Vulcões Italianos

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Os únicos quatro vulcões não extintos no Mediterrâneo têm graus e tipos distintos de atividade. Relativamente acessíveis, dependendo dos caprichos vulcânicos do momento, continuam, como há dois mil anos, a cativar viajantes. Relato de uma viagem ao encontro dos vulcões Etna, Stromboli, Vesúvio e da ilha Volcano, em Itália.

Montanhas de fogo

O teatro greco-romano de Taormina, na Sicília, é uma edificação exemplar no espaço mediterrânico. Tem capacidade para cinco mil espectadores, uma centena de metros de diâmetro, um palco com mais de três dezenas de metros e uma acústica excepcional. Mas a característica mais notável reside na inserção no panorama natural que marca quase toda a costa oriental da Sicília.

Por detrás do palco, o cenário é ainda o mesmo que emoldurava as representações no tempo da Magna Grécia: a majestática montanha do Etna. Era comum, então, os atores fazerem ouvir as suas falas tendo por fundo as iras do vulcão, situação susceptível de se repetir atualmente, de resto, uma vez que durante o verão ali se realiza um festival de teatro clássico.

O Etna é um dos vulcões europeus mais ativos, a par do Stromboli, nas ilhas Eólicas. As suas erupções foram das mais devastadoras nos últimos séculos e a sua atividade recrudesceu nos últimos anos.

Volcano e Vesúvio, o primeiro localizado também nas ilhas Eólicas, e o segundo nas imediações de Nápoles, são mais discretos e, aparentemente, mais pacatos. Pura ilusão, já que constituem edifícios vulcânicos com atividade de tipo diferente e muito mais perigosos.

A morada dos ciclopes

O siroco vazou a sua fúria sobre o litoral siciliano, como sempre, de surpresa. Durante mais de oito horas, um vento quente chegado do Sara fustigou as ruas de Taormina, fazendo corcovar árvores e arbustos e espalhando ramagens quebradas por praças e jardins. Tão depressa e inesperadamente como rompeu, assim se esfumou a sua cólera.

Do outro lado da baía de Naxos, o Etna mostra-se alheio a essas correrias inconsequentes, tão mundanas quanto a frívola agitação da carnal Taormina.

De resto, que outra postura seria consentânea com o currículo de uma montanha que devorou o filósofo Empédocles e que, confundindo a experimentada marinhagem de Ulisses com uma chuva de cinzas, fez naufragar o barco do herói? Com o currículo de uma montanha que os gregos acreditavam ser a morada dos Ciclopes, os hábeis artífices que da forja infernal do Etna arrancavam os temíveis raios de Júpiter?

Na artéria principal de Taormina, o Corso Umberto, ressoam outras mitologias, mais contemporâneas, se assim se pode dizer, e tão próximas daquela matéria que serviu ao exercício de dissecação que Barthes fez das práticas turísticas modernas, dos clichés do turismo de massas, burguês ou aristocrático.

Declaram-nos, à chegada, os pergaminhos oficiais de Taormina, estância de ameno clima para maleitas várias, incluindo melancolias de classe, poiso, desde meados do séc. XVIII, da aristocracia europeia, de artistas ou de escritores como Goethe, Maupassant, Anatole France, Gabriele d’Annunzio e D.H. Lawrence.

Muita dessa atmosfera já não é, obviamente, real, ou melhor, sobrevive como realidade virtual impingida aos visitantes através de coleções de postais, narrativas, montras de lojas, nomes de estabelecimentos, etc., numa concentrada feira de vaidades que enfeita o Corso Umberto. E lá ao longe, claro, o Etna, indiferente a este formigueiro cego, vai revolvendo nas suas entranhas eternas indigestões de fogo.

À distância, vista da Praça IX Aprile, a montanha volta a parecer-me mais do que um mero acidente geográfico. Será que ali se esconde, efetivamente, o terrível Tifeu, “monstro chamejante com cem cabeças”, essa criatura que, sepultada no Etna por castigo de Zeus, “às vezes vomita rios incandescentes, vermelhos, consumindo com garras ferozes os belos campos da Sicília…”, como se pode ler num dos textos homéricos?

Roteiro cinéfilo nas ilhas eólicas

Em Milazzo, tomo um ferry com destino às Eólicas, arquipélago constituído por sete ilhas vulcânicas, reino de deuses inconstantes como Eolo e Vulcano e, se nos fiarmos em alguns intérpretes da «Odisseia», refúgio de divindades caprichosas como Calipso.

Levo memórias na bagagem; a mais antiga é a do filme de Rosselini, daquela cena tocante e inesquecível que é a subida de Ingrid Bergman ao Stromboli; outra é a memória de uma viagem anterior que deixou de fora as duas ilhas mais ocidentais, Alicudi e Filicudi; a terceira é também um alforge de cinefilia – cenas de «Querido Diário», de Moretti, de «O Carteiro de Pablo Neruda», de Michael Redgrave, e do recente «A melhor juventude», de Marco Tulio Giordano, fitas com sequências rodadas no arquipélago. Na última, há mesmo planos noturnos com as belas erupções do Stromboli.

Durante o verão, as ilhas assemelham-se cada vez mais às suas congéneres cicládicas, empanturradas de cometas com passaporte de turistas e máquinas fotográficas digitais, dessas que quase corrigem instantaneamente o real.

Em Junho, ainda há uma razoável tranquilidade e posso experimentar um autenticado, e pessoal, prazer mediterrânico: saborear um cálice de malvasia – o vinho de Salina que era presença assídua nas mesas dos imperadores romanos – com o cone azulíneo e fumegante de Stromboli no horizonte.

Os rolos de fumo que se elevam da cratera do Stromboli sempre serviram de referência meteorológica aos navegantes das águas do Tirreno e fornecem, ainda hoje, dados sobre a orientação e a intensidade do vento.

Poucos vulcões têm uma atividade tão regular – com intervalos de cinco minutos a uma hora, regista-se uma erupção e pedaços de rocha incandescente, escórias e lava são projetados no ar, rolando depois para o mar.

Há diferentes tipos de atividade vulcânica. As principais são as de tipo hawaiano, com lavas basálticas bastante fluidas, as de tipo stromboliano, com projeções acompanhadas de explosões e de correntes de lava, e as de tipo vulcaniano, ou explosivo, com projeções acompanhadas de explosões.

O vulcão da ilha de Volcano, que a mitologia assegurava ocultar as forjas do deus do fogo, enquadra-se nesta última classificação. Os sinais de atividade resumem-se atualmente a algumas fumarolas tóxicas e a cristais de enxofre nas vertentes da cratera.

Mas neste tipo de edifícios vulcânicos pode ocorrer uma obstrução da cratera com lavas de temperatura pouco elevada mas muito viscosas. O resultado é a acumulação de gases provocar a explosão do próprio vulcão.

Foi o que aconteceu em Panarea e em Salina, cenário de «Il Postino». A povoação de Pollara, nas imediações da casa de Neruda no filme, está localizada no interior do que resta da cratera. A outra metade afundou-se na explosão, ocorrida há milhares de anos.

O sono leve do vesúvio

“Si fumme o si nun fumme / faie rummore, / è o ffuoco ca te puorte / int’o core”. Em Pomigliano d’Arco, à beira do Vesúvio, o grupo E Zezi tem trabalhado sobre a memória dos cantos e ritmos tradicionais da região.

Os tambores são, ali, um instrumento fundamental nessa música entranhada por uma energia telúrica. Cantam em dialeto da Campânia, em versos que parecem exprimir a relação de amor / ódio que a gente local tem com a “muntagna”, palavra que ali se utiliza (numa espécie de eufemismo ou misto de respeito e desprezo) para designar o Vesúvio, o vulcão que dorme ao lado. “Quanne fa notte / e o cielo se fa scuro / sulo o ricordo e te / ce fa paura”.

O Vesúvio dorme apenas, na realidade, um sono de poucas décadas – a última erupção ocorreu em 1944. Além do mais, ficou para a história como um dos mais mortíferos vulcões do mundo. O destino da esplêndida urbe romana que foi Pompeia tornou-se o paradigma de um cataclismo vulcânico.

E é difícil, senão impossível, numa referência à tragédia pompeiana resistir à evocação do relato de Plínio nas suas cartas dirigidas a Tácito.

Enquanto Pompeia era sepultada num abrir e fechar de olhos, Plínio assistia não muito longe, em Miseno, à eclosão no céu de “chamas larguíssimas e grandes colunas de fogo cujo vermelho e intenso clarão era avivado pelo negrume da noite”.

O cenário em Miseno não seria muito diferente do de Pompeia: “Já caía cinza sobre os navios, mais quente e mais densa à medida que se aproximavam, e também pedra-pomes e seixos enegrecidos, queimados e fragmentados pelo fogo… e eis que cai a noite, não uma noite sem luar em tempo enevoado, mas a noite de um lugar fechado, apagadas todas as luzes.

Ouviam-se os gemidos das mulheres, os vagidos das crianças pequeninas, os gritos dos homens; uns clamavam por seus pais, outros, por seus filhos, outros por suas mulheres tentando reconhecer-lhes as vozes… muita gente erguia as mãos aos deuses, enquanto muitos mais negavam que eles existissem, crendo que a noite seria eterna e a última do mundo”.

A subida ao Vesúvio é quase um passeio de domingo, e os visitantes que deitam um olhar enfastiado ao feio buraco da cratera e às insignificantes fumarolas talvez não tenham ouvido falar de Plínio, Tácito ou Séneca, que também escreveu sobre as catástrofes vulcânicas da região. De resto, o panorama é de uma bonomia que convida a relaxar.

Com bom tempo, o Vesúvio é um extraordinário miradouro sobre toda a região napolitana, avistando-se a baía de Nápoles, que se dilui, a sul, no relevo montanhoso da Península de Sorrento, e as ilhas de Capri e Ischia. Uma serenidade que nada revela sobre os segredos do Vesúvio.

Vulcões, vizinhos de gênio ruim

Seja qual for o tipo de erupção que caracteriza cada um destes vulcões, não faltam registos de episódios infaustos ou catástrofes provocadas nas regiões circundantes. Uma das mais antigas referências à atividade do Etna surge, ainda que não explicitamente, na Odisseia.

Homero narra um célebre naufrágio de Ulisses nas imediações do estreito de Messina, alegadamente provocado por contrariedades impostas pelos deuses. O acidente teria sido causado, na realidade, por densas nuvens de cinzas provenientes do Etna, que deveriam ser frequentes e citadas nas narrativas da época que inspiraram o poeta grego.

Sendo o Etna um dos vulcões mais ativos do mundo (com uma média de quinze erupções por século), pode enumerar-se uma infinidade de fenómenos eruptivos nos dois últimos milénios, até às recentes manifestações registadas em tempos recentes.

As erupções de mais graves e trágicas consequências foram as de 475, 396 e 36 a.C., e as de 1183, 1329 e de 1669. Durante esta última, o fluxo de lava chegou a alcançar a orla marítima, tendo resumido a cinzas quinze povoações que encontrou no seu caminho e uma parte da cidade de Catânia.

Em 1928, também a cidade de Mascali foi engolida pela lava. Mais recentemente, em 1979, uma série propriedades agrícolas desapareceu entre Linguaglossa e Piano Provenzana. Em 1983, foi a vez do teleférico de Refugio Sapienza ficar transformado numa estrutura de ferros retorcidos.

A última grande erupção do Etna prolongou-se por mais de um ano, entre Novembro de 1991 e Março de 1993. A corrente de lava quase devorou Zafferana Etnea, o que foi impedido pela intervenção do exército. Entre Outubro de 2002 e Janeiro de 2003 registaram-se também fortes erupções, tal como no início deste ano.

O Vesúvio é outro vizinho de mau génio, embora mais soturno e discreto. Mas, em contrapartida, bem mais mortífero: além da sua manifestação mais famosa, a que sepultou Pompeia e Herculano no ano de 79 sob toneladas de rochas piroclásticas, outras erupções de grande intensidade tiveram consequências trágicas.

Entre meados do século XVII e 1944 registaram-se fortes erupções. A última ocorreu no final da II Guerra Mundial e durou onze dias, coincidindo com o exato momento do desembarque aliado na costa napolitana.

O estrépito das armas confundiu-se, então, com as explosões que lançavam do ventre da montanha escórias vulcânicas e nuvens de cinza. A projeção de material incandescente chegou a atingir mais de cinco quilómetros de altura, e as correntes de lava, avançando a uma média de cem metros por hora, devastaram as povoações de S. Sebastiano e de Massa.

O Stromboli mantém-se em atividade pelos menos há treze mil anos – talvez cinco mil com as características eruptivas atuais. Em 1919 e em 1930 houve fortes erupções e em 30 de Dezembro de 2002 registou-se atividade particularmente violenta.

No ano anterior, uma erupção mais forte colocou em perigo um grupo de caminheiros, causando a morte de um deles. Em 5 de Abril de 2005 verificou-se também uma fortíssima explosão, que levou à evacuação temporária da população.

Vulcões: Manual do Utilizador

Os quatro vulcões referidos nesta reportagem são acessíveis ao comum dos mortais, embora no caso do Etna e do Stromboli, algumas formas de acesso exijam alguma preparação física. Subir ao topo do Vesúvio ou fazer a circunvalação da cratera de Volcano não oferece dificuldade de maior, sobretudo se o viajante fizer por esquecer a natureza caprichosa (leia-se explosiva) deste tipo de vulcões.

Para aceder à cratera do Vesúvio, a 1276 metros de altitude, pode subir-se de automóvel até cerca de mil metros. Depois, há um trilho íngreme de pouco mais de um quilómetro. Durante a subida pode observar-se a corrente de lava solidificada que resultou da última grande erupção, em 1944.

A cratera do Vesúvio tem cerca de 600 metros de diâmetro e 200 de profundidade, devendo a sua atual configuração à erupção de 1944. Há algumas fumarolas, sobretudo na parede leste, onde as temperaturas são mais elevadas.

A ascensão do Etna é mais exigente. As crateras estão situadas a cerca de 3.340 metros de altitude e, mesmo no Verão, as temperaturas são muito baixas e o vento gelado e cortante. Roupa quente, gorro e luvas, além de calçado apropriado para montanha, são indispensáveis.

Para a subida, é aconselhável recorrer a uma agência especializada, em Catânia ou em Taormina, a não ser que se tenha experiência de montanhismo. Convém, em todo o caso, obter informações sobre a atividade vulcânica na ocasião e sobre o melhor percurso. No topo, há um limite de aproximação das crateras (cerca de 200 metros) que deve ser respeitado.

A vertente norte é a mais acessível para quem sai de Taormina, circulando-se de automóvel até Piano Provenzana (2.000 m) A partir daí, um todo-o-terreno conduz os visitantes através de um estradão estreito, sinuoso e íngreme, com alguns lances de cortar o fôlego, que passa pelo Vale de Bove, depressão por onde deslizou a lava das erupções de 1993.

Pelo caminho, cruza-se uma paisagem lunar de cinzas e de torrões de rocha vulcânica formada durante as erupções que ocorreram entre 1956 e 1983.

A subida pela vertente sul faz-se a partir do Refugio Sapienza (1.900 m); há várias opções, com maior ou menor grau de dificuldade, incluindo trekking, que podem ser ponderadas no local com os guias do Clube Alpino Italiano ou dos serviços do Parco dell’Etna.

A subida pelo sul é opção natural para quem não dispuser de viatura. Há uma ligação diária de autocarro entre Catânia e o Refugio Sapienza.

A subida ziguezagueante até à cratera de Volcano não é difícil e tem a compensação da admirável paisagem desenhada pelas outras ilhas do arquipélago. Os quase dois mil metros de perímetro da cratera podem ser percorridos a pé, com o cuidado de evitar as fumarolas de anidrido sulfídrico, um gás tóxico que muda de direção constantemente ao sabor do vento.

Em Stromboli, não só é difícil ignorar a presença do vulcão, como se sente de imediato o apelo da subida – que se pode fazer, na companhia de um guia autorizado, através de um trilho íngreme e pedregoso até ao cimo da montanha (4 horas, pelo menos, de caminhada), de onde se tem uma excelente visão da cratera, situada 200 metros abaixo.

A forma mais fácil de observar as erupções é a partir do Observatório, a trinta minutos de marcha de S. Vicenzo. Uma outra opção consiste em alugar um barco aos pescadores e esperar ao largo da Sciara del Fuoco, uma rampa por onde correm as lavas e as escórias expelidas pela cratera do Stromboli. Se a incursão for noturna, tanto melhor, o espectáculo é assombroso.

Fonte: www.almadeviajante.com

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