Poemas – José Bonifácio

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José Bonifácio

Ausência

Em Paris, no ano de 1790.

Pode o Fado cruel com mão ferrenha,
Eulina amada, meu encanto e vida,
Abafar este peito e sufocar-me!
Que pretende o Destino? em vão presume
Rasgar do meu o coração de Eulina,
Pois fazem sós um coração inteiro!
alma impressa,
Tu desafias, tu te ris do Fado.
Embora contra nós ausência fera,
Solitárias campinas estendidas,
Serras alpinas, áridos desertos,
Largos campos da cérula Amphitrite
Dois corpos enlaçados separando,
Conspirem-se até mesmo os Céus Tiranos.
Sim, os Céus! Ah! parece que nem sempre
Neles mora a bondade! Escuro Fado
Os homens bandeando, como o vento
Os grãos de areia sobre a praia infinda
Dos míseros mortais brinca e os males
Se tudo pode, isto não pode o Fado!
Sim, adorada, angelical Eulina.
Eterna viverás a esta alma unida,
Eterna! pois as almas nunca morrem.
Quando os corpos não possam atraídos
Ligarem-se em recíprocos abraços,
(Que prazer, minha amada! O Deus Supremo,
Quando fez com a voz grávido o Nada,
Maior não teve) podem nossas almas,
A despeito de mil milhões de males,
Da mesma morte. E contra nós que vale?
Do sangrento punhal, que o Fado vibre,
Quebrar a ponta; podem ver os Mundos
Errar sem ordem pelo espaço imenso;
Toda a Matéria reduzir-se em nada,
E podem ainda nossas almas juntas,
Em amores nadar de eterno gozo!

Publicado no livro Poesias Avulsas de Américo Elísio (1825).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similiar
da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição
de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio
de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.63-64.
(Coleção Afrânio Peixoto

Calabar

Oh! não vendeu-se, não! – Ele era escravo
Do jugo português. – Quis a vingança;
Abriu sua alma às ambições de um bravo
E em nova escravidão bebeu a esperança!
Combateu… pelejou… entre a batalha
Viu essas vidas que no pó se somem;
Enrolou-se da pátria na mortalha,
Ergueu-se – inda era um homem!

Calabar! Calabar! Foi a mentira
Que a maldição cuspiu em tua memória!
Amaste a liberdade; era uma lira
De loucos sonhos, de elevada glória!
Alma adejando neste Céu brilhante
– Sonhaste escravo reviver liberto;
Subiste ao largo espaço triunfante,
Voaste – era um deserto!

A quem traíste, herói? – Na vil poeira
Que juramento te prendia à fé?!
Escravo por escravo essa bandeira
Foi de um soldado lá – ficou de pé!…
Viu o sol entre as brumas do futuro
– Ele que por si só nada podia;
Quis vingar-se também – no sonho escuro

Quis ter também seu dia!
O pulso roxo da fatal cadeia
Brandiu uma arma, pelejou também,
Viram-no erguido na refrega feia,
– Sombrio vulto que o valor sustém!
Respeitai-o – que amou a heroicidade!
Quis erguer-se também do raso chão!
Foi delírio talvez – a eternidade
Teve no coração!

Oh! que o Céu era lindo e o sol se erguia,
Como um incêndio nas brasílias terras;
Da cimeira da selva a voz surgia,
E o som dos ventos nas remotas serras!
Adormeceu… à noite em funda calma
Ouviu ao longe os ecos da floresta;
Bateu-lhe o coração – triste sua alma
Sorriu-se – era uma festa!

Homem – sentiu na carne desnudada
O açoite do algoz nodoar a honra,
E o sangue sobre a face envergonhada
Mudo escreveu o grito da desonra!
Era escravo! Deixai-o que combata;
Livre nunca ele foi – quer sê-lo agora,
Como o peixe no mar, a ave na mata,
Como no Céu a aurora!

Oh! deixai-o morrer – deste martírio!
Não alceis a calúnia ao grau da história!
Que fique a lusa mão em seu delírio
– Já que o corpo manchou, manchar a glória!
Respeitemos as cinzas do guerreiro
Que no pó sacudira a alteira fronte!
Quem sabe esse mistério segredeiro
Do sol lá no horizonte?!

Não se vendeu! Infâmia… era um escravo!
Sentiu o estigma vil, horrendo selo;
Pulsou-lhe o coração, viu que era um bravo;
Quis despertar do negro pesadelo!
Tronco sem folhas, triste e solitário,
Debalde o vento assoberbar tentou,
Das asas do tufão ao sopro vário
Estremeceu, tombou!

Paz ao sepulcro! Calabar morreu!
Sobre o topo da cruz fala a verdade!
Quis ser livre também – ele escolheu,
Entre duas prisões – quis ter vontade!
E a mão heróica que susteve a Holanda
A covardia entrega desarmada!
Vergonha eterna a Providência manda
À ingratidão manchada!

Morreu! Mas lá no marco derradeiro
O coração de amor bateu-lhe ainda!
Minha mãe! murmurou… era agoureiro
Esse queixume de uma dor infinda!
Morreu, o escravo se desfaz em pó…
Ferros lançai-lhe agora, se o podeis!
Vinde, tiranos – ele está bem só,
Ditai-lhe agora as leis!

São Paulo, 1850.
(Poesias, 1962.)

Enlevo

Se invejo as coroas, os cantos perdidos
Dos bardos sentidos, que altivos ouvi,
Bem sabes, donzela, que os loucos desejos,
Que os vagos almejos, são todos por ti.

Bem sabes que, às vezes, teu pé sobre o chão,
No meu coração faz eco, passando;
Que sinto e respiro teu hálito amado;
E, mesmo acordado, só vivo sonhando!

Bem sabes, donzela, na dor ou na calma,
Que é tua a minha alma, que é meu o teu ser,
Que vivo em teus olhos; que sigo teus passos;
Que quero em teus braços viver e morrer.

A luz do teu rosto – meu sol de ventura,
Saudade, amargura, não sei o que mais –
Traduz meu destino, num simples sorriso,
Que é meu paraíso, num gesto de paz.

Se triste desmaias, se a cor te falece,
A mim me parece que foges pro céu,
E eu louco murmuro, nos amplos espaços,
Voando a teus braços: – És minhas!… Sou teu!…

Da tarde no sopro suspira baixinho,
No sopro mansinho suspira… Quem és?
Suspira… Hás de ver-me de fronte abatida,
Sem força, sem vida, curvado a teus pés.

(Poesias, 1962.)

Improvisado

DERMINDA, esses teus olhos soberanos
Têm cativado a minha liberdade;
Mas tu cheia, cruel, de impiedade
Não deixas os teus modos desumanos.

Por que gostas causar dores e danos?
Basta o que eu sofro: tem de mim piedade!
Faze a minha total felicidade,
Volvendo-me esses olhos mais humanos.

Já tenho feito a última fineza
Para ameigar-te a rija condição;
És mais que tigre, foi baldada empresa.

Podem meus ais mover a compaixão
Das pedras e dos troncos a dureza,
E não podem abrandar um coração?

Publicado no livro Poesias Avulsas de Américo Elísio (1825).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similar
da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição
de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio
de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.80.
(Coleção Afrânio Peixoto

Ode

As nítidas maminhas vacilantes
Da sobre-humana Eulina,
Se com fervidas mãos ousado toco,
Ah! que me imprimem súbito
Elétrico tremor, que o corpo inteiro
Em convulsões me abala!
O sangue ferve: em catadupas cai-me…
Brotam-me lume as faces…
Raios vibram os olhos inquietos…
Os ouvidos me zunem!
Fugir me quer o coração do peito…
Morro de todo, amada!
Fraqueja o corpo, balbucia a fala!
Deleites mil me acabam!
Mas ah! que impulso novo, ó minha Eulina!
Resistir-lhe não posso…
Deixa com beijos abrasar teu peito:
Une-te a mim… morramos.

Publicado no livro Poesias Avulsas de Américo Elísio (1825).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similar
da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição
de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio
de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.12.
(Coleção Afrânio Peixoto)

Ode aos Baianos

(…)

Duas vezes, Bahianos, me escolhestes
Para a voz levantar a pró da pátria
Na assembléia geral; mas duas vezes
Foram baldados votos.

Porém enquanto me animar o peito,
Este sopro de vida, que ainda dura
O nome da Bahia, agradecido
Repetirei com júbilo.

Amei a liberdade, e a independência
Da doce cara pátria, a quem o Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa —
Eis o meu crime todo.

Cingida a fronte de sangrentos loiros
Horror jamais inspirará meu nome;
Nunca a viúva há de pedir-me o esposo,
Nem seu pai a criança.

Nunca aspirei a flagelar humanos —
Meu nome acabe, para sempre acabe,
Se para o libertar do eterno olvido
Forem precisos crimes.

Morrerei no desterro em terra estranha,
Que no Brasil só vis escravos medram —
Para mim o Brasil não é mais pátria,
Pois faltou a justiça.

(…)

Publicado no livro Poesias (1861).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similar
da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição
de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio
de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.157-158.
(Coleção Afrânio Peixoto)

NOTA: Poema composto de 136 quadra

Saudade I

I

Eu já tive em belos tempos
Alguns sonhos de criança;
Já pendurei nas estrelas
A minha verde esperança;
Já recolhi pelo mundo
Muita suave lembrança.

Sonhava então – e que sonhos
Minha mente acalentaram?!
Que visões tão feiticeiras
Minhas noites embalaram?!
Como eram puros os raios
De meus dias que passaram?!

Tinha um anjo de olhos negros,
Um anjo puro e inocente,
Um anjo que me matava
Só c’um olhar – de repente,
– Olhar que batia na alma,
Raio de luz transparente!

Quando ela ria, e que riso?!
Quando chorava – que pranto?!
Quando rezava, que prece!
E nessa prece que encanto?!
Quando soltava os cabelos,
Como esparzia quebranto!

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram!

Saudade II

Oh! que já fui feliz! – ardente, ansioso
Esta vida boiou-me em mar de encantos!
Os meus sonhos de amor eram mil flores
Aos sorrisos de aurora, abrindo a medo
Nos orvalhados campos!

Ela no agreste monte; ela nos prados;
Ela na luz do dia; ela nas sombras
Pardacentas do vale; ela no monte,
No céu, no firmamento – ela sorrindo!
Então o sol surgindo feiticeiro,
Entre nuvens de cores recamadas,
Segredava mistérios!

Como era verde o florejar das veigas,
Brandinha a viração, múrmura a fonte,
Meigo o clarão da lua, a estrela amiga
Na solidão do Céu!

Que sedes de querer, que amor tão santo,
Que crença pura, que inefáveis gozos,
Que venturas sem fim, calcando ousado
Humanas impurezas!

Deus sabe se por ela, em sonho estranho
A divagar sem tino em loucos êxtases,
Sonhei, penei, vivi, morri de amores!
Se um quebro fugitivo de seus olhos
Era mais do que a vida em plaga edênica,
Mais do que a luz ao cego, o orvalho às flores,
A liberdade ao triste prisioneiro,
E a terra da pátria ao foragido!!!
Mas, ai! – tudo morreu!…

Secou-se a relva, a viração calou-se,
Os queixumes da fonte emudeceram,
Mórbida a lua só prateia lousa,
A estrela amorteceu e o sol amigo
No verde-negro seio do oceano
Chorando a face esconde!

Meus amores talvez morreram todos
Da lua no clarão que eu entendia,
Nessa réstia do sol que me falava,
Que tantas vezes me aqueceu a fronte!

Saudade III

Além, além, meu pensamento, avante!
Que idéia agora a mente me assalteia?!
Lá surge afortunada,
Da minha infância a imagem feiticeira!
Quadra risonha de inocência angélica,
Minha estação no Céu, por que fugiste?
E que vens tu fazer – agora à tarde
Quando o sol já desceu os horizontes,
E a noite do saber já vem chegando
E os lúgubres lamentos?
Minha aurora gentil – tu bem sabias
Como eu falava às brisas que passavam,
Às estrelas do Céu, à lua argêntea,
sobre nuvem purpúrea ao Sol já frouxo!
Ante mim se erguia então o venerando
O vulto de meu Pai – perto, ao meu lado
Minha irmãs brincavam inocentes,
Puras, ingênuas, como a flor que nasce
Em recatado ermo! – Ai! minha infância
Não voltarás… oh! nunca!… entre ciprestes
Dormes daqueles sonhos esquecida!
Na solidão da morte – ali repoisam
Ossos de Pai, de Irmãos!… embalde choras
Coração sem ventura… a lousa é muda,
E a voz dos mortos só a campa a entende.
Tive um canteiro de estrelas,
De nuvens tive um rosal;
Roubei às tranças da aurora
De pérolas um ramal.

De aurinoturno véu
Fez-me presente uma fada;
Pedi à lua os feitiços,
A cor da face rosada.

Contente à sombra da noite
Rezava a Virgem Maria!
De noite tinha esquecido
Os pensamentos do dia.
Sabia tantas histórias
Que não me lembra nenhuma;
Ao meus prantos apagaram
Todas, todas – uma a uma!

Saudade IV

Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?
A ventura – onde vivi na terra?
Minha rosas – que fazem no chão?

Sonhei tanto!… Nos astros perdidos
Noites… noites inteiras dormi;
Veio o dia, meu sono acabou-se,
Não sei como no mundo me vi!

Esse mundo que outrora habitava
Era Céu… paraíso… eu não sei!
Veio um anjo de formas aéreas,
Deu-me um beijo, depois acordei!

Vi maldito esse beijo mentido,
Esse beijo do meu coração!
Ambições, que eu já tive, que é delas?
Minhas glórias, meu Deus, onde estão?

A cegueira vendou-me estes olhos,
Atirei-me num pego profundo;
Quis coroas de glória… fugiram,
Um deserto ficou-me este mundo!

As grinaldas de louro murcharam,
Nem grinaldas – somente a loucura!
Vi no trono da glória um cipreste,
Junto dele uma vil sepultura!

Negros ódios, infames traições,
E mais tarde… um sudário rasgado!
O futuro?… Uma sombra que passa,
E depois… e depois… o passado!

Ai! maldito esse beijo sentido
Esse beijo do meu coração!
A ventura – onde vive na terra?
Minhas rosas – que fazem no chão?

Por entre o chorão das campas
Minhas visões se ocultaram;
Meus pobres versos perdidos
Todos, todos acabaram;
De tantas rosas brilhantes
Só folhas secas ficaram….

S. Paulo, 1850.
(Poesias, 1962.)

Sonetos

Eu vi Narcina um dia, que folgava
Na fresca borda de uma fonte clara:
Os peitos, em que Amor brinca e se ampara,
Com aljofradas gotas borrifava.

O colo de alabastro nu mostrava
A meu desejo ardente a incauta avara.
Com ponteagudas setas, que ela ervara,
Bando de Cupidinhos revoava.

Parte da linda coxa regaçado
O cândido vestido descobria;
Mas o templo de amor ficou cerrado:

Assim eu vi Narcina. — Outra não cria
O poder da Natura, já cansado;
E se a pode fazer, que a faça um dia.

Publicado no livro Poesias Avulsas de Américo Elísio (1825).

In: BONIFÁCIO, José. Poesias. Edição fac-similar
da principe, de 1825, extremamente rara; com as poesias ajuntadas na edição
de 1861, muito rara; com uma contribuição inédita. Rio
de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1942. p.77.
(Coleção Afrânio Peixoto).

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