Ninguém vos pode tirar (1616)

Redondilhas de Luís Vaz de Camões

Cantiga

PUBLICIDADE

a este cantar velho:
Sois fermosa e tudo tendes,
senão que tendes os olhos verdes.

VOLTAS

Ninguém vos pode tirar

[o] serdes bem assombrada;

mas heis-me de perdoar,

que os olhos não valem nada.

Fostes mal aconselhada

em querer que fossem verdes:

trabalhai de os esconderdes.

A vossa testa é jardim,

onde Amor se desenfada;

é branca e bem talhada,

há-de querer bem.

Havei dó, minina,

dessa fermosura;

que se a terra é dura,

que parece de marfim.

Assim é; e, quanto a mim,

isso nasce de a terdes

tão perto dos olhos verdes.

Os cabelos desatados

o mesmo Sol escurecem;

senão que, por serem ondados,

algum tanto desmerecem:

mas, à fé, que se parecem

a furto dos olhos verdes,

não vos pese de os terdes.

As pestanas têm mostrado

ser raios que abrasam vidas;

se não foram tão compridas

tudo o mais era pintado:

elas me tinham levado

já sem o vós saberdes,

se não foram os olhos verdes.

O mimo desse carão

nem pôr-lhe os olhos consente:

e ser liso e transparente

rouba todo o coração.

Inda assim achareis gente

que lhe não pese de o terdes;

mas não seja cos olhos verdes.

Esse riso é composto

de quantas graças nasceram;

senão que alguns me disseram

vos faz covinhas no rosto.

Na vontade tenho posto

dar-vos a alma, se quiserdes,

a troco dos olhos verdes.

Nunca se viu, nem se escreve

boca nem graça igual,

se não fora de coral

e os dentes de cor de neve.

Dou-me a Deus, que me leve!

Sofrerei quanto tiverdes,

não me tenhais os olhos verdes.

Essa garganta merece

outras palavras, não minhas,

senão que é feita em rosquinhas

de alfenim, o que parece.

Eu sei quem se ofrece

a tomar tudo o que tendes,

e também os olhos verdes.

Essas mãos são ferropeias,

só o vê-las, enfeitiça;

senão que são alvas e cheias,

e têm a feição roliça,

com que apelais por justiça,

pera com elas prenderdes

quem vê vossos olhos verdes.

A vossa galantaria

matará a quem falardes;

tendes uns desdéns e tardes

que eu logo vos roubaria.

Dou-me a Santa Maria!

Sou cujo de quanto tendes,

também desses olhos verdes

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br

Veja também

Os Reis Magos

PUBLICIDADE Diz a Sagrada Escritura Que, quando Jesus nasceu, No céu, fulgurante e pura, Uma …

O Lobo e o Cão

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Encontraram-se na estrada Um cão e um lobo. …

O Leão e o Camundongo

Fábula de Esopo por Olavo Bilac PUBLICIDADE Um camundongo humilde e pobre Foi um dia …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site é protegido por reCAPTCHA e pelo Googlepolítica de Privacidade eTermos de serviço aplicar.