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Dialética é sem dúvida um termo usual no campo das ciências humanas. É bem provável que você já ouviu esse termo nas aulas de filosofia, sociologia, história até mesmo literatura. Entretanto, existirá uma única definição para o termo? Quais filósofos se apropriaram do conceito em seu pensamento e com que intenção? Quem será o seu fundador? Esse texto objetiva responder a esses e outros questionamentos acerca da dialética.
Como resposta a algumas dessas perguntas, o filósofo italiano Nicola Abbagnano ressalta que para além de uma univocidade conceitual, o termo dialética adquiriu, no decorrer da história da filosofia, significados diferentes com influências vindas dos pensamentos de Platão (dialética como método de divisão), Aristóteles (dialética como lógica do provável), Estoicos (dialética como lógica) e Hegel (dialética como síntese dos opostos), o que dificulta chegar a uma definição precisa do termo que efetivamente contemple a todas as suas vertentes. Todavia, objetivando tornar claro o conceito, mas consciente da dificuldade de sistematização, Nicola Abbagnano define dialética, em seu Dicionário de Filosofia, nos seguintes termos:
“A dialética é o processo em que há um adversário a ser combatido ou uma tese a ser refutada, e que supõe, portanto, dois protagonistas ou duas teses em conflito; ou então que é um processo resultante do conflito ou da oposição entre dois princípios, dois momentos ou duas atividades quaisquer. Mas trata-se, como se vê, de uma caracterização tão genérica que não teria nenhum significado histórico ou orientador” (p. 269).
A alcunha de “pai da dialética” costuma ser atribuída a Heráclito, filósofo pré-socrático,que via no movimento/transformação a característica fundamental da natureza (physis). Entretanto, independentemente de ter sido Heráclito de Éfeso, Sócrates ou Zenão de Eleia (Diógenes Laércio e Aristóteles o considera fundador) o fundador da dialética, é inegável a contribuição heraclitiana para o que foi chamado de dialética no transcurso da história das ciências humanas haja vista,no século XIX, o próprio Hegel ter feito uso das contribuições de Heráclito para pensar, posteriormente, o seu Espírito Absoluto.
É do filósofo pré-socrático a célebre frase: “tudo flui” que coloca toda a realidade em movimento dialético a partir da luta entre os opostos: juventude e velhice, guerra e paz, bem e mal, que gerarão, pela luta, a mais perfeita harmonia. O conceito de o eterno fluir das realidades aparece de forma muito clara na música “Como uma Onda” do compositor brasileiro Lulu Santos, que vale a pena ouvir.
Essa concepção heraclitiana se contrapõe à imutabilidade do ser proposta por Parmênides que via na mudança uma mera ilusão: “O ser é, o não-ser não é” – afirmando que algo não poderia ser e não ser ao mesmo tempo sem afetar o princípio lógico da não-contradição, apoio basilar da chamada “dialética negativa”.
Esse embate entre Heráclito e Parmênides que disputam a mutabilidade e imutabilidade do ser só será resolvido posteriormente por Platão em sua teoria das ideias. Ler o texto Alegoria da Caverna, deste portal, para melhor entender a referência.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), o filósofo da racionalidade absoluta (idealismo), delineia o conceito de dialética como síntese dos opostos (tese e antítese), entendido para além de um mero conflito argumentativo tal qual a dialética grega tradicional, mas como um sistema de compreensão da realidade a partir de um processo articulador entre a tese, antítese e síntese em direção ao Espírito Absoluto. A oposição entre tese e antítese gera a síntese: o grau mais elevado do espírito para o filósofo alemão, sem, contudo, finalizar o processo que se repetirá num ciclo interminável de novas tese, antítese e síntese.
Dialética na Música
Vinícius de Moraes, poeta, cantor e compositor brasileiro, em sua música Canto de Ossanha” traduziu de forma incrível o movimento dialético do tempo marcado pela impermanência, muito semelhante ao eterno fluir heraclitiano marcado pelo devir que a tudo transforma infinitamente. A letra da canção é a seguinte:
“O homem que diz dou, não dá
Porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz vou, não vai
Porque quando foi já não quis
O homem que diz sou, não é
Por que Quem é mesmo é, não sou
O homem que diz Tou, não tá
Ninguém está quando quer […]”
A canção sintetiza o próprio movimento dialético que marca a vida humana em que afirmação e negação coexistem e se entrelaçam o tempo todo num ciclo interminável de tese, antítese e síntese. Daí o eu-lírico afirmar as contradições próprias entre dizer e fazer, por ação do tempo, que independem da vontade humana, mas é acima de tudo característica essencial do processo dialético da vida em transformação.
Fábio Guimarães de Castro
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FERREIRA, Fernando G. A Dialética Hegeliana: uma tentativa de compreensão. Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n7, p. 167-184, 2013.
MORAIS, Isabela. É, não sou: “Canto de Ossanha” e a dialética em forma de canção. Rev. Brasileira de Estudos da Canção, Natal, v.4, 2013.
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