Lima Barreto
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O Sr. Ranulfo Prata teve a bondade e a gentileza de me oferecer um exemplar de seu livro de estréia – O Triunfo. Eu o li com o interesse e o cuidado de todos os livros de moços que me caem nas mãos, pois não quero que um só de talento me passe despercebido.
É um romance, antes, uma novela em que o autor revela grandes qualidades para o gênero.
Já possui a sobriedade de dizer, a naturalidade do diálogo e não limalha a frase estafadamenente.
O personagem principal – o triunfador – é estudado com toda a minúcia e exatidão.
O seu caráter amoldável, fácil, e capaz de todas as dedicações, é nitidamente examinado e explicado.
Compraz-se o Sr. Ranulfo Prata no detalhar uma pequena cidade do interior da Bahia e, apesar desse gênero de estudo ser por demais comum, a sua pintura de Anápolis sai muito viva e original.
Teimam todos os romancistas que tratam de tais cenas, em atribuir às moças dessas cidadezinhas, beleza.
Algumas vezes que tenho visitado tais vilarejos, nunca encontrei uma moça que a tivesse.
A Angelina do Sr. Prata é linda, é bela e, de meninota da roça, passa logo a “coquette” do Rio, cheia de amantes.
A minha experiência a esse respeito é infelizmente nula e não posso apresentar objeção de preço, mas duvido que seja assim. Contudo, tudo isso são nugas sobre as quais não quero insistir.
Tais são as qualidades do livro, tais são as promessas que ele encerra, que o meu dever de escritor e justiceiro é animar o confrade, pedindo que ele continue, que ele se esforce mais, a fim de tirar da nossa vida brasileira obras de arte dignas da imortalidade dos séculos.
O Triunfo está cheio de cenas de costumes cativantes.
A rivalidade das bandas de música é uma delas e eu não posso deixar de transcrever aqui a descrição da representação de um drama, num teatrinho do interior. Ei-la:
“Entrava o terceiro ato, o último. O drama encerrava um poderoso exemplo de moral. Os protagonistas eram a mulher de um pintor, o pintor e um conde.
“O papel de pintor coube ao Paiva, que o encarnou muito bem, de carmim nos lábios, gravata preta e olhar romântico. O conde era um rapaz alto, de cabeleira, aprendiz de alfaiate. Ele queria à viva força possuir a fresca mulher do pintor, que resistia tenazmente, apesar do ouro oferecido. Uma noite, não podendo sufocar o seu desejo, penetrou audaciosamente no humilde lar do artista e quis forçá-la, recebendo uma grande bofetada. O pintor casualmente entra no momento, e raivoso, alucinado, – o que o Paiva fez muito bem – quer estrangular o fidalgo.
A mulher fiel pede-lhe, de joelhos, que não o faça.
O conde, humilhado, ali mesmo saca do revólver e suicida-se.
“Quando o pano caiu a platéia aplaudia delirantemente, vertendo lágrimas de emoção.”
Com tantas e superiores qualidades, é de esperar que o Sr. Ranulfo Prata venha a ser um grande romancista, a quem aconselho abandonar toda a preocupação de elegâncias para só atender o que é propriamente de sua arte: a alma humana e os costumes.
Tive com a leitura do seu livro o máximo prazer e espero que se repita em um segundo livro que, em breve, estou certo, ele nos dará.
Se ainda lhe falta, talvez, uma profunda e sagaz visão da vida, sobram-lhe outras qualidades de escritor que suprem aquela falta.
Com o tempo, o jovem escritor corrigirá os defeitos e nós teremos um grande romancista digno das nossas letras e dos destinos da nossa língua.
É desejo de quem escreve estas ligeiras notas e o faz ardente e sinceramente.
A.B.C., 28-9-1918
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