atual governo, como se verá a seguir.

4.1 Os Compromissos de Campanha

Em relação à distribuição de terra, o principal compromisso assumido pelo governo com a sociedade, ainda durante a campanha eleitoral de 94, foi quantificado em metas anuais de assentamento de trabalhadores sem terra, com prioridade para aqueles que estivessem em acampamentos provisórios e precários à beira das estradas por todo o país:

A meta de assentar 280 mil famílias, em quatro anos de governo, é modesta e audaciosa, ao mesmo tempo. É modesta, diante da magnitude do problema fundiário brasileiro, mas é audaciosa, se comparada ao que foi feito ao longo da história do país.

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Metas

Para sinalizar à sociedade e, internamente, ao próprio governo, sua condição de política pública prioritária, o presidente Fernando Henrique Cardoso retirou a questão fundiária do âmbito do Ministério da Agricultura. Em 1996, vinculou-a ao Ministro Extraordinário de Política Fundiária, ao qual ficou subordinado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, órgão responsável pela formulação e execução da política de assentamentos do governo federal.

Hoje, além de figurar com destaque na agenda social do Brasil, a reforma agrária começa a superar velhos preconceitos e derrubar resistências. Pela primeira vez, há um consenso, na opinião pública brasileira, de que é preciso fazê-la. Tradicional bandeira das esquerdas, a luta por justiça social no campo, desde que travada dentro da lei, conta hoje com o apoio dos demais setores da sociedade.

Essa talvez seja a maior vitória já obtida pela causa da reforma agrária no Brasil, capaz de tornar irreversível o processo de desconcentração fundiária. A adesão da sociedade, buscada pelo governo e impulsionada com vigor pelos movimentos sociais organizados em defesa do direito à terra, tornou possível ao atual governo não só cumprir, mas superar, ligeiramente, as metas para 1995 e 1996, conforme mostra a tabela que segue.

Famílias Assentadas
Período 1995-1996

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Para um país do tamanho do Brasil, os 3.502.252 hectares desapropriados ou adquiridos pelo governo, em dois anos, e distribuídos entre 104.956 famílias podem parecer pouco. No entanto, trata-se de uma extensão de terra superior à da Bélgica, por exemplo, e que passou a abrigar cerca de 350 mil pessoas.

Comparado ao que foi feito ao longo da história do país o resultado também é expressivo: em apenas dois anos, o governo Fernando Henrique já assentou um total de famílias equivalente a quase metade de tudo o que havia sido executado antes – 104.956 contra 218.033 famílias (excluindo-se os projetos de colonização). Isso representa assentar por mês sete vezes mais famílias do que a média dos governos anteriores. (tabela abaixo)2.

Áreas Utilizadas e Famílias Assentadas
Período: 1964-1994

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2 Como os critérios de assentamento variaram no período anterior a 1994 e não houve censo sobre assentamentos, os números apresentados são apenas estimados. Somente em 1997 e 1998, o total de terras que o governo vai desapropriar ou comprar representa um quinto de todo o território da França, para assentar, pelo menos, mais 180 mil famílias. (ver tabela abaixo).

Áreas a Serem Utilizadas para Reforma Agrária
Previsão de Famílias Assentadas
Metas para 1997 – 1998

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Ao final do atual governo, em dezembro de 1998, pelo menos 285 mil famílias terão recebido seu pedaço de terra, cerca de 900 mil pessoas estarão vivendo melhor e 14.239.222 hectares terão sido esapropriados ou comprados – o equivalente a três vezes e meia o território da Suíça ou quase a metade da Itália. Além disso, a média mensal de famílias assentadas terá sido nove vezes maior: de 606 fa-mílias, nos governos anteriores, para quase seis mil, no governo atual.(ver tabela abaixo).

Governo Fernando Henrique Cardoso

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A análise dos números apresentados até aqui indica, finalmente, que – cumpridas as metas a que se propôs – o governo Fernando Henrique, em apenas quatro anos, terá assentado cerca de 60 mil famílias a mais do que o total de famílias beneficiadas pela reforma agrária em toda a história do Brasil.

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4.2 Um Ato Simbólico

Em 24 de novembro de 1995, o governo brasileiro reparou, simbolicamente, uma injustiça cometida há três séculos. Nesse dia, pela primeira vez na história do país, uma comunidade remanescente dos quilombos – organizações clandestinas de negros que conseguiam fugir da escravidão – teve reconhecida a titularidade das terras que ocupava. Foi a comunidade de Boa Vista, situada às margens do rio Trombetas, no município de Oriximiná, estado do Pará.

Fugidos da escravidão, no século 18, os antepassados do povo negro daquela comunidade embrenharam-se na mata virgem da Amazônia e passaram a viver do extrativismo vegetal e de alguma produção agrícola, mantendo suas tradições e sua cultura. Mesmo depois de abolida a escravidão, em 1888, a propriedade da terra estava vedada aos negros, porque o governo exigia pagamento em dinheiro, que eles não tinham. Assim, a terra que essas comunidades ocupam, historicamente, sempre esteve ameaçada por invasores, empresas mineradoras e madeireiros.

Apenas em 1988 – exatamente um século depois do fim da escravidão – a nova Constituição brasileira garantiu o direito legal dessas comunidades negras às terras em que sempre viveram. Em 1995, nas comemorações dos trezentos anos de nascimento de Zumbi dos Palmares – o grande herói negro da luta pela liberdade e símbolo maior do movimento negro brasileiro – o governo entregou os títulos definitivos de propriedade daquelas terras à comunidade de Boa Vista.

Mais do que simbólica, esta iniciativa abriu o precedente legal para que as demais áreas remanescentes de quilombos, em várias regiões do país, pudessem ser regularizadas. De lá para cá, outras comunidades negras já receberam seus títulos definitivos de propriedade – e isso também é fazer a reforma agrária.

4. 3 Os Programas de Apoio

Já se disse, anteriormente, que o problema do governo, hoje, não é apenas dispor de terras para distribuir. Se o problema fosse somente este, em três ou quatro anos, seria possível resolvê-lo. No entanto, não basta dar terra. É preciso assegurar programas e ações articuladas de diversos ministérios e instituições públicas que promovam a sobrevivência dos assentamentos: crédito subsidiado para as lavouras e para a construção de moradias, estradas, armazéns, escolas, postos de saúde, alimentação das famílias, criação de cooperativas, entre outros. Em outras palavras, o grande desafio da reforma agrária hoje está em garantir a viabilidade econômica do assentamento.

4.3.1 Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária – PROCERA

É o principal programa. Garante recursos subsidiados, metade dos quais o assentado não terá que devolver ao governo, para financiar todo o processo produtivo: custeio da lavoura, investimentos e pagamento da quota-parte na cooperativa do assentamento a que pertence. Esses recursos não financiam, porém, a implantação da infra-estrutura econômica e social dos assentamentos, que é de responsabilidade do governo.

Criado em 1985, somente em 1993 o Procera passou a cumprir suas finalidades, com a destinação de dez por cento dos recursos dos Fundos Constitucionais do Nordeste, Norte e Centro-Oeste e com o aumento da dotação no Orçamento Geral da União. O programa tem como gestores financeiros os Bancos do Brasil, do Nordeste e da Amazônia. A aprovação dos projetos de financiamento é feita por comissões estaduais, formadas por representantes dos assentados, dos movimentos sociais e do governo.

Em 1995, foram aplicados R$ 89 milhões, que beneficiaram cerca de 18 mil famílias assentadas. Em 1996, o volume de recursos cresceu 144%: foram R$ 213 milhões, que financiaram 42 mil famílias. Para 1997, a verba prevista é de R$ 250 milhões – quase 20% a mais do que no ano passado – com atendimento de 50 mil famílias. (quadro a seguir).

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Pelas regras do Procera, cada família tem direito a receber até R$ 16 mil, para pagar em sete anos (no caso dos créditos de investimento e cooperativo), com dois anos de carência e abatimento de 50% do valor do financiamento. O prazo de pagamento do empréstimo de custeio é de um ano. Se o assentado efetivamente pagar, terá direito a receber novo crédito, no mesmo valor.

4.3.2 Projeto Lumiar

Em fase de implantação, este projeto cria um serviço descentralizado de apoio técnico às famílias de agricultores assentados, nos projetos de reforma agrária. A iniciativa é do governo federal, por meio do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, mas a coordenação é feita de forma compartilhada pelo INCRA, Ministério da Agricultura, bancos do Brasil, do Nordeste, da Amazônia, entidades representativas dos trabalhadores rurais e uma representação dos governos estaduais, de preferência, a Secretaria da Agricultura.

O Projeto Lumiar prevê a formação de equipes locais de assistência técnica e capacitação profissional, para orientar o desenvolvimento autônomo dos assentamentos. Para cada grupo de trezentas famílias, haverá uma equipe local permanente, composta de quatro profissionais – dois de nível superior (um da área agropecuária e outro especializado em apoio à gestão e à organização de comunidades) e dois técnicos de nível médio. O objetivo do programa é de que os assentados, por meio de um processo de aprendizagem coletiva, tornem seus assentamentos auto-sustentáveis no menor prazo possível.

Quarenta equipes já estão trabalhando, a maioria na região nordeste, e outras 250 estão em fase de seleção e treinamento. Até o final do ano, a meta do governo é ter 500 equipes trabalhando no campo – serão 2.000 técnicos dando assistência técnica e capacitação profissional a 150 mil famílias de assentados, chegando a 240 mil famílias, em 1998. No ano passado, R$ 21 milhões foram destinados ao programa e outros R$ 70 milhões estão previstos para 97, dos quais R$ 11 milhões já assegurados.

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4.3.3 Projeto Emancipar

Os assentamentos rurais nunca foram emancipados. Isso quer dizer que permanecem, desde sua criação, sob a tutela do governo federal, por intermédio do INCRA. Em alguns casos, principalmente, nos projetos de colonização, essa dependência já dura mais de vinte anos. Até mesmo o mais antigo projeto de colonização de que se tem notícia, no Brasil, implantado em 1927, ainda não foi emancipado.

Esta é uma situação inaceitável e injusta, pois os custos estão sendo pagos por toda a sociedade. Com isso, criou-se nova espécie de paternalismo, que privilegia esses agricultores, em detrimento dos demais pequenos proprietários do país e do próprio conjunto da população mais pobre, urbana e rural.

Por isso, o governo criou o Projeto Emancipar, para assegurar a
todo cidadão beneficiário do programa de reforma agrária o direito à sua independência econômica. Os assentamentos serão considerados em condições de emancipação, quando a sua capacidade de receber famílias estiver esgotada, sua situação dominial definida, seus serviços e obras básicas executados ou em execução e a comunidade integrada, social e economicamente, às economias local e regional.

Em 1997, os trabalhos do INCRA com vistas à emancipação estarão concentrados em um grupo de 650 projetos antigos de colonização pública e de reforma agrária, envolvendo um contingente de 180.300 famílias, assim distribuído: 48 projetos de colonização, 129 projetos de reforma agrária já em fase de emancipação e 473 projetos em fase de consolidação.

4.3.4 Programa do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID

O programa de emancipação será apoiado por um projeto-piloto financiado pelo BID, que envolverá cerca de 25 mil famílias, de preferência nas regiões norte e nordeste do país.

Além de financiar obras de infra-estrutura e proteção ambiental, o Banco fornecerá assistência técnica e tecnológica aos agricultores. Os recursos previstos desse programa são de R$ 250 milhões – R$150 milhões do BID e R$ 100 milhões de contrapartida do Brasil.

4.3.5 Programa Cédula da Terra

Esse programa, negociado com o Banco Mundial – BIRD, vai funcionar nos moldes de uma carta de crédito cooperativo e será a experiência-piloto de um novo modelo de política fundiária , integrada ao mercado e sem depender do governo em todas as etapas do processo, principalmente na execução, como ocorre hoje.

A fórmula é simples: um grupo de agricultores sem terra identifica a área que deseja, faz um processo sumário para aquisição da gleba e apresenta-o à unidade técnica do estado. Se aprovado, o grupo receberá o financiamento para a compra da terra, com prazo de pagamento de 20 anos. Para isso, o INCRA fará convênios com o Banco do Brasil e bancos regionais, como o do Nordeste, que vai operar o programa no primeiro momento.

A Cédula da Terra poderá ser ampliada para qualquer empreendimento, inclusive, incorporadores privados e organizações não-governamentais. Para essa experiência-piloto, o aporte de recursos ficou assim dividido: R$ 45 milhões do Brasil, destinados à compra de terra, R$ 90 milhões do Banco Mundial, para financiamento da infra-estrutura coletiva, produtiva e social, e R$ 15 milhões de contrapartida dos próprios grupos de trabalhadores interessados, totalizando R$ 150 milhões.

4.3.6 Projeto Casulo

É uma proposta de parceria do governo federal com os estados e municípios, para descentralizar e acelerar a execução dos projetos de reforma agrária. Será lançada no primeiro semestre de 1997 e prevê que prefeituras e governos estaduais, juntamente com o INCRA, cadastrem agricultores sem terra e identifiquem terras públicas municipais e estaduais disponíveis, ou que possam ser adquiridas. O governo federal garantirá os créditos e divide, com estados e municípios, o financiamento para a infra-estrutura social.

Se 20% das mais de cinco mil prefeituras brasileiras aderirem ao Projeto Casulo e se dispuserem a assentar apenas 20 famílias cada uma, serão mais 20 mil famílias com terra, a curto prazo e a custos mais baixos para todos os envolvidos. Para as prefeituras é um bom negócio, porque está comprovado que assentamentos bem-feitos impulsionam e dinamizam as economias locais, com vantagens econômicas e sociais para toda a comunidade.

4.3.7 Outras Ações

– Primeiro Atlas Fundiário Brasileiro. Elaborado pelo Ministério Extraordinário de Política Fundiária e lançado em 1996, o atlas revela que o perfil da concentração de terra pouco mudou, no Brasil, nos últimos 40 anos. Com base nas informações coletadas, o governo pôde acelerar os processos de reforma agrária e, principalmente, reavaliar as leis agrárias do país.

– Internet. Desde julho de 1996, o INCRA integrou-se à rede mundial de computadores. Todas as informações relativas ao Programa Nacional de Reforma Agrária – assentamentos, desapropriações, aquisições, orçamento etc. – estão disponíveis a qualquer cidadão, no endereço http://www.incra.gov.br

4.4 Os Recursos

A análise dos gastos do governo federal com projetos de colonização e reforma agrária, desde 1980, revela uma expansão notável no volume de recursos aplicados a partir da década de 90. Transformando-se os valores em dólares constantes, tem-se que, em 1990, foram gastos US$ 70 milhões; em 1993, US$ 459 milhões ; em 1994, US$ 390 milhões.

Em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique, os gastos anuais com reforma agrária deram novo salto: de US$ 390 milhões, em 94, para US$ 971 milhões – um incremento de 149%. (tabela abaixo).

Gastos com Política Fundiária
(Valores US$ 1,000-dólares constantes)

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Em apenas dois anos de governo, foram gastos cerca de R$ 2,7 bilhões*, assim distribuídos:

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O orçamento previsto para 1997 é quase igual ao total gasto com reforma agrária nos dois primeiros anos de governo e representa um aumento de 80% sobre os gastos dispendidos em 1996:

1997 – R$ 2. 597.954.286,00

5. SEM-TERRA: QUEM SÃO, QUANTOS SÃO

Quantas são as famílias “sem-terra” no Brasil?

Existe grande variação entre as estimativas disponíveis. Segundo alguns movimentos sociais organizados, haveria 4,8 milhões de famílias sem-terra. Por outro lado, o Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado em 1985 por uma centena de estudiosos, definiu um universo de beneficiários potenciais de 6 a 7 milhões de famílias, incluindo posseiros, arrendatários, parceiros, assalariados rurais e minifundiários. Baseado nesses números, o PNRA estabeleceu a meta de assentamento de 1,4 milhão de famílias até 1989 – 2/3 dos assalariados temporários do país. Assentou 90 mil. Por sua vez, a FAO, organismo da ONU para alimentação e agricultura, estima em 2,5 milhões o público preferencial para a reforma agrária no Brasil.

Sabe-se, com base no Censo Agropecuário de 1985, que cerca de 5 milhões de trabalhadores obtêm algum tipo de remuneração no campo, dos quais 56% são assalariados temporários. Em geral, moram nas cidades e trabalham no campo; sua jornada é incerta e varia conforme o ciclo das safras e a demanda de mão-de-obra. São os chamados bóias-frias.

Os demais 44% são assalariados permanentes, trabalhadores rurais com local de trabalho fixo e, em geral, mais qualificados: tratoristas e capatazes, na agricultura, e vaqueiros e inseminadores, na pecuária. Além deles, outros 470 mil são trabalhadores rurais classificados como parceiros e recebem remuneração em espécie, um percentual sobre a produção obtida. Somadas, essas categorias de trabalhadores rurais chegam a quase 5,5 milhões de pessoas.

Nas regiões sul, sudeste e parte do centro-oeste do Brasil, o capitalismo no campo está avançado, a agricultura é moderna e a produção agropecuária é conduzida por verdadeiras empresas rurais, que incorporam índices elevados de mecanização e tecnologia. Nessas regiões, as preocupações básicas dos trabalhadores são típicas do mercado de trabalho capitalista: melhores salários e condições de trabalho, aposentadoria digna, transporte, saúde, fiscalização do uso de agrotóxicos – demandas trabalhistas mais relevantes, para a maioria, do que a luta pela terra.
5.1 O Preço

Quanto a sociedade paga pelo assentamento de uma família “sem-terra”?

Os cálculos também variam. O governo estima o custo médio de assentamento de uma família em cerca de R$ 40 mil. Em algumas regiões do centro-sul do país, onde a terra é mais cara, esse pode ser o valor desembolsado apenas pelo lote individual. O custo médio da terra por família assentada, porém, é de R$ 20 mil.

Há outros custos. No momento em que recebe o lote, cada família ganha um crédito de R$ 340,00 para alimentação. Em seguida, um crédito de fomento de R$ 740,00, totalizando um crédito de implantação de R$ 1.080,00, e mais um crédito para construção de moradia de R$ 2.000,00.

O próximo passo é inscrever-se no Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária – Procera, e ter acesso a três linhas de financiamento: crédito de custeio – R$ 1.000,00; crédito de investimento – R$ 7.500,00; e crédito cooperativo, para pagar a quota-parte da cooperativa do assentamento, no valor de mais R$ 7.500,00. (ver quadro a seguir).

Custo do Assentamento por Família

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Metade desses recursos é dada pelo governo a fundo perdido – a família não terá que pagar. A outra metade deverá ser devolvida num prazo de sete anos, com dois anos de carência. Metade do crédito de custeio de R$ 1.000,00 teria que ser reembolsada pela família em um ano. Na prática, porém, nem sempre é paga. Mesmo assim, se pagar, o assentado terá direito a receber um novo crédito de mais R$1.000,00, nas mesmas condições.

Em resumo, a meta de assentamento de 100 mil famílias em 1998 representará um custo para a sociedade da ordem de R$ 4 bilhões.

5.2 Os Movimentos Sociais

Duas organizações de trabalhadores rurais destacam-se entre os movimentos sociais que lutam pela democratização do acesso à terra e por melhores condições de trabalho e salário no campo: a Confederação Nacional do Trabalhadores na Agricultura – Contag, e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST.

Mais antiga e maior, a Contag está organizada em todo o país. Tem 5 milhões de filiados, reunidos em 3.200 sindicatos e 24 federações estaduais. Tanto a Contag quanto o MST apóiam parlamentares eleitos por diversos partidos políticos, inclusive aqueles que integram a base parlamentar de apoio ao governo, no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas estaduais.

O MST surgiu no estado do Rio Grande do Sul, no começo da década de 80, ainda durante o período militar, a partir de uma ação coordenada de ocupação de terras ociosas. Essas ocupações, feitas por trabalhadores rurais autodenominados “sem-terra”, multiplicaram-se e espalharam-se por outros estados, dando origem ao Movimento, que se constituiu, formalmente, em 1985, com a realização de seu primeiro congresso nacional.

5.3 Os Conflitos

A grande maioria dos conflitos de terra que ocorrem no país tem sua origem na falta de titulação e demarcação de áreas já ocupadas. A categoria mais vulnerável à violência é a dos pequenos posseiros. Há no Brasil mais de um milhão de posseiros, em sua imensa maioria pequenos agricultores, que não são proprietários, mas vivem e produzem em grandes fazendas particulares pouco utilizadas por seus donos ou em terras públicas devolutas.

Vítimas constantes dos grileiros, os pequenos posseiros com frequência são expulsos por eles e acabam ocupando terras indígenas, o que gera uma situação de tensão com as populações aí residentes. Por isso, nessas regiões de ocupação mais recente, para reduzir a violência no campo, a ação fundiária mais importante não é a desapropriação de terras, mas sim, a titulação das glebas, em defesa dos posseiros legítimos e contra a ação dos grileiros.

Nos últimos anos, duas regiões do país notabilizaram-se por seu potencial de conflitos violentos: o Pontal do Paranapanema, no extremo oeste do estado de São Paulo, divisa com os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, e o estado do Pará, no norte do país – uma área com o dobro do tamanho da França e com 80% do seu território cobertos pela floresta amazônica.

No Pontal do Paranapanema, a origem dos conflitos está na falta de titularidade da terra. Desde que a região passou a ser colonizada por grandes fazendeiros, no começo do século, não houve, até hoje, solução satisfatória para a questão legal da propriedade. Os documentos das fazendas localizadas nessa área não são reconhecidos pelo governo estadual, que considera as terras como devolutas, portanto, públicas.

Por pressões políticas, dificuldades orçamentárias e morosidade no andamento dos processos na Justiça, fracassaram todas as tentativas de resolver o problema, feitas por sucessivos governos estaduais. O atual governo Federal repassou R$ 30 milhões ao governo do estado de São Paulo, para pagamento das benfeitorias existentes nas terras devolutas que estão sendo regularizadas, a fim de destiná-las à reforma agrária. Em 1996, 1.900 famílias foram assentadas no Pontal do Paranapanema. Também foi criada uma superintendência especial do Incra, na região.

No Pará, estado de ocupação mais recente, a situação fundiária é caótica: há imensas fazendas improdutivas e sem documentação legal, processos generalizados de grilagem, inclusive de terras indígenas, presença de garimpeiros e de madeireiros clandestinos, principalmente os exploradores de mogno.

Além disso, não se criaram alternativas adequadas para o reassentamento de famílias deslocadas por grandes projetos agropecuários e pela construção de hidrelétricas, como a de Tucuruí.

Hoje, o país paga o preço de equívocos do passado, que transformaram parte do Pará em permanente área de conflitos. Para enfrentar o problema, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou outra superintendência especial do Incra, na cidade de Marabá, no sul do Pará, que se tornou, assim, um dos dois únicos estados a ter duas superintendências – uma na capital, Belém, e outra no interior.

A determinação do governo é dar prioridade e intensificar as ações de reforma agrária na região. Em 1996, 10 mil famílias foram assentadas no Pará – um sexto do total alcançado no país, que foi de 60 mil famílias.

5.4 Os Assentamentos

A maioria das ações de reforma agrária, no ano passado, concentrou-se em áreas de conflito, em que os trabalhadores correm efetivo risco de vida. Assim, das 62.044 famílias assentadas, 45.471 estavam em áreas de conflito, onde as pendências foram resolvidas e a posse da terra regularizada.

Dessas famílias assentadas em áreas de conflito, 27.453 eram posseiros e 18.018, acampados – grupos de pessoas que não têm acesso à terra e permanecem dentro de uma propriedade rural ou em suas redon-dezas, à beira das estradas, em situação provisória e precária, mas organizados pelos movi-mentos sociais e vivendo de forma coletiva. Em áreas sem incidência de conflitos, foram assentadas outras 16.573 famílias (ver gráfico).

Assentamentos em 1996
(Fonte: SR’s Dezembro/96-Apoio: Acordo INCRA/PNUD

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No cumprimento das metas fixadas para 1996, o governo procurou atender às demandas dos principais movimentos sociais organizados em defesa da posse da terra. Assim, das 226 áreas indicadas para reforma agrária pela Contag, 28 mostraram-se inviáveis e, das 198 restantes, 100 foram desapropriadas ou adquiridas. O MST, por sua vez, indicou 196 áreas: 15 foram consideradas inviáveis para fins de reforma agrária, e 126 das 181 restantes, compradas ou desapropriadas.

No total, o governo desapropriou, no ano passado, 575 imóveis rurais – um aumento de 180% sobre o ano de 1995 (205 imóveis desapropriados). A aquisição de terras também foi maior: em 95, o governo comprou 24 imóveis rurais e, no ano passado, 38. Em dois anos, portanto, foram desapropriados 780 imóveis e comprados outros 62.

O número de projetos de reforma agrária, criados em 1996, aumentou significativamente: foram 435, contra 310 em 95. Isso dá um total de 745 novos projetos em dois anos, que permitiram o assentamento de 74.952 famílias: 32.710 em 95, e 42.242 no ano passado. Em projetos antigos, foram assentadas 19.802 famílias no ano passado e 10.202 em 95. (ver quadro).

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Na seleção das famílias a serem assentadas, o governo também tem procurado atender às reivindicações dos movimentos sociais. A análise dos assentamentos feitos no ano passado mostra que, das 62.044 famílias beneficiadas, 11.406 fazem parte do MST, 36.585 são vinculadas à Contag e 3.684 integram outros movimentos sociais, como o Movimento de Luta pela Terra – MLT, e a Comissão Pastoral da Terra – CPT – uma entidade da Igreja Católica e vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Outras 10.369 famílias assentadas em 96 não eram ligadas a nenhum movimento social. (ver gráfico).

Movimentos Sociais Atendidos
(Fonte: SR’s Dezembro/96-Apoio: Acordo INCRA/PNUD

BRASIL

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A situação mais dramática é a das famílias acampadas, devido às péssimas condições em que vivem. O compromisso do governo é o de assentar, prioritariamente, essas famílias.

Em 1995, havia cerca de 29.034 famílias acampadas e cadastradas pelo INCRA, das quais 6.993 foram assentadas – correspondendo a 24% dos acampados e 16,3% da meta realizada no ano – registrando-se um excedente de 22.041 famílias. Em 1996, além das excedentes do ano anterior, surgiram mais 21.111 famílias, perfazendo um total de 43.152 famílias acampadas. Dessas, foram assentadas 18.018 famílias – 41% do total de acampados e 29% da meta executada em 96, ficando para 1997 um excedente de 25.371 famílias. (ver gráfico a seguir).

Esses dados levam a três conclusões:

A. em 96, houve um incremento de 257,6% nos assentamentos de famílias acampadas, em relação a 95, mesmo considerando-se um aumento de 48% no número de famílias acampadas, de um ano para o outro;

B. mesmo assim, o ano de 97 começou com 15% a mais de famílias acampadas – 25.371 – em relação ao que havia, no final de 95 – 22.041.

Famílias Acampadas Assentadas
(Fonte: SR’s Dezembro/96-Apoio: Acordo INCRA/PNUD)

BRASIL

Isso apesar de o governo haver assentado, nesses dois anos, 25.011 famílias acampadas. O número de acampados de 97, portanto, é quase igual ao dessas famílias que o governo assentou, nesses últimos dois anos. A seguir assim, a conta nunca fechará: quanto mais acampados são assentados, mais haverá a assentar.

c. ao executar uma política efetiva de assentamentos de acampados, o governo está alimentando as expectativas de uma parcela crescente de pessoas, possivelmente desempregadas, sem relação com o campo, que vão para os acampamentos, na esperança de conseguir um pedaço de terra. Portanto, é a própria solução que gera novas demandas.

Em janeiro de 97, os dados sobre a evolução dos acampamentos eram os seguintes:

famílias acampadas e cadastradas em 1995 29.034

famílias acampadas e assentadas em 1995 6.993

famílias acampadas remanescentes em 1995 22.041

famílias acampadas e cadastradas em 1996 43.152

famílias acampadas e assentadas em 1996 18.018

famílias acampadas remanescentes em 1996 25.134

famílias acampadas e cadastradas – jan. 1997 25.371

desse contingente, integram o MST 20.297

integram a Contag e outros movimentos 5.074

Os acampamentos de famílias sem-terra concentram-se, principalmente, em quatro estados: Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pernambuco. Juntos, eles respondem por 60% dos acampados ou 14.621 famílias. Somente o estado do Paraná abriga 26% do contingente total de famílias. No acampamento de apenas uma fazenda, estão 2.900 famílias que representam 44,6% do total de acampados cadastrados no Paraná. Por região, é a seguinte a distribuição das populações acampadas:

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5.5 A Disponibilidade de Terra

O governo Federal começou 1997 com um estoque de terra desapropriada suficiente para assentar 40 mil famílias – metade da meta programada para este ano, que é de assentar 80 mil famílias.

Os dados coletados no recadastramento de terras feito pelo INCRA, em 1992, indicam a existência de 150 milhões de hectares relativos a imóveis rurais classificados como grandes e improdutivos, num total aproximado de 55 mil estabelecimentos. É uma extensão de terra quase três vezes maior do que a França.

No entanto, 70% dessa área – ou quase 100 milhões de hectares – encontram-se nas regiões norte e centro-oeste do país, grande parte em floresta densa e insalubre, sem estradas nem vias de escoamento próximas, sem energia ou comunicações. Outros 25 milhões de hectares estão situados na região nordeste, a maior parte no sertão, zonas com pouca água e de solo frágil. (ver gráficos a seguir).

Região Nordeste (Segundo a classificação)

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Região Centro-Oeste (Segundo a classificação)

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Região Sudeste (Segundo a classificação)

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Região Sul (Segundo a classificação)

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Região Norte (Segundo a classificação)

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Ao se levar em consideração que esses territórios não são passíveis de ocupação a curto prazo, o estoque de terras propício à implantação imediata de projetos viáveis de reforma agrária será substancialmente menor do que aqueles 150 milhões de hectares. Ainda assim, constituirá uma área de 25 milhões de hectares – algo como os territórios de Portugal, Suíça, Bélgica e Hungria somados.

Esse número está bem próximo daquele encontrado pelo censo agropecuário feito em 1985, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 24,5 milhões de hectares de terras produtivas não-utilizadas no país.

Segundo a conceituação do IBGE, 56% dessas terras ociosas pertencem a estabelecimentos rurais com menos de mil hectares. Além disso, nem sempre se tratam de fazendas inteiras improdutivas, mas de parcelas de terras ociosas dentro dos imóveis, o que tornaria questionável sua desapropriação integral para fins de reforma agrária.

É verdade, ainda, que há um estoque considerável de terras públicas da União e de terras devolutas dos estados, principalmente nas regiões de fronteira, que também está sendo considerado no processo de reestruturação fundiária do país. O Exército, inclusive, já ofereceu parte das terras sob seu domínio, para programas de assentamentos rurais.

As terras devolutas, no entanto, por serem glebas muito grandes – somadas, chegam a quase sete milhões de hectares, área equivalente a duas vezes a Bélgica – exigem projetos de parcelamento diferentes dos tradicionais. Esses projetos especiais precisam dar atenção prioritária à comercialização e à transformação local da produção agropecuária.

Fica claro, assim, que dimensionar o estoque de terras disponíveis para assentamentos, sua localização geográfica e condições de infra-estrutura social, de produção e de comercialização ainda é tarefa prioritária. Durante o ano de 1997, o IBGE deverá divulgar os resultados do censo agropecuário feito em 1996, com dados mais próximos da realidade.

Em conclusão, se é verdade que existe uma disponibilidade de terras suficiente para o cumprimento das metas da Reforma Agrária, certamente não procede a afirmação de que o Brasil tem 150 milhões de hectares prontos para atender a milhões de famílias sem terra, bastando para isso que o governo decida desapropriá-los.

Finalmente, é preciso considerar os limites impostos pela proteção ecológica e o problema das áreas indígenas. É dever da sociedade e do governo garantir a preservação das áreas indígenas. No Brasil, até alguns anos atrás, a expansão agrícola e o distributivismo agrário irresponsáveis colocaram em risco a sobrevivência de povos indígenas, hoje mais protegidos pela acelerada demarcação dos seus territórios.

Da mesma foma, a preservação da floresta amazônica e da Mata Atlântica, dos cerrados do Planalto Central, do Pantanal mato-grossense e de outros ecossistemas naturais tem que ser compatibilizada com projetos nacionais de desapropriação e de assentamento.

5.6 Valor e Concentração

A perversa concentração de terras do País fica demonstrada na série histórica a seguir:

Evolução da Estrutura Agrária no Brasil

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Evolução da Estrutura Agrária no Brasil

A concentração da terra também pode ser aferida pelo crescimento, em números absolutos, do número de grandes imóveis rurais. No cadastro de 1966, foram identificados 41 mil imóveis com área igual ou superior a mil hectares, ocupando um total de 139 milhões de hectares. Em 1978, havia 57 mil imóveis com essas dimensões, numa área total de 246 milhões de hectares, um acréscimo de 77% no território ocupado pelos grandes imóveis rurais. No cadastramento de 1992, verificou-se um total de 43 mil imóveis, somando uma área de 165 milhões hectares.

Em linhas gerais, a estrutura fundiária manteve-se quase inalterada: menos de 2% do universo dos imóveis cadastrados, representado pelo segmento dos grandes imóveis com área igual ou superior a mil hectares, continuam detendo mais de 50% da área cadastrada.

Nas últimas três décadas, uma série de fatores contribuiu para um investimento cada vez maior em terra com fins especulativos, como reserva de valor. Muitos agentes financeiros, sem nenhum vínculo com a produção agropecuária, incluem grandes extensões de terra em seu patrimônio.

Entre esses fatores, destacam-se: a) fonte de prestígio e poder – em muitas regiões do país, o controle da terra ainda significa controle de votos; b) instabilidade econômica e processo inflacionário, que fazem da terra um investimento seguro, com valorização sempre superior à inflação; c) regularização de ganhos de origem duvidosa, porque a legislação de impostos sobre a propriedade e a renda é flexível e benevolente no setor agrícola; d) Imposto Territorial Rural quase simbólico; e) sonegação do imposto de renda; f) acesso a crédito subsidiado.

No governo atual, foi tomado um conjunto de medidas para eliminar vários desses fatores, com destaque para:

A. a aplicação de um plano econômico bem sucedido, que derrubou uma inflação crônica de até 80% ao mês, para 10% ao ano, em 1996, e para menos de 1% ao mês, nos dois primeiros meses de 97, e assegurou a estabilidade econômica;

B. a mudança radical do Imposto Territorial Rural, como se verá, mais adiante;

C. a desapropriação em larga escala de terras improdutivas, para fins de reforma agrária,

D. o aperfeiçoamento dos mecanismos de cobrança do imposto de renda;

E. o fim dos subsídios generalizados e do crédito rural subsidiado; e

F. a inserção competitiva do Brasil no mercado mundial e o aprofundamento da abertura da economia, que obrigaram grandes proprietários a vender parte de suas terras para investir em eficiência e produtividade nas terras restantes. O mesmo está ocorrendo com bancos e grandes grupos empresariais, que mantinham extensas áreas apenas como reserva de valor e de segurança patrimonial, e agora estão vendendo para se concentrar e investir na modernização do seu negócio principal.

O resultado disso é que, nos últimos dois anos, o mercado de terras, no Brasil, enfrenta uma das maiores crises de sua história. O preço médio da terra despencou e a ausência de liquidez é quase total. São os dois lados de uma mesma moeda: se é ruim para os proprietários improdutivos, é bom para o processo de reforma agrária. Nunca houve tanta terra para se comprar no Brasil, nem tão barata.

Segundo levantamento do Centro de Estudos Agrícolas da Fundação Getúlio Vargas, um hectare que custava R$ 4.170,00, em junho de 1986, valia R$ 1.350,00, em junho de 96. No estado de São Paulo, onde estão as terras mais caras do país, o preço do hectare, em junho de 96, era 35% inferior ao do mesmo mês de 1994, quando foi lançado o Plano Real de estabilização da moeda.

Em Minas Gerais, também uma região de terras caras, há mais de cinco mil fazendas consideradas improdutivas à venda, o que representa a quase totalidade das terras ociosas do estado. As terras produtivas, ao contrário, aumentaram de preço. Na região do Triângulo Mineiro, uma das mais prósperas do país, o preço de um alqueire (4,84 hectares) aumentou de R$ 2.900,00 em média, para R$ 4.800,00. A prática do arrendamento em larga escala – uma experiência singular de reforma agrária feita na região e que será analisada, mais adiante – também é responsável pela valorização da terra.

No Rio Grande do Sul, estado que é grande produtor de carne e grãos e onde a distribuição de terras é a mais equilibrada do Brasil, o preço também caiu nos últimos dois anos, entre 30% e 50%, conforme a região. Propriedades que estavam sendo oferecidas por R$ 2.000,00 o hectare estão sendo negociadas até por R$ 800,00.

Se todo esse processo de transformações e reformas profundas pelo qual o Brasil está passando for mantido, a terra perderá, definitivamente, seu caráter especulativo e sua função de reserva de valor e passará a cumprir sua função social e econô-mica, em benefício de uma sociedade menos desigual.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária
O Custo da Terra

6. A PEQUENA PROPRIEDADE E OUTRAS INICIATIVAS

A reforma agrária brasileira, ao longo do tempo, foi executada mais como instrumento de redução de tensões sociais do que como parte de uma estratégia global de desenvolvimento sócio-econômico. Hoje, existe consenso de que uma política de desenvolvimento rural deve integrar a reforma agrária, o fortalecimento da pequena propriedade e da agricultura familiar, assim como a geração de mais e melhores postos de trabalho e renda no campo.

O cenário rural brasileiro sempre foi dominado pela grande propriedade, ficando a pequena propriedade e a agricultura familiar relegadas à subalternidade e, por vezes, ao esquecimento, na formulação das políticas públicas para o setor. A monocultura e a mecanização foram estimuladas por sucessivos governos, como “modelo” de agricultura “moderna” e “racional”. O resultado disso foi a expulsão maciça de pequenos proprietários e trabalhadores rurais do campo para as cidades.

O setor urbano-industrial brasileiro foi incapaz de gerar, na quantidade e na velocidade necessárias, os empregos para absorver todo esse contingente deslocado pelo êxodo rural. Assim, enquanto o homem do campo dos Estados Unidos migrou porque predominaram os fatores de atração das cidades, o brasileiro deixou o meio rural porque os fatores de expulsão mostraram-se mais fortes. Expulsos do campo, esse homem e sua família foram constituir os batalhões de mal-empregados, subempregados e desempregados das periferias das grandes cidades brasileiras, compondo o dramático quadro social, marcado por profundas desigualdades, que perdura até hoje.

Os números desse processo abrupto de urbanização do Brasil são eloquentes: em 1940, a população brasileira era de 41 milhões de habitantes, 70% vivendo na área rural e 30%, nas áreas urbanas. Em 1980, a população havia triplicado, chegando a 121 milhões, dos quais 68% – 82 milhões de pessoas – já residentes nas cidades. Em apenas cinco décadas, a proporção inverteu-se drasticamente: hoje, o Brasil tem mais de 150 milhões de habitantes, 75% nas áreas urbanas e 25%, nas áreas rurais.

Esse processo acelerado de urbanização e industrialização constitui um fato raro na história da civilização moderna, só comparável aos chamados “tigres asiáticos”, como a Coréia do Sul ou Taiwan. Na Europa, a revolução industrial demorou 150 anos para completar seu ciclo e alterar, de forma significativa, o modo de vida da população.

Atrasado e com pressa, o Brasil queimou etapas para se industrializar e urbanizar, e abdicou de um processo indispensável para crescer com mais equilíbrio e menos desigualdades: o de desconcentrar e fortalecer também os pequenos.

6.1 O Mundo dos Pequenos

Na luta contra o modelo agrícola concentrador de riqueza, contra as desigualdades sociais e pela superação da pobreza, o apoio e o fortalecimento dos pequenos produtores rurais podem ser políticas tão relevantes quanto a reforma agrária que democratiza a posse da terra. Sem reverter o êxodo rural provocado pelo desamparo dos pequenos agricultores, a política de assentamento dos sem terra poderá se tornar inócua, pois não conseguirá concorrer com o processo de desassentamento, que significa, na prática, uma reforma agrária ao contrário.

São 4,5 milhões de agricultores familiares, a maioria pobre, mas que garantem a sobrevivência de 17,6 milhões de pessoas, entre agregados e membros não-remunerados da família – gente que trabalha em seu próprio estabelecimento ou é arrendatária, que paga pelo direito de trabalhar na terra dos outros.

Embora ocupe apenas 25% da área total – 75% são ocupados por 500 mil estabelecimentos considerados patronais – a agricultura familiar responde por 80% do pessoal ocupado no campo e por metade de toda a produção agropecuária brasileira. A grande empresa agrícola capitalista produz mais carne bovina, cana-de-açúcar, arroz e soja, enquanto os pequenos são mais produtivos em feijão, milho, trigo, mandioca, batata, café e cacau, carnes suínas e de aves, leite e ovos, hortaliças e frutas.

Excluídos dos mecanismos de crédito rural e desprezados pela política agrícola oficial, esses pequenos produtores vinham sendo esmagados pela expansão do capitalismo no campo, perdendo suas terras e desistindo da produção. A trajetória do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNCR, também é uma crônica da exclusão: menos de 20% dos estabelecimentos rurais tiveram acesso a esse financiamento, altamente subsidiado. Entre os com-crédito, igualmente ocorreu uma grande concentração – houve época em que 1% dos maiores tomadores recebeu 38% do total dos recursos emprestados.

Principal instrumento da política agrícola, o financiamento à atividade agropecuária, atravessou quase duas décadas cobrando taxas de juros reais negativas. Na segunda metade dos anos 70, o valor pago pelos tomadores foi, em média, inferior a 50% do que havia sido compactuado. Desta forma, bilhões de dólares foram transferidos para os tomadores de crédito rural, que nem sempre aplicaram o dinheiro em sua atividade agrícola.

A maior parte dos recursos destinados a outros instrumentos da política agrícola, como preços mínimos, seguro agrícola, armazenamento, assistência técnica e pesquisa, também foram, direta ou indiretamente, canalizados para atender aos interesses dos maiores proprietários. A centralização dos benefícios nas mãos de um pequeno número de fazendeiros teve como sub-produto o aumento do grau de concentração da propriedade da terra, no Brasil, e da pobreza no campo.

O relatório que o governo brasileiro levou à Conferência de Copenhague – a cúpula mundial para o desenvolvimento nacional – atesta que a pobreza brasileira tem um forte componente regional e é um fenômeno marcadamente rural. O campo concentra quase 43% dos indigentes do país. Somente a área rural de uma região – o nordeste – abriga 32% do total de pobres brasileiros.

Garantir a sobrevivência da pequena agricultura, modernizar, profissionalizar, tornar eficientes e produtivos os agricultores familiares significa melhorar a vida de quase 20 milhões de pessoas. Além disso, haverá um efeito multiplicador de renda nas pequenas cidades do interior, com reflexos positivos sobre a geração de empregos locais e regionais.

Nos últimos dois anos, essa tem sido a estratégia seguida, na formulação das políticas públicas para o meio rural, como se verá a seguir.

6.2 Os Programas do governo
6.2.1 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF

Criado no atual governo e vinculado ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento, o Pronaf fornece crédito com juros favorecidos aos pequenos agricultores familiares – proprietários, posseiros, arrendatários ou parceiros – e às cooperativas e associações de produção, desde que formadas apenas por pequenos produtores. Os recursos podem se destinar ao custeio da safra e da atividade pecuária ou a investimentos: compra de máquinas, equipamentos agrícolas, bens de produção, inclusive usados, e outros itens de infra-estrutura indispensáveis ao empreendimento.

O teto de financiamento individual varia entre R$ 5.000,00, para custeio, com prazo de pagamento de dois anos, e R$ 15.000,00, para investimentos, com prazo de pagamento de cinco anos e 18 meses de carência. Para cooperativas e associações, o teto é fixado em função do número de integrantes e o dinheiro pode ser usado em projetos de investimentos, custeio, capital de giro e comercialização, mesmo sob a forma de adiantamento aos cooperados, aquisição de bens para fornecimento aos associados ou prestação de serviços.

Os recursos provêm de exigibilidades bancárias, dos fundos constitucionais das regiões norte e nordeste e do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, que é gerido por um conselho de representantes do governo, dos trabalhadores e da iniciativa privada, sob a coordenação do Ministério do Trabalho. Os agentes operadores são os Bancos do Brasil e do Nordeste.

A execução do Pronaf é descentralizada: o programa é aplicado pelo município, por meio de parceria entre os governos federal, estaduais, prefeituras e representantes dos produtores, organizados em comissões estaduais e municipais de emprego, tripartites e paritárias. Compete às comissões o acompanhamento dos projetos financiados.

Em 1995, ano de implantação do Pronaf, foram aplicados R$ 36 milhões, beneficiando cerca de 19 mil famílias, a maioria do nordeste e do Rio Grande do Sul. Em 1996, o programa concedeu crédito rural a 333 mil famílias, num total de R$ 649,7 milhões. Para este ano, estão previstos recursos de R$ 1,5 bilhão, que vão garantir o acesso ao crédito a 600 mil pequenos agricultores e suas famílias.

Além dos recursos destinados aos agricultores familiares, existe, ainda, a destinação orçamentária de R$ 219,5 milhões, assim distribuídos:

R$ 125 milhões para apoiar o desenvolvimento rural de 994 municípios;

R$ 30 milhões para financiar a ação da extensão rural junto aos agricultores familiares;

R$ 64,5 milhões para equalização do crédito rural.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

6.2.2 Programa de Geração de Emprego e Renda Rural – PROGER RURAL

A exemplo do Pronaf, o Proger Rural, vinculado ao Ministério do Trabalho, é um programa voltado ao desenvolvimento das atividades rurais dos pequenos produtores, de forma individual e coletiva. Criado em 1995, também destina recursos para a agroindústria, com vistas a aumentar a produção, melhorar a produtividade, criar mais postos de trabalho e fixar o homem no campo.

Os recursos são fornecidos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, observando-se os seguintes critérios, definidos pelo conselho gestor: geração imediata de emprego e renda; descentralização regional; e compatibilização com as políticas governamentais.

O crédito inclui duas modalidades de financiamento:

custeio – valor máximo de R$ 48 mil por beneficiário.

Pronaf

investimento – valor máximo de R$ 30 mil por pessoa, podendo financiar até 100%, quando se tratar de empreendimento individual e, no máximo, R$ 150 mil para empreendimento coletivo, observado o limite de R$ 30 mil por participante.

O prazo de pagamento do empréstimo é de cinco anos, com carência de até 18 meses, e a taxa de juro é favorecida. Os recursos do Proger Rural são determinados para cada ano/safra. Até junho, serão definidos os valores disponíveis para a safra 1997/98. No ano passado, o total de recursos emprestado foi de quase R$ 1 bilhão (ver tabela a seguir): 86% para custeio agrícola, 1% para custeio pecuário, 9% para investimento pecuário e 4% para investimento agrícola.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária
Proger Rural
Aplicação dos Recursos

Estima-se que, na safra 95/96, os recursos aplicados pelo Proger Rural garantiram a geração e manutenção do emprego para 263.612 trabalhadores.

6.2.3 Previdência Rural

É o maior programa agrário e de renda mínima do país. Mesmo que nunca tenha contribuído com o sistema previdenciário, o trabalhador rural faz jus ao benefício. O programa garante aposentadoria e pensão a cerca de 6 milhões de trabalhadores rurais, pagando um valor médio de benefício de US$ 125. Estendida aos trabalhadores do campo, em 1971, a Previdência Rural pagava apenas meio salário-mínimo mensal ao trabalhador, garantia assistência parcial de saúde e vedava acesso às mulheres camponesas.

A Constituição de 1988 universalizou o atendimento do programa, mas somente em 1992 ele se tornou realidade, com a nova lei de custeio da Previdência. A aplicação da lei, a partir de 1993, aumentou o benefício mensal para um salário-mínimo, incluiu as mulheres trabalhadoras rurais, assegurou assistência integral à saúde e ampliou a cobertura de 4 milhões para 6 milhões de pessoas, em apenas dois anos.

Em 1991, a Previdência Rural gastou o equivalente a US$ 2,16 bilhões e pagou 4 milhões de pensões e apo-sentadorias, com benefício médio de US$ 44 mensais. Em 1995, foram US$ 7,9 bilhões, 6,3 milhões de pessoas e benefícios médios de US$ 103. No ano passado, US$ 9 bilhões, com cerca de 6 milhões de trabalhadores e média de US$ 125 por benefício/mês.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária
Previdência Rural

A idade mínima para ter direito ao benefício, que era de 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher, até 1992, baixou para 60 anos e 55 anos, respectivamente, em consideração ao ingresso precoce no trabalho do campo, à dureza da jornada e à menor expectativa de vida dos pequenos agricultores familiares – o maior contingente da Previdência Rural.

Entre 1991 e 1996, o crescimento dos números da Previdência do homem do campo foi significativo: o volume de recursos aumentou mais de 300%, o número de beneficiários, mais de 50%, e o valor médio mensal das pensões e aposentadorias quase triplicou. Além disso, a renda do casal camponês dobrou, porque os dois passaram a ter direito ao benefício. De 94 para 95, o salário-mínimo nominal aumentou 40%, o que é muito num contexto de estabilização monetária.

Desde o final do ano passado, o governo reduziu a burocracia e as exigências, para conceder o benefício. Atendendo a uma reivindicação da Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, o processo tornou-se simples e rápido: substituiu-se a apresentação de uma série de documentos por uma entrevista, o que permitiu, em poucos meses, a aposentadoria de 400 mil novos trabalhadores que, pelo procedimento antigo, não conseguiriam o benefício.

O impacto das mudanças na Previdência Rural, em 1993, sobre a renda das famílias mais humildes de pequenos agricultores, nos estados mais pobres do Brasil, foi impressionante. Mesmo nos estados mais ricos, onde a renda da produção agrícola é alta, como o Rio Grande do Sul, o impacto não chegou a ser desprezível, conforme mostra a tabela ao abaixo.

Participação da Renda da Previdência Rural na Renda Domiciliar

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Nos pequenos municípios brasileiros, principalmente, do norte, nordeste e centro-oeste, a aposentadoria rural está movimentando a economia, desenvolvendo as micro-regiões e assegurando emprego e renda ao conjunto da sociedade. Em algumas localidades, 21% da população recebem o benefício. Se, pelo menos, mais uma pessoa da família depender dessa aposentadoria, quase a metade dos habitantes dessas cidadezinhas terá, na Previdência Rural, a garantia de uma renda mínima.

Graças à ampliação desse programa, diminuiu a participação da pobreza rural no quadro geral de pobreza do país. O aumento da renda domiciliar que os benefícios proporcionam, termina por viabilizar, ainda, a própria atividade da agricultura familiar.

6.3 Outras Iniciativas

Na região do Triângulo Mineiro, uma prefeitura, um funcionário de banco, proprietários e agricultores comandaram uma experiência pioneira e provaram que, mesmo sem desapropriar terra, nem alterar a estrutura fundiária, é possível fazer parcerias que melhorem, profundamente, a situação econômica de toda uma comunidade e a vida dos agricultores sem-terra. A hoje próspera cidade mineira de Uberaba tinha, em 1985, o mesmo sério problema que atinge o setor primário brasileiro: baixo nível de aproveitamento da terra e grande potencial de atração de agricultores profissionais capacitados. Eram 200 mil hectares de terras ociosas na região – quase o dobro do município do Rio de Janeiro.

Um funcionário local da Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil, junto com a prefeitura e com os proprietários rurais, propôs uma solução simples, viável e inovadora, para resolver o problema: criar a primeira Bolsa de Parceria e Arrendamento Rural do Brasil. A iniciativa deu certo. Na safra seguinte – 1986/87 – a intermediação feita pela Bolsa, que aproximou arrendatários de proprietários, já havia formalizado 72 contratos de arrendamento de terras, para o cultivo de mais de 21 mil hectares. Tudo feito sem qualquer interferência burocrática governamental.

Os contratos tinham vencimento em 5 anos, eram renováveis, e o pagamento variava entre 5% da renda anual, a partir da segunda safra, e 15%, nas duas últimas. O acesso à terra foi feito com o conhecimento da prefeitura e com o crédito normal dos bancos. Agricultores profissionais mineiros, paulistas, goianos e até japoneses, ao lado de gaúchos e catarinenses com tradição de colonização alemã e italiana, formaram o grupo pioneiro de arrendatários.

Em 10 anos de parcerias, a idéia do bancário, com a adesão do prefeito e dos proprietários e o trabalho dos agricultores, levou Uberaba – que era a capital mundial do gado zebu – ao 1º lugar no ranking de produção de grãos dos municípios do estado de Minas Gerais e a uma posição de destaque, no cenário rural brasileiro. Iniciativas parecidas começam a surgir em outras regiões do país.

6.3.1 As Lavouras Comunitárias

No estado de Goiás, também em parceria com as prefeituras, proprietários e agricultores pobres, a Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência criou, em 1995, o projeto-piloto do programa de Lavouras Comunitárias.

O programa é, igualmente, muito simples:

os proprietários cedem parte de suas terras à prefeitura, em regime de comodato;

as famílias de agricultores, cadastrados pela prefeitura, participam com a mão-de-obra, desde a preparação do solo até a colheita;

a prefeitura fornece as máquinas agrícolas e a assistência técnica, por intermédio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – Emater;

a Secretaria de Assistência Social financia a compra dos insumos – sementes e adubo – e seus técnicos fiscalizam as lavouras.

O resultado da produção é dividido: 80% para as famílias que trabalharam na terra, 10% para as entidades assistenciais da região e 10% reservados como sementes para o próximo plantio. A safra 95/96 teve boa colheita. Foram 182 municípios envolvidos, 412 mil sacas de 60 quilos colhidas, 21.400 hectares de área plantada e 124.500 pessoas beneficiadas. No ano passado, as Lavouras Comunitárias foram estendidas a mais cinco estados: Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Sergipe.

Participação da Renda da Previdência Rural na Renda Domiciliar

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Os objetivos das Lavouras Comunitárias são melhorar a alimentação das famílias de agricultores mais pobres, incentivar o associativismo, o trabalho coletivo e o surgimento de grupos organizados, que facilitem as ações governamentais. A médio prazo, o programa pretende criar alternativas locais de trabalho para as famílias carentes, contribuindo para amenizar o êxodo rural.
6.3.2 As Vilas Rurais

O governo do estado Paraná, em parceria com as prefeituras, também está inovando. Em conjunto, vem comprando terras ao redor das cidades de médio porte, para transformá-las em lotes urbanizados e distribuir aos chamados bóias-frias – trabalhadores volantes que acompanham o ciclo das safras

Chamadas de vilas rurais, esses conjuntos de lotes, de meio hectare cada um, são dotados de escola, posto de saúde e toda a infra-estrutura urbana: água tratada, saneamento básico, iluminação pública. Com melhores condições de vida, o trabalhador temporário tende a se fixar no lote e é estimulado a produzir hortigranjeiros, não apenas para o auto-consumo, mas também para vender nos mercados locais.

Políticas como essa, de urbanização da zona rural, têm produzido bons resultados e impacto positivo imediato, na qualidade de vida dessas populações. Ao mesmo tempo, inibem migrações para as periferias favelizadas dos grandes centros urbanos.

6.3.3 Turismo Ecológico

Na região do Pantanal mato-grossense – o maior ecossistema do planeta – a exploração do turismo ecológico está contribuindo para reduzir o êxodo do campo, preservar o meio-ambiente e, ao mesmo tempo, garantir bom retorno financeiro. De implantação recente, o turismo rural emprega, nas fazendas, cinco vezes mais mão-de-obra do que a atividade agropastoril convencional. Cerca de 30 estabelecimentos rurais do estado do Mato Grosso do Sul já aderiram aos programas de desenvolvimento do ecoturismo e a perspectiva é de rápida expansão da atividade, que tem grande potencial econômico naquela região, sem ameaçar o equilíbrio do ecossistema.

Mais antigo, o ecoturismo na Amazônia integra há anos o circuito internacional de referência do setor, e tem crescido e se sofisticado para atender às exigências de conforto e diversificação de turistas com maior poder aquisitivo, procedentes dos países desenvolvidos. A qualificação das atividades turísticas na floresta tem proporcionado mais e melhores oportunidades de trabalho e renda para as populações ribeirinhas.

6.3.4 As Populações da Floresta

A abertura do mercado interno brasileiro ameaça de extinção a principal fonte de renda das populações tradicionais da Amazônia – extração da borracha nativa. O produto importado do Sudeste Asiático chega no Brasil ao preço de US$ 1,60 o quilo, enquanto a borracha nacional tem um custo de US$ 2,60.

Guardiães da floresta, os seringueiros e outros pequenos extrativistas estão abandonando a mata rumo às cidades, em busca da sobrevivência. Sabe-se que, se essas populações tradicionais da Amazônia saírem da floresta, os madeireiros clandestinos, nacionais e estrangeiros, entrarão com muito mais facilidade, derrubando as árvores e vendendo as madeiras nobres, de alto valor de mercado.

Para conter o êxodo rural na região e preservar os recursos florestais, o governo decidiu, em março de 1997, que será o avalista das populações tradicionais da floresta, garantindo-lhes o acesso a uma linha especial de crédito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Amazônia – Prodex, no valor de R$ 24 milhões. Criado em 1996, o Prodex destina seus recursos às 80 mil famílias da Amazônia, que vivem da extração, beneficiamento e comercialização de produtos extrativistas, como borracha, castanha, babaçu, açaí e atividades de pesca. Além de recursos para os investimentos, os trabalhadores da Amazônia terão dinheiro para alimentação e habitação.

Menos por razões econômicas do que por segurança ambiental, o governo evitará o colapso provocado pela borracha importada, arcando com a diferença de preço entre o produto nacional e o asiático. O Brasil produz, hoje, 4 mil toneladas de borracha por ano e a compensação aos seringueiros será de aproximadamente R$ 4 milhões anuais. Os recursos virão do Procera, o crédito especial para a reforma agrária, e do Pronaf, programa de incentivo à agricultura familiar.

Também em março deste ano, foi assinado o decreto de criação da Reserva Extrativista do Médio Juruá, com 450 mil hectares – a primeira no estado do Amazonas. Esses são custos que a sociedade brasileira deve pagar, pela responsabilidade de manter a floresta amazônica preservada e os seringueiros dentro dela, contendo a devastação produzida pelas madeireiras e outros predadores.

Aliadas à legislação editada no ano passado, que aumenta de 50% para 80% o total de cobertura florestal que deve ser preservado, obrigatoriamente, em cada propriedade rural do norte da Amazônia, essas medidas constituem o início de uma verdadeira reforma agrária ecológica para a região amazônica.

6.3.5 A Criança Cidadã

O velho drama do trabalho infantil na zona rural começou a ser enfrentado, desde o ano passado, pela Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência, com o apoio de outros ministérios, instituições públicas e organizações não-governamentais. A tarefa não é simples. Ainda faz parte da cultura do homem do campo, principalmente das regiões mais pobres do país, a constituição de prole numerosa, que significa mais braços para a lavoura – mesmo que braços infantis – e ajuda a compor a renda da família. Os filhos também eliminam a necessidade de contratar trabalhadores – um luxo que os pequenos agricultores não podem pagar – mantendo dentro da própria família toda a renda auferida.

O estado nordestino da Paraíba, por exemplo, é o campeão nacional de famílias numerosas – 43% dos casais do meio rural têm mais de seis filhos e 53% dos pequenos agricultores paraibanos acreditam que a sobrevivência no campo depende do tamanho da prole. Em todo o Brasil, quase 60% dos trabalhadores da agricultura familiar utilizam, na lavoura, o trabalho dos filhos.

A situação, porém, tende a mudar. A partir da década de 90, a taxa de natalidade, na zona rural brasileira, passou a declinar de forma significativa, embora ainda seja superior à do setor urbano. No entanto, somente na próxima década começarão a ser sentidos os efeitos dessa tendência sobre o mercado de trabalho do campo.

Para erradicar, desde já, o trabalho infantil na zona rural, especialmente o que ocorre em circunstâncias degradantes ou de risco, o governo criou, em 1996, o programa denominado Bolsa Criança Cidadã. As famílias das crianças selecionadas pelo programa – todas na faixa etária de 7 a 14 anos – recebem um reforço em sua renda mensal de, no máximo, R$ 50,00 por filho. A única exigência para a concessão do auxílio financeiro é de que as crianças abandonem o trabalho e frequentem, regularmente, a escola.

O programa procura, ainda, incentivar a permanência diária dos estudantes, em tempo integral, nos estabelecimentos de ensino. Para isso, fornece aos colégios que recebem essas crianças um reforço adicional de recursos humanos e materiais, que lhes garanta transporte, alimentação, atividades esportivas e de lazer. Até o final de 1997, depois de implantada nos estados do Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe e Rondônia, a Bolsa Criança Cidadã terá retirado do trabalho no campo e encaminhado para a escola cerca de 50 mil meninos e meninas, principalmente, de carvoarias, plantações de sisal, lavouras de cana-de-açúcar e de erva-mate. Atualmente, cerca de 30 mil crianças já estão sendo beneficiadas pelo Programa, conforme quadro a seguir.

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7. ARTICULAÇÃO E INTEGRAÇÃO DE PROGRAMAS E AÇÕES

As múltiplas possibilidades que se abrem, no país, para combater a pobreza no campo e gerar trabalho, emprego e renda, como já foi visto, não se limitam apenas às políticas convencionais de desenvolvimento agrícola e à reforma agrária tradicional, baseada na simples distribuição de “terra para plantar”. Além do turismo ecológico, que conta com os privilégios inigualáveis que a natureza deu ao Brasil, uma série de novas atividades – rurais, mas não necessariamente agrícolas – começam a surgir como alternativas até mais rentáveis de ocupação de mão-de-obra no campo: criação de pequenos animais (rãs, canários, peixes ornamentais, aves exóticas, coelhos, escargot), floricultura, olericultura, fruticultura de mesa, entre outras.

São atividades altamente intensivas e de pequena escala, que podem proporcionar uma nova oportunidade de vida melhor no campo a um conjunto expressivo de pequenos produtores e proprietários, que já não conseguem mais ser nem agricultores, nem pecuaristas.

Cresce, também, o número de sítios de lazer e de profissionais urbanos que continuam trabalhando nas grandes cidades, mas optaram por morar na área rural próxima. A fuga desses profissionais da cidade, em busca de melhor qualidade de vida, está, ao mesmo tempo, aumentando o mercado para trabalhadores domésticos, no meio rural – mais bem pagos do que o trabalhador da roça. Além do salário, recebem a cessão da casa de moradia e, por vezes, o direito de manter uma horta doméstica e criações de porcos e aves, água e energia elétrica de graça. Somente no estado de São Paulo, esses caseiros de sítios já representam quase 8% da população economicamente ativa da área rural.

Essa multiplicidade de políticas possíveis para o campo levou o governo a priorizar a articulação e as ações integradas de diversos ministérios, estados, municípios, poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público. Como parte dessa estratégia de desenvolvimento integrado, foi selecionado um conjunto de programas e ações que merecem atenção especial, por sua importância e impacto imediato nas condições de vida da população rural. São iniciativas em dois níveis: específicas de política e reforma agrária, e de trabalho, emprego, renda e qualificação profissional.

.1 A Câmara de Política Social

Vinculada diretamente à Presidência da República, por intermédio da Casa Civil, é a instância superior de coordenação da política social do governo. Além de construir consenso para as políticas públicas, assegura as condições para a execução dos programas, faz o acompanhamento, a avaliação e, sempre que necessário, a revisão das ações propostas. É integrada por uma secretaria e um comitê executivos e por doze ministros.

Um secretário executivo, diretamente subordinado ao Presidente da República, é responsável pelo andamento dos trabalhos da Câmara. Atualmente, entre os programas articulados nesta Câmara, um tem especial relevância para os problemas relacionados à reforma agrária: o Projeto Emancipar (descrito no item 4.3.3).

7.2 O Programa Comunidade Solidária

Criado em janeiro de 1995, o Comunidade Solidária coordena as ações governamentais voltadas para o atendimento da população que não dispõe de meios para prover suas necessidades básicas e, em especial, o combate à fome e à pobreza. Contando com um conselho formado por representantes do governo e da sociedade, o Comunidade Solidária tem uma secretaria-executiva, que atua junto aos ministérios, governos estaduais e municipais, movimentos sociais e organizações não-governamentais.

Em 1996, o Conselho da Comunidade Solidária adotou como prioridades para a interlocução entre o governo e a sociedade os temas da segurança alimentar e nutricional, do reforço da renda mínima familiar e da reforma agrária. Para acompanhar a execução das propostas nascidas dessas discussões, o Conselho da Comunidade Solidária criou dois comitês setoriais, coordenados por representantes da sociedade e pela secretaria executiva.

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Comunidade Solidária – Prodea

Entre as ações sob a responsabilidade da secretaria executiva, destaca-se o Programa de Distribuição de Alimentos – Prodea, que forneceu, em 1996, 232.950 cestas básicas dos estoques do Ministério da Agricultura, num total de 5,7 milhões de quilos de alimentos, para 232 acampamentos de trabalhadores rurais sem-terra, em 21 estados do país. Esses trabalhadores acampados pertencem, em sua grande maioria, ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST. Ou seja, o governo garantiu a alimentação de praticamente todas as cerca de 25 mil famílias sem-terra acampadas, em todo o país, distribuindo uma cesta básica mensal a cada uma delas.

7.3 Plano Nacional de Educação Profissional – PLANFOR

Entre os obstáculos à agricultura familiar, sobressaem a falta de conhecimento técnico e tecnológico, a falta de acesso à informação, o isolamento e a baixa escolaridade da população do campo, que ostenta os maiores índices de analfabetismo do país. Educação básica e profissional destacam-se, assim, como fatores estratégicos para a superação do atraso e da pobreza.

Dentro dessa perspectiva, o Plano Nacional de Educação Profissional – Planfor, elaborado pelo Ministério do Trabalho, adquire especial relevância. Seu financiamento é feito com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e a execução, descentralizada. Comissões estaduais de emprego, tripartites e paritárias, com representantes do governo, iniciativa privada e trabalhadores, aprovam os Planos Estaduais de Qualificação.

A inclusão, no Planfor, de ações voltadas aos assentamentos e comunidades rurais visa a estimular uma área da economia cujo crescimento pode resultar em maior produtividade, melhoria da qualidade de vida e redução do contingente de desempregados e de famílias do campo forçado a tentar a sorte nas cidades.

As metas do governo, no período 1996/98, são as seguintes: oferecer matrículas em educação profissional a 500 mil trabalhadores de assentamentos e comunidades rurais; apoiar técnica e financeiramente as instituições de educação profissional rural, em todos os estados com assentamentos; atender progressivamente os assentamentos nas fases de consolidação, implantação e emancipação.

Em 1996, a meta inicial fixada pelo programa de atender a 60 mil pessoas a um custo de R$ 14 milhões dobrou. Em 768 municípios, foram atendidas cerca de 120 mil pessoas, com uma aplicação total de recursos de R$ 18,4 milhões. O público beneficiado incluiu trabalhadores rurais, famílias assentadas, posseiros, arrendatários e pequenos produtores, na faixa etária acima de 14 anos. Foram parceiros do governo, nessa tarefa, entidades de classe patronais e de trabalhadores, igrejas, movimentos sociais organizados em defesa da terra, organizações não-governamentais, associações e cooperativas de produção, fundações e universidades públicas e privadas, e as redes de ensino técnico federal, estadual e municipal.

Além de seu aspecto inovador, em termos de mobilização e parcerias, o Programa de Educação Profissional para Assentamentos e Comunidades Rurais foi, sem dúvida, um dos maiores programas desenvol-vidos no ano passado. Em 1997, o programa deve crescer 20%, em média, tanto em núme-ro de pessoas atendidas como em investimen-tos e ampliação das parcerias.

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Programa de Educação Profissional para Assentamentos e Comunidades Rurais

7.4 Outras Ações

I Censo da Reforma Agrária: por convênio entre o Ministério Extraordinário de Política Fundiária e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, 1.700 estudantes universitários concluem, no primeiro semestre de 1997, o primeiro levantamento já feito no país para definir com precisão quantos são e onde estão os milhares de trabalhadores rurais assentados pelo INCRA. Os objetivos do censo são atualizar os cadastros do governo e aumentar a eficácia dos projetos desenvolvidos, para melhorar a qualidade de vida das famílias beneficiadas pela reforma agrária e emancipar os assentamentos.

Regularização Fundiária: o IBAMA – instituto brasileiro de proteção ambiental, emprestará ao INCRA um moderno sistema de rastreamento via satélite, que permitirá localizar por sensoreamento remoto a presença de posseiros isolados nas florestas e zonas rurais do país. O Ministério Extraordinário de Política Fundiária quer regularizar a posse da terra de cerca de um milhão de pequenos agricultores, que formam o principal grupo de risco no campo, vulneráveis e indefesos contra a ação de pistoleiros e grileiros profissionais.

Trabalho Forçado: o Ministério Extraordinário de Política Fundiária está promovendo vistorias em propriedades rurais, autuadas pelo Ministério do Trabalho, por manter trabalhadores em condições degradantes de saúde e segurança ou em regime de semi-escravidão. As áreas que estão sendo fiscalizadas pelo Incra poderão ser incluídas nos programas de desapropriação de terras, para fins de reforma agrária, caso persistam os maus-tratos aos trabalhadores.

Terras do Banco do Brasil e de Outros Bancos: o Banco do Brasil concordou em dar prioridade ao Ministério Extraordinário de Política Fundiária, para a aquisição das terras de fazendeiros que não quitaram suas dívidas com a instituição. As fazendas serão compradas com Títulos da Dívida Agrária – TDAs. Também serão usadas para a reforma agrária as fazendas pertencentes a instituições financeiras liquidadas pelo Banco Central do Brasil.

Terras do Exército: os ministérios do Exército e de Política Fundiária firmaram protocolo de intenções que prevê a doação de 1,8 milhão de hectares para a reforma agrária, a maioria localizada na região norte do país. O primeiro assentamento feito em terras do Exército situa-se no estado do Amazonas. No projeto, a 100 quilômetros da capital, Manaus, foram assentadas cerca de 400 famílias, em 27.980 hectares.

Cultura no Campo: mais de 20 mil famílias, assentadas em 80 áreas de terra, em 20 estados, serão as beneficiárias do projeto Habitat, uma parceria entre os ministérios da Cultura e de Política Fundiária. Os assentamentos terão exibição de filmes, vídeos, teatro e circo. Cooperativas de artistas serão incentivadas a criar núcleos de cultura entre os novos agricultores com terra.

8. A QUEDA DE BARREIRAS LEGAIS

A origem da maioria dos conflitos de terra no país, da lentidão do governo na condução do processo de desapropriação, imissão de posse e assentamento e da morosidade da Justiça nas questões do campo, pode ser encontrada na legislação agrária brasileira. Concebida muito mais para proteger a grande propriedade do que para garantir o direito dos pequenos agricultores, a legislação agrária é ultrapassada, deficiente e cheia de brechas habilmente exploradas para impedir a administração da justiça no meio rural.

Desde o ano passado, porém, esse arcabouço legal que favorecia os mais fortes, em detrimento dos que realmente precisam da proteção do Estado, começou a ruir, como se verá neste capítulo.

8.1 O Imposto Territorial Rural – ITR

Instituído pelo Estatuto da Terra, em 1964, o ITR deveria ser um auxiliar das políticas públicas de desconcentração da terra e um instrumento de justiça fiscal, no campo: quanto mais terra tivesse um proprietário, mais imposto pagaria proporcionalmente. Quanto menos produtiva fosse a terra, mais alta a alíquota. No entanto, o que ocorreu foi exatamente o contrário.

O elevado grau de subtributação, de evasão fiscal e da inadimplência dos grandes proprietários transformou o ITR num imposto de ineficácia absoluta. Pior: com o passar do tempo, tornou-se um poderoso instrumento de injustiça fiscal no campo. Como se trata de um imposto declaratório – o dono informa o valor da terra nua, as condições de exploração e os percentuais de aproveitamento e produtividade – o grande proprietário sempre encontrou uma forma de enquadrar-se nos casos que permitem o abatimento máximo do ITR, que é de 90% sobre o total a ser pago.

As distorções observadas beiram o escândalo: a) o valor declarado da terra nua – VTN – é sempre muito inferior ao de mercado. Há estudos demonstrando que o percentual do VTN em relação ao preço real da terra, na década passada, variava de 20% para as propriedades com menos de 10 hectares, até 1,2% para as grandes propriedades com mais de 10 mil hectares; b) a área declarada aproveitável é muito menor do que a real, com os maiores estabelecimentos fixando-se em torno de 50%, em média, enquanto os menores declaram 94%; c) a declaração de produtividade é ainda mais irreal: houve casos, aceitos pelo Incra para efeito de cálculo do ITR, em que a produtividade informada por hectare era mais de dez vezes superior à média apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

O resultado disso é que os pequenos proprietários sempre pagaram, proporcionalmente, muito mais imposto do que os grandes. Mais ainda: eram os pequenos que pagavam o ITR, e a inadimplência em massa concentrava-se nos maiores imóveis que, mesmo tendo que pagar pouco, sequer pagavam o imposto.

O atual governo lutou para mudar isso e, em dezembro de 1996, obteve do Congresso Nacional, com o apoio maciço, inclusive das oposições, a aprovação de alterações substanciais na sistemática de cálculo do ITR, a saber:

a) o valor das alíquotas para cálculo do ITR dos imóveis grandes e improdutivos teve um aumento radical: de um limite máximo de 4,5% para propriedades acima de 15 mil hectares, passou para 20%, sobre propriedades acima de 5 mil hectares – um aumento de mais de 500% em alguns casos.

b) a divisão das propriedades por tamanho, para efeito de cálculo do imposto a ser pago, também mudou, alargando-se as faixas e reduzindo-se à metade o número delas: de 12 para 6. (ver tabelas).

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O Novo ITR

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O Antigo ITR

c) as antigas alíquotas variavam, ainda, em função da região onde se localizavam. Havia a tabela geral e duas outras diferenciadas, para os municípios do chamado polígono da seca (na região nordeste) e da Amazônia Oriental e para a região da Amazônia Ocidental e do Pantanal mato-grossense e sul do Mato Grosso (ver tabelas). Com a nova lei, esta situação foi modificada e as alíquotas valem, agora, para todos os imóveis rurais, independentemente da região em que estejam situados.

Municípios do Polígono da Seca e da Amazônia Oriental.

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d. outra mudança substancial está no fato de que o valor declarado pelo proprietário, para efeito do pagamento do ITR, será levado em conta pelo INCRA para a eventualidade de desapropriação. Desta forma, não só a alíquota é maior, mas a base do imposto será mais elevada. O risco de desapropriação induz o proprietário a declarar o valor de mercado e não um preço muito inferior ao real.

Municípios da Amazônia Ocidental e do Pantanal Mato-Grossense e Sul-Mato-Grossense.

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O aumento das alíquotas tem o objetivo de estimular o uso racional da terra e forçar a venda ou a entrega ao governo das grandes propriedades improdutivas para o programa de reforma agrária. Propriedades com baixo grau de utilização pagarão imposto elevado. Assim, por exemplo, um imóvel rural com área superior a 5 mil hectares e área de utilização inferior a 30%, terá alíquota de 20% de imposto. Na prática, isso significa que o proprietário desse imóvel pagará, em cinco anos, um valor total de impostos correspondente ao próprio valor do imóvel.

A aprovação do novo ITR representa, ainda, o fim do processo de compra de terras para fins especulativos ou de reserva de valor. A nova tributação para áreas improdutivas deixará aos grandes proprietários apenas dois caminhos: ou partir para a produção ou vender as terras.

8.2 A Lei do Rito Sumário

O governo apresentou – e conseguiu aprovar no Congresso Nacional, também em dezembro de 1996 – uma proposta de alteração da Lei Complementar 76/1993, conhecida como lei do rito sumário, que trata do processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

Segundo a nova lei, ao despachar a petição inicial de desapropriação, no prazo máximo de 48 horas, o juiz mandará imitir o autor (o governo) na posse do imóvel, mediante os comprovantes do depósito judicial correspondente ao preço oferecido pelas benfeitorias e do lançamento dos Títulos da Dívida Agrária – TDAs, para pagamento do valor da terra nua.

Pela lei anterior, o juiz apenas autorizava o depósito judicial correspondente ao preço oferecido, mas não fazia a imissão de posse. Em rito sumário esse depósito acompanha a petição inicial e a imissão de posse é determinada de imediato ou no prazo de 24 horas pelo juiz. Esse procedimento acelera a ação de desapropriação e evita que os advogados dos proprietários sustem a desapropriação, para obter, na Justiça, acordos de indenização da terra mais favoráveis, em prejuízo dos cofres públicos e dos contribuintes. A querela judicial arrastava-se durante anos, às vezes décadas, e os proprietários por vezes conseguiam valores exorbitantes, altamente lesivos ao erário, mediante processos eivados de erros.

Além de corrigir esses vícios de origem, a nova lei também elimina um dos principais focos dos conflitos fundiários brasileiros, que ocorriam exatamente no período entre a desapropriação do imóvel e a imissão de posse. Revoltadas com a demora do processo, as famílias sem-terra que seriam assentadas na área desapropriada acampavam nas proximidades ou invadiam as terras, entrando em choque com os fazendeiros e seus empregados. Agora, a contestação judicial apresentada pelos proprietários não impedirá a imissão de posse da terra para o governo.

8.3 A Lei do Porte de Arma

Por mais de 50 anos, o porte ilegal de arma, no Brasil, caracterizava mera contravenção penal. Uma nova lei aprovada pelo Congresso Nacional, em fevereiro de 1997, passa a definir como crime o porte ilegal de arma e estabelece penas de detenção de um a dois anos e de reclusão de dois a quatro anos.

Além de definir crimes, a nova lei consolida normas relacionadas ao registro e ao porte de armas de fogo. A decisão mais significativa refere-se à instituição do Sistema Nacional de Armas – SINARM, que tem por objetivo maior criar um cadastro nacional de armas de fogo em circulação no país. Os proprietários terão prazo de seis meses para registrar suas armas.

A nova legislação dificulta e restringe, ainda, o porte de armas de fogo, como forma de aumentar a segurança da coletividade. A partir de agora, a autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada e dependerá de comprovação de idoneidade, comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão psicológica para o seu manuseio.

Com isso, o governo passa a ter todo o amparo legal necessário para desencadear uma ampla e eficaz operação de desarmamento em massa no campo, tanto entre os fazendeiros e seus empregados, quanto junto aos sem-terra, principalmente, nas áreas de maior tensão social e elevado potencial de conflitos armados. Somente em 1996, 47 pessoas morreram em conflitos agrários em todo o país, 31 delas no estado do Pará.

8.4 Os Projetos-de-Lei em Discussão

Além da legislação já aprovada, o Congresso Nacional discute dezenas de outros projetos, direta ou indiretamente relacionados ao aperfeiçoamento do processo de reforma agrária.

Entre eles, destacam-se:

Projeto que altera o Código de Processo Civil, determinando a competência do Ministério Público para intervir nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra e em que se caracterize o interesse público. Possibilita ao Ministério Público o acompanhamento dos litígios antes mesmo da fase processual, onde ele atua hoje, por se haver constatado que é naquela etapa que ocorrem as maiores irregularidades e as mais graves ofensas aos direitos da cidadania. Se for aprovado, o Ministério Público passará a funcionar como guardião dos direitos da coletividade, frente aos interesses econômicos que, normalmente, dominam esses litígios.

Projeto que institui a revisão judicial dos valores atribuídos aos imóveis rurais desapropriados, por interesse social, para fins de reforma agrária. Tem por objetivo permitir que o Estado volte a questionar e refazer os cálculos de avaliação dos imóveis, tendo em vista o grande número de sentenças judiciais que fixam indenizações exorbitantes, em relação aos preços de mercado. Essa realidade contraria, frontalmente, os limites da razoabilidade e constitui clara violação ao princípio constitucional da “justa indenização” (Constituição Federal, art. 5, XXIV).

Projeto que impede o parcelamento de imóveis passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária. Determina que, concluída a vistoria da propriedade rural pelo Incra, para fins de desapropriação, ficam vedados o parcelamento, a venda, a doação e a permuta do imóvel, pelo prazo de dois anos. A falta de proibição ao parcelamento de imóvel selecionado para reforma agrária tem levado os proprietários a doar, permutar, inventariar, alienar ou dividir a terra em pequenas e médias propriedades, que não são passíveis de desapropriação, com o propósito evidente de impedir a ação do governo.

Além disso, contém dispositivos para impedir a maquiagem da propriedade, no que se refere à exploração da terra, e permitir a publicação da notificação que deve anteceder a vistoria do imóvel pelo Incra, por meio de edital, em jornal de grande circulação no estado em que se localiza a fazenda. Isso porque é grande o número de casos em que todo o processo de desapropriação foi anulado, nos tribunais, por ser considerada inválida qualquer notificação de vistoria que não tenha sido feita à pessoa do proprietário. Em muitos casos, essa notificação pessoal torna-se impossível, ou porque o proprietário mora em local de difícil acesso ou porque não reside no estado em que possui o imóvel.

Se forem aprovadas todas as alterações necessárias, na legislação agrária do país, estarão ampliadas, de forma extraordinária, as possibilidades de atuação do poder público, para democratizar a posse da terra, no Brasil, sem maiores traumas, de forma pacífica e rápida, e com o apoio majoritário da sociedade.

8.5 Combate à violência e à impunidade

O conflito de terras está na origem de boa parte das manifestações de violência no campo. O cenário é conhecido e recorrente: os sem terra invadem a propriedade, armados ou não, o fazendeiro se arma para defender-se, a polícia militar por vezes não se tem mostrado preparada para agir de modo adequado, a Justiça Militar não pune os excessos e crimes cometidos pelas policias militares, a Justiça Federal não tem competência para julgar as violações dos direitos humanos. Eis aí alguns dos ingredientes da síndrome violência rural-impunidade que tem acompanhado o recrudescimento dos conflitos de terra nos últimos anos.

Preocupado com este quadro, que fere os sentimentos democráticos da sociedade brasileira, e o seu desejo de ver uma efetiva reforma agrária, dentro da lei, o governo tomou as seguintes medidas:

A) sanção da Lei 9.432, de 20.02.97, que institui o Sistema Nacional de Armas (SINARM), estabelece condições para o registro e porte de armas de fogo e define crimes de violação do porte de armas. Essa lei visa a assegurar a base legal para o desarmamento no campo, de onde quer que venham as ameaças de violência.

B) a transferência da justiça militar para a justiça civil dos crimes cometidos por policiais militares. A Lei 9.299, de 7.8.96 dá um primeiro passo nesta direção. Mas limita a mudança de jurisdição aos crimes dolosos. Por isto, novo projeto foi apresentado.

C) sanção da Lei 9.455, de 7.4.97, que define os crimes de tortura; e

D) Proposta de Emenda Constitucional no.368/96, que atribui competência à Justiça Federal para julgar os crimes praticados contra os direitos humanos.

9. BARREIRAS COMERCIAIS

Como se procurou mostrar, a questão agrária envolve, de um lado, a concentração fundiária; e de outro, a liberação da mão-de-obra, decorrente da modernização do sistema produtivo, apenas para citar duas das razões principais.

Neste sentido, a questão dos sem terra não pode ser dissociada da situação do Brasil como país sem mercado externo. Nesse contexto, o protecionismo contribuiu para manter regiões de produção tradicional deprimidas por muitos anos, contribuindo para a pobreza e o êxodo rural.

O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de grãos. A safra 1996/97 deverá superar a marca de 81 milhões de toneladas e, em prazo relativamente curto, o país tem condições de produzir 140 milhões de toneladas. Hoje, a participação do setor agropecuário, no Produto Interno Bruto – PIB, é de 12%, enquanto o complexo da agroindústria respondeu por 35 a 40% do PIB brasileiro. No ano passado, cerca de 37% do total das exportações brasileiras foram de produtos agropecuários.

Nos últimos anos, no entanto, os principais produtos de exportação brasileiros, notadamente no setor agropecuário, vêm sendo atingidos por um número crescente de barreiras tarifárias e não-tarifárias (barreiras técnicas e fitossanitárias, assim como quotas) como se depreende do quadro a seguir, para mencionar apenas alguns exemplos:

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Restrições às Exportações agropecuárias brasileiras

Nos últimos anos, o Brasil empreendeu ampla e rápida abertura do seu mercado interno. Reivindica, por isto, o direito legítimo à reciprocidade, mediante a retirada das barreiras que hoje incidem sobre o acesso de suas exportações aos principais mercados, tais como a União Européia, os Estados Unidos e o Japão.

CONCLUSÃO

O Brasil é um dos poucos países com verdadeiras condições de gerar milhões de empregos no campo, pela possibilidade de estender suas fronteiras agrícolas, pela disponibilidade de tecnologia, e por um mercado consumidor em expansão, sobretudo após o Real. Além disso, reúne igualmente as condições para executar uma verdadeira reforma agrária.

Segmentos amplamente majoritários na opinião pública apóiam uma revisão da estrutura fundiária no País, assim como uma aceleração dos assentamentos rurais. O governo está determinado a cumprir, como vem fazendo, as metas para os assentamentos e a assegurar o apoio necessário para que o assentado possa efetivamente transformar-se em agricultor produtivo.

Os recursos para a reforma agrária foram aumentados. As barreiras legais, eliminadas. Um conjunto de textos legais, já adotados ou por adotar, permitirá combate mais eficaz contra a violência e a impunidade.

Movimentos sociais atuantes têm dado contribuição decisiva para a mobilização da sociedade em prol de maior equidade no campo.

As condições parecem dadas para corrigir estruturas e relações iníquas, herdadas da época colonial. Um governo democrático tem o dever de atribuir prioridade às ações que visem a reduzir formas de exclusão e a promover maior justiça social. Mas, por ser democrático, tem também um compromisso com a lei. Porque são justamente o desrespeito à lei e a complacência secular com o desrespeito à lei que explicam, ainda que não justifiquem, a violência e as reiteradas violações aos direitos humanos no campo.

O problema da terra, tão antigo quanto o País, não poderá ser resolvido por um governo. Talvez, por uma geração. Mas para se fazer uma longa marcha, é preciso dar o primeiro passo. E este já foi dado pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

BIBLIOGRAFIA

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Franco, Augusto de – A Reforma Agrária na Virada do Século, Revista Monitor Público, dez 1996

Pinto, Luís Carlos Guedes – Política de Terras na América Latina e Caribe – Brasil, Mesa Redonda Regional, 1996

Borges, Renata Farhat, e Damas, Ana Paula – Terras de Prosperidade, O Livro das Parcerias, Editora Fundação Peirópolis, 1995

Silva, José Graziano da – O Novo Rural Brasileiro

Atlas Fundiário Brasileiro, Sistema Nacional de Cadastro Rural, 1996

Fonte: www.planalto.gov.br

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TERRAS OCIOSAS: INVASÃO OU OCUPAÇÃO?

A Implementação da reforma agrária no Brasil tem encontrado no decorrer da História a oposição firme e bem-sucedida dos grandes proprietários e latifundiários que concentram a maior parcela das terras cultiváveis do País.

Esse processo de redistribuição de terras é sobretudo uma questão política e social. Ele depende, por sua própria natureza, do debate e da ampla participação de todas as classes sociais, principalmente os trabalhadores rurais, intrinsecamente ligados à terra, mas dela sempre excluídos.

Esse drama foi muito bem colocado pelo poeta cearense Patativa do Assaré, em seu poema:

Esta terra é desmedida

E devia sê comum

Devia sê repartida

Um taco pra cada um

Mode morá sossegado.

Eu já tenho imaginado

Que a baxa, o sertão e a serra

Devia sê coisa nossa;

Quem não trabáia na roça

Que diabo é que qué com a terra?

O fato de a reforma agrária não Ter avançado deixa milhões de trabalhadores rurais sem grandes alternativas, forçando-os muitas vezes a ocupar terras que são mantidas inexploradas para fins lucrativos. Isso porque os salários no campo são baixíssimos e há milhões de camponeses que só encontram serviço nas épocas de safras (os trabalhadores temporários), mas que querem cultivar o solo e alimentar suas famílias.

Dentro desse contexto, pode-se discutir dois conceitos de propriedade: a) terra para trabalho; b)terra para negócio. A terra para trabalho é aquela utilizada para sobrevivência, garantindo direito à vida. A terra para negócio serve para explorar o valor da propriedade no mercado imobiliário, isto é, ela não se destina à produção e, dessa forma, não cumpre sua função social.

Como se vê, temos duas concepções diferentes e antagônicas de propriedade da terra. Para uns a propriedade é sagrada e inviolável, podendo o dono fazer (ou não fazer) com ela o que bem entender. Para outros a propriedade deve atender a uma função social, deve ser produtiva, pois não é desejável, num país com milhões de pessoas subalimentadas, deixar bons solos sem criações ou cultivos adequados.

Assim, os sem-terra montam seus acampamentos em fazendas improdutivas, procurando criar uma situação que obrigue o governo a desapropriar essas terras e distribuí-las às famílias camponesas. Também nesse caso temos duas concepções distintas acerca do mesmo fato: para os proprietários, trata-se de invasão; já para os camponeses trata-se de uma ocupação. No fundo, esse desentendimento evidencia uma outra discordância, muito mais concreta, acerca do conceito de propriedade. Vale a pena esclarecer que, para os trabalhadores rurais, a ocupação de terras ociosas, que não cumprem sua função social (com cultivo, pastagens), não constitui invasão, pois eles têm como princípio o “direito à vida”, garantido pela nova Constituição.

Nesse processo de ocupação, os camponeses têm se organizado através do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A etapa posterior à instalação dos acampamentos tem sido uma negociação com as autoridades governamentais, com as seguintes alternativas:

A expulsão da terra e a reintegração de posse para o proprietário ou para o Estado, no caso de terras públicas.

A terra seria decretada para fins de reforma agrária e o proprietário seria indenizado; as benfeitorias seriam pagas em dinheiro e a terra em TDAs (Títulos da Dívida Agrária). A etapa seguinte seria o assentamento (isto é, a fixação legal do camponês à terra) e a obtenção de crédito e assistência técnica.

É importante lembrar que esse processo de luta pela terra (acampamento – assentamento) é muito complexo e violento, não raras vezes envolvendo muitas mortes. De 1964 a 1984 foram assassinadas 884 pessoas, sendo que 565 dessas mortes ocorreram entre 1979 e 1984. De 1985 a 1987 o número de mortes por ano no campo duplicou, perfazendo um total de 787 pessoas.

Na realidade, existem reformas agrárias, no plural, pois elas são sempre diferentes, de acordo com o país onde ocorrem. Elas nascem de mudanças históricas, que são específicas a cada sociedade – não bastam o desejo isolado de algum político ou a vontade de imitar outro país.

São condições sociais que dão origem às lutas pelas terras, à falta de gêneros alimentícios, à distribuição desigual das propriedades, que podem resultar em reformas agrárias. E estas não se limitam à mera distribuição de lotes de terra, pois, para serem consequentes, elas necessitam de uma política agrícola de créditos bancários – para a compra de sementes, de adubos, de máquinas, de tratores etc. – além da assistência técnica e da criação das condições para o escoamento da produção.

Uma reforma agrária não visa apenas corrigir uma situação objetiva de injustiça social, mas destina-se a ampliar a produção agrícola, a transformar amplas extensões de terras improdutivas em solos produtivos, cultivados. Assim, aumentando a oferta de gêneros alimentícios, a redistribuição de terras interessa também à imensa maioria da população.

O CASO BRASILEIRO

A questão da reforma agrária no Brasil remonta ao século passado. Nas lutas pela abolição da escravatura, a distribuição das terras já era uma reivindicação de alguns setores da sociedade. Desde essa época, contudo, os interesses dos grandes proprietários – que constituíam a chamada “oligarquia rural” – já se faziam sentir na política brasileira. Esse panorama permaneceu inalterado durante várias décadas e se estende aos dias atuais.

Já em 1946, a Constituição então promulgada estabelecia que era preciso “promover a justa distribuição da propriedade para todos”, o que não ocorreu na prática. Diante desse fato, multiplicaram-se no País as organizações dos trabalhadores rurais com o objetivo de defender seus direitos e a realização da reforma agrária, como as ligas camponesas das décadas de 50 e 60, os sindicatos rurais atuantes, a luta dos “sem-terra” rurais, os acampamentos e as ocupações de terras não-cultivadas etc.

Com o advento do regime militar em 1964, essas organizações populares foram intensamente reprimidas, e muitos presos, torturados ou exilados. Como consequência, a luta pela reforma agrária declinou, embora a situação no campo continuasse sendo alvo de intensos protestos, dessa vez internacionais. Equipes de estudiosos da ONU (Organização das Nações Unidas) visitaram o País no período e constataram que era necessário melhorar a situação dos camponeses e realizar reformas urgentes no campo.

Essa atitude pode ser bem resumida por uma frase de John F. Kennedy, presidente dos EUA (1960-1963): “Aqueles que impossibilitam a reforma pacífica tornam a mudança violenta inevitável”. Ou sejam suas palavras querem dizer que é preferível fazer uma mudança “vinda de cima”, de forma controlada, a conservar uma situação tão explosiva, que pode originar revoluções “vindas de baixo”, populares e espontâneas, que riram contra os interesses capitalistas.

Foi dentro desse contexto que o governo do general Castelo Branco elaborou o estatuto da Terra, que pretendia a extinção tanto do latifúndio quanto do minifúndio (propriedade rural de dimensões diminutas). Essa iniciativa também não chegou a ser posta em prática devido aos interesses dos grandes proprietários.

REFORMA AGRÁRIA

Revisão da estrutura agrária de um País com objetivo de realizar uma distribuição mais igualitária da terra e da renda agrícola. No Brasil, a questão da terra é hoje um grave problema social por causa da grande desigualdade na distribuição da propriedade. Envolvendo promessas do Governo, acusações entre os fazendeiros e trabalhadores sem-terra e muita violência, o problema tem suas origens na época colonial.

Das sesmarias à Lei de Terras – durante a colonização, Portugal aplica no Brasil a legislação e a política agrária praticadas na metrópole desde o século XIV. Baseia-se na doação de terras de domínio público – terras devolutas – a particulares no regime de sesmaria, ou seja, na condição de cultivá-las dentro de certo prazo. O objetivo é tanto o aumento da produção agrícola quanto a ocupação territorial. No Brasil, a concessão da sesmarias é atribuída aos donatários e governantes das capitanias e depois também às câmaras municipais. Enquanto na metrópole as concessões eram pequenas, na colônia, em razão das grandes dimensões de território e do não-reconhecimento dos direitos dos índios sobre suas terras, as sesmarias viram imensos latifúndios.

O governo português tenta controlar esse crescimento excessivo das propriedades, quase nunca acompanhado por igual crescimento da produção. Em 1695 limita-se o tamanho das sesmarias ao máximo de 4 léguas de comprimento por 1 légua largura (cerca de 24 Km², ou 2.400 há). Na prática isso não funciona, porque muitas terras são ocupadas em regime de posse (direito de propriedade decorrente da exploração efetiva e duradoura de terras não ocupadas e raramente legalizadas. Além disso, na agricultura extensiva da colônia, a produção se realiza pela ocupação contínua de novas áreas, fazendo com que as propriedades rurais cresçam sempre mais em tamanho do que em produtividade. Em 1822, às vésperas da independência, o regente Dom Pedro extingue o regime das sesmarias.

No Império, as principais medidas de regulamentação de acesso e posse legal da terra são tomadas na Lei de Terras, de 18 de Setembro de 1850. Ela estabelece que as terras devolutas só podem ser legalmente adquiridas por compra em leilões públicos e que as terras ou posseiros somente devem ser legalizadas na parte efetivamente ocupada e explorada para o sustento da família proprietária. O objetivo é ordenar a propriedade agrária e criar um mercado de terras, pois, com o fim do tráfico de escravos, elas se tornariam o capital que iria substituir o investimento feito em mão-de-obra.

Terras na República – Essa lei não impede o crescimento da concentração agrária. A ocupação de novas terras continua a acontecer de forma irregular, e, às vezes, violenta pelos grandes proprietários para quem a terra agora, além de símbolo de prestígio e poder, é uma reserva de valor. Já os pequenos proprietários, em geral posseiros, encontram dificuldade para legalizar a posse e não tem meios de disputar o mercado de terras – nas áreas de expansão agrícola, porque a terra é valorizada, e nas áreas pioneiras, porque a terra é dominada pelos “coronéis” latifundiários ou seus prepostos.

Com a República, essa situação não muda. Na República Velha, os estados passam a administrar as terras públicas, facilitando sua apropriação pelas oligarquias e coronéis. Em 1920, 4,5% dos proprietários possuem a metade das propriedades rurais do país. Esse processo gera a redução das áreas de produção de subsistência, fazendo a nação importar alimentos e a expansão descontrolada das áreas agroesxportadoras, levando às crises de superprodução, como a do café entre os anos 20 e 30. Após a Revolução de 1930 é criado o Ministérios da Agricultura, mas durante toda a era Vargas os problemas agrários ficam em segundo plano, inclusive no Estado Novo, quando é instituída a legislação trabalhista para os trabalhadores urbanos.

A reforma agrária – A partir das décadas de 40 e 50, o tema reforma agrária ganha destaque, a crescente modernização da agricultura e da industrialização do país intensificam o êxodo rural, as migrações regionais e a concentração fundiária. Por outro lado a organização dos trabalhadores rurais em sindicatos e federações faz crescer os movimentos reivindicatórios no campo, como as Ligas Camponesas. Para o estado, a questão da terra vira um desafio político e para os partidos, uma bandeira ideológica.

Nos anos 60, o governo de João Goulart anuncia o lançamento das “reformas de base”, começando pela reforma agrária. Logo após a implantação do Regime Militar de 1964 é criado o Estatuto da Terra (1964) e, em 1970, o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), para tratar da questão agrária. Os resultados práticos são pequenos. Com a política de incentivos fiscais dos anos 70 para os grandes empreendimentos agropecuários e extrativistas, a concentração aumenta mais, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, enquanto os projetos do INCRA, como as agrovilas da Amazônia, não se viabilizam.

Na década de 80, os problemas da terra se agravam. A concentração fundiária continua grande: enquanto 4,5 milhões de pequenas propriedades de até 100 ha têm apenas 20% de toda a área e empregam 78% da força de trabalho rural, 50 mil grandes propriedades com mais de 1.000 ha ocupam 45% da área e absorvem 4% da mão-de-obra. Com o fim do “milagre econômico” e a recessão há um grande aumento do desemprego e do êxodo rural. Com isso cresce o número de conflitos violentos no campo: são 4,2 mil entre 1987 e 1994, deixando centenas de vítimas.

O governo tem usado a política dos assentamentos em terras públicas e áreas consideradas improdutivas e desapropriadas para fins de reforma agrária. Nos últimos 12 anos são assentadas pouco mais de 300 mil famílias, menos de 7% do que seria necessário segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terras (MST), que hoje lidera a mobilização social no campo . Para o MST há 4,5 milhões de famílias no Brasil para assentar. Os proprietários reagem contra as pressões e as invasões de terra do MST, também organizadas em entidades, como a União Democrática Ruralista (UDR).

Hoje se discute a eficiência da reforma agrária como solução econômica (aumento da produção) e social (aumento do emprego e maior equilíbrio entre a cidade e o campo). Para uns, a produção nas pequenas propriedades já não é mais competitiva, sobretudo na era da globalização econômica, e por isso não deveria ser estimulada. Para outros, ao contrário, as pequenas propriedades continuarão a ser responsáveis pelo maior número de empregos no campo e pela maior produção de alimentos de consumo interno.

A “REFORMA AGRÁRIA” DOS SEM-TERRA

1985 foi um ano de preocupações organizadas de terras por trabalhadores rurais sem terra. Firmou-se, especialmente no sul do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Sua origem localizou-se no agravamento das condições de vida e trabalho dos trabalhadores no campo e no desemprego crescente no campo e nas cidades. A não realização da reforma agrária prometida em 1964 no Estatuto da Terra e a colonização oficial, atraindo e depois abandonando os colonos nas áreas pioneiras, sem condições de vida e de escoamento de produção, fizeram crescer a decisão: nós precisamos conquistar a terra em nossa região.

Esta decisão teve no Movimento dos Sem Terra o principal instrumento de organização. E o resultado foi que no final do ano havia 42 acampamentos com 11.655 famílias – perto de 60.000 pessoas – espalhadas em 11 estados de Norte a Sul do país. Praticamente todos esses acampamentos foram antecidos por ocupações de terra.

Pode-se dizer que todos os “projetos de assentamento” realizados recentemente foram conquistas dos trabalhadores. Os governantes atenderam à reivindicação teimosa do povo.

Durante o tempo em que o governo apresentou a proposta e elaborou o seu PNRA, o movimento usou uma tática de aumentar a organização e pressionar o governo para que a reforma agrária atendesse às aspirações dos Sem Terra. A decretação do PNRA, além de decepção, levou o movimento a executar mais ações de conquistar a terra.

Em outras palavras: os Sem Terra se deram conta que do governo não vem reforma agrária, pois ele apoia os proprietários. Por isso, cresce a decisão e a prática de organização do Movimento dos Sem Terra, como instrumento da reforma agrária feita pelos trabalhadores.

Isso reforça e aumenta a luta popular pela terra. Somam-se aos milhares (ou milhão) de posseiros que, em outros momentos e em outras condições, ocuparam terra “livres” e agora travam lutas sangrentas para ver seus direitos reconhecidos. Além disso, a ação do Movimento dos Sem Terra dá outro peso e abre novas perspectivas para a luta organizada dos assalariados do campo.

Fonte: www.scribd.com

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Parado por 500 anos

Entre os países continentais, o Brasil é o que menos mexeu na propriedade da terra

Em 500 anos de História, o Brasil nunca dividiu a terra. É o único país de extensão continental, em todo o mundo, com estrutura fundiária semelhante à da sua fundação. O primeiro regime de propriedade, o das sesmarias, durou três séculos e dividia as doze capitanias hereditárias em extensões maiores que Fortaleza e Belo Horizonte juntas. Em 1822, às vésperas da Independência, foi revogada a legislação das sesmarias, e o Brasil ficou quase trinta anos sem nenhuma lei sobre a propriedade rural. De 1850 para cá, pouco se mexeu na estrutura da terra no país – apesar do fim do tráfico de escravos, da abolição, da proclamação da República, da Revolução de 30, do golpe de 64 e da Nova República. Em toda a História do Brasil houve agitações no campo, luta pela divisão das fazendas e até zonas liberadas, como os quilombos. Mas, só neste século, nos anos 20, o movimento tenentista agitou a bandeira da reforma agrária, tal como é concebida hoje. A agitação voltou nos anos 60, com o movimento pelas reformas de base do presidente João Goulart, foi derrotada pelos militares em 1964 e ressurgiu com as ocupações de fazendas pelos sem-terra. E, grosso modo, em termos de propriedade rural, o Brasil continuou o país do latifúndio, das vastas extensões de terra pouco produtiva e do minifúndio nordestino pobre e tacanho.

Gabinetes liberais e conservadores, no Império e na República, fosse o presidente Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Figueiredo ou José Sarney – os governos brasileiros primaram por deixar a terra dormindo em berço esplêndido. Com as caravelas de Pedro Álvares Cabral, desembarcou no Brasil uma política de terras – a lei de sesmarias – que não tinha nenhum parentesco com a realidade da colônia. Criada em 1375 por dom Fernando, então rei de Portugal, a lei foi pensada para povoar o interior de Portugal. Lá, as sesmarias funcionaram, tanto que conseguiram alimentar o país. Mas, aqui, numa terra dezenas de vezes maior, o mesmo regime dificilmente poderia dar certo. Com território tão vasto, as sesmarias produziram grande balbúrdia. Pela lei escrita, recebia-se um latifúndio junto com o compromisso de cultivá-lo. Quem não o fizesse dentro de cinco anos, no máximo, deveria devolver a terra à Coroa. Imagine-se, só por ironia, como era a fiscalização da produtividade da terra naquele tempo – nunca se devolveu nada.

As sesmarias eram enormes. Uma delas foi a Ilha de Itaparica inteira. Brás Cubas recebeu uma fatia de terra que tomava boa parte da área que, hoje, forma os municípios de Santos, Cubatão e São Bernardo. Havia, já, os espertalhões que recebiam sesmaria para revendê-la retalhada. Havia quem levasse uma sesmaria para si, outra para a mulher, outra para o filho. Os limites eram imprecisos. Em documentos históricos, existem terras que terminam “onde mataram o Varela”. Há outra fazenda que ia até “a casa onde estão uns cajus grandes”. Às vezes, para medir a terra, acendia-se um cachimbo, montava-se no cavalo e ia-se em frente. Quando o cachimbo apagasse, acabado o fumo, marcava-se 1 légua. “A origem do latifúndio é a lei de sesmarias”, afirma a professora Ligia Osorio Silva, da Universidade de Campinas. “Mas elas não são a razão de o latifúndio durar até hoje, pois a lei foi revogada há mais de 170 anos.”

Com o fim das sesmarias, em 1822, o país ficou sem nenhuma lei sobre a propriedade da terra. Quase trinta anos depois, com a Lei de Terras, quando a pressão britânica pelo fim da escravidão estava no auge, definiu-se que só se poderia ter terra pagando por ela, e pagando caro. Como se pretendia manter os negros libertos como mão-de-obra disponível e barata nas fazendas, não se queria transformá-los em pequenos proprietários. No Sul, as terras valiam menos. Em função do clima temperado, eram imprestáveis para a grande agricultura de exportação, como açúcar e café. Em função disso, ali foi possível iniciar a partilha da terra e criar uma estrutura agrária mais equitativa.

Em 1945, a reforma agrária preconizada pelos tenentes foi sepultada por meio de uma legislação que dizia que as desapropriações tinham de ser feitas mediante pagamento à vista e em dinheiro. De lá para cá, o único presidente civil que tentou enfrentar o assunto de verdade foi João Goulart, que acabou deposto em 1964 – ele só pretendia desapropriar terras próximas de ferrovias, estradas e açudes da União. Castello Branco, o primeiro presidente do ciclo militar, vinha do interior do Ceará, conhecia algo da miséria rural e tinha apreço especial pela questão agrária. Com as Ligas Camponesas de Francisco Julião derrotadas, Castello fez o Estatuto da Terra. Até hoje, ele é considerado um bom instrumento jurídico para fazer reforma agrária. Mas o Estatuto tinha uma parte sobre reforma agrária e outra sobre política agrícola – e só esta segunda saiu do papel. “Na prática, o Estatuto só foi usado para reduzir as tensões sociais no campo, e não para fazer a reforma agrária”, diz o professor José de Souza Martins, da USP. “Nas emergências, permitia que se fizesse uma desapropriação aqui, outra ali.”

Nos anos 60 e 70, o governo seguiu estimulando a exportação, também distribuiu crédito subsidiado para que as terras pudessem ser adquiridas por grandes grupos econômicos. “O regime se definiu por uma modernização que excluiu pequenos agricultores”, afirma o professor José Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na prática, as grandes lavouras produtivas, como o café, a soja e a cana, cresceram, mas a esmagadora maioria do campo brasileiro continuou a marcar passo. No governo de José Sarney, fez-se um plano para assentar 1,4 milhão de famílias até o fim do mandato, em 1990. Mas também não saiu do papel. Acabou assentando apenas 90.000. “No início, Sarney contava até 10 antes de assinar um decreto de desapropriação. Depois, contava até 100. Depois, até 1.000”, relembra o seu ex-ministro da Reforma Agrária Nelson Ribeiro. “Quando os decretos na gaveta passaram de oitenta, saí do governo.”

Comparado a seus antecessores, Fernando Henrique Cardoso teve muitas realizações: retalhou 18 milhões de hectares, uma área maior que o Uruguai e equivalente a metade do território da Alemanha, e neles assentou 635.000 famílias. Quase 2 milhões de brasileiros receberam terras entre 1995 e 2002. Para isso, o antigo governo FHC gastou 25 bilhões de reais na aquisição de terra e na instalação de assentamentos. No programa de governo de Fernando Henrique Cardoso, a reforma agrária entrava sem destaque, de maneira retórica. Ela só entrou na agenda do governo por força e pressão do MST, com projetos destinados a assentar, ou a emancipar quem está assentado ou a viabilizar a compra da terra. Ou seja, iniciativas que se destinavam a acalmar os ânimos dos sem-terra. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu sucessor, foi o primeiro candidato eleito com apoio de setores dos movimentos sem-terra. A trégua dos grupos ao seu governo, porém, durou somente três meses – os conflitos recomeçaram quando Lula demorou a cumprir suas promessas sobre o campo.

Perguntas & respostas

Por que o Brasil, que tem terra de sobra, ainda vive problemas no campo?

Existem duas visões conflitantes a respeito da agricultura brasileira. Segundo a mais antiga, o Brasil tem terras tão esplêndidas e vastas que poderia ser o celeiro do mundo. A outra é baseada na observação prática de quem viaja pelo país. Fora algumas regiões do centro e do sudeste, que têm lavouras vistosas, uma boa parte do terreno brasileiro é formada por matagal inaproveitado. Ou por roçados em que a família cria bode, galinha e planta inhame para comer no casebre. Nessa paisagem há também o latifúndio improdutivo, dominado pelo coronel que prefere mexer com política a plantar alguma coisa. É a essa combinação de terras férteis, mas ociosas, que se dá o nome de problema agrário brasileiro. Esse problema, temperado por surtos de agitação rural, é muito discutido, tema de análises acadêmicas e de discursos inflamados no Congresso. Fala-se demais sobre a terra brasileira e pouco se faz. Muitos números indicam que o Brasil pode ser mesmo um dos celeiros mundiais, mas o fato é que o país nunca teve uma política agrária global, digna desse nome. Nas áreas em que se planta com técnicas modernas, a agricultura brasileira é altamente produtiva, quase tanto quanto a européia ou a americana. Mas na maior parte do Brasil planta-se ao acaso. Se der certo, deu. E geralmente não dá – porque não há planejamento, dinheiro, técnica, tradição.

Por que a reforma agrária no país dificilmente produz resultados significativos?

A operação de desapropriar fazendas improdutivas e alojar trabalhadores sem terra não é difícil de tocar. Com um laudo do Incra e um rabisco do ministro da Reforma Agrária, aparecerão lotes em boa quantidade. Em termos práticos, isso adianta pouco. O sem-terra, com o seu lote, continuará sem estrada, sem irrigação, sem semente, sem renda. É difícil imaginar alguma razão pela qual ele se fixaria nessa gleba por muito tempo. Assim, a política de desapropriação e assentamento parece fadada ao fracasso se não vier acompanhada de medidas de apoio, como oferta de crédito barato ao produtor e construção de infra-estrutura para sua produção.

Se os assentamentos têm tantos problemas, por que tanta gente continua aguardando na fila para integrar um deles?

De acordo com um censo realizado pelo Incra, 70% dos assentados já trabalhavam em alguma atividade rural – o que derruba o mito de que grande parte dos assentados vivia antes nas cidades. É dura a vida nos assentamentos. A maioria vive em casas de madeira ou taipa, ilumina suas noites à base de lampiões de querosene e há uns poucos felizardos que desfrutam o luxo da água encanada. A maior parte não tem nem posto de saúde por perto, muito menos hospital. Mas, apesar da aspereza da vida e da alta taxa de desistência, mais de 60% dos assentados não pensam em ir embora. Há sinais de que a maioria não deixa a terra porque a sua vida, ainda que precária, está melhor que antes, e sua renda familiar média a coloca com um padrão bem acima dos milhões de brasileiros oficialmente considerados miseráveis.

Se há tantas dificuldades para o governo bancar a reforma, por que vale a pena promovê-la?

Até a década de 60, distribuir terras garantia um aumento na produção agrícola dos países. Depois, com o aumento da produtividade, garantiu-se o abastecimento não pela repartição da terra, e sim pelo uso da tecnologia. A necessidade de mão-de-obra no setor vem caindo, aumentando diretamente a legião dos sem-terra. O Brasil tinha mais da metade de sua força de trabalho no campo até a década de 60. Hoje tem 23%. A Europa mantém aproximadamente 6% de sua população trabalhando no meio rural e, nos Estados Unidos, a porcentagem cai para 2%. De um ponto de vista estritamente agrícola, portanto, a reforma agrária não tem mais nenhuma razão de ser. No Brasil, ela se transformou numa questão diferente, pelo menos na teoria: evitar que as metrópoles sejam inchadas por desempregados do campo e também funciona na esfera da justiça social ao conceder terra a quem precisa dela para tirar o sustento da família.

Se o país bancou centenas de milhares de assentamentos nos últimos anos, por que o MST mantém sua estratégia agressiva para pressionar as autoridades?

Pela agressividade e amplitude das manifestações, seria razoável supor que o MST vive um momento de profunda angústia e que o programa de reforma agrária vai muito mal no Brasil. Mas nas duas décadas contadas desde que foi iniciado o programa, nos anos 80, foram distribuídos 22 milhões de hectares de terra a 618.000 famílias. Essa área equivale à soma de quatro países europeus: Áustria, Bélgica, Holanda e Portugal. Quanto mais terra o governo distribui, mais irritada fica a cúpula do movimento, porque, diante de números como esses, o discurso do MST se fragiliza. Numa palavra, o MST não quer mais terra. O movimento quer toda a terra: quer tomar o poder no país por meio da revolução e, feito isso, implantar por aqui um socialismo tardio. É o próprio MST que diz isso – e sem constrangimento algum.

Glossário da reforma agrária

Mundo de verdades relativas, a reforma agrária é frequentada por um universo de personagens, siglas e órgãos – e a marca de todos eles é a ambiguidade.

REFORMA AGRÁRIA

Todo mundo é a favor, desde que seja com a terra dos outros. Quando envolve sua própria fazenda, o raciocínio fundiário encara a reforma agrária como uma ameaça ao direito de propriedade. Além dessa ambiguidade, a expressão esconde uma confusão. Misturam-se no Brasil a guerra de terras com a reforma agrária. A guerra de terras equivale, no campo, à ação dos bandidos comuns da cidade, como os assaltantes de banco, ou aos promotores de desfalques e golpes financeiros. São casos de pura e simples aplicação de velhas leis, como o Código Penal. A reforma agrária é um conjunto de leis pelas quais organiza-se a distribuição de terras disponíveis no país. Ela é necessária no Brasil, país onde se cultiva uma porção ainda pequena das áreas aproveitáveis. Confundir a reforma agrária com a guerra de terras é o mesmo que misturar a reforma bancária com os golpes dos empresários de colarinho branco.

LATIFÚNDIO

Em latim, quer dizer largo e fundo. No campo, também. Num país um pequeno grupo de produtores rurais concentra grande parte das terras, uma área com mais de 1.200 hectares, em São Paulo, onde haveria espaço para dois bairros como o Limão, na Zona Norte paulistana, entra na classe dos latifúndios – mas no Amazonas não passaria de uma horta. Há latifúndios que batem recordes de produtividade, mas a maior parte frequenta a categoria dos improdutivos.

TERRAS DEVOLUTAS

São terras do governo que já foram entregues a um fazendeiro e depois devolvidas.

POSSEIROS

Se a questão dos posseiros, pessoas que abrem uma roça no meio do mato para cultivar, fosse resolvida por milagre do dia para a noite, metade do problema de terras no país estaria resolvida. Por lei, um lavrador tem o direito de ser dono da terra onde trabalha após um ano de ocupação “mansa e pacífica”. O problema fica por conta desse detalhe final. Eternamente ameaçado por jagunços, os posseiros vão embora ou reagem – e perdem o título. Com isso, em vez de diminuir, a legião de posseiros, no Brasil, mantém-se considerável.

GRILEIROS

No passado, quem atestava a posse da terra era a Igreja, e o pároco ajudava quem o favorecia, fazendo nascer boa parte dos latifundiários e da desordem que a CNBB combate. Os grileiros modernos trafegam num oceano de títulos falsos a respeito de fazendas também fictícias, garranchos antigos de personagens de remota existência – e muita violência.

INCRA

Batizado como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, tem como tarefa mais árdua conferir conflitos de terra e ajudar em sua distribuição. Para os fazendeiros, a melhor posição do INCRA é ficar parado. Para os sem-terra, seria bom que andasse depressa – por isso, pessoas ligadas ao MST integram sua nova diretoria.

MDA

O Ministério do Desenvolvimento Agrário mudou de nome, função e orçamento dezenas de vezes nos últimos governos, e ainda não resolveu a questão agrária brasileira. O atual titular da pasta, Miguel Rossetto, chegou a defender as invasões de terra no passado.

DESAPROPRIAÇÃO

Tirar a terra de seu dono é uma decisão tão grave que só pode ser tomada com a assinatura do presidente da República. O fazendeiro perde o imóvel e ganha um papel, um título a ser pago a longo prazo. Como negócio, a desapropriação é ruim para quem perdeu a fazenda. Para o governo, é uma forma de ficar de bem com os trabalhadores rurais do país – passando parte da conta para seus sucessores. Desde janeiro de 2003, quando assumiu, Lula assinou 84 decretos desapropriando 200.000 hectares, mas as vistorias das terras, passo seguinte à desapropriação, só começaram na metade do ano.

ASSENTAMENTO

Quando distribui uma área, o governo constrói casa e instalações necessárias a uma família de lavradores. Para os recém-chegados, é a providência mínima. Para o contribuinte, a conta pode ser vista com outros olhos. Cada família assentada custa muito dinheiro. No governo FHC, mais de 635 000 famílias foram assentadas. No primeiro semestre de 2003, o governo Lula assentou 2.500 famílias na terra – bem menos do que o governo anterior fez no mesmo período do ano anterior, em que os tucanos montaram 136 assentamentos e alojaram 7.800 famílias. A meta de Lula é assentar 60.000 famílias até o fim de seu primeiro ano como presidente.

INVASÃO

A invasão depende do ponto de vista de quem a pratica e de quem a sofre – desde o dia em que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. Há a invasão da terra abandonada pelo posseiro que ali procura uma roça para seu plantio e também a invasão de fazendas por grupos organizados que desembarcam caminhões e tentam ocupar a propriedade alheia. Somando-se os dois casos, há milhares de pontos de conflito desse tipo no país. A legislação pune o invasor, mas a realidade ensina que todo ato de posse, seja de um minifúndio com menos de 20 hectares, ou de um latifúndio de 5.000, começa por um ato de invasão.

Fonte:  www.veja.abril.com.br

Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária

os anos 60, o governo de João Goulart anuncia o lançamento das reformas de base, começando pela reforma agrária. Logo após a implantação do Regime militar é criado o estatuto da terra (1964) e, em 1970, o Instituto nacional de reforma agrária (INCRA) para coordenar a reforma agrária e promover a ocupação da Amazônia.

O aspecto de colonização acaba superando a reforma agrária. Nos anos 70, reivindicações por reformas aumentam e os agricultores sem terra começaram a organizar as primeiras invasões para pressionar o governo. Surge então o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a mais organização popular de luta pela reforma agrária.

Os proprietários também se organizam e criam a União Democrática Ruralista (UDS). Com a redemocratização do país, os governos começam a promover maior números de assentados.

Em 1988, a Constituição determina que a grande propriedade que não cumprir sua função social pode ser desapropriada para fins de reforma agrária. Pela lei, além de manter a fazenda produtiva, o proprietário deve preservar o meio ambiente e cumprir as obrigações trabalhistas.

Nos últimos treze anos foram assentadas 416,6 famílias. Sendo 63,5%, ou 264.625, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994 a 1998). Até 1997 haviam sido assentadas 186.530 famílias, sendo mais de 70% nas regiões norte e nordeste. Entre Janeiro e Dezembro de 1998 foram assentadas 78.095 famílias e outras 19.064 aguardavam o título de posse da terra pelo INCRA.

Desafio da reforma agrária

Um dos grandes problemas da reforma agrária é tornar os assentamentos economicamente viáveis, melhorando as condições de vida no campo. A agricultura, cada vez mais mecanizada, exige grandes investimentos tecnológicos para garantir níveis altos de produtividade.

No Brasil, as culturas voltadas para a exportação, como laranja, soja e cana-de-açúcar, têm apresentado crescimento, enquanto as que são tradicionalmente produzidas para o mercado interno estão estagnadas ou em queda.

Essas transformações têm forte impacto sobre as pequenas propriedades rivais e dificultam o desenvolvimento dos assentamentos, onde a produção tende a permanecer no nível da subsistência.

Entre os fatores que contribuem para o sucesso de um assentamento estão a proximidade de um centro urbano e a existência de estradas para escoar a produção. Segundo o ? censo da Reforma Agrária, realizado entre dezembro de 1996 a março de 1997, as regiões que apresentam maior índice de abandono dos assentamentos no país são Norte e Centro-Oeste, onde há menos infra estruturas e dificuldade de acesso às estradas.

Por outro lado, pesquisa feita pela universidade Federal do Rio de Janeiro nos estados do Acre, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Sergipe mostra que nas regiões em que há assentamentos bem-sucedidos ocorre sensível diminuição do êxodo rural e, em algumas casas, cresce o número de habitantes no campo. O maior exemplo disso é a região do Pontal do Paranapanema, onde a população rural cresce 29% entre 1991 e 1996.

Outro fator decisivo para o êxito é o acesso ao crédito. O programa especial de crédito para a Reforma Agrária (Procera), criado pelo governo federal para garantir o desenvolvimento sustentável de assentamentos, financia em 1998 até R$ 7.500,00 por família para investimentos em geral, e R$ 2.000 para custeio da safra. Segundo informações do Censo da Reforma Agrária, apenas 27% das famílias assentadas se utilizaram dessa linha de financiamento.

Conflitos no campo

Segundo a Comissão Pastoral da terra, organização da Igreja Católica que atua no campo, em 1997 aconteceram 658 conflitos pela terra. Desse total, 463 são invasões de terra que envolvem 58.266 famílias. São registradas 30 assassinados e 37 tentativas de homicídios. A zona da mata Pernambucana é considerada pelo governo o que apresenta maior tensão social decorrente de questões de terra em todo o país.

Fonte: www.mundovestibular.com.br

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA: OS DESAFIOS DE TODA SOCIEDADE

Queremos expor algumas reflexões e idéias de como vemos o problema agrário atual. Cremos que, ao contrário do que a burguesia sempre defendeu e inclusive algumas correntes de pensamento de esquerda aceitavam, o problema agrário no Brasil não está resolvido. E por isso mesmo assume, a partir da pouca importância da população rural, um significado ainda maior para a solução dos problemas econômicos e sociais de nossa sociedades dependentes.

Os pensadores clássicos caracterizavam a existência de um problema agrário nas sociedades capitalistas do século passado ao perceber que a concentração da propriedade da terra, originária dos resquícios do feudalismo e da oligarquia rural, se transformou em obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas no campo e na indústria.

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Dessa forma, as elites, as burguesias industriais recém-chegadas ao poder, a partir da revolução francesa, compreenderam a magnitude deste problema agrário, da concentração da propriedade como uma trava ao desenvolvimentomesmo do capitalismo, e trataram de buscar uma solução sensata. Propuseram a distribuição, a democratização da propriedade da terra, e chamaram esse processo de reforma agrária. Revisando as experiências históricas de como essa burguesia industrial impôs o processo de Reforma Agrária, seria possível enumerar distintas fases progressivas.

1ª Fase: Depois das Revoluções Burguesas – No século passado, depois das revoluções burguesas, em praticamente todos os países da Europa Ocidental, se levaram ao extremo processo de reforma agrária. E se implantou uma estrutura de pequenas e médias propriedades, que perduram até nossos dias. Nos Estados Unidos, como parte da vitória da população do Norte frente ao latifúndio escravista do Sul, se implantou uma lei de colonização do Oeste, que estabelecia um tamanho de propriedade máxima de mais ou menos 100 acres (89 hectares) por família, que funcionou como uma espécie de reforma agrária sobres as terras públicas, garantindo um acesso mais democrático a todos os que quiseram trabalhar a terra, de forma familiar.

2ª Fase: Depois da Primeira Guerra Mundial – O estouro da primeira revolução proletária do mundo, na Rússia, sob o lema de terra, pão e liberdade, foi o grito de alerta às outras burguesias européias que ainda não haviam implantado a reforma agrária. E com o medo de que se repetisse a revolução russa em seus países, no período de 1917-20, se implantaram leis de reforma agrária em praticamente todos os países da Europa Oriental, inclusive na Iugoslávia.

3ª Fase: Depois da Segunda Guerra Mundial – Com a derrota do Japão na segunda guerra mundial, e o domínio armado norte-americano em praticamente toda a Ásia, se abriu espaço para que se realizassem na Ásia, também reformas agrárias claramente capitalistas. Sob a ordem das forças armadas intervencionistas do General Mac Arthur, se desenvolveram imedatamente depois da Segunda Guerra Mundial, leis de reforma agrária bastante radicais, aplicadas no Japão. Depois da vitória da China Popular (1949), os Estados Unidos implantaram suas mesmas leis de reforma agrária na província autônoma de Taiwan, e posteriormente, depois da Guerra da Coréia (1953-56) se aplicou a reforma agrária na Coréia do Sul.

Da mesma forma, no mesmo período, sob o clima de democratização da vitória da resistência italiana, o novo governo de coalizão implantou uma lei de reforma agrária sobre os resíduos de latifúndios atrasados no Sul da Itália.

Graças a esses processos de reforma agrária, se abriu espaço para o desenvolvimento das forças produtivas nesses países, se criou um amplo mercado interno, e houve avanços do desenvolvimento capitalista com democratização da propriedade da terra. Nesse mesmo período, houve outras experiências de reformas agrárias radicais, chamadas revolucionárias, porque foram iniciativas das massas. A mais significativa foi a reforma agrária mexicana, feita ao calor da revolução de 1910-20 que, a partir de seu caráter radical e violento, não atravessou os limites do capitalismo.

Houve muitas outras reformas agrárias nos países do hemisfério norte, mas já no marco da transição do sistema econômico capitalista ao socialismo. Essas reformas agrárias se caracterizaram não somente pela distribuição da terra entre os camponeses, sendo que também representaram a nacionalização da terra e a instituição da propriedade social dos meios de produção agrícola, e a eliminação das diferenças sociais no campo. Assim ocorreram as reformas agrárias chamadas socialistas na Rússia (1918 adiante), China (1949), Cuba (1960), Oeste da Europa (depois da Segunda
Guerra Mundial), Coréia do Norte (1956), Vietnã, etc. Mas isto não é objeto destes comentários e, por isso, não nos propomos aprofundar sobre seus lucros.

O problema agrário e as elites do Terceiro Mundo

Ao contrário dos países centrais, onde as burguesias nacionais se obrigaram a democratizar a propriedade da terra, como forma de estimular o desenvolvimento das forças produtivas, ainda que capitalistas, nos países dependentes do hemisfério Sul as elites locais, totalmente dominadas pelo colonialismo e pelo imperialismo, adotaram outras formas de desenvolvimento capitalista. Precisamente o modelo de desenvolvimento capitalista adotado pelas elites dependentes se baseou na existência da grande propriedade latifundiária, que passou a se dedicar aos produtos de exportação que interessavam aos países centrais. Por isso, em nossos países se fortaleceu a grande propriedade latifundiária, porque ao colonialismo, antes e depois do imperialismo, só interessava a mãode- obra e matérias-primas agrícolas baratas. E não se preocuparam em desenvolver o mercado interno e muito menos as forças produtivas locais. Nesses quadros, a partir do desenvolvimento capitalista dependente, os problemas sociais somente se agravaram nos últimos séculos. Hoje pode-se dizer que o problema agrário, como vinham nos clássicos, desde o nascimento do capitalismo, persiste na maioria dos países periféricos e ainda mais na América Latina. Como se caracteriza o processo agrário em nossas sociedades? Poderíamos caracterizar sua existência, descrevendo resumidamente a presença dos seguintes fenômenos econômicos e sociais.

Alta concentração da propriedade da terra. O latifúndio é a forma predominante e controla a maioria
das terras em nossos países;

A má utilização da terra e demais recursos naturais. Como a propriedade está concentrada na oligarquia rural, que não necessariamente necessita de toda a terra para acumular, grande parte dessas terras se mantém improdutiva, quase inutilizadas;

O que é produzido na terra. As linhas de produção adotadas nas terras mais férteis de nossos países não se dedicam a cultivos destinados à alimentação de nossos povos, sendo que, melhor se destinam ao monocultivo de exportação, que interessa aos países centrais, ou à produção de matérias-
primas vinculadas à grade agroindústria multinacional;

O resultado das características anteriores é de que em quase todos os países periféricos, a fome é comum e afeta elevada percentagem da população. No caso do Brasil, são 32 milhões de pessoas que passam fome todos os dias, de um total de 150 milhões, e outros 65 milhões se alimentam, segundo a Organização Mundial de Saúde, abaixo das necessidades mínimas.

O êxodo rural forçado e a migração para regiões de fronteiras com outros países. Os camponeses já não têm futuro em seus lugares de residência e são obrigados a migrar para cidades ou para outras regiões distantes;

O modelo tecnológico adotado nas agriculturas periféricas segue uma lógica unicamente consumista
de produtos agroindustriais produzidos por empresas transnacionais. E não têm nenhuma relação com o clima, condições de solo, de nossos países. É um modelo tecnológico deslocado mecanicamente dos países centrais, e estão trazendo enormes consequências, incontroláveis, tanto para os recursos naturais disponíveis, quanto para a sobrevivência do homem, assim como para o aumento permanente da produtividade por hectare;

Temos também o problema da concentração do capital industrial e comercial que domina o comércio
e industrialização dos produtos agrícolas. Está concentrado geograficamente em regiões mais desenvolvidas do país e em mãos oligopólicas de empresas transnacionais. Afetando, supostamente, o desenvolvimento agrícola, já que hoje em dia a maioria dos alimentos passa por processos industriais. Essas são características do que ocorre no meio rural de nossos países periféricos, e que determinam que se continue existindo um problema agrário fundamental. Problema agrário que tem um caráter de classe. Existe e afeta a população pobre, os trabalhadores; mas para as elites colonizadas, para as burguesias locais que somente pensam em ganância, de fato não há mais problema agrário porque, a partir de todos esses problemas assinalados, elas ainda logram obter ganâncias com a produção agropecuária. E se há ganâncias, não há problema agrário. Junho 1997 Revista Adusp 32 O modelo tecnológico adotado nas agriculturas periféricas segue uma lógica unicamente consumista de produtos agroindustriais produzidos por empresas transnacionais. E não têm nenhuma relação com o clima, condições de solo, de nossos países.

O agravamento do problema agrário com as políticas econômicas neoliberais O problema agrário existe e tem suas raízes no modelo de desenvolvimento capitalista adotado historicamente por nossas elites colonizadas e dependentes. Mas, na última década se agravou ainda mais, com a adoção das políticas econômicas chamadas neoliberais. O que significam essas políticas para a agricultura e o meio rural? Significam um agravamento do problema agrário. Porque a adoção do modelo neoliberal representa a submissão completa das elites nacionais que abandonaram totalmente projetos de desenvolvimento nacional e se submeteram à vontade do capital financeiro, e do capital estrangeiro, em nossos países. Toda a política econômica se baseia na abertura dos mercados para as mercadorias industriais e agrícolas dos países centrais e controladas por empresas transnacionais. Por outro lado representa uma forma de exportação de nossa riqueza, já não mais através de grandes plantas industriais, ou de matérias primas baratas, sendo que agora através de elevados tipos de interesses pagos ao capital financeiro, que absorve de nossos países pelo pagamento de royalties. Ou disfarçado por tipos de câmbios irreais.

A agricultura de nossos países está sendo destruída. E orgulhosamente, a burguesia dominada se vangloria ao decidir que agora a agricultura pesa muito pouco no PIB nacional, e que a população rural é minoritária no país. Como séculos de modernidade. Quando, na realidade, representam séculos de maior miséria e pobreza. E sobretudo, de abandono de qualquer projeto de desenvolvimento autônomo, nacional e ao serviço das maiorias. Mas, ainda que por um lado, o neoliberalismo vai destruir a autonomia de nossas agriculturas, se pouco lhe importa o destino das amplas maiorias da população rural. Por outro lado, a proposta de reforma agrária, da resolução do problema agrário, agora mais do que nunca está voltado para um problema nacional, um problema de classe. E ao contrário do que sucedeu na Europa e nos Estados Unidos, onde foram as burguesias nacionais quem resolveram o problema agrário, na América Latina e no Terceiro Mundo o problema agrário somente poderá ser resolvido agora pelas forças populares.

E mais, a implantação de uma reforma agrária na atualidade não se limita a combater a concentração da propriedade, dos “resquícios feudais”, sendo que uma reforma agrária terá que combater todas as características assinaladas acima, com parte do problema agrário, e nessa medida, se transforma não em solução do desenvolvimento capitalista, sendo que exige trocas estruturais profundas de nossas economias, que a burguesia nacional não quer e não tem nem vontade nem capacidade de impulsioná-las. Nessa medida, ainda que por um lado, o neoliberalismo aumentou os problemas econômicos e sociais dos países dependentes, por outro lado aprofundou as contradições de classe, que nos levarão a que a proposta de reforma agrária é na realidade uma proposta de trocas da economia, de trocas dos laços de dependência. Uma proposta de liberação nacional de nossos povos.

0 Movimento Sem Terra

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) existe na prática há mais de 15 anos. Na nossa evolução histórica, tivemos um primeiro período de 1979-1983, de retomada das lutas massivas pela terra, quando ocorriam ocupações e mobilizações em muitas regiões do país, mas isoladas entre si. Em alguns lugares, a imprensa já alcunhava essas ocupações como parte do movimento sem-terra. Mas foi somente depois de um longo processo de mútuo conhecimento, de articulação entre as lideranças dessas lutas localizadas, que se constitui formalmente como um movimento nacional, com a realização de um Encontro Nacional dos Sem-Terra, em janeiro de 1984, em Cascavel (PR), com a participação de representantes de 16 Estados.

Nessa formalização como um movimento social organizado em nível nacional, contribuíram para sua constituição três vertentes sociais-ideológicas:

O trabalho pastoral da Igreja Católica, através da CPT, e da Igreja Luterana (no Sul do País), que vinham realizando há anos um trabalho de conscientização, animação e articulação dos camponeses. Uma segunda vertente, foram as lideranças do então nascente sindicalismo combativo, das oposições sindicais, que recuperando os sindicatos das mãos dos pelegos, perceberam que a forma de organização sindical, vertical, era um entrave ao desenvolvimento da luta pela terra. E a terceira vertente, eram os lutadores sociais que militavam em diferentes organismos, e que viam a luta pela reforma agrária uma luta também contra a ditadura militar e pela redemocratização do país. A confluência dessas vertentes levou a que se constituísse em movimento social, autônomo, como a melhor forma de seguir organizando os trabalhadores rurais, para conquistar a terra e avançar na reforma agrária.

Desafios organizativos

O MST nascia com essa vocação. De ser um movimento de massa, que realizava lutas de massa, através de diversas formas como: ocupações de prédios públicos, etc. Mas não bastava vontade de lutar. Era necessário saber enfrentar os muitos desafios que as oligarquias rurais impunham e sua força, que há tantos anos vinham impedindo a realização de uma verdadeira reforma agrária no país.
Preocupados com esse enorme desafio histórico, desde o início o MST procurou resgatar as experiências de outros movimentos e da luta pela terra em geral. Sabia-se que a luta e as conquistas somente se obtinham fazendo. Que não adiantava seguir cartilhas ou manuais. Por isso, nunca houve manuais, procurou- se desde o início, aprender com nossa própria experiência. No entanto, buscou-se na experiência histórica de outros movimentos camponeses do Brasil, ensinamentos acumulados pela classe. De certa forma, o MST sempre se considerou como herdeiro das Ligas Camponesas, que foram a organização similar mais parecida que existiu nas décadas de 50 e 60. Ouvimos as lideranças históricas das ligas, procurou-se aprender o máximo de seus erros e acertos. E buscouse, também, entender e aprender com as experiências de outros movimentos camponeses da América Latina. Em diversos países latino-americanos, os camponeses eram, ou ainda são, maioria em suas sociedades e sempre desenvolveram lutas históricas. Deles, também procurou-se aprender.

Da soma de nossas origens com o que aprendemos da experiência dos demais, foi possível colocar em prática no MST um processo organizativo que procuprocurava aplicar alguns princípios que estão na base de nosso movimento e que possibilitaram nosso crescimento social, nossa unidade política e a construção de um movimento social nacional, apesar das dimensões continentais de nosso país e das enormes dificuldades que isso resulta.

Procurou-se nesses anos todos aplicar na forma organizativa os seguintes princípios:

Vinculação permanente com as massas. Não é possível organizar um movimento social sem um trabalho permanente de base e de enraizamento nas massas, na nossa base social;

Lutas de massa. Nunca nos iludimos com as boas vontades do governo ou autoridades de plantão. A Reforma Agrária somente avançaria com luta, e sobretudo com lutas de massa, em que o povo se envolvesse no maior número possível. Não há outro caminho de mudança social, sem que o povo esteja organizado e mobilizado. As negociações com o governo são necessárias e importantes, mas elas fazem parte de uma correlação de forças. E a correlação de forças só se altera favoravelmente ao povo se este povo lutar e demonstrar sua força. Fazer negociações sem mobilização popular é perder o jogo antecipadamente;

Divisão de tarefas. Todas as atividades dentro do movimento sempre foram realizadas pelo maior número possível de pessoas, e na forma de comissões;

Direção coletiva. Todas as instâncias do movimento, desde as comissões de base, dentro de um acampamento, até as instâncias nacionais são exercidas coletivamente na forma de colegiado, sem distinção de poder. E onde haja divisão de responsabilidades;

A disciplina. Nenhuma organização social, por menor que seja, nem mesmo um time de futebol, funciona se não houver um grau de disciplina, que é, na essência, a existência de regras coletivamente discutidas e respeitadas pelos indivíduos que quiserem fazer parte delas. Por isso, sempre tivemos claro que o crescimento do MST dependeria de métodos de trabalho que incorporassem a disciplina, o respeito às decisões coletivas, como princípio organizativo fundamental;

Formação de quadros. Nenhuma organização poderá ter sucesso se não preparar seus próprios quadros. Ou seja, se não preparar com estudo e capacitação, seus membros, para lutarem a fim de alcançar os objetivos sociais da organização;

Por último, sempre procurarmos desenvolver a mística. Não como forma alienada, mas como uma liturgia que ajudasse a motivar nossa base, animá-la e conscientizá-la, através de símbolos de nossa cultura, de nossos valores, de que é necessário lutar. E de que é possível haver uma sociedade diferente, uma sociedade mais justa e fraterna.

Desafios da reforma agrária

Dia Nacional de Luta Pela Reforma Agrária

Avançamos nas conquistas reais. Durante oito anos foram mais de 1.200 latifúndios conquistados da
burguesia, que permitiram o assentamento de mais de 140 mil famílias. Mas avançamos também na construção de uma nova proposta de reforma agrária, vinculada aos interesses de toda a população e não somente dos sem-terra. Uma reforma agrária que signifique a quebra pelas raízes do problema agrário. Uma proposta de reforma agrária que represente igualdade social, justiça no campo e desenvolvimento econômico sob controle dos trabalhadores.

Sem embargo, o maior avanço que temos obtido foi no processo de conscientização de toda a sociedade. Em nosso último Congresso Nacional, realizado em julho de 1995, levantamos a bandeira “A Reforma Agrária é Uma Luta de Todos”. Nossa estratégia é conscientizar os trabalhadores da cidade, a população em geral, os pobres em especial, de que a reforma agrária não é corporativa, não é de interesse somente dos pobres do campo. Que a reforma agrária é um meio fundamental para resolver a maioria dos problemas que os pobres da cidade enfrentam, como a fome, o desemprego, a violência, a marginalidade, a falta de educação, o transporte e a moradia. Aos poucos, os trabalhadores urbanos vão compreendendo esse caráter. E hoje podemos avançar ainda mais, e dizer-lhes que a reforma agrária somente será possível, não por vontade de um governo pressionado, mas que somente será realidade no marco da luta contra o neoliberalismo, contra o imperialismo, contra a dependência do capital. E que somente é possível desenvolver com um novo modelo de desenvolvimento nacional. Nacional no sentido que atenda a todos os brasileiros. Popular, no sentido que atenda as necessidades básicas de todo o povo, e não somente de uma minoria, como é a proposta do neoliberalismo. Estamos, hoje, nesse esforço. Estamos convencidos de que no Brasil, na América Latina e nos países de Terceiro Mundo somente é possível alcançar a reforma agrária com profundas mudanças econômicas e sociais feitas por todo o povo organizado.

Fonte: www.adusp.org.br

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