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Abolição da Escravatura no Brasil – O que foi
No dia 13 de maio de 1888 foi assinada pela Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, a mais importante lei contra a escravidão, a Lei Áurea, que acabaria legalmente de uma vez por todas com a escravidão no Brasil, último país do mundo a acabar com a escravidão moderna.
Para que possamos entender esse processo, devemos ter em mente o papel da escravidão para o país. Durante a Idade Moderna, época das Grandes Navegações e período no qual os portugueses descobriram o Brasil, a escravidão era considerada uma forma comum de exploração do Brasil.
Foi devido a forte presença dos portugueses na África que ditou os rumos da escravidão naquele período, graças à predominância dos portugueses como principal país nos primeiros momentos das Grandes Navegações, ao lado apenas da Espanha, bem como da inexistência de mão-de-obra capaz de explorar suas colônias, em especial, a sua mais importante, o Brasil.
Após uma primeira tentativa portuguesa malfadada de utilizar os indígenas como força motriz desse processo, devido ao choque de cultura daquelas populações com “conceitos” como trabalho (para os índios este não deveria ser sistematizado), e ainda conflitos com religiosos que buscavam catequizá-los, Portugal concentrou seus esforços no tráfico negreiro cuja origem da captura era a África.
Dentre os anos de 1530 até 1850 (ano da proibição do tráfico negreiro) estima-se que cerca de 3,5 milhões de africanos foram retirados violentamente de sua terra e adentraram ao Brasil; número que demonstra a importância e violência da escravidão.
Imagem de um dos jornais mais importantes à época que foi as ruas do Rio de Janeiro um dia após a abolição da escravidão no Brasil
Esse quadro apenas viria a começar a mudar no século XIX, devido a múltiplos fatores. As fugas e rebelião dos próprios negros, as pressões da Inglaterra para a adoção da mão-de-obra livre e assalariada em vários países com os quais ela realizava comércio, o Movimento Abolicionista que movimentou os ciclos intelectuais mais progressistas, etc.
Em termos institucionais, deve-se compreender a Lei Áurea como o último processo que se iniciou com a proibição do tráfico negreiro em 1850 com a lei Eusébio de Queiróz, passou pela Lei do Ventre-Livre (1871) e Lei dos Sexagenários (1885) até chegarmos a 13 de maio de 1888, momento no qual a escravidão deixaria de existir efetivamente no país.
Representação da princesa Isabel prestes a assinar a Lei Áurea que revogava a abolição no país.
Apesar da euforia que esteve presente no momento da assinatura da Lei Áurea, não podemos esquecer que a mesma apresentava sérios limites.
Todos eles giram em torno do fato de que a lei não propôs a inserção dos ex-escravos à sociedade brasileira, uma vez que os mesmos antes da abolição eram considerados meros bens, e, após a abolição não passaram a ser vistos como brasileiros. Nem mesmo a instauração da República conseguiu tal façanha. Durante os anos iniciais da República, nossas elites buscavam apenas colocar o Brasil nos rumos do “progresso” e da “civilização” utilizando-se de caracteres exteriores como referenciais. Assim, em termos sociais, o povo deveria ser branco para ser evoluído, ou seja, novamente os afrodescendentes se tornavam um problema a ser enfrentado.
Retrato da princesa Isabel, responsável pela lei que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil.
A solução seria incentivar e migração em massa de europeus, populações brancas, em sua maioria italianos, que seriam responsáveis por embranquecer a nação. Além do mais, o ideal de progresso estava também alicerçado em melhorias técnicas nas cidades e nas fábricas, nas quais estas deveriam dispor de melhores condições do competitividade e maquinário.
O problema é que toda essa modernização implicava em um operário que soubesse manejá-las da melhor forma possível. Mais uma vez ao ficar lado a lado com os imigrantes, os afrodescendentes estavam em uma desvantagem maior ainda.
Os séculos ininterruptos de uma instituição tão violenta e perniciosa socialmente quanto a escravidão macularam profundamente a sociedade brasileira que ainda enxerga com estigmas de cor os segmentos da sociedade.
Talvez o mais assustador seja pensar que estes traços ainda estão presentes e medidas mais eficazes não foram tomadas até os dias atuais.
Abolição da Escravatura no Brasil – Causas
Pode-se examinar em vão a história geral do Brasil em busca de explicações satisfatórias para a aprovação da lei de 1888 que libertou três quartos de milhão de escravos, arruinou muitos proprietários de terras e destruiu o sistema político por eles criado.
Embora essas histórias mencionem alguns dos mesmos fatores, eles o fazem apenas de passagem e sem enfatizar sua importância causal.
Fica-se com a impressão geral de que o Parlamento brasileiro promulgou a lei libertando os escravos em resposta a sentimentos humanitários e à pressão da opinião pública despertada por uma campanha de propaganda habilmente dirigida por um punhado de abolicionistas.
É verdade que o Parlamento aprovou a lei que proíbe a escravidão por uma maioria esmagadora. Sabemos, porém, que este Parlamento representava os grandes latifundiários do país, grupos que dependiam do trabalho dos escravos para o seu rendimento e modo de vida.
É possível sustentar que os representantes dos donos de escravos – em muitos casos os próprios donos de escravos – abandonaram seus interesses econômicos mais claros e vitais em decorrência de discursos brilhantes e do clamor da imprensa?
Se a resposta a esta pergunta for “não”, então outras respostas devem ser encontradas.
As idéias propagadas pelos abolicionistas de fato desempenharam um papel decisivo em trazer o fim da escravidão, mas não da maneira geralmente descrita.
Os abolicionistas apelaram às necessidades de novos grupos urbanos surgidos no Brasil após a Guerra do Paraguai (1865-1870). Esses grupos, estimulados por essa propaganda, encorajaram e incitaram a revolta virtual dos escravos por meio da fuga em massa das plantações. Os fazendeiros, diante de um fato consumado, preferiram legalizá-lo para evitar a deterioração posterior de sua posição.
Em muitos casos, uma escassez crônica de escravos já os havia prejudicado gravemente.
As influências estrangeiras e mesmo as pressões foram as grandes responsáveis por essa escassez e pelas medidas tomadas em favor dos escravos antes de 1871. Quando a Lei do Rio Branco foi aprovada, embora os novos grupos urbanos ainda fossem fracos, os fazendeiros já começavam a sentir a falta do trabalho.
Para compreender a interação de forças que levou à abolição da escravidão no Brasil, é necessário compreender duas grandes mudanças na vida econômica e social brasileira.
Um foi o aumento das exportações de café e a expansão de novas regiões produtoras de café; a outra era o tamanho e a importância crescentes das cidades.
Durante a segunda metade do século XIX, o Brasil foi arrastado para o turbilhão econômico europeu.
O crescente ímpeto da revolução industrial na Europa e nos Estados Unidos significou não apenas um aumento da população urbana no mundo “desenvolvido” e um aumento do lazer para desfrutar de itens de luxo como o café, mas também a aplicação de novas tecnologias ao mar e transporte terrestre, reduzindo significativamente o custo das commodities enviadas para e do Brasil.
Como resultado, as exportações brasileiras de café aumentaram de forma tão acentuada que perturbou as relações econômicas e sociais estabelecidas.
A princípio, o grosso dessa produção concentrava-se no vale do Paraíba do Sul, mas a exportação de café estimulou um novo interesse pela construção de ferrovias.
Em 1868, novas linhas foram abertas do porto de Santos às ricas terras do centro-oeste do estado de São Paulo, de onde outras ferrovias se espalharam pela nova área. Em meados da década de 1880, a província de São Paulo produzia mais café do que o Rio de Janeiro.
Com as ferrovias, a fronteira econômica avançou e o centro-oeste de São Paulo foi incorporado pela primeira vez à economia monetária do Brasil. Aonde a ferrovia chegava, aparecia a grande e moderna plantação de café; nítidas fileiras de arbustos cintilantes para cima e para baixo no campo ondulante substituíram as manchas desordenadas de safras de subsistência que anteriormente eram cultivadas na floresta virgem.
Não mais dependentes de trens de mulas para transportar seus produtos aos navios que esperavam em Santos, os fazendeiros agora podiam se deslocar com mais facilidade para terras cada vez melhores.
Enquanto isso, o vale do Paraíba entrou em um período de declínio econômico com mansões decadentes revelando um passado mais grandioso.
A turbulenta prosperidade da área cafeeira paulista trouxe à tona um novo grupo de homens. Os grandes plantadores de café aqui não eram dominados pelas tradições de um passado senhorial, mas vinham de um grupo anteriormente desfavorecido de pequenos proprietários de terras e mercadores. Com o entusiasmo dos homens em sua ascensão, eles se lançaram à terra, expulsando seus escravos insuficientes, pedindo dinheiro emprestado, travando batalhas por terras, adquirindo mais e avançando cada vez mais para o oeste.
Eles consideravam suas terras como capital e não como uma marca de status. Eles o adquiriam para produzir riqueza e, se os métodos antigos não funcionassem, eles tentariam novos. Como empresários rurais, eles mostraram seu espírito inovador ao adotar uma nova safra, ao usar novas técnicas para processá-la e ao apoiar com entusiasmo as ferrovias, que muitas vezes eles próprios construíram, e exigiram uma fonte de trabalho mais abundante e flexível do que a instituição da escravidão poderia fornecer.
O aumento do comércio de exportação também ajudou a provocar o surgimento de novos grupos urbanos e o crescimento comercial geral no Brasil. Não eram mais apenas os estrangeiros que se tornavam mercadores.
Novos estabelecimentos, como bancos, empresas de transporte, seguradoras e serviços urbanos, surgiram rapidamente para atender às demandas crescentes do comércio de café.
Essas empresas contrataram um número crescente de moradores urbanos em empregos de colarinho branco.
A expansão das receitas do café também financiou uma proliferação de burocracia nas capitais para lidar com os problemas cada vez mais complexos de administrar um país próspero. Cidades menores como Itú, Sorocaba e Campinas ganharam importância como centros distribuidores de alimentos e insumos em uma área de monocultura que antes era autossuficiente.
Cidades portuárias menores como Santos e Niterói compartilharam da nova prosperidade. O crescimento urbano tornou-se característico.
Simultaneamente, novas atitudes surgiram, divorciadas da terra e céticas em relação aos valores aristocráticos. Esses eram homens de atitudes modernas.
As relações pessoais começaram a perder sua importância nas cidades, e os homens logo começaram a falar nostalgicamente sobre os bons e velhos tempos, em contraste com o “instinto mercenário de nosso tempo”.
A ideia de que os homens devem ser recompensados de acordo com sua capacidade começou a receber uma aceitação mais ampla. O crescimento de uma economia de exportação criou uma cultura distinta, orientada para a Europa. As cidades portuárias tornaram-se as cabeças de ponte da civilização europeia. Modas de roupas, hábitos alimentares, estilos arquitetônicos e opiniões refletiam as novas influências da Europa.
Três tipos urbanos merecem menção especial: oficiais militares, engenheiros e industriais.
Os oficiais não eram oriundos da aristocracia latifundiária, mas sim das cidades, e durante a Guerra do Paraguai desenvolveram uma antipatia pela escravidão e um desprezo pelos bacharéis produzidos pelas instituições de ensino tradicionais. Insatisfeitos com seu status, eles olhavam com esperança para o futuro. Intimamente ligado a eles estava um novo grupo de engenheiros, civis que haviam iniciado suas carreiras como engenheiros militares ou haviam sido treinados na Escola Central, criada em 1858 e rebatizada de Instituto Polytechnico em 1874.
Um deles expressou sua comum insatisfação quando chorou para fora: “Oh, quão miserável é a posição dos engenheiros no Brasil.” O industrialismo no Brasil criou outro novo grupo.
A Guerra do Paraguai havia estimulado grande parte da manufatura de consumo, que aumentou após o fim da guerra. Em meados da década de 1870, as fundições de ferro, as fábricas têxteis e as fábricas de sapatos e chapéus tiveram um crescimento significativo. A manufatura têxtil mudou das decadentes áreas do norte da Bahia para a próspera região centro-sul, onde a tradição industrial realmente teve seu início. Homens profissionais juntaram-se aos oficiais do exército, engenheiros e industriais. Apesar de sua formação no direito tradicional e nas faculdades de medicina, foram impelidos pelo contato com a sociedade urbana a adotar os novos valores da cidade e as novas ideias importadas da Europa.
Os centros urbanos, então, estavam ocupados não apenas por um número crescente de mercadores e burocratas diretamente relacionados à economia de exportação, mas também por empresários industriais, engenheiros, oficiais militares e os filhos da antiga aristocracia que absorveram os valores desses novos grupos. Eles compartilhavam um interesse em mudança e “progresso”, uma crença em uma sociedade caracterizada pela mobilidade social e individualismo, e uma economia dominada pelo lucro.
Eles também se opunham quase invariavelmente à escravidão. Isso era especialmente verdadeiro para os homens ligados à indústria.
Todo o seu modo de vida exigia a liberdade de todos os homens de serem livremente contratados, livremente demitidos, livremente vendidos, livremente movimentados – unidades a serem unidas e desconectadas onde e como os imperativos econômicos exigissem. Os empresários brasileiros estavam geralmente comprometidos com a abolição da escravatura.
Eles reclamaram que a escravidão desacelerou a formação de capital e o amarrou ao trabalho imóvel. Um industrial baiano disse que a melhor proteção que o governo poderia dar à indústria era acabar com a escravidão. André Rebouças, promotor da doca, insistia que “sem liberdade não há indústria. A liberdade é a mãe, o anjo da guarda de toda a indústria. ”
O equivalente nascente de uma associação de fabricantes juntou-se às duas principais sociedades abolicionistas já em 1881 na defesa do fim da escravidão. Alunos e professores da escola de engenharia – a sementeira da nova elite progressista e industrial – formaram uma sociedade abolicionista própria, e foi “em nome da engenharia brasileira” que um deles saudou a aprovação final da abolição lei.
Os industriais acreditavam que a substituição de uma força de trabalho livre por uma escrava era a solução para o problema da mão de obra no Brasil.
Os principais cafeicultores paulistas que viraram construtores de ferrovias foram ativos na importação de trabalhadores europeus para tomar o lugar do escravo.
A crescente demanda por mão-de-obra em uma economia cafeeira em expansão e o surgimento de grupos urbanos insatisfeitos com a escravidão como sistema tornaram a abolição uma necessidade.
Por que então, podemos perguntar, os primeiros passos em direção à abolição foram dados no final da década de 1860 e no início da de 1870, antes que qualquer uma dessas forças pudesse ser considerada muito forte? E por que o comércio de escravos africanos foi proibido já em 1850?
A resposta a ambas as perguntas pode ser encontrada na pressão exercida pelos britânicos.
Os esforços britânicos para destruir o comércio de escravos foram muito discutidos e não precisam nos deter aqui. Uma longa sucessão de tratados, legislação anti-tráfico e, por fim, a própria invasão dos portos brasileiros por navios britânicos são evidências claras do compromisso britânico com esse objetivo. Nem precisamos avaliar a responsabilidade britânica pelo fim do comércio de escravos. Provavelmente, ambas as nações merecem algum crédito.
A Grã-Bretanha pressionou em um momento em que o governo brasileiro estava orgulhoso de seu controle recém-estabelecido sobre toda a nação e estava preocupado com as dificuldades diplomáticas e militares iminentes no Río de la Plata. Ao mesmo tempo, um excesso momentâneo de novos escravos ajudou a promover a aprovação e a aplicação rigorosa da lei antiescravo.8 Assim, as ações enérgicas da Grã-Bretanha combinaram-se com circunstâncias propícias no próprio Brasil para acabar com o comércio de escravos.
É menos conhecido que a Grã-Bretanha continuou a pressionar o governo de Pedro II nas décadas de 1850 e 1860, até que o próprio Brasil deu provas de um firme compromisso com o fim da escravidão.
Enquanto a lei que liberta os filhos de escravos nascidos depois de 28 de setembro de 1871 costuma ser considerada a primeira evidência de uma campanha abolicionista, ela foi na verdade a conclusão da fase britânica da história, iniciada quarenta anos antes.
Os movimentos britânicos para atacar a instituição da escravidão giraram em torno de três questões. Em primeiro lugar, milhares de africanos entraram no país desde 1831, em violação das leis e tratados brasileiros.
Outra questão dizia respeito aos negros encontrados a bordo de navios negreiros que o Tribunal da Comissão Mista do Rio supostamente havia libertado, mas que de alguma forma foram privados de sua liberdade.
Finalmente e mais importante foi a questão abstrata da própria escravidão.
O ministro britânico no Brasil no início da década de 1860, William D. Christie, manteve pressão constante sobre as três questões.
Em 1862 ele escreveu ao Ministro das Relações Exteriores, Lord John Russell: “Em várias ocasiões, sugeri a Vossa Senhoria a importância de se esforçar, se possível, para. . . persuadir o governo brasileiro a tomar medidas que levem à extinção definitiva da escravidão e, entretanto, mitigando seus males ”.
Ele ficou particularmente excitado com o destino dos africanos supostamente libertados pelo Tribunal da Comissão Mista, e quando o governo brasileiro os libertou em 1864, ele atribuiu a ação às represálias que havia cometido no ano anterior sob outro pretexto.
Ainda mais importante, essas represálias foram diretamente responsáveis pelo início de passos mais amplos em direção à emancipação.
No início de 1864, o imperador expressou temor de que, se o Brasil não se movesse nessa direção, os britânicos tomassem a iniciativa como fizeram com o comércio de escravos.
Temores semelhantes foram expressos no Senado. D. Pedro II pediu uma lei que liberasse todos os nascidos de mães escravas a partir de certa data.
Seus principais argumentos avaliados pelo Conselho de Estado foram o medo de uma eventual revolta de escravos e a probabilidade de intervenção estrangeira. Durante 1865, uma lei nesse sentido foi submetida ao Conselho de Estado e, em maio de 1867, o imperador referiu-se à questão da escravidão no Discurso do Trono, a primeira indicação pública de que o império poderia considerar a abolição da escravidão. O Brasil reagiu com horror e silêncio, mas a Grã-Bretanha se preparou para revogar sua legislação arbitrária de comércio anti-escravos.
O resultado final foi a lei brasileira de 1871, que libertou os filhos dos escravos nascidos a partir daí, embora eles tivessem que trabalhar para o patrão da mãe até os 21 anos a título de indenização.
Embora nada tenha sido dito sobre a eventual abolição, estava claro que a escravidão no Brasil estava condenada.
É claro que a pressão britânica foi a responsável por essa lei, na medida em que nem os cafeicultores de São Paulo nem os novos grupos urbanos haviam surgido para exercer influência política nesse sentido.
Alguns historiadores sugeriram que a influência britânica na abolição surgiu menos do humanitarismo do que do desejo de aumentar o poder de compra do mercado brasileiro de produtos britânicos. Na verdade, as pessoas raramente têm tanta visão. Os resultados da abolição eram incertos; pode ter mergulhado o Brasil em um período de caos e declínio econômico.
Comerciantes britânicos no Rio e fabricantes de têxteis em Manchester protestaram ruidosamente contra as ações enérgicas de Christie, e ele não hesitou em dizer que estavam ajudando a escravidão brasileira.
Uma explicação muito mais defensável e sofisticada é que os valores da classe média tendiam a dominar toda a nação britânica e que a escravidão e o comércio de escravos contradiziam esses valores.
O direito de ser senhor de si mesmo era o mais básico de todos os direitos individuais e uma ameaça a esse direito em qualquer lugar do mundo era uma ameaça à validade de todos os direitos que a classe média britânica considerava essenciais. Para o britânico naquela época, não era mais uma questão de pesar prós e contras e medir as vantagens ou desvantagens econômicas da escravidão. Um princípio essencial para seu modo de vida estava agora em jogo. Da mesma forma, a escravidão gerou oposição nos setores brasileiros que atacavam uma sociedade tradicional, pré-industrial e não-individualista.
No final da década de 1870, o cenário era favorável ao movimento abolicionista. Uma economia de exportação em expansão exigia mais mão-de-obra. Era óbvio que a escravidão acabaria mais cedo ou mais tarde e que nenhum novo escravo estaria disponível, nem da África, nem da procriação.
Finalmente, novos grupos urbanos estavam descobrindo que a escravidão era um impedimento não apenas para seu próprio sucesso financeiro, mas para a disseminação de sua visão de mundo.
A maneira como essas forças gerais foram traduzidas em ações concretas é de crucial importância para a compreensão desse período da história brasileira. Por uma questão de clareza, é melhor saltar em frente, começar com as causas diretas da ação parlamentar que liberta os escravos e, em seguida, retroceder para mostrar a importância dessas tendências mais amplas.
A causa imediata mais importante da abolição foi a fuga dos escravos das fazendas de café de São Paulo e do Rio. Nos dois anos anteriores à aprovação da lei da abolição, em maio de 1888, um enorme número de escravos se revoltou contra a autoridade com os pés, fugindo das plantations, a princípio secretamente, um a um, e depois em massa e quase publicamente.
Os proprietários nada podiam fazer por si próprios contra esse tipo de ação direta, e a dicotomia entre cidade e campo tornou-se agora evidente pela primeira vez, pois no sistema de fuga as cidades desempenhavam um papel essencial, como agentes das forças de mudança. Rio, Niterói, Petrópolis, Campos, Santos, São Paulo e cidades menores da região cafeeira tornaram-se cidades virtualmente livres para o escravo, pois foram adotadas medidas para auxiliá-lo a chegar ao estado do Ceará, onde a escravidão já havia sido abolida 1884, ou iniciou uma ação legal para provar que ele foi detido ilegalmente, ou deu-lhe asilo permanente.
Em São Paulo, Antônio Bento de Souza e Castro organizou um sistema em que escravos eram retirados das plantações, colocados em trens ou pastoreados a pé até Santos e instalados em favelas.
Ele também teve a temeridade de oferecer escravos fugitivos aos proprietários de plantações como trabalhadores contratados durante a alta temporada da colheita.
As mesmas ferrovias que possibilitaram a expansão da cafeicultura agora serviam aos escravos.
Como disse um historiador: “Não havia um passageiro ou trem de carga no qual um escravo fugitivo não pudesse encontrar meios de se esconder, e não havia uma estação onde alguém não o recebesse e ajudasse discretamente”.
Quase todos os funcionários das ferrovias eram considerados abolicionistas, e não menos entusiasmados eram os gerentes. Em Santos, onde todos os escravos locais haviam sido libertados em 1886 por assinatura pública, os escravos que chegavam pela “ferrovia subterrânea” eram imediatamente abrigados na periferia da cidade. Até dez mil às vezes se reuniam lá.
A história em outras cidades era quase a mesma. No Rio de Janeiro, centro do movimento abolicionista, não houve dificuldade em encontrar asilo temporário nas casas dos interessados, de onde foram encaminhados para a periferia do Leblon. Petrópolis também se tornou um refúgio para fugitivos. Em Campos, a ação direta assumiu uma forma ainda mais aberta, pois aqui Luiz Carlos de Lacerda instou a revolta de escravos e foi responsabilizado pela queima de canaviais.
Por que o governo não interrompeu a fuga em massa de escravos?
Embora os governos provincial e central agissem de tempos em tempos, logo ficou claro que seus agentes, muitos dos quais eram burocratas de segunda geração com origens urbanas, não tinham o coração na tentativa de reprimir a fuga de escravos. Era nas cidades que o governo estava localizado, e os esforços para conter a ferrovia subterrânea encontraram oposição civil a cada passo.
É especialmente significativo que as forças armadas tenham sido recrutadas nas cidades, especialmente os oficiais.
As escolas militares foram durante anos o local de sociedades abolicionistas. Muitas são as provas da relutância dos militares em atuar como caçadores de escravos até que, finalmente, em outubro de 1887, o Clube Militar, composto pelos principais elementos do exército, pediu à princesa regente que fosse dispensada da caça aos escravos.
A aristocracia proprietária de terras ficava cada vez mais tímida diante das demandas dos oficiais cada vez mais auto-afirmativos, e os militares venciam. Já foi sugerido que, se o legislador não tivesse aprovado a lei da abolição em 1888, as cidades teriam se revoltado e os militares não teriam defendido o regime.
A cooperação das classes urbanas pode ser observada em um episódio bem-humorado ocorrido em Santos. O governo da província enviou um trem de tropas para capturar os escravos fugitivos.
Quando o trem parou na estação, os soldados se viram cercados pelas principais matronas da cidade, que trancaram as portas dos vagões, impedindo-os de pousar.
O superintendente da ferrovia convenceu o indiferente comandante da expedição a se render por força maior e retornar à capital provincial.
Nem os soldados nem esses representantes dos novos grupos urbanos estavam interessados em proteger a propriedade humana dos proprietários de terras.
Finalmente, durante os primeiros meses de 1888, os fazendeiros começaram a libertar seus próprios escravos para impedi-los de deixar as plantações. Em maio, estimava-se que metade dos escravos que haviam estado na área de Campos seis meses antes estava livre e que um terço das plantações de São Paulo estava sendo trabalhado por escravos recém-libertados.
Uma vez que o processo então em pleno andamento acabaria com a escravidão para todos os efeitos e propósitos dentro de alguns meses, a lei que aboliu a escravidão foi em grande parte uma formalidade.
Um anti-abolicionista perguntou: Para quê, uma lei de abolição?
Na verdade, já está feito – e de forma revolucionária. Os senhores apavorados procuram conter o êxodo, dando liberdade imediata aos seus escravos.
Isso não significa subestimar o papel das ideias dos abolicionistas em trazer o fim da escravidão. Deu muito trabalho persuadir os escravos a deixar as plantações.
A Confederação Abolicionista carioca contratou mascates italianos para circular entre eles e distribuir folhetos pelo interior. Presumivelmente, eles foram lidos para os escravos analfabetos.
Capatazes escravos assassinaram alguns dos mascates, mas a notícia continuou a se espalhar.
Os abolicionistas também faziam questão de transmitir sua mensagem aos escravos que passavam pela cidade com seus senhores. Ao retornar, esses escravos carregavam consigo a ideia de fuga e o conhecimento de que eles e seus companheiros seriam ajudados e protegidos.
Um tipo de proteção também refletiu o sucesso dos abolicionistas em mudar as atitudes dos magistrados brasileiros.
Os abolicionistas descobriram o artifício de levar ao tribunal o caso de escravos importados desde 1831, acusando a escravidão ilegal de pessoas livres. No início, esse esforço teve pouco sucesso, e no início da década de 1880 os abolicionistas ainda podiam dizer, referindo-se à lei de cinquenta anos, que “os juízes deste país não sabem ler ou não sabem contar”. Logo, porém, alguns juízes, movidos pela própria força da campanha abolicionista, começaram a proferir decisões favoráveis.
Depois de 1883, poucos tribunais negariam a liberdade ao escravo que pudesse provar que ele ou seus pais haviam sido trazidos depois de 1831, e em uma ocasião um advogado garantiu a liberdade de 716 escravos invocando essa lei.
Mais tarde, os juízes até colocaram o ônus da prova sobre o proprietário. A vigorosa campanha de palavras e ideias que precedeu e acompanhou a fuga das plantações deu frutos.
Foi a força e a eficácia da cruzada abolicionista que persuadiu grandes segmentos da população urbana a aquiescer ou contribuir para o sucesso do movimento.
Se não fosse pelo constante esforço abolicionista de repelir o anacronismo da escravidão em uma era de “progresso”, é duvidoso que os militares teriam se recusado a cooperar na preservação do status quo.
Outros grupos urbanos também cooperaram na fuga bem-sucedida dos escravos.
Esta campanha abolicionista, que começou em 1879, foi examinada com algum detalhe por outros, de modo que pouco precisa ser dito sobre ela aqui. Ao longo da década de 1880, jornalistas e publicitários levaram a mensagem às casas das classes médias urbanas. Sociedades abolicionistas bem financiadas forneceram a direção para a campanha multifacetada.
Esses clubes apresentavam uma série de palestras, uma quase todas as semanas, e tornou-se moda entre os aspirantes a modernistas participar. Com a desculpa mais frágil, uma demonstração seria encenada, com desfiles, faixas e discursos. As sociedades publicaram diversos jornais e utilizaram todos os meios possíveis para divulgar a causa. No Parlamento, o movimento encontrou oradores brilhantes para levar a cabo as primeiras e cautelosas meias-medidas.
De 1884 a 1888, esse corpo esteve envolvido na discussão da escravidão quase constantemente, e os oponentes da abolição culparam o trabalho dos publicitários na cidade e a fuga dos escravos do país pela nova preocupação. Antônio Prado, importante cafeicultor e empresário que podia falar pelos interesses do país mais esclarecido, assumiu a liderança das manobras parlamentares em direção à abolição e empurrou-as.
Os abolicionistas conseguiram organizar as preocupações da cidade para pressionar um novo grupo de fazendeiros a se posicionar ao lado do progresso.
Em 13 de maio de 1888, a princesa regente assinou a lei abolindo a escravidão no Brasil sem indenização. As comemorações de um mês aconteceram em quase todas as cidades do Brasil com fogos de artifício, palestras e desfiles. No campo, porém, houve pouca alegria. Os próprios escravos estavam desorientados, sem saber o que fazer com sua liberdade.
Muitos se aglomeraram nas cidades para encontrar seus companheiros que já haviam fugido das plantações. Os mestres, mesmo aqueles que consentiram ou cooperaram nas etapas finais do movimento, ficaram naturalmente atordoados com a rapidez da transformação. Seguiu-se uma depressão geral no campo.
Os esforços do governo para amenizar essa situação emprestando fundos aos proprietários de terras apenas fortaleceram ainda mais os grupos urbanos de gerentes de bancos, promotores de empresas, manipuladores de ações e seus funcionários.
Os efeitos da abolição foram de longo alcance. Transferiu o poder da zona açucareira do Nordeste e da antiga região cafeeira do vale do Paraíba para a nova zona cafeeira do estado de São Paulo.
Aumentou a confiança dos novos grupos urbanos e, embora sua vitória parecesse ter vida curta, foi um passo significativo no longo caminho em direção à modernização. Também enfraqueceu seriamente a monarquia, cujos laços com os proprietários de terras são bem conhecidos. Até o ex-escravo, agora assalariado, mas privado da sensação de vitória, deu pelo menos um passo mais perto do mundo moderno.
Abolição da Escravatura no Brasil – Resumo
O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, o que aconteceu em 1888. Como instituição colonial, a escravidão estava presente em todas as regiões e em quase todas as camadas livres e libertas da população.
A emancipação só se tornou um problema na esfera política quando foi levantada pelo governo imperial na segunda metade da década de 1860, após a derrota da Confederação na Guerra Civil dos Estados Unidos e durante a guerra contra o Paraguai. Em 1871, a nova legislação, apesar da oposição inicial dos proprietários de escravos e seus representantes políticos, instaurou um processo de emancipação gradual. No final do século, a escravidão teria desaparecido, ou teria se tornado residual, sem grandes perturbações para a economia ou o regime fundiário.
No final da década de 1870, entretanto, a oposição popular à escravidão, exigindo sua abolição imediata sem qualquer tipo de compensação aos ex-proprietários de escravos, cresceu no parlamento e como um movimento de massa. As organizações abolicionistas espalharam-se pelo país durante a primeira metade da década de 1880.
Estimulada pela ação direta de algumas dessas organizações abolicionistas, a resistência à escravidão se intensificou e se tornou cada vez mais uma luta contra a própria escravidão e não apenas pela liberdade individual ou coletiva. Incapaz de controlar a situação, o governo imperial finalmente aprovou uma lei no parlamento concedendo a abolição imediata e incondicional em 13 de maio de 1888.
Fonte: Vinicius Carlos da Silva
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