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Durante séculos, a urbanização brasileira ocorreu em pontos isolados, como verdadeiras ilhas, tornando-se generalizada somente a partir do século XX.
Pode-se dizer que Salvador comandou a primeira rede urbana do país, mantendo sua primazia até meados do século XVIII, quando a capital da colônia se transfere para a cidade do Rio de Janeiro. As relações entre o litoral e o interior eram frágeis neste período.
O povoamento e as riquezas geradas pela agricultura e a mineração ensaiaram os primeiros passos rumo ao processo de urbanização.
Em fins do século XIX, o Brasil assiste ao crescimento do fenômeno de urbanização do território. São Paulo, líder na produção cafeeira, inicia a formação de uma rede de cidades, envolvendo os estados do Rio Janeiro e de Minas Gerais.
Mas, será apenas em meados do século XX, quando ocorre a unificação dos meios de transporte e comunicação, que as condições se tornam propícias para uma verdadeira integração do território. Modificam-se substancialmente os fluxos econômicos e demográficos, conferindo um novo valor aos lugares.
Alcântara, cidade histórica no Maranhão – Lau Polinésio
A partir da década de 70, ocorre a difusão generalizada das modernizações, tanto no campo como na cidade. A construção e expansão de estradas de rodagem e a criação de um moderno sistema de telecomunicações possibilitaram maior fluidez no território, além de permitir a unificação do mercado em escala nacional.
Cresce o consumo de bens materiais e imateriais, como educação e saúde, transformando as funções urbanas. A rede urbana torna-se mais complexa, pois tanto o campo como a cidade respondem às novas condições de realização da economia contemporânea. Na atual fase, a urbanização do território tem múltiplas implicações, tais como o ritmo de crescimento mais lento das cidades milionárias e, concomitante a essa tendência, o crescimento das cidades locais e das cidades médias. Em 1980, o país contava com 142 cidades com mais de 100 mil habitantes e, em 1991, eram 187. A participação da população brasileira cresce também nessas cidades médias, elevando-se de 13,7% em 1970 para 16,7% em 1991. A densidade econômica do território leva à crescente especialização das cidades, que têm um papel cada vez mais ativo no país.
Urbanização é o aumento proporcional da população urbana em relação à população rural. Segundo esse conceito, só ocorre urbanização quando o crescimento da população urbana é superior ao crescimento da população rural.
Observação: Os processos de industrialização e de urbanização brasileiros estão intimamente ligados, pois as unidades fabris eram instaladas em locais onde houvesse infraestrutura, oferta de mão de obra e mercado consumidor. No momento que os investimentos no setor agrícola, especialmente no setor cafeeiro, deixavam de ser rentáveis, além das dificuldades de importação ocasionadas pela Primeira Guerra Mundial e pela Segunda, passou-se a empregar mais investimentos no setor industrial.
Segunda metade do século XX:
O Brasil tornou-se um país urbano, ou seja, mais de 50% de sua população passou a residir nas cidades.
A partir da década de 1950, o processo de urbanização no Brasil tornou-se cada vez mais acelerado (processo de industrialização).
Intensificou-se o êxodo rural (migração rural-urbana), devido à perda de trabalho no setor agropecuário (modernização técnica do trabalho rural, com a substituição do homem pela máquina e a estrutura fundiária concentradora), carência de terras para a maioria dos trabalhadores rurais.
Urbanização desordenada:
Municípios despreparados para atender às necessidades básicas dos migrantes, causa uma série de problemas sociais e ambientais.
Problemas Urbanos:
Sociais:
Moradia (favelização)
Desemprego
Desigualdade social (qualidade de vida)
Saúde
Educação
Exclusão social
Violência (assassinatos, assaltos, sequestros, agressões, e outros tipos de violência).
Políticas públicas devem ser desenvolvidas para proporcionar uma distribuição de renda mais igualitária, diminuindo a disparidade entre a população. Investimentos em serviços públicos se fazem necessários (educação, saúde, moradia, segurança, etc.) de forma que eleve a qualidade de vida e, principalmente, dignidade para os cidadãos brasileiros.
Ambientais:
Aterros sanitários
Ocupação de áreas inadequadas para moradia
Impermeabilização dos solos
Desmatamento
Poluição atmosfera
Poluição dos cursos de água
Produção de calor geram diversos efeitos sobre os aspectos do ambiente
A expansão e ocupação da rede urbana sem o devido planejamento ocasionou e ainda ocasiona vários problemas ambientais para a população que a habita. Esses transtornos são causados por diversos fatores antrópicos, diretamente ligados à expansão das atividades industriais e ao êxodo rural. É necessário um planejamento urbano coerente, bem como a elaboração e aplicação de políticas ambientais eficazes, além da conscientização da população.
A implantação de medidas preventivas tende a evitar os prejuízos vistos atualmente, com os quais toda a sociedade tem que arcar.
Atualidade:
Atualmente Urbanização é mais acelerada em países em desenvolvimento, como o Brasil, ou pouco desenvolvidos. Desde 2008, a população urbana mundial é maior que a rural, e essa proporção continua crescendo.
Brasil urbano Desde a década de 1960, mais precisamente em 1965, a população brasileira passou a ser majoritariamente urbana. Hoje o país está entre ao mais urbanizados do mundo, com mais de 80% dos habitantes morando nas mais de 5,5 mil cidades brasileiras.
Regiões metropolitanas O Brasil possui 31 regiões metropolitanas, que abrigam um terço dos domicílios urbanos e 30% da população do país. A maior delas, a Grande São Paulo, é uma megalópole com 18 milhões de habitantes.
Problemas ligados à urbanização A urbanização desordenada acentua a desigualdade social. O déficit habitacional de milhões de moradias, por exemplo, contribui para o crescimento da população de rua e crescente favelização ou mesmo a criação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
A transição urbana brasileira: trajetória, dificuldades e lições aprendidas
O Brasil experimentou, na segunda metade do século 20, uma das mais aceleradas transições urbanas da história mundial. Esta transformou rapidamente um país rural e agrícola em um país urbano e metropolitano, no qual grande parte da população passou a morar em cidades grandes. Hoje, quase dois quintos da população total residem em uma cidade de pelo menos um milhão de habitantes. Julgado em termos do número e tamanho de cidades, do peso das cidades na geração do PIB e do desenvolvimento da rede urbana, pode-se dizer que a urbanização brasileira já atingiu um grau elevado de maturidade.
Apesar da precocidade dessa transição urbana, as cidades brasileiras ainda enfrentam desafios sociais, econômicos e ambientais pesados. Essa mutação abrupta não se processou de forma harmoniosa, tendo sido particularmente difícil para os contingentes mais pobres que, apesar de representar a parcela majoritária do crescimento urbano e um motor essencial do desenvolvimento nacional, raramente tiveram seu lugar contemplado na expansão urbana. Esse descaso com as necessidades do maior grupo social está na raiz dos grandes problemas sociais e ambientais que afligem as cidades brasileiras no século 21.
Este artigo argumenta que as dificuldades urbanas atuais refletem a confluência de dois fatores principais interligados: a desigualdade profundamente arraigada na sociedade brasileira e a incapacidade de prever, aceitar e planejar de forma antecipada o crescimento urbano maciço e inevitável. Pode-se dizer que a forte desigualdade que caracteriza até hoje a sociedade brasileira veio nos navios portugueses, os quais trouxeram a estratificação social característica do país colonizador, e foi logo fortalecida pelas sesmarias e pela adoção do sistema da escravatura. Através dos séculos, a desigualdade tem sido reproduzida e aprofundada pelas estruturas sociais e culturais que predominaram nos ciclos coloniais, imperiais, republicanos, militares e democráticos, chegando a mostrar sinais de arrefecimento apenas nos últimos anos.
Profundamente arraigada na cultura e nas instituições, essa desigualdade tem contribuído para imunizar a sociedade contra o reconhecimento do direito à cidade da população de baixa renda e tem deprimido sua capacidade para apreciar a dimensão dos problemas enfrentados pelas massas populacionais que dinamizaram o crescimento urbano brasileiro. Essa aceitação implícita e, de certa forma, inconsciente da desigualdade e da pobreza também explica a lentidão dos políticos e planejadores para apreender e reagir à magnitude, velocidade e importância do crescimento urbano. Essa lentidão, por sua vez, impediu a adoção de atitudes proativas em relação à urbanização, facilitando assim a propagação da pobreza habitacional, da inadequação fiscal e da degradação ambiental que hoje marca tantas cidades brasileiras. Esses problemas têm dificultado o aproveitamento da urbanização precoce do país e a exploração do seu potencial para o desenvolvimento social e econômico do país.
O atual trabalho visa analisar o crescimento urbano brasileiro no contexto do desenvolvimento nacional e extrair daí algumas lições práticas que possam servir para orientar as transições urbanas que estão se iniciando, com volumes populacionais muito maiores, nos países em desenvolvimento da Ásia e da África. Muito se poderia aprender da experiência brasileira para ajudar esses países a fazer uma transição urbana mais equitativa e menos comprometida pelos problemas que marcam a trajetória da urbanização brasileira.
As etapas da urbanização brasileira
Conforme pode ser observado no Gráfico 1, em 1950 o Brasil já tinha avançado para um nível de urbanização (i.e. – % da população total residindo em áreas urbanas) que somente hoje é apresentado pelos continentes da Ásia e da África. Por que essa disparidade temporal na trajetória da urbanização? Muitos países da África e da Ásia tinham cidades milenares enquanto o Brasil, na época da colonização portuguesa, era praticamente tabula rasa em termos de localidades urbanas. O território brasileiro nem sequer se beneficiava de grandes cidades legadas pelas civilizações indígenas, como ocorria em outros países da América Latina.
Por outro lado, os colonizadores portugueses também não tinham interesse na criação de uma sociedade urbana: as poucas cidades que foram construídas no litoral brasileiro, durante a época da colônia, serviam apenas para a defesa contra a invasão de outros colonizadores e como entrepostos para a exploração do interior nos diversos ciclos extrativos e agrícolas que presenciou o país. Além disso, a classe dominante era eminentemente rural e anti-urbana. Ou seja, durante todo o período da colônia e na maior parte do império, as cidades não eram componentes de uma rede urbana, mas eram pontos isolados no litoral, mais ligadas ao exterior do que a outras cidades, cada uma servindo ao seu hinterland específico.
Embora não existam informações confiáveis referentes ao crescimento urbano brasileiro antes de 1940, estima-se que em 1872 mais de três séculos e meio depois da chegada dos primeiros colonos o Brasil tinha apenas dez localidades urbanas com uma população de pelo menos 20 mil habitantes.
Destas dez cidades, apenas São Paulo não era localizada no litoral. Esta situação se modificou radicalmente a partir do início do ciclo econômico do café, no último quarto do século 19, período de grandes mudanças econômicas e sociais, tanto em nível nacional como internacional. Localizada principalmente no interior de São Paulo, a produção cafeeira teve que enfrentar a redução do influxo de mão de obra escrava e, logo em seguida, o fim da escravatura.
Apoiado pelo governo, o estado recebeu um grande acervo de migrantes europeus: estima-se que entraram 4 milhões de imigrantes entre 1880 e 1930, 70% dos quais se estabeleceram no estado de São Paulo.
Na região cafeeira, acompanhando o processo de modernização da economia européia, introduziu-se a mecanização, o transporte ferroviário e outros avanços importantes nos processos de produção e comercialização. A melhoria das condições de vida, aliada às iniciativas de saneamento e de saúde pública reduziram a mortalidade e começaram a aumentar as taxas de crescimento vegetativo. A criação do trabalho assalariado atraiu migrantes nacionais e internacionais, gerando mudanças significativas no perfil da mão de obra. Por sua vez, a existência de uma massa de trabalhadores assalariados deu origem a um mercado interno e à comercialização da produção de alimentos.
Desta forma, observa-se que a economia brasileira, assim como a de outros países da América Latina, passou por um período de forte crescimento econômico e demográfico no final do século 19 e nas primeiras décadas do século 20. Essa coincidência da expansão demográfica e econômica, está na raiz da rápida urbanização experimentada pela região latino-americana, explicando, pelo menos em parte, a precocidade do processo urbano nesta região. Em comparação, a África e a Ásia somente experimentaram esses surtos econômicos e demográficos coincidentes muito mais tarde, durante o século 20.
Este período de forte crescimento econômico e urbano no Brasil em torno da produção cafeeira foi abruptamente interrompido pela quebra da bolsa de valores norte-americana, em 1929, e pela consequente crise econômica global.
O baque súbito nos preços dos produtos agrícolas brasileiros e o tamanho da dívida externa contraída durante a alta da economia cafeeira obrigaram o Brasil a voltar-se para o mercado interno e a empreender uma nova organização econômica, desta vez estruturada em torno à industrialização via a substituição de importações. A necessidade de integrar os diversos mercados regionais a essa nova realidade econômica incitou o governo a promover melhorias nos sistemas de transporte e comunicação.
A combinação dessas mudanças provocou também dois tipos de migração que iriam persistir lado a lado durante meio século a partir de 1930: a ocupação das fronteiras agrícolas (Paraná, Centro-Oeste e Amazônia) e a migração de áreas rurais para áreas urbanas. A continuação da queda da mortalidade e o aumento do crescimento vegetativo contribuíram fortemente para alimentar esses dois fluxos durante várias décadas.
Os movimentos rural-urbanos foram adicionalmente estimulados pela intensificação da industrialização decorrente da Segunda Guerra Mundial. Apoiado também no aumento do crescimento vegetativo, o número de cidades e a proporção da população residente em localidades urbanas cresceram rapidamente.
O processo de industrialização via a substituição de importações foi favorecido pelo governo federal ao longo de diversas administrações seguidas e, com isso, cresceu o parque industrial e se fortaleceram os mecanismos de integração nacional. Quando o governo militar, que tomou o poder em 1964, adotou um modelo de modernização agrícola conservador que visava aumentar a produtividade sem alterar a estrutura social predominante, utilizando para isso o crédito subsidiado, os pequenos produtores de todo tipo foram expulsos do campo em grandes números, provocando uma aceleração da migração rural-urbana.
Uma das características mais marcantes do processo de urbanização ao longo do período 1930-80 foi à concentração progressiva da população urbana em cidades cada vez maiores. A grande maioria das novas cidades eram, evidentemente, pequenas ao entrar no rol de cidades, mas as grandes cidades sempre apresentaram o maior incremento absoluto de população. Apenas 5% das cidades tinham uma população de 500 mil ou mais; entretanto, essas cidades contabilizavam sempre a grande maioria de todos os habitantes urbanos, com parcelas que variavam entre 54 e 60% do total. A maioria destas pessoas residia, na realidade, em cidades de mais de um milhão de habitantes. No ano 2000, 54,4% da população que vivia em localidades de mais de 20 mil habitantes residia em uma cidade de pelo menos um milhão de habitantes.
Portanto, o período 1930-80 foi marcado por um processo constante de crescimento urbano e de concentração da população em cidades cada vez maiores.
Esse processo era movido por diferentes etapas do processo de desenvolvimento nacional e nutrido pelo crescimento demográfico que alimentava o estoque de migrantes-em-potencial nas áreas rurais, assim como o crescimento vegetativo da população residente nas próprias cidades.
Entretanto, depois de meio século de urbanização concentradora, o Censo Demográfico de 1991 revelou uma interrupção significativa dessa tendência que parecia, até então, inexorável. Assim, a taxa de crescimento urbano caiu de 4,2% a.a. na década de 70 para 2,6% na de 80. Todas as categorias de tamanho de cidades sofreram uma redução, mas a queda foi mais significativa nas cidades metropolitanas. Na década de 70, elas tinham se responsabilizado por 41% de todo o crescimento urbano nacional; na de 80, essa proporção caiu para 30%. O ritmo frenético de urbanização e de metropolização que tinha perdurado ao longo de meio século, para surpresa de todos, havia sido finalmente interrompido. Essa queda na velocidade do crescimento e da concentração urbana persistiu também durante a década de 90.
Entre os diversos fatores que podem ter contribuído para essa mudança no padrão de urbanização brasileiro, três merecem ser destacados: a queda acelerada da fecundidade, a crise econômica que assolou a região na década de 80 e em parte da década de 90, e a culminação de um processo natural de desconcentração da atividade produtiva.
Até meados da década de 60, o Brasil apresentava níveis elevados de fecundidade, responsáveis pelo crescimento demográfico acelerado do país durante várias décadas. Entretanto, a própria urbanização liderou e dinamizou uma série de fatores conducentes à redução do número de filhos. Nas cidades, as pessoas já não viam a prole numerosa como uma vantagem; ao contrário, representavam um ônus adicional nas condições de habitação urbanas precárias e, frequentemente, um entrave a suas aspirações de melhoria social e econômica. Diversas políticas modernizadoras adotadas pelo governo militar nas áreas de saúde, previdência e comunicações combinaram com a disponibilidade de métodos anti-natalistas mais efetivos (principalmente a esterilização) para provocar a aceleração dessa tendência. O fato é que a fecundidade brasileira teve uma queda vertiginosa de 6,3 para 1.8 (bem abaixo do nível de reposição) em apenas 40 anos. Essa redução diminuiu tanto o estoque de migrantes-em-potencial nas áreas rurais como o ritmo de crescimento vegetativo da população residente nas cidades.
O segundo fator importante na redução do processo de concentração e metropolização foi a crise econômica que assolou o país em seguida ao choque do petróleo que acompanhou a Guerra do Yom Kippur. Os juros internacionais geraram uma dívida externa galopante, a produção industrial sofreu um forte retrocesso e, pela primeira vez na história moderna brasileira, o PIB chegou a ser negativo. Sucederam-se planos e programas de estabilização, assim como ministros de finanças, mas nada impediu que a Década Perdida avançasse para a década de 90.
Os problemas econômicos acabaram gerando outras mudanças de grande significado o fim da ditadura militar e a re-introdução da democracia, o fim do ciclo de industrialização via substituição de importações, a privatização de várias grandes empresas nacionais, a abertura da economia e a redução do papel do Estado, incluindo o planejamento de longo prazo.
Mas o impacto mais importante para o processo de concentração urbana foi o aumento do desemprego e da pobreza. As maiores cidades foram as mais afetadas, especialmente nos setores de indústria e construção. O setor formal foi o mais penalizado, resultando numa expansão acelerada do setor informal. A redução das oportunidades econômicas nas grandes cidades chegou a inverter os fluxos migratórios tradicionais, gerando assim fortes correntes de migração de retorno, e até as primeiras correntes importantes de emigração para o exterior. Nesse contexto, as cidades não-metropolitanas registraram ganhos importantes, resultando em taxas de crescimento maiores nessas cidades.
Antes mesmo de estourar essa crise econômica, o Brasil já havia iniciado um processo de desconcentração da produção industrial a partir do seu centro principal, em São Paulo. Este processo se acelerou na década de 80 e, como resultado, a participação do Estado de São Paulo na produção industrial nacional baixou de 43% em 1970 para 25% em 2000. Visto em retrospecto, essas mudanças refletiam uma tendência bastante previsível, particularmente quando se considera os esforços feitos por diversos governos para integrar as diferentes regiões do país via incentivos fiscais e outros investimentos governamentais. Os próprios empresários aproveitavam essas iniciativas para desconcentrar suas atividades, fugir dos problemas que se acumulavam na grande metrópole e explorar novos mercados. Contudo, a Região Metropolitana de São Paulo permaneceu como a capital dos serviços administrativos, financeiros, educacionais e culturais modernos do país. Assim, o perímetro do polo dominante foi expandido mais do que desconcentrado. Inclusive, grande parte da desconcentração econômica ocorreu para cidades relativamente próximas, no próprio estado de São Paulo.
Por outro lado, o processo de desconcentração relativo observado nas décadas de 80 e 90 não deve ofuscar a continuação do predomínio das grandes metrópoles no cenário urbano nacional. Mesmo nessas duas décadas de crescimento reduzido, as nove Regiões Metropolitanas tiveram um aumento populacional absoluto maior que o aumento verificado nas próximas 52 cidades juntas, conforme mostra a Tabela 5. Vale observar também que o arrefecimento do crescimento metropolitano foi basicamente um fenômeno de estagnação nos municípios-núcleos, pois as periferias das grandes metrópoles continuaram crescendo num ritmo acelerado. Esses subúrbios continuam atraindo migrantes de baixa renda até hoje, inclusive vindo de outras áreas da própria cidade. Não surpreende o fato de que as periferias concentram os maiores problemas de favelização, assentamentos informais, infra-estrutura precária, conflitos ambientais, desorganização social e violência. Na média, a população das periferias das nove Regiões Metropolitanas tem uma renda equivalente a 56% da renda dos habitantes do município núcleo.
A análise do processo e das etapas da urbanização brasileira confirma o fato de que o país tem chegado a certo nível de maturidade na sua transição urbana. A maioria da sua população vive em cidades grandes que compõem uma rede urbana extensa e diversificada. São cidades que já não crescem a ritmos alucinados, mas que geram 90% do PIB nacional. No contexto da economia mundial globalizada, na qual as cidades, especialmente as maiores, levam uma vantagem competitiva, essa concentração deveria representar um ganho comparativo importante. Entretanto, essa vantagem pode estar sendo prejudicada pelas dificuldades sociais e ambientais que caracterizam muitas cidades brasileiras, conforme será visto no próximo segmento.
O descaso com a habitação popular e os problemas sociais e ambientais
Os problemas sociais e ambientais das cidades brasileiras estão nitidamente interligados. Ambos têm suas origens na mesma raíz a falta de uma atitude proativa e realista com relação ao crescimento urbano e o descaso com os problemas do maior grupo social, isto é, a população de baixa renda. O crescimento urbano rápido, na falta de uma orientação espacial e de um manejo ambiental adequado, acentua a degradação de recursos naturais de terra, água e vegetação. A falta de serviços básicos nos assentamentos urbanos contribui para problemas de saúde ambiental, particularmente aqueles ligados à água e ao saneamento.
A maioria da população de baixa renda no Brasil vive em lugares e moradias inadequados devido à ausência de medidas apropriadas para preparar e acomodar o crescimento urbano. Esse descaso caracteriza a expansão urbana do último século e ainda persiste nos dias de hoje. Apesar de muitas décadas de crescimento rápido e da proliferação de favelas em quase todas as cidades, os assentamentos informais têm sido tratados como problemas transitórios de ordem pública, os quais precisam ser eliminados ou que vão desaparecer sozinhos com o desenvolvimento. Na maioria dos casos, o poder público somente se intromete para tentar impedir esse crescimento.
Muitos anos depois, porém, são frequentemente geradas pressões para tentar resolver esse cancro e/ou para angariar os votos da população que vive nele.
Essas atitudes são coerentes com as normas e valores de uma sociedade desigual que, historicamente, raramente tem priorizado as necessidades e os problemas de sua população mais pobre.
O Brasil tem uma longa história de fascínio com planos diretores urbanos, desde o famoso Plano Agache encomendado pela Prefeitura do Rio de Janeiro no início do século 20. Na prática, porém, o ritmo do crescimento urbano no último século sempre ultrapassou qualquer planejamento efetivo do uso do espaço ou do solo. Parte do problema reside na oposição ideológica e política tradicional ao crescimento urbano. As iniciativas governamentais, seja em nível federal, seja em nível estadual ou local, sempre tenderam a retardar ou impedir o crescimento urbano em vez de ordená-lo. É muito interessante observar na última pesquisa realizada pela Divisão de População da ONU a respeito das atitudes políticas do governo federal a respeito da distribuição espacial da população, o Brasil respondeu que gostaria de ver uma mudança major nesse particular, incluindo uma redução da migração rural-urbana e da migração para aglomerações urbanas (UNITED NATIONS, 2010b). Tais atitudes, num país que já tem mais de 80% da sua população residente em áreas urbanas e quase dois quintos em cidades de mais de um milhão de habitantes, não somente surpreendem, mas refletem também um anti-urbanismo muito arraigado e superado pelos fatos.
Essa atitude se reflete concretamente em ações pouco condizentes com o respeito do direito à cidade em nível local. Estudos recentes sugerem que, em muitos lugares, a ausência de uma atitude proativa em relação às necessidades de moradia dos pobres representa muito mais que apatia. Tem sido parte de um esforço explícito e sistemático por parte de tomadores de decisão locais para obstruir o assentamento e a permanência de pobres, especialmente migrantes, nas suas cidades. Nesta linha, diversos municípios têm adotado a prática de dificultar o acesso à compra de lotes, inclusive impondo regulamentos utópicos e irrealistas com relação ao tamanho mínimo do lote, com a clara intenção de afastar compradores de baixa renda. Outras medidas como recusar o acesso à água, saneamento, transporte e outros serviços são utilizadas para impedir a vinda de migrantes e o crescimento urbano (FELER; HENDERSON, 2008).
Esse tipo de iniciativa de parte do poder público local tem implicações que extrapolam os seus efeitos imediatos sobre a migração.
No curto prazo, os pobres têm que se virar para encontrar um espaço para morar: na melhor das hipóteses a população de baixa renda é obrigada a comprar terrenos a preços mais elevados de provedores informais. Os outros menos afortunados estabelecem suas residências precárias em lugares ilegais, inadequados ou perigosos como em áreas de proteção ambiental, encostas de morros, terrenos contaminados ou à beira de rios, sempre sujeitos à instabilidade ou ao despejo e vulnerável ás intempéries climáticas. A falta de uma moradia fixa num lugar adequado está na raiz da incapacidade de se beneficiar de tudo que a cidade pode oferecer em termos de emprego, serviços e bem-estar.
Práticas como essas que limitam a acesso da população mais pobre à cidade infringem os direitos básicos desse grupo, mas também têm outras implicações notáveis de maior alcance. Favorecem o crescimento de bairros marginalizados e insalubres em qualquer parte da cidade. Isto contribui para a vulnerabilidade e para a multiplicação de ambientes insalubres, ao mesmo tempo que favorece a desorganização social e a criminalidade. Também contribui para a degradação ambiental e está na raiz das grandes calamidades públicas. Tudo isto afeta a capacidade da cidade para competir por investimentos e, portanto, acaba reduzindo a geração de emprego e a base fiscal nessa localidade.
Nas condições da economia globalizada, a geração de um clima de investimento estável é tão importante a nível local quanto nacional. Nas cidades, a qualidade da infra-estrutura, as amenidades sociais e culturais e a existência de um ambiente institucional que demonstra interesse nos direitos dos seus cidadãos são características que afetam as decisões de investidores. Essas condições dificilmente serão percebidas em cidades que deixam de considerar as necessidades do seu maior grupo social, ou pior, que tomam medidas explícitas para excluir certos segmentos da população.
Quando os tomadores de decisão nessas cidades finalmente resolvem tentar torná-las mais habitáveis e prósperas, descobrem que têm muitas dificuldades para atrair investimentos e gerar emprego. Descobrem também que o esforço de oferecer serviços e infra-estrutura para essas populações pobres, depois de instalados esses bairros informais e favelas, tem um custo social e econômico muito mais elevado do que se tivesse sido tomada uma atitude proativa, preparando-se para o crescimento inevitável e proporcionando condições decentes às pessoas que queriam se instalar na cidade. Vale observar que oferecer condições dignas não significa dar uma moradia, pois existem diversas formas de fazer com que os custos de oferecer um assentamento digno sejam ressarcidos ao longo do tempo pelo poder público. A compra parcelada do terreno e a segurança da propriedade incentiva investimentos dos próprios moradores que acabam valorizando suas casas, seu bairro e a própria cidade.
Para reverter as tendências atuais que favorecem a continuada expansão de setores informais, teriam que ser adotadas duas iniciativas que são difíceis de implementar numa sociedade marcada pelo privilégio e pela desigualdade e na qual se trata os bairros pobres como cancros que deverão desaparecer por si mesmos. Primeiro, teriam que ser abolidas essas medidas que discriminam explicitamente contra o assentamento de populações mais pobres. Ao mesmo tempo, os mercados de terra distorcidos que caracterizam as áreas urbanas teriam que ser regulados e a população pobre protegida de maneira positiva contra as práticas abusivas de especuladores imobiliários e de empresários do setor informal. Segundo e ainda mais importante, o setor público precisaria tomar uma atitude proativa em relação às necessidades futuras de solo urbano para a população mais pobre. A maioria das cidades dispõe de terras aptas que estão sendo mantidas em reserva por especuladores. Medidas enérgicas teriam que ser tomadas para taxar essas propriedades especulativas e viabilizar a sua integração no mercado formal.
Em suma, muitos dos problemas ambientais enfrentados pelas cidades brasileiras são intimamente ligados com questões sociais e os dois têm suas origens na falta de uma postura proativa da sociedade brasileira e do poder público com relação ao crescimento urbano. Dentro desta atitude, o descaso com as dificuldades do grupo social maior a população de baixa renda reflete uma tolerância secular com a desigualdade. Ou seja, trata-se de uma falta de visão técnica para lidar com uma das mais transcendentes transformações da história brasileira, conjugado a uma cegueira política derivada de uma estrutura social focada nos interesses dos ricos e poderosos, a qual impede enxergar os males causados por essa ausência de proposta coerente para o crescimento urbano inevitável. O êxito de uma cidade depende de uma governança moderna, capaz de lidar efetivamente com o crescimento e gerando um ambiente social mais atrativo. Ponto de partida para esse êxito é saber lidar de maneira positiva com o crescimento populacional e a integração produtiva de diferentes setores na sociedade urbana.
Considerações finais
A urbanização e o crescimento urbano acelerado podem ser vistos como os processos de maior influência na determinação das condições econômicas, sociais e ambientais dos países em desenvolvimento no século 21. A escala do crescimento urbano nesses países, particularmente na Ásia e na África, não tem precedentes na história da humanidade. A maneira em que a concentração populacional vai se realizar nas próximas décadas vai afetar diretamente o desenvolvimento, a pobreza e as condições ambientais desses países e, por último, do mundo todo.
Até o atual momento, a maioria dos tomadores de decisão têm se limitado a reagir ao crescimento urbano, inclusive de forma negativa, em vez de preparar-se para essa transformação inevitável. Dada a escala das mudanças em curso, a dinâmica social e econômica dos processos urbanos e a dimensão de suas consequências, este tipo de laissez-faire é um convite para um desastre monumental. Bem orientado, dentro de uma governança mais efetiva, a urbanização pode ser uma força importante na redução da pobreza, na estabilização do crescimento populacional e no forjamento de um futuro ambiental mais seguro. Mas se essa transformação for deixado na mão das forças do mercado e da especulação imobiliária, dentro de um contexto de desigualdade política e social, ela vai avolumar a pobreza, multiplicar as favelas e aumentar a degradação ambiental num ritmo nunca visto anteriormente.
A experiência da urbanização brasileira pode oferecer lições importantes que podem ser aproveitadas por outros países que se encontram atualmente numa fase menos avançada de sua transição urbana. Essas lições são particularmente cruciais tendo em vista a magnitude do crescimento urbano que está por vir na África e na Ásia. Habitualmente, a primeira reação de políticos e administradores urbanos é de tentar impedir ou retardar o crescimento urbano, criando obstáculos para a chegada de migrantes. A história mostra que essas tentativas não funcionam. Primeiro porque os migrantes continuam vindo, sabendo que suas possibilidades de melhorar de vida tendem a ser melhores nas cidades.
Segundo, porque a parcela maior do crescimento urbano advém, cada vez mais, do crescimento vegetativo das próprias cidades e não da migração.
Os lideres dos países que estão iniciando sua transição urbana deveriam abraçar as potencialidades da urbanização e planejar estrategicamente o crescimento urbano inevitável, em vez de tentar impedi-lo como têm feito muitos políticos e administradores brasileiros. Aceitar que a população mais pobre tem o direito à cidade é um primeiro passo crítico. O próximo passo exige a formulação de uma visão estratégica sobre o uso sustentável do espaço para orientar a expansão urbana. É muito importante prever e orientar a expansão espacial da cidade, de modo a reduzir a depredação do capital ambiental, evitar desastres naturais e garantir a qualidade de vida da população.
Dentro desta visão, é essencial prever as necessidades de solo e moradia para a população de baixa renda. A maneira mais eficaz de conseguir isso é de prever e oferecer, dentro de um plano economicamente sustentável que inclui o financiamento de lotes adequadas, a provisão de serviços básicos para essa população assim como a taxação da especulação imobiliária. Esse planejamento proativo que deve ser feito também com a participação dos interessados é, reconhecidamente, muito menos custoso, em termos sociais e econômicos, que as tentativas de consertar assentamentos informais já instalados e dotá-los de serviços e infra-estrutura básica. Essa atitude proativa é parte essencial de uma boa governança e termina beneficiando a própria cidade, melhorando a vivência dos seus moradores e aumentando a sua prosperidade.
George Martine
Gordon McGranahan
Fonte: www.geobrasil2001.hpg.ig.com.br/renataterence.webnode.com.br/www.unfpa.org.br
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