A descolonização portuguesa
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A impropriamente chamada descolonização das colônias portuguesas posterior ao 25 de Abril mais não é do que o epílogo da experiência imperial portuguesa que teve o seu início nos finais do século XV.
Esta experiência histórica compreende três períodos bem distintos, a que podemos chamar os três ciclos do império e é identificável uma lógica coerente, nos planos interno e externo, nas formas que cada ciclo assumiu, quer no quadro da expansão quer no da retração do império.
Destes ciclos excluo as feitorias do Norte de África, por onde aliás se iniciou a expansão, mas onde nunca se chegou a estabelecer um império e não se procedeu a uma colonização.
Por isso não houve também aí descolonização, vindo a retirada portuguesa a verificar-se em resultado de confrontos militares, de doação, negociação ou mero abandono.
A descolonização da África pode ser definida como um processo histórico, gradual e de fundo essencialmente político, de independência das colônias europeias, desencadeado por movimentos de libertação nacional e só concluído na década de 70.
O Ciclo do Oriente
O objetivo inicial da expansão portuguesa era o Oriente longínquo, o que exigia a ocupação de feitorias e praças militares na costa africana, de apoio à navegação.
O ciclo do Oriente, iniciado nos alvores do século XVI, não corresponde a um império no sentido rigoroso da expressão, porque lhe faltava continuidade e extensão territorial, ocupação humana de colonos deslocados da metrópole, e porque ainda nem sequer se adivinhava a Revolução Industrial que geraria o modelo de exploração colonial europeu.
Tratou-se de um império de feitorias dispersas, para apoio a uma política de comércio e transporte e de praças fortes para proteção das feitorias e da liberdade de navegação no oceano Índico.
O encerramento deste ciclo ocorreu em meados do século XVII, quando a metrópole atravessava uma crise prolongada, sob o domínio da coroa espanhola. Portugal perdia, para as novas potências marítimas emergentes, Holanda e Inglaterra, a quase totalidade das suas possessões do Oriente, apenas salvando os territórios residuais de Goa, Damão, Diu, Macau e Timor.
O Ciclo brasileiro
Encerrado o ciclo do Oriente, Portugal investe no continente americano. No Brasil tem lugar a colonização de um verdadeiro império, de grande extensão e continuidade territorial, com a fixação de elevado número de colonos que se lançaram na penetração do interior e instalaram estruturas de uma economia colonial com base na exploração do trabalho escravo.
O ciclo brasileiro do império encerrar-se-ia, também, no quadro de uma conjuntura, interna e externa, bem caracterizadora do início do século XIX. Portugal enfrentava uma profunda crise, que se iniciara com as invasões napoleônicas e a consequente retirada da Casa Real para o Brasil, substituída pelo humilhante consulado britânico de Beresford, a que se seguiu a convulsão da Revolução Liberal de 1820. No continente americano, a exemplo da independência dos Estados Unidos ocorrida em 1776, as primeiras décadas do século XIX eram marcadas pelo fim dos impérios coloniais espanhol e português.
O encerramento do ciclo brasileiro do império correspondeu ao modelo da descolonização norte-americana, que marcou aquela época.
Desencadeado pelos colonos europeus fixados ou seus descendentes já ali nascidos, e contando com o apoio dos estratos crioulos, que constituíam uma classe intermédia, não introduziu alterações nas relações sociais dominantes, mantendo à margem as populações indígena e escrava, esta produto de um processo violento de emigração forçada a partir de África.
Constituiu como que uma antecipação, adaptada às condições de então, do sistema de apartheid imposto à África Austral no século XX, mas correspondeu à realidade histórica daquela época, em que a dinâmica revolucionária, inspirada nos ideais da Revolução Francesa, foi assumida pela minoria burguesa contra os privilégios de uma outra minoria, a aristocracia.
O Ciclo africano
Uma vez fechado o ciclo americano, as potências coloniais europeias descobriram no continente africano o novo palco da luta pelas suas ambições hegemônicas e pela busca das matérias-primas que a Revolução Industrial requeria. Portugal, reclamando interesses que queria preservar, abre assim o ciclo africano do império, ainda que, durante o ciclo do Oriente, tivesse procedido, por antecipação, à colonização dos arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Com as campanhas de penetração e ocupação do interior do continente, em resposta às exigências da Conferência de Berlim, de 1885, que procedeu à partilha de África pelas potências europeias, começa a colonização africana, a qual, apesar das nuances dos vários modelos coloniais, do de sujeição ao de autonomia, passando pelo de assimilação, se vai caracterizar por grandes linhas comuns.
Depois da Guerra Mundial de 1914-1918, com a abertura de uma nova era em que os valores da autodeterminação e dos direitos humanos ganham espaço de afirmação, os Movimentos Pan-Africano e Pan-Negro iniciam a campanha pela descolonização da África, que vai receber uma nova dinâmica depois da segunda Guerra Mundial de 1939-1945, quando aqueles valores se alargam a todo o espaço planetário. Este movimento atinge as colônias portuguesas e é então que, verdadeiramente, se inicia a descolonização do ciclo africano do império português.
Mais uma vez se desenvolve em sintonia com o fenômeno que alastrava pelos restantes impérios e que viria a terminar com o reconhecimento das independências proclamadas pelos povos colonizados.
A natureza ditatorial repressiva do Estado Português procurou ignorar a marcha da história, obrigando a luta de libertação das colônias a ascender ao patamar da luta armada, que se traduziu numa guerra colonial de 13 anos e em três teatros de operações distintos e distantes. Guerra colonial que introduziria condicionamentos acrescidos, que reduziram a capacidade negocial portuguesa quando, com o 25 de Abril de 1974, Portugal entrou, finalmente, no processo de descolonização, para negociar a transferência do poder. O maior condicionamento resultou da necessidade de, antes de tudo, negociar a paz, o que obrigou a antecipar algumas cedências, sem as quais os movimentos de libertação não cessariam a guerra. Mais uma vez, à semelhança do que se passara com os ciclos do Oriente e americano, o ciclo africano do império encerrava-se quando Portugal enfrentava uma grave crise institucional interna, resultante do derrube da ditadura e da emergência de um regime de liberdade, fragilizado pela sua natureza transitória e pela aguda luta pelo poder que se ia instalando.
Contexto internacional
As independências das colônias portuguesas de África, nomeadamente de Angola e Moçambique, foram profundamente afetadas pela situação internacional então dominante. A nível global, estava-se no auge da Guerra Fria e as duas superpotências, EUA e URSS, entraram numa disputa aberta pelo alargamento das suas zonas de influência àquela região, prejudicando os esforços de Portugal para uma transição pacífica e alimentando mesmo as guerras civis e as intervenções armadas externas. No quadro regional, a África do Sul, na desesperada tentativa de sobrevivência do apartheid, lançou-se no que chamou a Estratégia Nacional Total, que passou pela desestabilização militar nos países vizinhos mais hostis.
Mas a marcha da história não parou e foi o apartheid que acabou por sucumbir.
A marca mais assinalável do fim do ciclo africano do império português, para além das independências das próprias colônias, terá sido o contributo para a abreviação das independências do Zimbabwe e da Namíbia e do termo do apartheid na África do Sul, fenômenos que alteraram, radicalmente, todo o panorama geopolítico da África Austral. O que se vulgarizou chamar descolonização depois de 1974 é, então, apenas a fase da transferência do poder no fim do ciclo africano do império, mas que em Portugal se tende a confundir com a descolonização, por ser a única fase em que a potência colonial nela participou pela positiva.
Marcos decisivos
Três momentos decisivos assinalam a entrada de Portugal na fase da transferência do poder. O primeiro é o 25 de Abril de 1974 e a divulgação do Programa do MFA.
Ainda que diminuído no seu alcance quanto à questão colonial, por alterações de última hora impostas por Spínola, o seu projeto libertador e de pôr fim à guerra, abria a porta da descolonização a Portugal.
Mas o novo poder, condicionado pelo papel do presidente Spínola, agarrado às teses federalistas do seu livro Portugal e o futuro chocava-se com as posições dos movimentos de libertação, que ameaçavam agudizar a guerra se não vissem reconhecido o direito à independência. Estava-se num círculo vicioso. Portugal exigia o cessar-fogo, como condição prévia para negociar o futuro estatuto de cada colônia, os movimentos exigiam o reconhecimento do direito à independência, como condição para negociarem o cessar-fogo.
O segundo momento foi a promulgação da Lei 7/74 de 27 de Julho: Portugal reconhecia o direito das colônias à independência, rompendo aquele círculo vicioso.
O terceiro momento foi o do Comunicado Conjunto ONU/Governo Português, de 4 de Agosto de 74, na sequência da visita do secretário-geral Kurt Waldheim a Lisboa.
Reafirmava o direito à independência e reconhecia a legitimidade dos movimentos de libertação para negociarem com Portugal.
Iniciar-se-ia, então, o período frenético das negociações para a transferência do poder, em que a estratégia portuguesa enfrentou poderosos condicionamentos, como a prévia necessidade de obter paz, as resoluções da ONU e a conjuntura interna resultante da ruptura revolucionária do 25 de Abril. Portugal definiu como objetivos fundamentais o respeito pelo direito à independência, a recusa de abandono ou de soluções neo-coloniais e a defesa dos interesses nacionais. E estabeleceu tarefas globais, definição do quadro legal e constitucional, negociações de cessar-fogo, legitimação dos interlocutores para negociar as transferências do poder e preparação de relações frutuosas de cooperação futura. Além destas tarefas globais houve que definir tarefas particulares para cada colônia, de acordo com as suas especificidades, nomeadamente para Angola, em que foi necessário aproximar três movimentos que se combatiam e assegurar a integridade territorial.
A apreciação a posteriori da forma como cumpriu o que lhe coube na transferência do poder, permite concluir que Portugal respeitou os princípios fundamentais e que os objetivos foram globalmente atingidos.
No que respeita à defesa dos interesses nacionais o mais conseguido foi a salvaguarda das condições para uma eficaz cooperação futura e o menos conseguido foi a permanência, após a independência, de muitos portugueses que o desejavam e para tal, à partida, parecia reunirem condições.
Este último relaciona-se com outra conclusão: a transferência do poder, ou a fase pós-independência, só assumiram dimensões trágicas onde se verificaram intervenções externas armadas e guerras civis por elas apoiadas, às quais Portugal, enquanto presente, não teve capacidade para se opor eficazmente.
África Portuguesa – O que foi
As colônias ultramarinas portuguesas foram as que mais tardiamente conquistaram sua independência, todas após 1970.
Isso porque Portugal mantivera-se, desde a década de 30, sob ditadura de Antônio de Oliveira Salazar, que conservava o país por quarenta anos longe dos avanços econômicos, políticos e sociais do período.
Quando em meados dos anos 70, ocorreram os movimentos de derrubada das ultimas ditaduras européias Grécia, Portugal e Espanha -, as lutas coloniais de libertação ganharam força.
Em Angola, o Movimento Popular pela Libertação da Angola (MPLA), fundando em 1956 por Agostinho Neto, iniciou um movimento guerrilheiro contra o colonialismo salazarista, embora outras organizações de libertação surgissem, como a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), dirigida por Holden Roberto, e a União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita), chefiada por Jonas Savimbi.
A revolução dos Craos (1974), que derrubou a ditadura fascista portuguesa, propiciou a assinatura do Acordo de Alvorn, marcando a, libertação angolana para 1975.
Entretanto, FLNA, apoiada pelo Zaire, ocupou o norte angolano, enquanto a Unita, apoiada pela África do Sul, com respaldo dos Estados Unidos, dominava o sul de Angola.
Em 1986 e 1987, o presidente Ronald Reagan, dos Estados Unidos, e a primeira-ministra, Margareth Thatcher, da Inglaterra, reuniram-se com Jonas Savimbi, Subsidiando economicamente a Unita, na tentativa de desestabilizar o governo angolano. A FNLA, por sua vez, enfraquecida militarmente, encontrava-se em processo de extinção.
Foi só com distensão internacional do inicio dos anos 90 e o final da Guerra Fria que se aceleram acordos para a normalização do país, destacando-se os entendimentos entre o governo e a Unita.
Em Moçambique, a frente de Libertação do Moçambique (Frelimo), de inspiração socialista, fundada por Eduardo Mondlane, em 1962, iniciou a luta pela independência.
Co m o assassinato de Mondlane por agentes portugueses, em 1969, Samora Machel assumiu o comando do movimento, ocupando gradativamente o território moçambicano. Com a revolução de 1974, Portugal acelerou as negociações para libertação dessa colônia, reconhecendo sua independência em 1975, como Samora Machel na presidência.
A África do Sul, governada por uma maioria branca a alinhada com o bloco norte-americano nos anos 80, procurou desestabilizar o governo socialista de Samora Machel, através de Resistência Nacional Moçambicana (Remano), e, apesar da assinatura, em 1984, do Acordo de nkomati, que estabeleceu a não-agressão com a África do Sul, os confrontos continuaram.
Somente na década de 90, após o país ter iniciado uma abertura política, buscou-se estabelecer acordos entre o governo e guerrilheiros para a solução da questão moçambicana. Em 1994, foram realizadas eleições multipartirias, vencendo o líder da Frelimo e sucessor de Machel, Joaquim Chissano. O novo governo definiu como propriedade a reconstrução de Moçambique, tendo em mãos um país arrasado por 14 anos de luta pela independência e seguida de mais 16 anos de guerra civil.
Na Guiné-Bissau e Cabo Verde, a rebelião contra o colonialismo começou em 1961, sob a liderança de Amílcar Cabral, do Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que foi assassinado em 1973. Luiz Cabral assumiu então a liderança do movimento e proclamou a independência da Guiné-Bissau, que, embora imediatamente reconhecida pela ONU, só foi oficializada em 1974, depois da Revolução dos Cravos. Cabo Verde separou-se da Guiné Bissau em 1980, embora não desaparecessem gestões para uma futura reunificação.
No final do anos 80 e início dos anos 90, os dois países integraram as transformações internacionais do final da Guerra Fria, tendo Cabo Verde, em 1990, adotado o pluripartidarismo e, nas eleições de 1991, ampliando as liberdades políticas e a abertura econômica. Da mesma forma o PAICG, de Guiné-Bissau, deu inicio à abertura política em 1989, pondo fim no sistema de partido único. No inicio dos anos 90, apresentaram-se o impasse quanto à realização de eleições livres na Guiné, dado o radicalismo entre as várias facções políticas.
O domínio colonial e a turbulência política da descolonização africana deixou sérios impasses sociopolíticos no continente: de um lado, o quadro de subdesenvolvimento e, de outro, a instabilidade industrial.
No inicio dos anos 90, não foram raros os exemplos de crises, catástrofes sociais e políticas, a exemplo e Ruanda, em que grupos étnicos hutu (90% da população) e tutsis (10%) disputaram o poder, supramencionado heranças coloniais. O resultado parcial foi mais de um milhão de mortos e mais de 2,5 milhões de refugiados.
Até mesmo as gigantescas adversidades africanas, contudo, não conseguiram enterrar transformações que, nas dinâmica histórica, guardaram algum potencial promissor na solução dos principais problemas continentais.
Neste caso, é de exaltar a África do Sul onde, sob liderança de Nelson Mandela, a luta contra o apartheid (segregação racial) tornou-se vitoriosa depois de séculos de sujeição.
Mandela tornou-se governante do país durante os anos 90 e, mesmo com fortes divergências de opositores e discordâncias quanto ao rumo do país, tornou-se um exemplo das potenciabilidades africanas.
Presença Portuguesa na África
A presença portuguesa na África teve início no auge da colonização europeia, no século XV. Os portugueses colocaram em prática uma verdadeira expansão marítima pelo continente.
Em 1460, Diogo Gomes descobriu Cabo Verde e deu início à ocupação das ilhas num processo de povoamento que seguiu até ao século XIX.
Os territórios do continente africano foram os primeiros ocupados pela coroa portuguesa.
A África colonial portuguesa foi extremamente explorada entre os anos de 1483 e 1575.
No século XV os portugueses estabeleceram feitorias nos portos do litoral oeste africano, ocupando regiões para a exploração do ouro, do marfim, da malagueta e de escravos.
Depois disso, Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, dando início à colonização da costa oriental da África.
Os portugueses se firmaram, principalmente, em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.
A exploração agropecuária foi um marco da expansão territorial marítima portuguesa. Em 1434, os portugueses passaram o cabo Bojador e começaram a alcançar cada vez mais lucro.
O monopólio da navegação na costa oeste Africana foi decretado por Portugal em 1443.
Em 1455 começa na região de Madeira um forte desenvolvimento da indústria de açúcar.
Um tratado chamado de Alcáçovas-Toledo, assinado em 1479, reconheceu o domínio português sobre as descobertas das Ilhas Canárias, o que concedia aos portugueses os direitos sobre a costa da Mina e o Golfo da Guiné.
Em 1482, D. João II determinou a construção de uma feitoria da coroa para exploração e comércio. O chamado Castelo de São Jorge da Mina foi importante para o comércio e a troca de trigo, tecidos, cavalos, conchas, ouro e escravos.
Durante os séculos de colonização portuguesa na África criou-se uma dependência política e econômica das colônias para com a coroa. Assim, as colônias portuguesas foram as últimas a conseguirem a independência no continente.
Angola, por exemplo, só alcançou sua independência de Portugal em 11 de novembro de 1975.
HISTÓRIA SOBRE A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA NA ÁFRICA
Ao iniciar a exposição com o título O projeto colonial português e a partilha de África (p. 93), partilha sem o emprego de aspas, de contrabando retira-se o africano do processo histórico.
No período estudado (1825 1890) o processo de transição do feudalismo para o capitalismo, na esfera econômica, já estava praticamente concluído no continente europeu. Ora, a célula da sociedade capitalista, como escreveu Marx, é a mercadoria. Esta, por sua vez, não existe sem o mercado. Mercadoria sem mercado é um absurdo tão grande quanto mercado sem mercadoria. É, pois, na produção e/ou comercialização de mercadorias onde se deve buscar o enriquecimento. Pressuponho, portanto, a existência de uma arena onde portadores de mercadorias concorrem uns com os outros.
Pressuponho, portanto, como pano de fundo de toda esta discussão a existência de um mercado mundial. Portugal, França, Inglaterra, enfim, todos buscam a todo custo posições vantajosas neste mercado.
Mas como?
Dentre outros, controlando os processos produtivos mais avançados, as regiões fornecedoras de matérias-primas, os mercados, os capitais, etc. Enfim, colonizando o mundo até onde fosse possível. E para os europeus, colonizar a África já era possível.
É dentro deste contexto que Portugal vai construir o seu projeto colonial. Naturalmente, vai operar com aquilo que tem em mãos, a saber, no caso africano, as áreas em que manteve estreito contato no período em que a acumulação de capital se dava na esfera da circulação de mercadorias. Angola, Moçambique, etc.
Incapaz, em razão de diversos fatores estruturais, de acompanhar a passagem da acumulação da esfera da circulação para a da produção, Portugal perde sua hegemonia para aquelas nações que experimentaram revoluções industriais de grande alcance. Vai, portanto, disputar o mundo com as novas potências numa posição subalterna.
O atraso de Portugal em relação às potências industriais não decorre apenas de suas limitações tecnológicas. Portugal está preso ao passado, o que salta aos olhos no exame que os autores fazem dos discursos e das práticas adotados sobre o fim do trabalho escravo e a sua substituição pelo trabalho livre nas áreas coloniais.
Discursos modernizantes e práticas conservadoras. Embora não dito claramente no texto, este apego ao passado vai determinar ? nas áreas coloniais africanas sob a influência de Portugal uma política de transição do trabalho escravo para formas mais brandas de trabalho compulsório, mas muito próximas da escravidão.
É pertinente a análise que os autores fazem sobre as relações diplomáticas de Portugal com os ingleses. Não há sombra de ingenuidade em nenhum dos lados.
Portugal parece mesmo ter consciência de suas limitações mas maneja os elementos de conjuntura internacional (por exemplo, os interesses franceses como principal rival dos ingleses) com mestria, forçando o reconhecimento de soberanias sem mesmo ter força para tanto, ainda que, aparentemente, tenha aberto incondicionalmente suas áreas africanas aos interesses ingleses (abertura das colônias ao comércio externo).
Na década de 80, as pressões externas sobre o continente inserem na política colonial portuguesa o uso sistemático do terror, do extermínio como exemplo, enfim, a brutalidade como prática da ordem do dia. Aqui, como em outras oportunidades, o africano aparece , realmente, mas já morto; vítima passiva. O emprego dos jesuítas, tentativas fracassadas de colonização de povoamento foram outros expedientes utilizados para acelerar o controle mais rigoroso das áreas coloniais. No cômputo global, todas estas iniciativas traduziram sem dúvida uma política mais agressiva, impulsionada pelo nacionalismo expansionista que dominava na metrópole. Os resultados foram débeis (…). No entanto, embora fugaz, a simples presença portuguesa em regiões como a Lunda ou Manica era relevante, na luta que se avizinhava pela posse dos territórios do interior da África Central..
A expansão do império português na África foi contida pelos interesses de outras nações européias, em particular a Inglaterra. O ultimatum inglês, em 11 de janeiro de 1890, foi um marco importante deste processo, deixando bem claro para Portugal os limites de suas ambições além dos quais seria obrigado a enfrentar o poderio militar inglês, a diplomacia das armas.
O ultimatum mudará o rumo da política econômica portuguesa na África, notadamente o reforço do protecionismo alfandegário. É a vitória dos setores mercantil e industrial no jogo da luta de classes em Portugal, favorecida pela crise econômica dos anos 90 que buscaria no estreitamento com as colônias uma de suas saídas.
O ambiente político criado pelo ultimatum deu o último impulso: para mais, afastada a ideia de obter o consenso das potências europeias para a expansão do império português na África, a abertura econômica e a moderação pautal tornavam-se desnecessárias como instrumentos de relações externas. A partir daí, a preocupação portuguesa será a ocupação administrativa e sobretudo militar de suas possessões.
Os conflitos entre Portugal e Inglaterra continuariam, mudando apenas de continente. Em África, Portugal vai também enfrentar resistências por parte das estruturas locais herdadas do sistema imperial luso-brasileiro, historicamente ligadas ao Brasil via comércio de escravos, e não muito dispostas à dominação direta de Lisboa.
Portugal, ao transitar do feudalismo para o capitalismo, renova suas ambições coloniais, agora de novo tipo, diversas daquelas que sustentaram o império luso-brasileiro. Atrasando-se na história, vai se defrontar com novas potências hegemônicas, nada simpáticas a supostos ?imperialismos não-econômicos para os quais se deveria ter qualquer tipo de respeito. Pura ingenuidade
É em função desta disputa e também no espírito de preservação talvez da única saída para suas crises econômicas (o mundo colonial, ou o que restou dele), que Portugal, agora dramaticamente vestido com os trajes da modernidade capitalista, ainda que meio desconfortável, saudoso dos velhos tempos, vai desesperadamente lutar com todas as suas forças para garantir e ampliar suas possessões africanas.
Ressurge, pois, em África, com novas roupas e velhas práticas: as primeiras, em função de certa tolerância e aceitação de novas formas de trabalho não-escravas, sinais dos novos tempos; as segundas, em virtude de suas tradições históricas de dominação colonial que sempre tiveram como marca o emprego sistemático da violência mais brutal.
O conflito entre o velho e o novo é dramático em Portugal. Sem compreendê-lo, impossível se faz compreender as contradições de todo o projeto colonial português em África.
Fonte: janusonline.pt/
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