Redondilhas de Luís Vaz de Camões
Trovas
PUBLICIDADE
do Autor, na Índia, conhecidas
pelo nome de «Disparates»
Este mundo es el camino
adó ay ducientos vaus
ou por onde bons e maus
todos somos del menino.
Mas os maus são de teor
que, dês que mudam a cor,
chamam logo a el-Rei compadre;
e, enfim, dejalhos, mi madre,
que sempre tem um sabor
de «Quem torto naeo, tarde se
[endireita».
Deixai a um que se abone,
diz logo de muito sengo:
villas e castillos tengo,
todos a mi mandar sone.
Então eu, que estou de molho,
com a lágrima no olho,
pelo virar do envés,
digo-lhe: tu insanus es,
e por isso não to talho:
pois «Honra e proveito não cabem |
[num saco».
Vereis uns, que no seu seio
cuidam que trazem Paris,
e querem com dous ceitis
fender anca pelo meio.
Vereis mancebinho de arte
com espada em talabarte;
não há mais Italiano.
A este direis:-Meu mano,
vós sais galante que farte:
mas «Pan y vino anda el camino, que
no mozo garrido».
Outros em cada teatro
por ofício lhe ouvireis
que se matarán con tres
y lo mismo harán com cuatro.
Prezam-se de dar respostas
com palavras bem compostas;
mas, se lhe meteis a mão,
na paz mostram coração,
na guerra mostram as costas:
porque «Aqui torce a porca o rabo».
Outros vejo por aqui,
a que se acha mal o fundo,
que andam emendando o mundo
e não se emendam a si.
Estes respondem a quem
deles não entende bem
el dolor que está secreto;
mas porém quem for discreto
responder-lhe há muito bem:
«Assi entrou o mundo, assi há-de sair».
Achareis rafeiro velho,
que se quer vender por galgo:
diz que o dinheiro é fidalgo,
que o sangue todo é vermelho.
Se ele mais alto o dissera,
este pelote pusera;
que o seu eco lhe responda,
que su padre era de Ronda,
y su madre de Antequera
e «Quer cobrir o céu cüa joeira».
Fraldas largas, grave aspeito
para senador romano.
Õ que grandíssimo engano!
Que Momo lhe abrisse o peito!
Consciência que sobeja,
siso, com que o mundo reja,
mansidão outro que si;
mas que lobo está em ti,
metido em pele de oveja!
E sabem-no poucos.
Guardai-vos d’uns meus senhores,
que ainda compram e vendem;
uns que é certo que descendem
da geração de pastores;
mostram-se-vos bons amigos,
mas, se vos vêm em perigos,
escarram-vos nas paredes;
que de fora dormiredes,
irmão, que é tempo de figos;
porque «De rabo de porco nunca
bom virote».
[Que dizeis duns, qu’as entranhas
lhe estão ardendo em cobiça?
E, se têm mando, a justiça
fazem de teias de aranhas,
com suas hipocrisias
que são de vós as espias?
Para os pequenos, uns Neros;
para os grandes, tudo feros.
Pois tu, parvo, não sabias
que «Lá vão leis, onde querem
cruzados»?
Mas tornando a uns enfadonhos
cujas cousas são notórias;
uns, que contam mil histórias
mais desmanchadas que sonhos;
uns, mais parvos que zamboas,
que estudam palavras boas,
[a que ignorancia os atiça;]
estes paguem por justiça,
que têm morto mil pessoas,
por vida de quanto quero
Adónde ienen las mentes
uns secretos trovadores,
que fazem cartas d’amores,
de que ficam mui contentes?
Não querem sair à praça;
trazem trova por negaça;
e se lha gabais, que é boa,
diz que é de certa pessoa.
Ora que quereis que faça,
senão ir-me por esse mundo?
Ó tu, como me atarracas,
escudeiro de solia,
com bocais de fidalguia,
trazidos quase com vacas;
importuno a importunar,
morto por desenterrar
parentes que cheiram já!
Voto a tal, que me fará
um destes nunca falar
mais com viva alma.
Uns que falam muito, vi,
de que quisera fugir;
uns que, enfim, sem se sentir,
andam falando entre si;
porfiosos sem razão;
e dês que tomam a mão,
falam sem necessidade;
e se algüa hora é verdade,
deve ser na confissão;
porque «Quem não mente…» Já me
[entendeis.
Õ vós, quem quer que me ledes,
que haveis de ser avisado,
que dizeis ao namorado
que caça vento com redes?
Jura por vida da Dama,
fala consigo na cama,
passa de noite, e escarra;
por falsete na guitarra
põe sempre: viva quem ama,
porque calça a seu propósito.
Mas deixemos, se quiserdes,
por um pouco as travessuras
porque entre quatro maduras
leveis também cinco verdes.
Deitemo-nos mais ao mar;
e, se algum se arrecear,
passe três ou quatro trovas.
E vós tomais cores novas?
Mas não é para espantar;
que «Quem porcos há menos, em cada
[mouta lhe roncam».
Ó vós, que sois secretários
das conciências reais,
que entre os homens estais
por senhores ordinários;
porque não pondes um freio
ao roubar que vai sem meio,
debaixo de bom governo?
Pois um pedaço d’inferno
por pouco dinheiro alheio
se vende a Mouro e a Judeu
Porque a mente, afeiçoada
sempre à real dignidade,
vos faz julgar por bondade
a malícia desculpada.
Move a presença real
üa afeição natural,
que logo inclina ao juiz
a seu favor; e não diz
um rifão muito geral
que «O abade donde canta,
[daí janta»?
E vós bailhais a esse som?
Por isso, gentis pastores,
vos chama a vós mercadores
um que só foi pastor bom.]
Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br
Redes Sociais