Quereis encontrar marido? – Aprendei!…

Lima Barreto

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A livraria Schettino, desta cidade, há tempos, editou um pequeno opúsculo de doze páginas, tipo graúdo, entrelinhado, com este soberbo título: Quereis encontrar marido? – Aprendei!…

É autor do livro uma senhora, Dona Diana D’Alteno, que, a seguir a regra geral, nunca encontrou o seu. Digo isto porque, na quase totalidade, todas as pessoas que se propõem a fornecer tal coisa ou outra aos seus semelhantes, não a possuem. Haja vista os feiticeiros, negromantes, cartomantes, adivinhos, hierofantes, que estão sempre prontos a dar fortuna aos outros, mas que, entretanto, não têm níquel, pois precisam de espórtulas e gratificações para os seus generosos serviços.

Dona Diana D’Alteno começa o seu interessante opúsculo assim, deste modo, que transcrevo tal e qual:

“Gentis e amáveis moças solteiras. É a vós que dedico estes meus escritos. O motivo que me induz a traçar estas linhas é um dos mais vitais, e quiçá dos mais graves.”

Depois dessa invocação às suas caras leitoras, a autora entra de pronto no “argumento”.

Sabem qual é este argumento? Pois fale ela. Eis as suas palavras:

“Permiti, pois, que vos fale disso como coisa nova.

“Se trata do terrível dépeuplement, a diminuição progressiva de nascimentos, que poderá um dia ser causa de tremendos conflitos entre as nações, aproveitando-se umas sobre as outras de maior a menor número de combatentes.”

Vejam os senhores só como esta senhora está adiantada em matéria de previsão histórica e como a sua sociologia é muito obstétrica e ginecológica.

O despovoamento pode ser um dia causa de tremendos conflitos, fenômeno terrível que ela qualifica mais adiante: “espada de Dâmocles suspensa sobre a cabeça de boa parte do gênero humano”.

A Senhora D’Alteno, ao acabar de fazer tão curiosa descoberta, não fica satisfeita. Parece que o seu gênio é como a atividade catequizadora de São Francisco Xavier; quer ir mais longe, mais longe. “Amplius!”

Então toma a palavra pela segunda vez e descobre a causa. Mais uma vez passo para aqui as palavras da ilustre socióloga:

“Pela segunda vez, peço permissão de tomar a palavra e explicar sem ambages qual seja esse motivo: é a diminuição dos matrimônios. É o caso de dizer: “a pequenas causas, grandes efeitos” e na verdade, os matrimônios se tornam cada vez mais raros e mais difíceis.”

Peço licença para observar à ilustre senhora coisas simples. Antes, tenho a dizer que nada entendo dessas coisas sociais, mesmo em se tratando de casamentos. Não é atividade da minha seara intelectuaL mas já foi dito que cada qual tem o direito de ter uma opinião e de dizê-la. Eu julgo que o casamento nada tem com o despovoamento. Pode haver multiplicação da humanidade sem ele, como pode haver com ele. O “crescei e multiplicai-vos” não subentende casamento algum. Há muitas espécies animais que obedecem ao preceito bíblico e prescindem de semelhante cerimônia. Por acaso entre os nossos animais domésticos que crescem e se multiplicam, apesar das pestes, das facas das cozinheiras, do choupo, etc.; há pastores e sacerdotes encarregados de realizar casamentos? Não.

Estou bem certo que a autora não se zangará comigo, apesar do seu nome que, entretanto, não é também propício aos destinos do seu singular folheto. Mas… Afirma Dona Diana que “o homem (o grifo é dela) tem medo do matrimônio. Um sacro terror se apoderou dele a tal palavra”.

Ainda uma vez peço licença à ilustre autora para discordar. O “homem” não tem medo do matrimônio; o “homem” o quer sempre. A culpa é da mulher que escolhe muito. Se ela casasse com o primeiro que encontrasse, a tal história não se daria. Eu, por exemplo, atiro ao terreiro um grão de milho; se não houver um galináceo que o coma, ele germina logo. Agora, se ele quiser terra especial ou a terra quiser um grão especial, a coisa é outra. Vai ver a ilustre autora como me vai dar razão nas suas penúltimas palavras que são estas:

“Permanecei mulher, se quereis um dia ser mãe – a ‘Maternidade!’ é essa a maior vitória que glorifica a mulher; é esta a sua grandiosa obra.”

Não falaria eu com, tanto calor, mas diria a mesma coisa com simplicidade, chãmente. Vossa Excelência, porém, está no seu direito, apesar de Diana, de fazê-lo da forma que o fez.

E essas suas palavras vêm a pêlo agora quando várias senhoritas se assanham para entrar para a estrada de ferro, para o Tesouro, como funcionárias públicas.

Há nisto vários erros, uns de ordem política, outros de ordem social. Os de ordem política consistem em permitir que essas moças se inscrevam em concurso para aspirar um cargo público, quando a lei não permite que elas o exerçam.

Não sou inimigo das mulheres, mas quero que a lei seja respeitada, para sentir que ela me garante.

Nos países em que se há permitido que as mulheres exerçam cargos públicos, os respectivos parlamentos têm votado leis especiais nesse sentido. Aqui, não. Qualquer ministro, qualquer diretor se julga no direito de decidir sobre matéria tão delicada. É um abuso contra o qual eu já protestei e protesto.

Quando era ministro Joaquim Murtinho – da Fazenda – é preciso saber – uma moça requereu inscrever-se em concurso para o Tesouro. Sabem o que ele fez, depois de ouvir as repartições competentes? Indeferiu o pedido, por não haver lei que tal autorizasse.

Nos Telégrafos e Correios, as moças têm acesso, porque os respectivos regulamentos – autorizados pelo congresso – permitem. Nas outras repartições não; é abuso.

Mulher não é, no nosso direito, cidadão.

Está sempre em estado de menoridade. Por aí iria longe; por isso convém parar.

Spencer, na Introdução à ciência social observa que desde que o serviço militar obrigatório foi instituído em França, para todos os rapazes entre dezoito e vinte e um anos, o que obrigou as raparigas a virem a fazer os serviços que competiam àqueles, as exigências de altura, talhe, etc., para os recrutas foram pouco a pouco diminuindo; o trabalho da mulher tinha influído na geração…

Krafft-Ebbing diz, não sei onde, que a profissão da mulher é o casamento; por isso cumprimento Dona Diana D’Anteno por ter escrito o seu interessante opúsculo – Quereis encontrar marido? – Aprendei!…

Hoje, 26-6-1919

 

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